quinta-feira, 24 de março de 2011

Dependências

Há um encanto irresistível na ilha, não saberia definir direito nem dizer bem por que, mas noto que quase todos que por aqui aportam e se ficam uns dias a mais logo se enamoram e se enturmam e vão ficando.

Diferente um pouco do que se sucedeu àquele jovem navegante, o qual depois de se engalfinhar zangado medindo forças com o capitão do navio foi por este largado sozinho na primeira ilha que apareceu.

Não tendo certeza se essa ilha foi ou não a de São Luís do Maranhão, Daniel Defoe não omite que Robinson Crusoé viveu por uns tempos no nordeste brasileiro como um próspero dono de plantações de cana – de - açúcar.

Enquanto Crusoé teve que cumprir a pena de cinco anos de degredo numa ilha onde faltava tudo, tendo ele que viver se agarrando aos gatos que usava como escudos contra os ratos cuja população só aumentava a cada dia, os que por aqui foram aportando, incluindo nós outros, e hoje já somos um milhão na demografia, nunca tivemos, nem temos hoje, absolutamente nada do que nos queixar.

Muito sol, muita nuvem cinza, muita chuva, muita praia, muita alegria, dentro da ilha e no seu derredor é tudo muito farto.

Só os que não sendo cegos que nem eu se queixam da farta de água, da fartura dos mosquitos e das muriçocas, da farta de iluminação publica nas ruas por onde ninguém passa mais, da farta de transportes, da farta de limpeza publica, da fartura de buracos, da farta de empregos, da farta de segurança, da farta de vagas nas escolas publicas, da farta de atendimento nos hospitais, da farta de dinheiro para comprar remédios, só esses doentes acometidos de incapacidades para silenciarem suas aspirações cidadãs, não se fartam nessas farturas.

Só esses tarrabufados que nem eu que se embebedam de ideias por aqui de há muito decaídas como as republicanas e outras defasadas chamadas de democráticas, falando em alternância no poder, talvez imaginando que por serem maioria quase absoluta da população acham que podem dar algum palpite nas coisas.

A ilha não é deles. Mas quem somos nós, primos?

E o que fazer se a ilha faz parte do Maranhão, portanto muito bem representativa para ser a Capital desse estado de coisas?

Isso me faz lembrar o nosso querido e não menos saudoso Professor Solano, dono do Ateneu, quando uma vez de dedo em riste para o meu nariz adolescente me fez lembrar que o colégio era dele e que os estatutos que eu invocara na condição de Presidente do Grêmio dos alunos eram ele, e ponto.
 

E esse milhão de Crusoés daqui abobalhados.

O que querem mais? Não já alcançaram a ilha? Já não assistem a novela da TV de graça, não tem carnaval de graça, regue de graça, opa regue de graça não, bumba meu boi de graça, já não são feitos de bobos e tratados como idiotas de graça?

Não já moram na ilha respirando essa brisa inigualável e se enlevando pelos encantos encantadores e também de poetas, de jovens mucuras e de velhas raposas em domínios nunca dantes inimagináveis? 


Alguns podem até se candidatar às eleições ainda que só para não as vencerem, mas e daí podem ser candidatos, e então o que querem mais?

Como pergunta o Baleiro na canção, - que mai que tu quer? Cachaça, samba, viola, mariola, gaita, fumo e muier? Qui mai qui tu quer?

Dizer que ama é para uns doentes uma forma de mascarar a dependência.

Quando dizemos ao mundo que só não abandonamos a ilha indo nos embora para bem longe dos donos daqui porque a amamos demais estamos, sim, na verdade, mascarando essa nossa dependência talvez já bastante doentia.

Dependência dessas coisas do presente cotidiano nos mesmos cenários e onomatopéias que nos entristecem e nos revoltam, mas também nos divertem.

E quem é que está muito doente de loucura abissal para querer ir se embora agora de vez desta ilha do amor, gente?


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