sábado, 31 de outubro de 2009

Amanhã

O hoje não é mais que o agora e, por isso mesmo, o melhor a fazer é seguir contando o tempo sempre na regressiva. Como se o amanhã pelo qual tanto se batalhou não fosse este agora.

O amanhã só conhece um calendário, o da esperança. Está sempre por vir. Ver o dia amanhecendo, se espraiando em luzes, inventando cores, enseja festejos. Mas nem sempre é o amanhã.

O que amanhece por aí, depois de toda noite, com uma madrugada no meio, é apenas o dia, não mais que um dia.

Um dia apenas, amanhecendo. Mas para quem sabe o valor de um único dia, a irreversibilidade de cada um dos seus minutos, as punhaladas dos ponteiros dos relógios a cada hora, um dia apenas, amiga, amigo, até que pode render o bastante.

Em um dia apenas é possível acender ternuras que por muitos anos andaram esmorecidas, afirmar com um poema a certeza do amor, despertar com uma canção a alegria nos tristes, revigorar com uma prece a força da fé.

Mas um dia passa depressa. Para quem costuma ser devagar, para quem gosta de vagar, devagarinho, um dia se gasta como num piscar. Para um Povo inteiro, num Estado enorme em tudo, não basta um dia.

Para quem se ataranta por aí, meio como vagalume de noite quente no brejal, luzindo e apagando, luzindo e apagando, um ano é nada. Em um ano não se faz nada. Ou quase nada.

No ano seguinte, no ano seguinte, no ano seguinte, também a mesma coisa. Ou quase a mesma coisa. Parece nada saberem sobre a fugacidade do hoje, a transitoriedade do agora.

Para eles o amanhã que chegou é esse hoje de agora, essa coisa de tudo para nós ao mesmo tempo, numa mãozada só. E para o socialismo, nada? Nada não, balbucia um sabido ao lado. Mais que eles, os do agora, temos nós a capacidade de sonhar.

Conversa, rapaz. Sonhar, sonhar, sonhar. E acordar para viver o sonho, quando? Ah é um processo histórico, é o determinismo histórico, materialismo dialético. Já faz tempo que nem se fala mais nisso.

Então, quer dizer que gerações, uma após outra, vão ter que sofrer na luta e sonhar, sonhar? Num dia, como ainda há pouco, o inimigo se enfraquece e cai, mas não morre. E esse dia ainda não desperta o amanhã em seus começos e avanços? Só inspira o agora em seus consumos?

Parece que na chegada, ao amanhecer, alguém deixou cair a esperança pregada na bandeira que carregava. Talvez, por isso, o amanhã não aconteça.

Restou o hoje, ficou o agora. Esse mesmo agora que flui e seca rápido como a gota de colírio, que faz efeito rápido, clarifica a visão, mas logo tudo passa como se não tivesse acontecido nada. Abre o olho, amigo.

O amanhã não cabe num dia, não espera pela noite, não se contenta em folia, nem com adiamentos. O amanhã é ótimo, tem as fichas das musas, aquelas que, mais que as inspirações, sabem fazer alegrias.

Nada de viver agora como se só o agora existisse. Ainda há tempo hoje para se começar o amanhã agora.

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