sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Neiva Moreira

Focando as desigualdades, não obstante os avanços das ultimas décadas nos campos da ciência e da tecnologia, não há muita diferença entre os últimos cem anos de quando nasceu Neiva Moreira em Nova Iorque, cidade ribeirinha às margens maranhenses do rio Parnaíba.

O que ainda acontece hoje com milhões de crianças de origem popular e humilde neste meio norte do Brasil não é muito diferente do mundo de pobreza social e atraso politico de quando, há um século, Neiva Moreira nasceu.

Ontem, os coronéis do latifúndio e donos das urnas eleitorais, por conseguinte, do poder político incontrastável. Delegado de policia, Promotor e Juiz agiam ou não, conforme as conveniências locais dos donos do poder.

Hoje, eles seguem ativistas do coronelismo eletrônico dominando os meios de comunicação pelos quais elogiam ou injuriam, caluniam ou difamam os que ousem não lhes atender. Por estas paragens de incontáveis grotões a soberania popular não tem vez.

Neiva, ainda jovem, percebeu isso. Logo entregou as energias da sua vida à luta intermitente contra a opressão e a injustiça social.

Nesse tempo que durou um século, a intolerância politica sacudiu o mundo com duas grandes guerras esparramando caos, fomes, frustrações e milhões de mortes nas cidades e campos de batalhas.

Alfabetizado pela mãe, D. Mariinha, editora de um periódico manuscrito em folhas duplas de papel almaço, cujas noticias e opiniões compartilhava com a vizinhança, Neiva, o magricelo garoto, não tinha ainda nem dez anos de idade quando cruzou a fronteira entre Barão do Grajaú, lado maranhense do rio Parnaíba e Floriano, o lado piauiense, grande centro comercial, traço de união entre os dois Estados.

Ali, em Floriano, Neiva se iniciou na luta pela vida trabalhando como vendedor de petiscos, ajudando em serviços nas travessias dos rios, até chegar a Teresina e ao Liceu Piauiense, onde estudou até a quarta série, saindo de lá para a longa jornada de entrega às causas populares que soube percorrer como jornalista e politico.

Na revista O Cruzeiro, aonde chegou sob os auspícios de Castelinho, o Carlos Castelo Branco, seu colega de escola em Teresina e àquelas alturas titular da coluna “Em Confiança”, que ocupava duas páginas com notas sobre politica, Neiva não tardou a formar com Samuel Wainer a dupla de repórteres exclusivos que Chateaubriand mantinha a seu serviço para missões especiais.

Nessa condição teria ido a São Luís quando irrompeu o movimento popular conhecido como a Greve de 51. O que poderia ter sido apenas um impasse politico de curta duração foi mais que uma dúvida quanto a mamunhas de leis, parou num crescendo de desconfianças desenfreadas a denunciarem para o Brasil o que era o Maranhão – não mais que uma grande taba sob omissões e caprichos morubixabas.

O vencedor das eleições para Governador, Saturnino Belo, oposicionista, morrera antes de ser proclamado e a oligarquia então dominante, comandada pelo Senador Victorino Freire, decretara que seria empossado o segundo colocado, o ex-prefeito de Caxias, Eugênio Barros.

Foi quando a Capital ficou conhecida como Ilha Rebelde, front de uma resistência popular que durou meses marcados pela violência com incêndios, depredações, passeatas, comícios e mortes. A Justiça Eleitoral depois de tudo mandou empossar o segundo colocado. E não o Vice do vencedor do pleito. E nem ordenou novas eleições. Tudo como previsto.

Na primeira eleição que se sucedeu, Neiva é eleito Deputado Estadual com expressiva votação. Na eleição seguinte, primeiro suplente de Deputado Federal e depois titular em legislaturas sucessivas.
Com o seu Jornal do Povo – contra a opressão e a injustiça social – os partidos contrários ao estado de coisas se juntaram numa legenda única, “Oposições Coligadas”. E ali os focos da resistência foram se transmudando em forças.

No plano nacional, Neiva então sob a legenda do PSP – Partido Social Progressista não só esteve nas colunas de frente das causas nacionalistas, chegando a Secretário Geral da Frente Parlamentar Nacionalista, como ainda, somando forças com o Presidente Juscelino, liderou movimentos pela construção de Brasília para, ao final, ter se revelado o grande executivo responsável pela mudança do Congresso e, por obvio, dos parlamentares e suas famílias para a Nova Capital.

O golpe militar incluiu Neiva na sua primeira lista de cassações. Da prisão ao exilio. No exilio, a jornada de um idealista pelo mundo. Testemunhou todos os golpes da direita armada, patrocinada pelos Estados Unidos, na América Latina. Reportou da África as guerras dos povos colonizados desde a primeira e segunda guerras por suas independências. Daí os seus Cadernos do Terceiro Mundo, indispensáveis fontes de estudos nas academias.

A Academia Maranhense de Letras, agora presidida por um dos discípulos de José Guimaraes Neiva Moreira, o também e então jovem Deputado cassado Benedito Buzar e o Instituto Jackson Lago, fundador com Neiva e Brizola do Partido Democrático Trabalhista, o PDT, reservaram a ultima semana para as merecidas homenagens ao nosso grande maranhense.

Nascido no mesmo mês em que eclodiu na Rússia a revolução comunista, Neiva Moreira morreu no dia 10 de maio de 2012, aos 94 anos de idade, e está sepultado aqui na Ilha de São Luís, por onde começou a semear suas sublimes rebeldias pelo País e mundo afora.

Neiva morreu depois que a covardia politica assenhoreada na justiça eleitoral, sem que nem porque, tirou o mandato do Jackson, eleito Governador por maioria absoluta de votos, mandando entregar o cargo ao segundo colocado. Morreu sem tempo de ver o comunismo, do qual nunca foi adepto, triunfar pela via das urnas no Maranhão.

O autor deste artigo - Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal. Na juventude, foi repórter do Jornal do Povo, de Neiva Moreira, e Vereador cassado pelo Partido Social Progressista. Cassado e preso em abril de 1964.

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