sábado, 19 de dezembro de 2009

Valores Fracos

FHC tem sido muito procurado pela imprensa e não se nega a falar. O Estadão de hoje publica entrevista da qual destaco:

Como o sr. vê a censura ao Estado, que completou 142 dias hoje?

Com espanto. Imaginei que o Brasil não voltasse a ver momentos de censura prévia. Depois que o STF acabou com a Lei de Imprensa, dava a impressão de que iríamos para outro caminho.

A censura prévia foi retirada da Constituição como forma de se evitar o autoritarismo. No Brasil, há um flerte com medidas autoritárias?

Isso no Brasil é permanente. Nossa raiz histórica não é democrática. As pessoas custam a aceitar o jogo da democracia, do respeito à lei. A tendência é da arbitrariedade do poder. A democracia aqui tem de ser cuidada permanentemente porque toda hora há forças, no fundo, contrárias a ela.

Que forças são essas?

Forças culturais. Isso vem da nossa cultura, que é formada numa visão onde a separação entre o público e o privado é confusa, onde o favoritismo, o clientelismo e o arbítrio permanecem como uma tendência. Aqui a ideia de quem pode pode, quem não pode se sacode é generalizada.

O sr. disse recentemente que há uma inércia no País hoje.

Há uma certa inércia. Precisamos tentar despertar o sentimento de maior consistência com os valores. Mas hoje vivemos numa sociedade que quem a organiza é o mercado. O mercado tem regra. Mas que outros valores existem, em que mais está baseada a sociedade? Na solidariedade? Muito pouco. Coesão? Muito pouco. Na participação, na vontade de que as pessoas realmente se informem e tenham uma opinião mais clara? Muito pouco. E um País não pode ser só o mercado. Tem de ter os valores. Valor da democracia, da liberdade da imprensa. Aqui está tudo sendo resumido a 'cresceu ou não cresceu' e 'a quanto cresceu'. Aumentou o poder de compra? Isso é muito bom, mas não basta. O resto está um tanto descuidado. As instituições, ao meu ver, não se fortaleceram nestes últimos tempos.

Isso se reflete na questão da liberdade de imprensa?

Sim, porque as pessoas ficam mais ou menos preocupadas com outros valores.

O sr. acha que os contrapesos da sociedade estão frágeis?

Exatamente. Não há democracia se não houver contrapesos. E a liberdade de imprensa é fundamental para isso. Fui presidente, ministro, a crítica sempre incomoda. Mas a função de quem está na mídia é criticar, e de quem está no governo é entender a função da mídia. Claro que quando a mídia exagera, mente, distorce, tem que reclamar também. Se você é ofendido, tem de ter um tribunal que te defenda. Mas não pode, como agora, antes de qualquer coisa, dizer que você não pode entrar em tal matéria. Me parece absurdo.

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