Por Edson
Vidigal
Entre o Estado
em dívidas e a Nação dividida, de um lado o ativismo da intolerância barulhenta
e do outro o silêncio quase omissivo de uma maioria que só olha de lado, até
parece que os eflúvios da próxima semana, a semana santa, sonegarão desta vez a
corações e mentes os sentimentos da misericórdia que na reflexão destes dias nos
elevam perante Deus e a nós mesmos como cristãos.
O Supremo
Tribunal Federal não pautou para a sessão plenária de hoje algo como que,
revolvendo o dilema bíblico que a turbinha de Caifás atirou no colo de Pilatos,
tenha que optar entre conceder a ordem de habeas corpus unicamente a Cristo ou a
Barrabás.
No presente
caso, como uns gostam de escrever em seus relatórios e votos, trata-se de um
réu já condenado em segunda instância, o qual será imediatamente recolhido à
prisão tão logo sejam rejeitados, ou seja, na próxima segunda feira, os
embargos de declaração opostos por sua defesa perante o Tribunal Regional
Federal-4, sediado em Porto Alegre, RS.
Como lembrou
Celso Láfer em artigo no Estadão do último domingo (Incerteza Jurídica, pág. A-2),
a propósito de o Supremo Tribunal
Federal (STF) ser o guarda da Constituição, a Corte, no entanto, no exercício dessa
função, “não vem construindo a autoridade de uma instituição colegiada”.
“Essa auctoritas, no meu entender – esclarece o
Professor Láfer – tem um feitio de poder moderador. Resulta de uma contínua e
coerente ação conjunta, voltada para supervisionar a manutenção da independência
e harmonia dos outros Poderes da República, impedindo seus abusos e mantendo o
seu equilíbrio, concorrendo dessa maneira para o bem estar nacional”.
Nem tanto
quanto na Argentina, onde a Corte Suprema resvalou para dividir-se em vários
Supremos no qual cada Ministro atua como se concentrasse em si todo poder constitucional
atribuído à instituição, o nosso Supremo Tribunal Federal, certamente pela carência
de uma maior coesão interna, tem se arranhado muito nas divergências que seriam
naturais e até enriquecedoras como as que, no começo das coisas, travaram Pedro
Lessa, um luminar paulista extremamente vaidoso, e Enéas Galvão, um gaúcho de
admirável cultura jurídica que transpirava humanismo.
Os duelos que
esses verdadeiros titãs do oficio de julgar – Pedro Lessa e Enéas Galvão –
travavam, incansáveis quando a Corte era convocada a decidir sobre o direito à
liberdade, moldaram o habeas corpus como instituto garantidor da cidadania
contra ilegalidades ou abusos de poder.
O que está
posto em questão é a interpretação que se deve dar corretamente a um mandamento
da Constituição da República, inscrito no Art. 5º, Inciso LVII, - “ninguém será
considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Então o Estado
Democrático de Direito por seus Juízes sentencia e muito antes do transito em
julgado da condenação prende o acusado a título de cumprimento provisório da
pena e isso é possível se não há ainda a culpa formada?
Quer dizer que
no nosso Estado Democrático de Direito é licito prender quem não é ainda culpado?
O que o
Supremo Tribunal Federal vai decidir logo mais, se não houver pedido de vista, é
se o que está prescrito na Constituição da República (Art.5º, Inciso LVII) vale
como de fato e de direito se conclui lendo ou se a maioria formada por apenas
um voto a mais, ao entender diferente, é quem está certa.
Edson
Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho
da Justiça Federal.
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