sábado, 7 de março de 2020

Coronavírus, higiene não causa doenças, muito menos pestes de tipo medieval, como agora

Não se fala em localizar as origens do novo horror e alertar para que não se repita em ciclos.

O Brasil está cheio de amantes do inusitado inconsequente.

A coroa do novo vírus 

O fantasma que percorre o planeta como aflita maldição, semeando pânico, tem nome, cara e origem, mas fazemos de conta que surgiu do nada, como inesperada surpresa.

Em 1920, a “gripe espanhola” matou mais de 1 milhão de pessoas mundo afora e, no Brasil, vitimou até o presidente da República recém-eleito e antes da posse. Num tempo em que não havia antibióticos nem os recursos atuais da medicina eletrônica, a ciência buscou e localizou as causas da tragédia, gerada na Europa pela pestilência dos insepultos cadáveres da Grande Guerra de 1914-1918.

Agora, quando a ciência avançou e superou atrasadas crendices, passamos a dar mais importância às consequências do que às causas concretas que produziram a tragédia do coronavírus. Mais estranho ainda, imprensa, rádio e televisão analisam mais do que tudo as consequências econômico-financeiras provocadas pelo pânico do vírus. A queda nas bolsas de valores ou no produto interno bruto (PIB) tem prioridade sobre as causas e origens prováveis da epidemia, como se a tragédia atual fosse assunto restrito aos cifrões das estatísticas financeiras, não um problema de saúde e vida.

Não se fala em localizar as origens do novo horror epidêmico e, assim, alertar para que o fenômeno não se repita em ciclos.

Nada surge das nuvens, como chuva. Não por acaso, o coronavírus só podia ter nascido na China, que desprezou a natureza para se industrializar e alimentar uma população que, antes, padecia fome. Os chineses optaram por uma falsa visão de progresso e ao inverterem a ordem natural colocaram o dinheiro (ou a subsistência) do dia a dia acima da saúde e da vida em si.

Nos últimos anos a China percebeu o erro e buscou energias limpas. Primeiro, evitou explorar o carvão mineral, que cobrira de cinzas campos e cidades. Em centros urbanos como Pequim ou em vilarejos é comum sair às ruas com máscaras de proteção, como as usadas hoje em Wuhan, matriz do coronavírus.

A soma das consequências, porém, já havia iniciado o processo pernicioso que gerou o vírus que nos amedronta como fantasma em pleno século 21, em que pensávamos “saber tudo de tudo”. Havíamos esquecido, porém, que toda epidemia é consequência da degradação do meio ambiente pela sujeira profunda, seja de que tipo for. Começa no lixo caseiro, aumenta no desleixo das indústrias e da mineração e chega aos agrotóxicos que consumimos nos alimentos. Na moderna sociedade de consumo, em nome do “conforto”, a degradação está no ar, nas águas ou terras e nos assalta no lar, mas agimos e atuamos como quem não se banhe e use perfume francês para iludir o fedor.

No pânico atual, desviamos o foco de atenção e, sem buscar as causas profundas da tragédia, damos atenção a seu significado na queda das bolsas de valores ou do PIB. Abandonamos o essencial - alertar para as causas concretas que geraram o vírus - e valorizamos as consequências econômico-financeiras, algo paralelo que não combate nem evita a tragédia.

Esquecemos, até, o óbvio: higiene não causa doenças, muito menos pestes de tipo medieval, como agora. Fora disso, tudo se limitará a usar máscaras para disfarçar a insensatez de ignorar as causas do horror.

As máscaras de hoje na cidade-matriz do vírus, na China, nem sequer mascaram a tragédia.

A desatenção à essência do que sejam as causas vai além do novo vírus. Está, também, noutros dramas diários. Neste verão, por exemplo, vem diminuindo a areia das praias de Guarujá, Ilhabela e outras, com o mar avançando sobre o que antes era o descanso dos banhistas. No Nordeste, “resolveram” o problema com diques de areia, que em poucos anos o mar vai tragar, de novo.

Não se viu a causa, o aquecimento global, em que o gelo do Ártico e da Antártida se derrete e eleva o volume dos oceanos. Sabe-se do fenômeno há décadas, mas cada um de nós nada faz e nos contentamos em anunciar o horror.

O extravagante desperta sempre atenção e - se não nos cuidarmos - talvez o aplaudamos, até discordando. Quem leve elefantes à Avenida Paulista ouvirá palavrões, mas também mil gracejos, que da ironia passam à admiração. Ou até ao aplauso, pois o estranho e despropositado tem adeptos fanáticos.

O Brasil está cheio de amantes do inusitado inconsequente. Agora, Jair Bolsonaro acusou o Congresso Nacional por “impedi-lo de levar adiante” algumas medidas que ele julga “importantes”. Ao enumerá-las, anunciou só trivialidades sem maior ingerência no desenvolvimento do País, como a validade da carta de motorista por dez anos. Mas nada disse das “milícias” que dominam o Rio de Janeiro pela violência e a chantagem e até chamou de “herói” o “chefão miliciano” Adriano da Nóbrega, suspeito de participar do assassinato da vereadora Marielle.

Novos vírus pululam por aqui, às vezes com coroas, até.

Este artigo de Flávio Tavares foi publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 
06 de março de 2020. Flávio Tavares é Jornalista e Escritor. Prêmio Jaboti de Literatura 2000 e 2005. É Professor Aposentado da Universidade de Brasília. 

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