sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a primeira coluna do ano com Cabralzinho.

Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província:

– Ladrões!

A praça, apinhada de gente, levou o maior susto.

– Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração!

Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso:

– Ladrões!

Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total.

– Cambada de ladrões!

Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava:

– Espera que eu explico. Deixe eu terminar. Espera que eu explico.

Explicou. Ao médico, no hospital.

Projeção para 2020

Já dissemos nesta coluna que fazer previsão no Brasil é um exercício que requer muitos cuidados. Até porque nossa índole abarca alguns valores que prejudicam esforços de interpretação. Somos, por exemplo, uma gente que aprecia improvisar, inventar, mudar de posição. Nossa cultura política não se alimenta dos eixos que formam a identidade de populações de países com sólidas instituições. Os anglo-saxões, a título de comparação, respondem sim ou não diante de questões que exigem uma das duas opções. Nós preferimos o talvez. Sob essa condição, farei hoje uma tentativa de interpretar 2020, a partir da análise do comportamento de 13 protagonistas.

1. O Poder Executivo – o presidente

O presidente Jair Bolsonaro até será orientado a mudar de postura, aliviando suas declarações e ataques, como este último que fez à imprensa: "vocês, jornalistas, são uma raça em extinção. Ler jornais envenena". Mas a índole de escorpião de Bolsonaro não permitirá mudanças. Continuará a "picar" adversários que encontre no meio do caminho. Daí a inferência: momentos de tensão continuarão a cercar os Palácios da Alvorada e do Planalto. A depender de quem seja o alvo (o Congresso, por exemplo), poderá haver retaliação.

2. O Poder Executivo – ministros e assessores

Há de distinguir ministros de perfil essencialmente técnico, com bom nível de desempenho, como o ministro da Infraestrutura, Tarcisio Gomes de Freitas, e ministros de perfil polêmico, como o da Educação, Abraham Weintraub. A elevação do deboche, se for o caso, expandirá as tensões, sendo bastante prováveis mudanças na Esplanada dos Ministérios. Alguns perdem muito tempo com a produção de falas polêmicas e que acabam impactando sua própria imagem. A tendência aponta para o arrefecimento dos conflitos e maior foco no trabalho. Ademais, o presidente deverá cobrar resultados.

3. O Poder Executivo - os militares

A ala do entorno presidencial, particularmente os generais, já foi mais forte no início do governo. O general Augusto Heleno, que responde pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência, parecia o perfil mais forte do entorno presidencial. Ostentava a flâmula de poder moderador. Hoje, alinha-se completamente à linguagem do presidente, inclusive nos ataques a certas figuras da imprensa. Militares que saíram passaram a ser críticos. Ou seja, transparece certa divisão na frente de apoios.

4. Congresso

Os parlamentares, já afeitos ao estilo rompante do presidente, cobrarão com mais força as demandas feitas junto ao articulador, ministro Luís Eduardo Ramos, e mesmo ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O orçamento impositivo será, nesse sentido, uma ferramenta de pressão. O que está dentro do Orçamento terá de ser cumprido. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, mexerão no regimento para tentar se reeleger? Alcolumbre topa, Maia é mais precavido. Em caso de novos dirigentes, a perspectiva é de que estejam mais alinhados ao discurso de autonomia e independência do Parlamento. Tempos de valorizar os conjuntos parlamentares e evitar que o Judiciário invada a esfera parlamentar.

5. Poder Judiciário

Continuará sendo alvo da mídia e de parcela da esfera política, não conformada com suas decisões no âmbito da Lava Jato. Expande-se a sensação de que alguns ministros agem de maneira parcial e sob viés político. A substituição no final do ano do ministro Celso de Mello, decano do STF, abrirá o leque de especulações. Quem seria o perfil "terrivelmente evangélico" para entrar em seu lugar, conforme há tempos ao substituto se referiu o capitão presidente? O atual advogado-Geral da União, André Luiz Mendonça?

6. Mídia massiva

Os meios de comunicação deverão fazer cobranças mais duras do Executivo, ante a insistência do presidente Bolsonaro de fustigá-los. O teor crítico deverá se expandir não apenas no que concerne ao Poder Executivo, nas três instâncias da Federação, mas em relação aos Poderes Legislativo e Judiciário. O espírito eleitoral de 2020 abrirá os espaços de investigação da mídia, que deverá aumentar o teor de denúncias. O TSE será muito demandado. Partidos em formação farão pressão por seus interesses junto ao Tribunal Eleitoral.

