sábado, 25 de janeiro de 2020

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com um "causo" que presenciei

Um jumento bêbado no Piauí

1986. Comício de encerramento da campanha de Freitas Neto (PFL) ao governo do Piauí. Desde cedo, carros de som anunciavam monumental comício. Um showmício da grande Elba Ramalho. Carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, 10 dias antes da data. Fortes chuvas atrapalharam o transporte, atrasando a chegada. O som chegou quase na hora do comício na Praça do Marquês.

Coordenador da campanha, cheguei ao local um pouco antes para ver o ambiente.

Técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos. 18 horas. Um toró (como se diz no Nordeste) começa a cair. A chuva torrencial faz a festa. Praça lotada. Três mil piauienses gritando sob a água que caía. Garrafas de cachaça corriam de mão a mão.

De repente, um estrondo. Fogo e fumaça nos cabos. Corre- corre dos técnicos. Um aviso: "Acabou o som. Não há condição para o showmício."

Elba Ramalho atirou:

- Está aqui meu contrato. Sem som, não canto.

Muita conversa. Até que admite:

- Cantarei uma música e me arranjem um acompanhamento.

Saiu não sei de onde um cara com um banjo. O povão pedia:

- Elba, Elba, Elba, cadê a Elba?

Que começou a cantar:

- Bate, bate, bate, coração...

Nem bem terminou a estrofe, parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa:

- Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas?

O que era aquilo? Por que aquele carão?

Olhei para o meio da multidão.

E vi a cena:

- Um sujeito abrindo a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias.

No dia seguinte, Teresina respirava um ar de gozação. O showmício de Freitas Neto foi um desastre. Senti o ar pesado. Pesquisas nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB.

Perdemos a campanha por 1%. O desastre virou o clima. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me pergunta:

- Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral?

Respondo:

- Um jumento bêbado no Piauí.

P.S. O Imponderável nos visitou na campanha de Bolsonaro

O espírito do tempo

Vivemos tempos de intensa expectativa. Há gente esperançosa por todos os lados. Uns, acreditando que virão coisas boas pela frente. Outros, imaginando que, mesmo sem ganhar na loteria, avançarão um pouco no caminho das coisas boas. Mas há também gente pessimista. Por isso mesmo, a expressão crítica não tira férias. O brasileiro, regra geral, aprecia a linguagem do esculacho. Da ironia e do chiste. Os whatsapps se enchem de brincadeiras e vídeos engraçados. Funcionam como o vapor da panela de pressão. Servem como contraponto ao azedume. Esse é o espírito do nosso tempo. Rir e chorar, debochar e falar sério.

Política esquenta

A essa altura, nem bem janeiro termina, chama atenção o fato de que 2022 abre os primeiros horizontes. Nunca se viu, nos últimos tempos, uma campanha tão antecipada. A ponto de se concluir que este ano começa antes do carnaval. Já começou pra valer. A expressão política está na boca de muitos. Já se fala em candidatos a presidente em 2022, enquanto milhares de pré-candidatos se preparam para o pleito de outubro deste ano.

A aurora eleitoral

Por que estamos vivendo a aurora eleitoral de 2022, sem nem termos passado, ainda, pelo corredor de 2020? Porque a eleição de Bolsonaro quebrou paradigmas e, agora, expande a cobiça que penetra nos corações de mil e um protagonistas. Se uma figura que habitava o território do baixo clero foi eleita, por que eu não posso me eleger? Esta é a interrogação feita por gente plantada na roça da política. O ethos nacional é mutante, vai de A a Z, podendo eleger perfis dos mais extravagantes aos mais simples. Dinheiro, já se sabe, não é fator condicionante para uma eleição.

