Ela vaga pela aí
notívaga, atravessando noites, mas nunca está satisfeita. A anta, diz a lenda,
é uma daquelas criaturas feitas por Deus com o que sobrou dos outros bichos.
Daí nunca estar
satisfeita com o que lhe acontece.
Anda, anda, anda,
quando vencendo a preguiça consegue andar, mas de nada adianta. Fora dos
latifúndios de suas ancestralidades às vezes engana, outras vezes não consegue.
O olhar vago fitando
o nada não lhe dissimula a tristeza. Daí querer passar sempre a impressão de
alegria. Mas ser resultado do que sobrou na linha de montagem dos outros
bichos, isso, só isso, por si só, lhe faz triste, muito triste.
A anta triste não
pressentiu, talvez, que na mata atlântica por onde vagueia por noites já é um
tipo raro, em fase de extinção.
As espécies todas
devem ser preservadas porque é dessa contradição, entre as que são do bem e as
que fazem o mal, que se realiza o equilíbrio do ecossistema.
Afinal, sempre a
pergunta, como seria o mundo se, contrapondo-se ao bem, não existisse o mal?
O bem para se impor
precisa do mal porque só assim é possível raiarem as diferenças.
Acho que foi
Nietzsche quem andou falando que não se vive o presente porque este exercício
de viver tem a lhe impulsionar sempre a história, os registros do passado.
Talvez seja por isso
que alguns quando se lembram da anta triste esbocem algum saudosismo, um misto
de pena, coitadinha, é um animal em fase de extinção. E ela porque é
irracional, é claro, ela nem, nem...
Ora, estou falando de
anta, animal mamífero, e ponha mamífero nisso. Quer saber se uma anta é jovem
ou se já está coroa?
A anta jovem tem o
pelo curto e coberto de manchas brancas, lembrando uma zebra, mas só de longe
se parece com uma zebra. Quanta frustração.
Anda com o pescoço
meio pendendo para a esquerda, mas nem sabe, é claro, o que vem a ser isso.
Já a anta quando
começa a ficar velha perde esse charme de zebra e quando pende o pescoço para o
lado esquerdo fica é ridícula.
A anta tem a
expressão corporal de um suíno, os pés iguais aos do rinocerante, cascos de boi
e o focinho não lembra uma pequena tromba de elefante?
Deve ser muito
frustrante não lhe ser possível, enquanto anta, roer unhas. Quem é maluco de
confiar àqueles dentes que nem de égua os seus dedos, as suas unhas?
Fiquei sabendo na
enciclopédia dos bichos que, para comer, a anta prefere os frutos, folhas,
brotos, pequenos ramos, grama, plantas aquáticas, cascas de árvores, organismos
aquáticos, e que gostam de pastar sobre plantações de cana, melão, cacau, arroz
e milho.
Quando amanhece, ela
se esconde e dorme.
Mesmo estando com uma
ou outra companhia, a anta é solitária. Adora se espalhar na lama para depois
querer se limpar na água limpa dos outros.
A anta se comunica
com o mundo emitindo sons como guincho, o estalido ou o bufo.
É uma grande
bufona, dir-se-ia.
Quando quer fugir de
onde está para o caminho de volta à sua ancestralidade até galopa derrubando
arvoredos, podendo escalar lugares íngremes, mas se é dia, se esconde na água
que encontrar.
E lá vai ela, outra
vez, lá vai ela, mal se agüentando nas pernas, de volta aos seus latifúndios
ancestrais. Mas, o que fazer se é nessas penumbras que ela se sente a tal, mais
confiante e a mais segura?
O maior predador da
anta? Só pode ser o voto livre do eleitor livre e consciente. A anta, afinal, é
apenas uma oligarquia. Decadente e triste. Exaurida e triste, mas que em muito
ainda nos entristece e exaure.
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