7. Mídias sociais

Na arena das redes sociais, deverão acontecer batalhas sangrentas. De todos os lados, o embate será ferrenho, com denúncias, fake news, especulações, pesquisas encomendadas, processos acusatórios. As lutas deverão ser travadas no campo Federal, com aliados e simpatizantes de Bolsonaro e adversários; no campo estadual, onde se repetirá o destampatório; e na área municipal, onde as contendas locais ganharão um tom Federal. As mídias sociais puxarão para os municípios os cenários desenhados no plano Federal.

8. O povo

Difícil inferir sobre o comportamento do povo, pela complexidade do conceito. Afinal, povo abarca as massas carentes e periféricas, que habitam na base da pirâmide; os setores médios, incluindo o expressivo contingente de profissionais liberais, as camadas e níveis gerenciais do comércio e da indústria, pequenos e médios proprietários e outros segmentos de vulto. Os setores médios farão o papel de pedra jogada no meio do lago: as marolas formadas correrão até as margens. O fato é que as massas das margens avançam em suas posturas, não mais sendo engolfadas pela mistificação política. O voto sai do coração para subir à cabeça. Por isso mesmo, é forte a possibilidade de vermos o povo, em suas diversas roupagens, engrossando as mobilizações de rua. Sinal de tempos de democracia participativa.

9. Igrejas, credos

Nos últimos tempos, as igrejas e credos religiosos têm frequentado com mais disposição os palcos e espaços da política. Há igrejas evangélicas, como a Universal do Reino de Deus, que explicita publicamente seu interesse na política. Até um bispo da IURD, Marcelo Crivella, dirige uma importante prefeitura, a do Rio de Janeiro. E há quem aponte nela interesse maior: eleger um dos seus para governar o país. Os católicos, por sua vez, estão de olho nesse processo. Por tudo isso, pode-se aferir que os credos agirão como cabos eleitorais. O Estado laico, aos poucos, cede espaço ao Estado religioso.

10. As organizações sociais

Um dos mais significativos fenômenos da atualidade brasileira é a organicidade social. Dando as costas aos políticos, que não têm dado respostas satisfatórias às suas demandas, cidadãos e cidadãs recolhem-se em entidades intermediárias – associações, sindicatos, federações, grupos, núcleos, movimentos. Há cerca de 500 mil ONGs formais no Brasil e outro tanto de entidades informais. O povo vê essas entidades como a ferramenta para abrir portas e oferecer resultados. Esse imenso arquipélago tende a movimentar as ruas e praças. E a servir de suporte de candidaturas nesse ano eleitoral.

11. Os partidos políticos

São 33 os partidos políticos em condições de operar no Brasil. E há mais 70 em estágio de organização. Servem, hoje, apenas como abrigo formal de candidatos. Cedem a legenda para candidatos e os grandes partidos ajudarão alguns nomes com recursos do Fundo Partidário, que deve ser de R$ 2 bilhões. A meta de algumas siglas é fazer uma grande floresta de prefeitos. PT, PSL, MDB, PSDB, DEM, PPB, PP, PTB, Solidariedade, Cidadania, Podemos, PSOL estão no rol dos mais competitivos.

12. Governadores

Os governadores agirão, este ano, como os maiores cabos eleitorais. Afinal, a eleição municipal é o campo de decolagem do pleito de 2022. Daí a meta de eleger um grande número de prefeitos. Ocorre que os Estados estão de cofres vazios. Alguns em situação pré-falimentar. Mas o esforço dos governadores deve incluir uma bacia de promessas. Muitos desejarão se reeleger em 2022. Não se pode esquecer que, por estas plagas, há muito respeito e consideração para quem tem o poder da caneta. Claro, caneta com muita tinta atrai mais apoios.

13. Prefeitos

Por último, a prefeitada. Este ano serão eleitos 5.570 prefeitos. Este será o maior exército de cabos eleitorais de 2022. Haja mão de obra. Prefeitos farão gigantesco esforço para se reeleger ou eleger um correligionário. As prefeituras estão praticamente quebradas, mas há sempre por parte do eleitor a expectativa de poder, de um dia ganhar um bom cargo ou bom "adjutório". Quem apitou bem na orquestra formada em 2016 tem condições de continuar a ser maestro. Quem saiu do tom e não cumpriu suas promessas se candidata a receber um passaporte para suas casas.

Sucesso

Este consultor político deseja muito sucesso a todos os protagonistas alinhados nesta coluna.

Pequena ajuda

Notas para ajudar o planejamento de campanhas

Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse é um resumido escopo de planejamento.

Marketing: os 5 eixos

Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral:1) pesquisa; 2) formação do discurso (propostas), 3) comunicação (bateria de meios impressos – jornalísticos e publicitários – e eletrônicos), mídias sociais; 4) articulação política e social e 5) mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. Já a articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado.

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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