quinta-feira, 18 de junho de 2009

A Morte Em Vida

Augusto Nunes, um dos mais respeitados jornalistas do Brasil, a propósito dos clamores da hora presente, lembra agora Janio Quadros que, ao renunciar a Presidência da República, registrou que num País em que ninguém renuncia a nada, a ele, Janio, não faltava a coragem da renuncia.

Getulio, encurralado pela mobilização do falso moralismo udenista da época e ainda pela deslealdade do seu esquema de sustentação militar, preferiu sair da vida para entrar na historia. O tiro no peito foi calculado com bastante antecedência. Ele chegou a consultar o irmão medico sobre a eficácia de um tiro no peito. O irmão nem desconfiando ensinou o lugar fatal.

O que você vai ler a seguir é o comentário de Augusto Nunes sobre essas estripulias ocorrentes sob a atual gestão do Presidente do Senado.

" Porque era provido do sentimento da honra e por ser capaz de sentir vergonha, Getúlio Vargas decidiu matar-se para livrar-se de afrontas ultrajantes. Depois da mais dramática renúncia, o estadista gaúcho sobreviveu politicamente à morte física. Porque acha que nada desonra e por ser incapaz de envergonhar-se, José Sarney resolveu permanecer na presidência do Senado. Depois de confirmar a tese de Jânio Quadros segundo a qual no Brasil ninguém renuncia sequer ao cargo de síndico, o morubixaba maranhense conhecerá em vida a morte política.

"Na política só existe a porta de entrada", imagina Sarney. Claro que existem ─ só não as enxerga quem acha que tem validade eterna a carteirinha de sócio do clube dos pais da pátria. São duas: a porta da frente e a dos fundos. Por aquela saiu Getúlio, sobraçando uma comovente carta-testamento. Pela porta dos fundos acaba de sair o presidente do Senado, cavalgando um discurso inverossímil.

Foi penoso acompanhar pela TV a performance do artista em seu ocaso. Mãos trêmulas, olhar medroso, cabelos castigados por décadas de tintura, a voz indignada contrastando com os desmaios no meio da frase sem pé nem cabeça, o político que chegou ao Congresso há 50 anos, governou o Maranhão e o Brasil e preside de novo o Senado parecia um coroinha do baixo clero. Enfileirou argumentos indigentes, evocou atos de bravura imaginários, reinventou o passado de governista congênito para fantasiar-se de herói da resistência democrática.

Sempre sem alcançar coerentemente o ponto final, Sarney tangenciou pecados antigos ou recentes, subestimou as delinquências do momento, informou que os atos secretos não foram secretos e, caprichando na pose de vítima, exigiu respeito. "A crise não é minha, a crise é do Senado", inocentou-se no meio do que foi, em essência, uma confissão de culpa.

É isso aí, concordariam os presentes, em voz alta ou com os gritos do silêncio. Todos fizeram de conta que Sarney não embolsou ilegalmente o auxílio-moradia, não promoveu a diretor-geral o bandido de estimação Agaciel Maia, não pendurou no cabideiro de empregos do Congresso duas sobrinhas, um neto, o ex-presidente da Assembléia Legislativa do Amapá, 5o parentes pra cá e 50 amigos pra lá.

Quando estiverem cauterizadas as feridas morais abertas pela Era da Mediocridade, a nação contemplará com desconforto, desconcerto e desconsolo a paisagem brasileira deste começo de século. Como foi possível engolir sem revides as bofetadas desferidas protagonizadas pelo político bisonho, orador bisonho, poeta menor e escritor medíocre? E como explicar a mansidão da maioria dos insultados pela cacofonia do coro dos seo E como entender a mansidão do país insultado pelo coro dos colegas contentes?

A ausência de senadores que representem o Brasil que presta talvez seja mais perturbadora do que a presença de Sarney no centro da mesa diretora. Ninguém falou em nome dos injuriados. Ninguém contestou a discurseira absurda. Ninguém pareceu pressentir a decomposição do Senado. Ninguém no plenário sentiu vergonha.

Na quarta-feira, os senadores ficaram com a cara de Sarney, que é a cara do Senado destes tempos tristonhos. Mais cedo para uns que para outros, a morte política chegará para todos. Tomara que a instituição sobreviva."

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