sexta-feira, 20 de março de 2020

Incapaz de liderar uma resposta à pandemia, Bolsonaro optou por um discurso puramente político.

Teatro de máscaras

Por Bruno Boghossian

Jair Bolsonaro fabricou uma encenação constrangedora para tentar esconder o desprezo com que vem tratando o coronavírus. O presidente pôs uma máscara, chamou nove auxiliares e, depois de passar dias negando os perigos da pandemia, disse reconhecer a gravidade do problema. Produziu um novo fiasco.

Vinte dias após a detecção do vírus no país, Bolsonaro percebeu que sua conduta irresponsável diante da crise não resistiria a um simples encontro com a realidade. Participou pela primeira vez de uma entrevista coletiva sobre o assunto, mentiu sobre as próprias declarações e usou o espaço para fazer propaganda de um panelaço a favor do governo.

Bolsonaro quis reescrever a história para conter o derretimento de sua imagem. Disse estar em alerta desde o início de fevereiro, quando foram retirados os brasileiros do primeiro foco de contaminação, na China. Não quis lembrar, porém, que havia classificado a crise como uma fantasia há pouco mais de uma semana.

O presidente ainda reagiu com desfaçatez incomparável ao tentar emplacar a versão de que jamais incentivou a adesão aos protestos do último domingo (15), desrespeitando uma clara recomendação das autoridades contra aglomerações públicas.

Existem ao menos três comprovações da fraude: uma convocação distribuída por Bolsonaro a aliados por WhatsApp, um discurso em que ele pedia que a população participasse dos atos e uma publicação em que a Secretaria de Comunicação fazia propaganda das manifestações.

Incapaz de liderar uma resposta à pandemia, Bolsonaro optou por um discurso puramente político. Usou um espaço dedicado a informações sobre uma crise de saúde, com reflexos graves na economia, para divulgar um exótico panelaço a favor do governo —em resposta a um protesto marcado contra o presidente.

Nos minutos finais da entrevista, Bolsonaro se queixou e disse que o país tem o hábito de não se antecipar aos problemas. Não era uma autocrítica. “Infelizmente, aconteceu como prevíamos”, fantasiou.

Bruno Boghossian é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente pela Folha de São Paulo, edição de 19.03.20.

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