terça-feira, 1 de setembro de 2009

O Dia da Salvação de Sarney

Muitas vezes a gente comete um ato achando que, em nome de um valor chamado amizade, está fazendo um bem a uma pessoa e nem sabe a extensão do mal que está fazendo aos outros, a uma infinidade de pessoas.

Neste caso aqui, José Guilherme e eu, agindo de boa fé, apenas em favor de uma pessoa, produzimos a longo prazo um estrago sem precedentes a dois Estados, ao Amapá e ao Maranhão, e por extensao a um País inteiro.

Um dia em Brasília, manhã bem cedo, em casa, voltando da caminhada matinal, fui chamado ao telefone.

Era José Sarney, revoltado, me falando sobre o que fizeram com ele no TSE na noite da véspera. Disse uns palavrões e que iria se exilar em Portugal.

Eu não sabia de nada, dava aula à noite na UnB e quando voltava pra casa, cansado do dia inteiro, nem televisão queria ver.

Então Sarney me falou que a candidatura dele ao Senado pelo Amapá, a primeira, havia sido cassada pelo voto de desempate do Ministro Sidney Sanches.

Eu preparara a quatro mãos com o Ministro Ferrante, meu amigo, já aposentado, um extenso Parecer sustentando a inexigibilidade de domicílio eleitoral para quem exercera a Presidência da República. No caso, José Sarney.

Na essência, a idéia era a de que o Presidente sendo obrigado a morar em Brasília, tanto que lhe são dados, a soldo do contribuinte na contrapartida do exercício das funções, um Palácio residencial e uma granja para fins de semana, e sendo a sua jurisdição administrativa e política sobre todo território nacional, incabível a exigência de domicilio eleitoral para concorrer a qualquer cargo publico em qualquer parte do território nacional.

A tese prevaleceu, tanto que ninguém impugnou Sarney no Amapá pela falta de domicílio eleitoral.

Até porque, pelo sim, pelo não, o então Governador Nova da Costa, também por sugestão minha, já havia providenciado, no prazo, o aluguel de uma casa em Macapá em nome de Sarney. Casa, aliás, horrível segundo me contaram amigos que acompanharam Sarney no dia da mudança.

Jornalistas do sul faziam troça pedindo para ele posar com a mala na mão. Ele escondia o sorriso no bigode, sem denotar a humilhação, e posava.

Mostra a mala aí, Presidente, gritava um fotógrafo, e ele humilde como sabe ser quando quer as coisas e precisa dos outros, fazia pose com a mala. Foi assim.

A cassação do registro se dera por impugnação do PC do B, de quem Roseana depois se tornou aliada. A alegação acolhida no TSE foi a de que o PMDB indicara Sarney sem os dois suplentes.

Na verdade, o candidato a Senador originário era o Professor Paulo Guerra, que guardava a vaga para Sarney, que ainda acreditava que poderia ser candidato pelo Maranhão e só se convenceu que não o podia quando Cafeteira renunciou ao Governo para se candidatar, dando a Sarney um definitivo não.

Sarney ainda ensaiou uma filiação ao PFL do qual seu filho Zequinha era o presidente regional, mas Cafeteira cuidou de provar com uma certidão da justiça eleitoral que estava filiado era ao PMDB.

Portanto, só poderia ser candidato pelo PMDB de outro lugar, nunca pelo PMDB do Maranhão. E assim Cafeteira botou Sarney para correr.

No Amapá, Paulo Guerra deu a vaga a Sarney, passou a primeiro suplente, mas aí alguém na burocracia do partido se esqueceu de completar a chapa indicando o segundo suplente.

O TRE deu um prazo para regularização dessa irregularidade. Ainda pairam suspeitas de que foi tudo de propósito mesmo para Sarney não sair candidato.

Vencido o prazo, não cumprida a determinação, cassaram o registro da chapa. Decisão mantida, pelo voto de desempate de Sidney Sanches, no TSE.

Nesse desespero foi que Sarney me telefonou, bem cedo, irritado, dizendo palavrões, que ia se exilar em Portugal, sair desse País de merda e coisa e tal.

Collor, é bom lembrar, era o Presidente. Sarney sofria pressões da família para obter um mandato porque Collor prometera na campanha que iria mandar prendê-lo.

Àquela altura, eu ainda o tinha na conta de amigo.

