quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Amarelo Piscando

Repare bem no pássaro engaiolado por tanto tempo e um dia ele se soltou. De tão acostumado que estava com a quietude daquele exíguo espaço pareceu que já nem sabia o que fazer das suas asas.
Geralmente aprisionam os pássaros porque sendo raros em suas plumagens e cantos logo despertam a cobiça e a inveja, sentimentos negativos próprios dos que não conseguem sedimentar com bons princípios as suas ambições.
Faz lembrar o Cartola, ainda é cedo amor, mal começastes a conhecer a vida...
Sim, é legítimo ter ambições. E precisamos mantê-las despertas, acenando-lhes com as esperanças mais verdes encontráveis nos brejais mais sonhados. Ambições, mas só daquelas do dizer do poeta, as mais nobres e as mais lúcidas!
O que leva alguns de nós a se interessar, por exemplo, pela politica e a ter ambições politicas? O bem comum - é a resposta primeira que, nuns poucos idealistas, desponta logo querendo calar a todos.
O bem comum, hão questionar, não pode ser alcançável sem que se tenha que fazer, obrigatoriamente, as nem sempre limpas travessias da política. Ninguém vai ao Rubicão para pescar...
Quando perguntaram ao doutor Tancredo, querendo constrange-lo, se ele iria mesmo para aquela farsa do Colégio Eleitoral, submetendo-se às regras da ditadura, só para ser nomeado Presidente, ele respondeu que iria, sim, tapando com um dedo o nariz e com um lenço à boca para travar as náuseas.  
Havia um objetivo maior, a volta da democracia, a remoção de todos os resquícios do autoritarismo, as liberdades civis.
Quando houver cidadania plena, as pessoas inteiras, conscientes não só dos seus direitos, também dos seus deveres para com os outros, a sociedade será dona, ela sim, dos seus movimentos e das suas aspirações.
O paternalismo de Estado que, sem resolver as questões estruturais, se dana a querer inventar enganosamente soluções paliativas e o clientelismo político que se ocupa sempre em distribuir agrados que só retardam a explosão da bomba ao mesmo tempo em que outras vão sendo feitas, terão que desaparecer.
Esses dois grandes defeitos, paternalismo de Estado e clientelismo político, mais a farsa partidária, que só deformam e atrasam democracia, perderão adeptos quando a cidadania for plena na consciência das pessoas e os princípios mais sólidos inspirarem as ações mais firmes.
Quando os movimentos sociais se apresentarem mais unidos nos seus propósitos e mais fortes em sua organização será possível fazer as travessias da política com todas as certezas de que as ações dos políticos, em verdade mesmo, terão como destinação única o bem comum.
A política, então, só terá espaços para os melhores do meio do Povo, e não apenas para os ricos, ou aqueles oportunistas, ou os carreiristas, ou os outros que se submetem a tudo, pagando qualquer preço, o sangue ou a alma, enfim, o que o diabo quiser pela ambição desvairada que os mantem espertos.
Estar acostumado com o espaço exíguo da gaiola e depois ser tirado para fora mas sem saber o que é efetivamente a liberdade, sem noção do que é verdadeiramente a democracia, tantos foram os anos de alpiste e de assobios, em movimentos que nem chegaram a ser vôos, tão exíguos os espaços, é como estar livre que nem um pássaro desengaiolado, que solto no tempo nem tentou alçar-se um pouco acima do chão.
Isto porque, sociedade civil que nem o pássaro da gaiola, não sabendo há tempos o que era a liberdade já nem sabia mais o que fazer com as próprias asas.
Precisamos retomar o trabalho da transição democrática. A Constituição como está, cheia de remendos e equívocos, não se sustenta. O Estado já não responde por suas obrigações. A inépcia grassa, a corrupção domina.
Um dia, enfim, seremos todos cidadãos.
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