quinta-feira, 7 de maio de 2009

Devo, Sim

Ah, se não fosse esse meu verbo indenizatório!

Como é que eu iria hoje te rever, com que cara reconhecer tamanhas dividas ou então me sair com aquela confissão clássica dos inadimplentes mal acostumados com a tolerância dos credores - devo não nego, pago quando puder.

Reconheço que de há muito estou a te dever aqueles crepúsculos onde o vento faz a curva, nós dois ao ar livre naquela mesa de canto da sorveteria. E nada de abricó, jenipapo, papo de anjo.

Depois um caminhar de quem não está nem aí para os calendários e os relógios, os pés descalços na praia, as pernas da calça arregaçadas, e ainda assim nos molhando a mercê do se esparramar das ondas.

Chegando a noite, vamos esperar que a lua se acenda e se ela não se acender porque foi dormir nada se alterará porque com lua ou sem ela os navios ao largo salpicarão suas luzes no tempo e os maruins, ah os maruins, não desistirão da festa.

Asfalto, areia, maruim, nós só.

Anota tudo aí, garota, que nem o dono da quitanda. Quem mora perto da quitanda se endivida na esperança do fim do mês. O dono da quitanda anota tudo numa caderneta.

Aquela escapulida só de nós dois, sem ninguém ficar sabendo, por aquelas ladeiras e ruas estreitas de Lisboa, nós insones a noite inteira no quarto do hotel e depois, sem pressa de nada, Roma.

Anota aí que eu já estou até vendo a mesa na calçada do restaurante da Via Veneto, onde eu prometi ficar contigo até que sejamos, tu e eu, como sempre, os últimos a saírem.

O exercício de viver com amor, sob o amor, sobre o amor, longe ou perto, nos faz longevos e não custa quase nada. Nós mesmos, entre nós dois, não precisamos de muito.

Sairmos de madrugada daquela padaria que eu tanto gosto e encararmos o frio devastando o calçadão da paulista, vencendo a pé quarteirões e mais quarteirões, nós dois soma de amor resultado um, sem ter que esconder anel, aliança, relógio, isso não é prova de amor? O amor tudo pode, o amor não tem medo.

Há um piano virgem de tangos na sala e eu vou te esperar ensaiando os passos daquela valsa que eu prometi naquela noite sair dançando contigo pelo quintal e no jardim em frente a casa.

Azeitei as correntes das bicicletas, testei os freios, vamos sair no domingo num passeio sem horas em nossas bicicletas. Eu sei por que elas são amarelas. Chegaram à véspera do natal e eu quis adivinhar que a tua cor é o amarelo. Minha pedra é ametista.

Não é que eu queira com estas confissões, que nem são todas, te ressarcir de algum modo com o meu verbo indenizatório.

Só quero é que saibas que não é lábia minha isso tudo que me tem feito inadimplente em ti.

Muitas questões de pele, de sensibilidade minha e de razões dos outros, me enlaçaram e ainda me enlaçam em compromissos que não me fazem alheio às questões dos que diluídos em multidões de carências já nem sabem sobre o que esperar tamanho o opróbrio da usurpação recente.

As paisagens daqui agora são de inundação de abandono. Como se o passado fosse só as pessoas e a luta presente uma pecha nos que, como nós, ainda teimamos na resistência a essas reinações e diabruras da tiazinha do momento.

Passadas essas refregas, baby, iremos para o nosso melhor lugar. O nosso melhor lugar será sempre aquele onde resolvemos estar juntos. Como aqui e agora, por exemplo.

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