Bolsonaro, foco em 2022

O presidente Jair lapida, a cada dia, sua identidade. Um composto de gestos, atitudes, expressões obtusas, rituais que colam no gosto popular. O presidente é o principal porta-voz do governo. E inventou uma bizarra liturgia para entrar nos espaços midiáticos: o papo solto na saída do Palácio da Alvorada, onde responde o que quer, foge de perguntas, massacra a imprensa com adjetivos pouco educados, dando recados a torto e a direito. Anuncia, em discursos oficiais, que seu governo pode ter 4 ou 8 anos. Ou seja, pensa em se reeleger. O que não será difícil caso consiga fechar a equação que temos apresentado: BO+BA+CO+CA= Bolso Cheio, Barriga Satisfeita, Coração Agradecido, Cabeça Votando em quem proporciona essa felicidade.

Sérgio Moro

Será uma incógnita até as margens eleitorais, lá pelos idos de abril/maio de 2022. Quem viu o ministro da Justiça no Roda Viva desta semana, pode concluir que ele é candidatíssimo. Saiu pela tangente. Uma enguia ensaboada.

Wilson Witzel

O governador do Rio tem sido generoso com seu Ego. Acredita piamente que será viável em 2022. Ora, o Rio de Janeiro vive um estado de grande deterioração. E a cada dia a situação parece degringolar. Não será fácil limpar os entulhos que se amontoam sobre o mapa do Estado. Nem para a reeleição – a considerar a moldura de hoje – ele teria condições. Mas política é cheia de imprevistos. Mesmo assim, não dá para acreditar nele. O juiz Witzel parece ter perdido o bom senso, ante a espetacularização de sua imagem. (A imagem desastrada do governador saltando de um carro na ponte Rio-Niterói, dando pulinhos de alegria com a morte do sequestrador).

Luciano Huck

É o nome que agrada próceres do centrão político, a partir do ex-governador Paulo Hartung, do ex-presidente Fernando Henrique, do economista Armínio Fraga. Huck, em seu Caldeirão, programa na TV Globo, tem uma expressão popularesca. Rico, pode se dar ao luxo de migrar para a política. Agrega alta visibilidade e pode usufruir do esgotamento entre os polos ideológicos de esquerda e direita; conta com apoio midiático, envolvimento de parcela do empresariado e, claro, o apelo emotivo das margens que, todos os sábados, pregam os olhos no seu Caldeirão. Mas a principal barreira é o gap entre sua identidade e os desafios de um país gigante como o Brasil. Explicarei.

À altura do Brasil?

De pronto, podemos lembrar que astros de rádio e TV estão migrando do espaço do entretenimento para a arena política. Na Europa, temos visto isso em alguns países como Itália. Entre nós, essa migração também ocorre, bastando ver nomes que pularam da mídia para a política. Mas a dúvida persiste: a identidade de Huck - domínio da temática brasileira, conhecimento do país, experiência na administração, discernimento, enfim, estofo – preenche as necessidades nacionais? Teria ele condições de governar um país do tamanho de um continente? Ele pode até responder: serei líder de uma equipe. Mesmo assim, nuvens pesadas se projetam sobre ele.

João Doria

O governador de São Paulo já demonstrou que é competitivo. Ganhou uma eleição para a maior metrópole do país e, a seguir, o pleito no Estado-líder. Mas a renúncia à Prefeitura deixou sequelas. Ganhou por pouco a eleição no Estado. Doria sabe lidar com marketing, conservando interlocução com influentes intermediadores sociais. Mas não chega à base da pirâmide. Não se trata de um perfil a circular no meio do povão. Cumpre bem as obrigações oficiais, faz inaugurações, é uma locomotiva que todos os dias se desloca em muitas direções. Onipresente. Noutras regiões, é um desconhecido. E precisa arrumar a união entre os tucanos.

O Lulo-Petismo

Para começar, o PT continua desalinhado. As alas estão em disputa, apesar do esforço da deputada Gleisi Hoffman para costurar a unidade. Fernando Haddad ainda é o perfil que obtém maior conhecimento, claro, depois de Lula e Dilma. Não quer se candidatar este ano à Prefeitura paulistana, preservando-se para 2022. Lula continua a ser a carta do baralho que decide o jogo do partido. Se seu caso nos tribunais descer para a primeira instância, o PT vai tentar anular condenações já impostas, essas que tiram sua viabilidade. Difícil. Mais provável é que sua função seja de puxador de votos.

