sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Estranha ética

A Comissão de Ética da Presidência arquivou, por quatro votos a dois, denúncia contra o chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), Fabio Wajngarten, por conflito de interesses. O secretário é dono da FW Comunicação e Marketing, que, como apurou o jornal Folha de S.Paulo, presta serviços a algumas das maiores emissoras de televisão do País e agências de publicidade contratadas por Ministérios e empresas estatais. A Secom afirmou que “a denúncia arquivada é um atestado de idoneidade”. Na verdade, uma vez que o arquivamento se deu sem que sequer se instaurasse uma investigação e antes da conclusão do inquérito da Polícia Federal e do processo administrativo aberto no Tribunal de Contas da União (TCU), ele não atesta nada a não ser a inocuidade da Comissão de Ética.

Wajngarten assumiu em abril do ano passado o cargo de secretário de Comunicação, função que lhe dá poderes para influir na distribuição de verbas para a propaganda oficial. À época ele se afastou da direção da FW, mas conservou a propriedade de 95% das suas cotas. Ato contínuo, delegou a administração da empresa ao empresário Fabio Liberman e nomeou seu irmão, Samy Liberman, secretário adjunto da Secom.

A Lei 12.813/13, que versa sobre conflito de interesses, veda o “exercício de atividade que implique prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse na decisão do agente público”. A defesa de Wajngarten alega que basta ao ocupante de cargo público se afastar da administração da empresa. A questão é controvertida. Ao se negar a enfrentá-la, a Comissão de Ética descumpriu seu papel.

Dados da Secom mostram que aumentaram as receitas com publicidade federal de duas emissoras de televisão que pagam pelos serviços da FW, enquanto uma outra teve sua receita reduzida. A inversão é praticamente injustificável por critérios técnicos, uma vez que a terceira emissora é líder de audiência. Por esses e outros indícios, a Polícia Federal apura práticas de corrupção passiva, peculato (desvio de recursos por agente público) e advocacia administrativa (patrocínio de interesses privados na administração pública). O caso também motivou um processo administrativo no TCU.

Esses indícios seriam mais do que suficientes para que a Comissão de Ética no mínimo investigasse a denúncia e eventualmente julgasse seu mérito. Esta foi a posição dos conselheiros Erick Vidigal e Ruy Altenfelder. O estranho arquivamento contrariou a jurisprudência do colegiado. Em casos anteriores em que investigações criminais estavam em curso, a Comissão optou por aguardar o seu desfecho. Há também precedentes contrários em relação ao mérito. Em 2015, a Comissão decidiu que a então deputada Rebecca Garcia, nomeada por Dilma Rousseff para a Superintendência da Zona Franca de Manaus, não poderia exercer o mandato por ser sócia de empresas de parentes que recebiam subsídios da Zona Franca. Em 2014 o então ministro da saúde Arthur Chioro teve de comprovar que já não era dono de uma empresa de consultoria na área de saúde para continuar no cargo.

No caso de Wajngarten, além de todos os indícios, há evidências para motivar, se não uma recomendação de exoneração, no mínimo uma advertência. Isso porque, ao assumir o cargo, Wajngarten omitiu dados sobre sua empresa e seus negócios. Entre outras coisas, ao ser indagado pela Comissão se mantivera negócios com entidades que operam na mesma seara da Secom, informou que “não”.

Na ocasião da abertura do inquérito policial, Wajngarten afirmou que seria uma “oportunidade” para provar que não cometeu irregularidades. Talvez seja. Será preciso aguardar a conclusão. Por hora já é possível afirmar com certeza que a Comissão de Ética, ao se negar a apurar sua culpa ou inocência, perdeu uma oportunidade de provar que serve para algo mais que justificar e racionalizar qualquer decisão do Planalto.

Editorial de O Estado de São Paulo, edição de 21.02.20.

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