sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Pedra

No matagal ali adiante depois daquelas moitas, um pouco mais à esquerda, à esquerda não, sim, talvez, se for à direita irão falar de qualquer jeito, então vamos cavar logo ali.

Cavar o que, autoridade, se o buraco já está feito e bem feito para caber coisa que não vai ser pouca? É um buraco histórico e para tapá-lo virão o cacique e o pajé, sim porque vai ser tudo solene num clima assim de pajelança.

Coisas fantásticas incluindo um exemplar de um jornal especializado em mentiras serão colocadas uma a uma no buraco e depois uma colher de pedreiro amansará o cimento, ainda em massa fria com areia e cal, que nem nas lápides dos defuntos ricos e famosos.

Aquilo tudo ali no futuro vai virar pedra, uma pedra fundamental, mas antes que petrifique tem que ser o quanto antes inaugurada.

Sim, autoridade, não pergunte aonde já se viu isso de se inaugurar buraco e já achando que o que acabou de caber lá dentro já é pedra.

Octavio Mangabeira, então governador da Bahia, costumava brincar desafiando a imaginação dos outros – pense num absurdo, pense.

Dava um tempo para a pessoa pensar e logo depois ele mesmo sacava a resposta – pois já aconteceu ou não vai demorar a acontecer na Bahia.

Como a Bahia hoje nem é mais aquela, se você imaginar um absurdo nada será inédito. Já aconteceu ou está prestes a acontecer no Maranhão. Pense.

Faz-se um fuzuê danado em torno de um buraco no qual se planta como semente até exemplar de jornal especializado em mentiras, diz-se que o buraco tapado já é pedra, ninguém reage, todos concordam, e assim em meio a despautérios de oratórias se dá por inaugurada a dita pedra.

A pedra é falsa e como nem brilha, nem é um falso brilhante. Cada um tem sua preferência por um tipo de pedra.

O Arariboia trocou São Paulo por Goiás porque só queria caçar esmeraldas. Aquele vigarista que Francisco Cuoco encarnou em O Astro, de Janet Clair, gostava de ametista.

O viciado em pedra é um pedotríbico ou um pedótrofo?

(Olha, gente, se vocês ainda não conhece, pois eu vou contar prá vocês, que são tantos os verbios, quero dizer os prosverbios, sobre pedra como esta fundamental, que aqui estamos inaugurando... e muitas ainda neste ano vamos inaugurar, quer eles queiram ou não nós vamos inaugurar porque pobre vivem na merda e eles é por isso não gostam de pobre...)

Como pássaros arrebentando gaiolas, voam soltos os provérbios – pedra solta não tem volta, pedra movediça não cria bolor, a pedra grande faz sombra e a sombra não pesa nada, se o cântaro bate na pedra quem fica mal é o cântaro, passarinho não come pedra porque sabe o bico que tem.

Tem pedra de tudo – pedra de amolar, pedra de altar, pedra filosofal, pedra de escândalo, pedra de fogo, pedra lascada, pedra de atiradeira, pedra nos rins, pedra de responsa, pedra ume, pedra do reino.

E também a pedra do arpoador onde Wally Salomão escreveu os célebres versos do Vapor Barato em que ele, ironizando a ditadura, chama o seu blusão jeans todo amarrotado de meu casaco de general cheio de anéis.

Vamos ver, menina, que fuzuê é aquele ali no meio do mato, qual autoridade está lá, sim porque organizado assim é sinal certo de que tem autoridade por lá.

Mas, afinal, é buraco ou é pedra? Quem sabe se não estão é a fim de saber se é possível mesmo tirar leite de pedra? Ou de apalpar com os olhos os outros olhos para ver quem, dentre eles, é mais coração de pedra? Vai aí uma pedrinha no sapato aí, doutor? Pior que pedra no sapato é grão de areia na camisinha.

A montanha é uma pedra enorme e tem sempre alguém achando que sozinho, só com pó de café, pode parti-la ao meio e removê-la. Sozinho, não dá. Não é possível, não vai dar, companheiro.

2 comentários:

Anônimo disse...

Minha avó, falando alto da porta dos fundos da casa de estuque onde morava de meieira nas terras dos Albanos, dizia para meu avô: "João, hômi, não caia na besteira de cortar as moitas de mufumbo..."
De foice em mão, João, na verdade, saía para cortar varas de marmeleiro para refazer o girau dos tomates, coentro e cebolinha e para construir o "banheiro" onde nunca se tomou banho - era usado para as necessidades, colocadas num buraco - e outros reparos.
Aparentemente, a preocupação de vovó era desnecessária. Mas não era. Por várias vezes, de foice em punho, João cortara as moitas de mufumbo, deixando fula de raiva a mulher que dividia com ele os roncos noturnos e, para não cheirar os "puns", virava de lado na cama feita de talos de carnaubeiras. E, naquelas moitas, as galinhas d´Angola da vovó costumavam deitar dezenas de ovos chocados antes do aparecer das cobras "papa-ovos". Várias vezes vovó "construiu a casinha do cachorro GIGANTE, um vira-latas dócil de quase 1 metro de altura, próximo à moita de mufumbo, com o único objetivo de evitar a aproximação de qualquer cobra. Se o GIGANTE latisse, era cobra ou mão de gente se aproximando da moita. E as providências eram tomadas.
Pois, quem não viu essa pedra construída em forma de pajelança, pode imaginar como era a moita de mufumbo da vovó.
Tinha de tudo. Tinha até sabugo de milho tirado do pescoço do cachorro depois de curar tosse braba, tinha pé de galinha mandingado, tinha couro velho de cobra e até chifre de bode queimado e colocado dentro do corrimboque. Objetivo: afastar os maus olhados, os malfazejos, as cobras e, por último, as destrutivas mãos de gente que costumavam "deschocar" os ovos das galinhas d´Angola e chocá-los dentro de um lata com água fervente e depois só apareciam mata à dentro transformados em montinhos ocres. E, mesmo assim, quando os porcos da meieira não os comiam.
Na moita de mufumbo da vovó só não tinha jornal mentiroso. E sabe por quê? Por que mentira tem as pernas curtas e não vai mesmo muito longe.
Ahhh! Quanta saudades das moitas de mufumbo da vovó. Comi muitos daqueles ovos. Abraços Ministro.

Anônimo disse...

Hahahahah... como me divirto com as histórias do "anônimo" lembra mesmo as conversas do nosso interior em um passado não tão distante, tempo do petromax, das lamparinas de óleo diesel, das cacimbas de água, das conversas dos compadres em frente às casas dos mais antigos, dos causos de assombrações, do sétimo filho que virou lobisomem, da idosa ou idoso que se transforma em porco ou serpente, do boitatá, da bola de fogo, este tempo antes do ronco das motos, da luz elétrica, das geladeiras, das parabólicas, das tv`s, etc.