Tasso e Roodrigo

Começa a ganhar volume nos meios empresariais e de formação de opinião a chapa Tasso Jereissati e Rodrigo Maia. Há um núcleo nos dois partidos – PSDB e DEM – que começa a trabalhar com essa composição. É evidente que se travará uma luta sangrenta entre a ala de João Doria e a de Tasso e Aécio Neves. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está muito bem na fita, pelo trabalho de boa articulação e resultados que vem apresentando no Parlamento. Aliás, seja qual for o candidato a presidente, Rodrigo tem boa chance de compor como vice.

Polarização

Como esta Coluna já disse em outras ocasiões, a campanha municipal deste ano ocorrerá na esteira da polarização aberta na campanha de 2018. Teremos um pleito federalizado. O papel das mídias sociais será forte. Mas os controles deverão colocar uma lupa nos exageros- calúnias, difamação, versões mirabolantes, fake news de todos os tamanhos. A base a ser eleita este ano criará a imensa estrutura municipal para a decolagem de 2022.

Chances

Agora, as chances de cada um.

1. Bolsonaro – O presidente será o principal protagonista de 2022. Portanto, teoricamente sai na frente. O que não é muito confortável como se pensa. Pois, quem vem bem atrás pode encarnar o espírito do tempo e crescer. Quem tem uma pontuação pequena, algo como 7% ou 8%, ao chegar a 14% ou 16%¨, ganha o destaque da mídia: subiu 100%. E esta onda crescente pode empurrar um candidato que começou em baixo para a beira do pódio. Bolsonaro precisa contar com ambiente econômico favorável e nível de críticas menor do que o de hoje. Polêmicas empanarão seus horizontes. Administrar a linguagem será um grande desafio.

2. Moro – Pode vir a disputar a eleição. Fidelidade em política é coisa relativa. Mais adiante, ele teria condições de alegar: infelizmente, não recebi os instrumentos para cumprir minhas tarefas de acordo com o que planejei. E aceitei minha candidatura como uma imposição do povo. Entro na arena. Moro agregaria o discurso do combate à corrupção com o discurso de combate à bandidagem. Com grande viabilidade eleitoral.

3. Witzel- Sem possibilidades de ascender à moldura presidencial. Os problemas do Rio tenderão a permanecer como estão. E engolfarão o governador.

4. Huck – Tem chances de crescer e ser a alternativa contra a polarização. Pesará sobre ele a pecha de ser "o candidato da Rede Globo". O cenário econômico em queda o ajudaria a acender a tocha da esperança. Economia garantindo ambiente de estabilidade tira dele parcela do protagonismo.

5. Doria – Terá problemas no PSDB e em outros partidos grandes. O DEM, por exemplo, tende hoje a apostar em Tasso Jereissati. Mas o governador paulista é um bom negociador. Para entrar no páreo, precisaria ser bem avaliado pelos 35 milhões eleitores de São Paulo. Com a candidatura do Huck, João Doria perde muito. Fossem apenas candidatos Bolsonaro, um petista ou um candidato apoiado pelo PT, e João, ele teria boas chances. Claro, se emplacar a candidatura dele.

6. Tasso - Disputará com Doria a candidatura. Se ganhar, teria condições de vir a ser o perfil de centro e uma opção ao extremismo das margens.

7. O candidato de oposição - Do PT ou outro apoiado pelo PT- Só tem chances ante uma débâcle da economia. O Brasil no despenhadeiro. Nesse caso, quem for o contraponto a Bolsonaro poderia conquistar as massas.

O imponderável

O Brasil tem sido visitado, nos últimos tempos, pelo Senhor Imponderável dos Anjos. 2022 está tão distante que não permite afirmações categóricas. Um desastre, um acidente ou incidente no percurso, uma jogada de mestre, enfim, um evento imprevisível é capaz de mudar o panorama.

Lembrete: muito cuidado com um Jumento bêbado no Piauí.
Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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