sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Apeadouros

Que nem o bonde de São Pantaleão que ao se aproximar do muro do cemitério fazia uma curva para, de pronto, na parada seguinte, em frente aos portões do gavião - lugar também conhecido como a ultima morada, o ano mais uma vez se renova exaurindo os créditos da senha de cada estação e como os trilhos do tempo não mudam o percurso, já estamos a consumir as ansiedades quanto ao que nos será possível ganhar ou perder antes do começo do ano que vem.

Poderemos ganhar muito se conseguirmos nos impor como Povo ante a indiferença dos poderosos e ao alheamento do Governo a tudo inerente aos nossos direitos e às necessidades dos mais excluídos.

E o ano que começa traz no calendário uma nova eleição e é claro que não devemos construir ilusões de que votar é o bastante para garantir a soberania popular única capaz de legitimar a democracia e estabilidade à república.

Já estamos a ouvir promessas e mais promessas. Muitos já se ensaiam no papel de salvadores da pátria, de redentores de novas gerações, não querendo que sejam comparados aos vilões de novelas.

O problema é a enorme distancia entre a realidade visível e a viabilidade possível.

Vigora no mundo da politica-espetáculo uma crença encravada de que a maioria dos eleitores prefere ouvir as promessas que traduzam alentos mais diretos, embora inviáveis mesmo em médio prazo, do que relatos de problemas.

É logico que as insatisfações populares crescem na medida em que os problemas de cada área – saúde, segurança, mobilidade urbana, educação, mais especificamente – não sendo enfrentados de forma adequada, se acumulam e mais crescem.

Quem for eleito e não for competente para liderar uma gestão e apoiando-se no poder do Povo formular com eficácia a solução de cada problema, será apenas mais um a deteriorar a democracia, a ampliar o fosso das decepções populares.

Não se deve prescindir dos formadores de opinião, a começar por aqueles anônimos das feiras, das ruas, das esquinas dos bairros, das paradas dos ônibus. É preciso chegar a essas pessoas, ouvi-las mesmo, não como quem faz de conta que as ouve, mas ouvi-las com atenção e respeito.

Delira, apenas delira, quem acha que da solidão do poder alcançado, sabe Deus a que preço, pode alcançar os corações e as mentes dos que vivendo a realidade crua da exclusão social, da exclusão econômica e da exclusão de cidadania não se abaixam e nem se entregam.

Estou com o Papa Francisco para quem entre algumas certezas e uma dúvida é preferível a dúvida. Sim, porque só a duvida nos afirma como seres humanos, imperfeitos como todos somos, mas também interessados em acertos, em realizações. Só a duvida nos remete a conclusões menos inseguras. A certeza por si afasta de pronto toda e qualquer reflexão. A certeza não considera o próximo. A certeza nos faz reféns da soberba e da ignorância, a qual, por sua vez, nos rebaixa à mediocridade e arrogância.

Penso que é importante ficarmos de olhos bem abertos e ouvidos escancarados ao máximo possível todos os dias deste ano de eleições.

Que nem o bonde que só parava na porta do cemitério e logo seguia em nova viagem pelo mesmo percurso, o ano novo começa a partir da ultima parada onde desembarcou o ano velho.

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