Mentir para os outros pode ser pecado. Pode também ser crime, em
algumas circunstâncias. Mentir para si mesmo é insânia. Os brasileiros,
têm, portanto, mais um sério motivo para se inquietar. O governo, tudo
parece indicar, mente para si mesmo e continuará mentindo para se isolar
da realidade.
É muito difícil explicar de outra forma a reação da
presidente Dilma Rousseff e de sua equipe às manifestações de rua e ao
tsunami de más notícias. O governo tentou, mas como deslocar os
problemas para o Congresso, quando até fontes oficiais continuam
despejando informações assustadoras sobre a economia? Até os aliados, a
começar pelo vice-presidente Michel Temer, têm resistido à manobra,
Mesmo sem essa resistência, a situação desastrosa do País continuaria
atraindo as atenções.
O Banco Central (BC), uma das fontes oficiais, diminuiu de 3,1% para
2,7% o crescimento econômico projetado para o ano, além de reduzir de
US$ 15 bilhões para US$ 7 bilhões o saldo comercial estimado. A
Confederação Nacional da Indústria (CNI) reestimou de 3,2% para 2% a
expansão do produto interno bruto (PIB). Na semana passada estava em
2,4% a mediana das projeções do mercado financeiro. Não só as bolas de
cristal mostram cenários tenebrosos. Os dados já conhecidos alimentam no
dia a dia as previsões negativas.
Um bom exemplo: a produção industrial caiu 2% de abril para maio,
depois de modesta recuperação nos meses anteriores, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O saldo comercial do
trimestre foi um déficit de US$ 3 bilhões, de acordo com o Ministério do
Desenvolvimento. Mas o número seria bem pior sem as exportações
fictícias de plataformas de petróleo no valor de US$ 2,4 bilhões.
A inflação continua elevada e especialistas apontam um resultado
próximo de 6% até o fim do ano. A desinflação dos alimentos acabou e o
custo das matérias-primas poderá em breve pressionar de novo os preços
ao consumidor.
Em junho, o índice oficial de inflação, o IPCA, calculado pelo IBGE,
perdeu impulso e subiu 0,26%, principalmente por causa da menor pressão
dos preços dos alimentos. Mas no atacado os preços agrícolas aumentaram
1,46%, depois de recuarem 0,75% em maio, de acordo com a Fundação
Getúlio Vargas (FGV). Também no atacado a alta dos preços industriais
chegou a 0,62%. Ainda em junho, o índice de commodities do BC, o IC-Br,
subiu 5,34%, com variação de 5,72% para agropecuária, 4,3% para metais e
4,39% para energia.
O repasse desses aumentos ao varejo dependerá de fatores como o nível
de emprego, a renda e a disposição dos consumidores, a possibilidade de
substituição de bens, as condições do crédito e, naturalmente, a
situação das contas públicas. Os consumidores andam mais ressabiados e
cautelosos. Mas o emprego permanece elevado, os salários ainda acumulam
ganhos reais, embora menores que os dos últimos anos, o crédito ainda
aumenta e a política fiscal permanece, como afirma o pessoal do BC,
"expansionista".
Nas ruas, manifestantes protestaram contra as tarifas e a qualidade
do transporte urbano e cobraram melhores padrões de serviços essenciais,
como educação e assistência à saúde. Diante dessas pressões a
presidente propôs um plebiscito fora de hora, sobre temas políticos, e
convocou os ministros para exigir maior empenho na execução de seus
programas - os mesmos programas condenados nas ruas pela baixíssima
qualidade de seus resultados.
Os ministros da área econômica estavam prontos, como sempre, para
esse tipo de jogo. Afinal, continuam prometendo mais do mesmo - uma
péssima gestão das finanças públicas, mal disfarçada com novos lances de
contabilidade criativa, já famosa até na imprensa estrangeira. A quem
pensam enganar? Só podem enganar a si mesmos, é claro, porque até os
muito trouxas acabam percebendo, embora com algum atraso, os sinais do
desarranjo.
A presidente, dizem fontes de Brasília, está isolada. De certa forma,
sempre esteve. Desde o começo de seu mandato cercou-se de assessores
incapazes - por incompetência ou por falta de coragem - de ajudá-la a
examinar os fatos e a planejar as ações de governo com base em
diagnósticos realistas.
A maior parte de sua política administrativa e econômica é mero
desdobramento da herança deixada por Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhuma
alteração essencial ocorreu na diplomacia econômica. Na prática, as
prioridades têm sido as mesmas. O País continua amarrado ao mundo
estreito e medíocre do Mercosul. Enquanto isso, negociam-se novas
alianças e novas perspectivas de comércio e integração econômica são
abertas em quase todas as regiões, incluída a América Latina. A Aliança
do Pacífico é um bom exemplo.
A administração continua tão ineficiente quanto na fase do
antecessor, quando o Brasil foi arrastado pela prosperidade mundial e o
País pareceu tornar-se uma potência de peso. A grande novidade, naquele
período, foi a rápida incorporação de massas ao mercado consumidor. Como
nada se fez para modernizar o País e fortalecer sua capacidade
produtiva, a mágica da expansão do mercado se esgotou. A dramática perda
de produtividade geral da economia deixou o País desarmado para
enfrentar a concorrência estrangeira.
Os resultados são evidentes nas contas externas, mesmo com algum
disfarce. Aparentemente sem perceber esses fatos, a presidente insistiu
numa política baseada principalmente no estímulo ao consumo. O resultado
foi uma combinação de piora das contas fiscais, erosão do balanço de
pagamentos, inflação sempre alta e indústria estagnada. Na administração
federal, direta e indireta. aparelhamento e loteamento continuam
predominando. Vai-se consertar tudo isso com um plebiscito improvisado?
ROLF KUNTZ é o autor deste artigo publicado em O Estado de São Paulo, edição de 06.06.13.
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