quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Em Moscou, o touro de Wall Street

Por Edson Vidigal

O espaço parece exíguo, porém suficiente a sua finalidade – tentar a que proves das iguarias tradicionais russas. Duas moçoilas em trajes típicos orientam as escolhas.

À entrada, um tremendo susto.

Discretamente num canto de pouca iluminação, um urso pardo, maior que eu, arreganhando os dentes, o olhar fixo, unhas afiadas, os braços esticados como se quisesse me agarrar. Só um susto. O bicho está embalsamado.

A uns 04 quilómetros dali, na Praça Vermelha, está o mausoléu de Lênin, também embalsamado. Urso e Lênin ainda resistem na Rússia enquanto símbolos.

Na mesma Praça Vermelha há também o tumulo de John Reed, o jovem gringo que encantadíssimo com a vitória dos bolcheviques na guerra civil de 1917 escreveu um excelente livro-reportagem os “10 dias que abalaram o mundo”.

Manipulado e massacrado pela burocracia do novo Estado, Reed com a saúde enfraquecida, deprimido sob as incessantes humilhações e desencantos, contraiu tifo na Finlândia para onde foi mandado em missão do partido. Não resistiu até que morreu.

A máquina de propaganda do regime achou melhor reter o corpo do camarada Reed e sepultá-lo na Praça Vermelha próximo ao local onde seria o mausoléu de Lênin. Há um filme – “Reed” de Warren Beatty, disponível a indispensáveis reflexões.

Continuo achando graça quando vejo no crachá a grafia do meu nome em russo. O alfabeto é uma sequencia de letras, algumas conhecidas, ainda assim inservíveis, sem fonética alguma, a quem ouse juntá-las numa palavra ao menos.

É indispensável falar inglês. Não é que isso seja a chave suficiente a abrir todas as portas. Nas áreas de comércio há sempre alguém que pode entender. Nas lanchonetes e restaurantes são raros os garçons que manjam um pouco o inglês. Um broche na lapela com a bandeira do Reino Unido é a senha que identifica o rapaz ou a moça que ouve em inglês.

Não me deixa sozinho, Eurídice. Onde se fala inglês, é ela quem cuida de mim. Se acontece de ela não estar por perto e eu precisando me comunicar ou ser comunicado, não me intimido. “Spanish? Usted hablas? Español?” Ora, siô. Espanhol é comigo mesmo. Mas na Rússia ninguém, ou quase ninguém, fala espanhol.

Uma vez em Zacatecas, México, um cara me perguntou se eu era mexicano, perguntei por que, e ele disse porque eu falava espanhol muito bem. Estás ouvindo aí, Euridice? E ela, me derrubando o serviço, falou - ele está é te gozando.

Num presídio feminino de Cuba, depois de um show das presidiárias rumbeiras, agradeci discursando em espanhol. Estava lá Dom Dias, que não me deixa mentir.

O percurso que leva à Praça Vermelha se faz por extensa avenida de calçadas largas e as travessias para a outra margem, como em Brasília, são subterrâneas. Violinos e sanfonas nos soam peculiares. Jovens fazem seus sons em contornos de melodias românticas.

Aqueles prédios de arquitetura parecendo anteriores a 1917 respeitam o seu tempo, muitos deles só na fachada. Você entra e o que há lá dentro? Shopping.

Capitalismo de Estado é a definição mágica com a qual se imagina agora explicar a adoção de práticas outrora carimbadas como imperialistas ou burguesas pelos adeptos ou dirigentes de estados totalitários.

A questão não passou despercebida a Lênin para quem o capitalismo de Estado seria incomparavelmente superior ao sistema econômico de então, não mais, portanto, que um passo adiante na trilha socialista.

Na saída de um desses shoppings dei de cara com um outdoor enorme mostrando quase em tamanho real, imagina, o Charging Bull, aquele touro enfurecido de 3,5 toneladas de bronze, 4 metros de altura por 5 metros de comprimento - símbolo do capitalismo em Wall Street, Manhattan, Nova Iorque.

Acho que comecei a entender.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

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