- Vamos com calma, ainda há jeito...

Ele nem me deixou completar a idéia e me interrompeu aos gritos:

- Como tem jeito se o Zé Guilherme já me disse que não tem jeito?

(Eu sabia que ele costumava ouvir as opiniões contraditórias. No meu caso, quando me questionava assumia o advogado do diabo, contestava e em seguida ligava para o Saulo Ramos só para checar.

Sempre foi assim. Fez isso uma vez checando com o professor Miguel Reale um parecer meu sustentando sua elegibilidade como Vice de Tancredo no Colégio Eleitoral.

Um dia o Saulo me abriu o jogo. Nunca lhe cobrei um centavo de honorários ou qualquer favor para mim ou para alguem da minha família pelos tantos serviços advocatícios e tantos outros que lhe prestei.)

Naquela manhã em que Sarney me telefonou no desespero, lhe indiquei, mais uma vez na sua vida, o correto caminho das pedras:

- A Constituição diz no Art. 46, § 3º - cada senador será eleito com dois suplentes.

- Sim, e daí? Retrucou irritado.

- E daí é que a Constituição diz "será eleito", isto quer dizer que no dia da eleição você terá que ter dois suplentes.

Vamos admitir que os tivesse hoje e um deles ou mesmo os dois renunciassem ou morressem na véspera ou mesmo no dia da eleição.

Ora, a eleição só termina à tarde quando se encerra a votação. Então, mesmo no dia da eleição não havendo suplente, você não pode ficar inelegível por isso. Até no dia da eleição é possível, sim, indicar o suplente.

José Sarney encerrou rápido a conversa:

- Vou mandar o Zé Guilherme falar contigo.

Pouco depois das 9hs da manhã José Guilherme me chega meio ofendido com um exemplar da Constituição na mão, e com a intimidade bem antiga questionou:

- Fostes dizer ao Presidente que tem jeito... onde é que tem jeito aqui?

- Bem aqui, amigo – Art. 46, § 3º...

Discutimos a idéia. Ele disse que iria arriscar.

José Guilherme era um monstro sagrado da advocacia. Antes das 14hs. do mesmo dia ingressou com uma Cautelar Inominada pedindo efeito suspensivo para o Recurso Extraordinário que iria interpor no TSE.

Caiu para Marco Aurélio, primo de Collor, o que só fez aumentar o pesadelo de Sarney, que acorreu a Brasília no fim da tarde daquele dia, refugiando-se no apartamento de seu filho, Zequinha.

Ali, Alexandre Costa e eu, depois Eurídice que chegou quase por volta da meia - noite para me buscar, testemunhamos horas de grande sofrimento pessoal de Sarney.

Ele se dizia vítima de todo mundo, que ele não queria mesmo ser candidato, e aquilo tudo era armação de Collor e questionava a coincidência do pedido de liminar ter caído para Marco Aurélio, o primo recem nomeado pelo Presidente.

Estava convicto que a distribuição no Supremo era manipulada.

Marco Aurélio, no dia seguinte, deu a liminar que garantiu a Sarney ser senador pelo Amapá.

Detalhes daquela noite, como diria Miguel Gustavo na voz de Jorge Veiga naquele samba de breque , "Café Soçaite", - depois eu conto...

Mas o que eu quis contar mesmo foi sobre o grande advogado que foi José Guilherme Vilela, responsável, comigo por tabela, pelo grande delito cívico que foi aquela ressurreição de José Sarney.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ministro,
Conte, por favor, os "detalhes daquela noite". Busque mais pela memória casos como esses. Olhe, isso pode dar um livro ! O senhor já tinha pensado nisso ?
Aguardamos sua resposta. Não demore. Parabéns pelo blog.
Marcos Souza.

Anônimo disse...

A política é uma graça mesmo, quando foi do seu interesse você deu um jeito para que a candidatura de Sarney pudesse ser aprovada, e agora vem com essa pose de arrependido.

Anônimo disse...

ô, Anônimo (de 12:28),
A Política, que é uma arte, é assim mesmo, meu filho. Ou você queria que o ministro ficasse eternamente preso ao poderoso chefão. Sabe o que acho mesmo, é que você vai votar no Sarney nas próximas eleições. Confesse. Pode votar. Nós lhe perdoamos.
Marcos Souza.