terça-feira, 12 de maio de 2009

Como Uma Onda

Não há, com certeza, quem tendo ouvidos não tenha escutado, na voz de Lulu Santos, estes versos de Nelson Mota:

Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa / Tudo sempre passará / A vida vem em ondas / Como um mar /
Num indo e vindo infinito / Tudo que se vê não é / Igual ao que a gente / Viu há um segundo / Tudo muda o tempo todo /
No mundo / Não adianta fugir / Nem mentir / Pra si mesmo agora / Há tanta / vida lá fora / Aqui dentro sempre / Como uma onda no mar...

Escritor, poeta, jornalista, compositor, ativista cultural e político, Nelson Mota é mais que isso tudo, é uma importante testemunha do País, desde os programas de Flávio Cavalcanti – Um Instante Maestro, dentre outros, à cambaleante democracia que estamos vendo hoje.

Aquilo tudo da televisão em preto e branco, poucos recursos técnicos e bastante improvisos, soa hoje como velhas coisas não encontráveis, talvez, nem nos brechós. Mas o programa de Flavio Cavalcanti era o máximo, naquela época. Rivalizava em audiência com a Discoteca do Chacrinha. (Alô Terezinha... como vai a sua galinha?)

Uma vez o Flávio, tirando e pondo os óculos, puro sestro, mas que lhe dava um ar de intelectual arrogante, o que então era novidade na televisão, e de dedo em riste para o sonoplasta, mandou tocar um disco e nem esperando o fim, era uma rumba bem caribenha, se danou a desancar o cantor e ridicularizar a letra.

Nelson Mota, cabeludo como era moda, voz de frangote, mas muito agitado, parecia que ainda era dimenor, isso tudo lhe valendo o apelido de noviça rebelde dado pelos seus parceiros do júri do programa, ah cara o Nelsinho avançou para esse Flavio Cavalcanti e não ficou nada que não tivesse dito.

Sabem quem era o cantor? Caetano Veloso. E qual era a rumba? Soy Loco Por Ti América, letra de Capinam, e que hoje é um clássico da resistência tropicalista à ditadura militar.

Bom, vamos aos finalmente. O que segue é um artigo do nosso grande Nelson Mota, publicado em O Globo, do Rio de Janeiro, sob o titulo Os Pastores da Miséria.

Entra governo, sai governo, e a cada pesquisa do IBGE se repete a mesma pergunta: Maranhão e Alagoas têm os piores índices de desenvolvimento humano do Brasil porque têm os piores políticos, ou será o contrário? Certeza, só de que maranhenses e alagoanos, gente como Ferreira Gullar, Joãosinho Trinta, Graciliano Ramos, Hermeto Pascoal, Djavan, não são melhores nem piores do que gaúchos, mineiros ou cariocas, são só diferentes. E a diversidade é a nossa maior qualidade.

Quase 60% das populações desses dois estados sobrevivem do Bolsa Família. Outros estados têm políticos tão ruins, ou até piores, do que os de Alagoas e do Maranhão, mas conseguem progredir, apesar deles. Qual é o mistério? Será que só corrupção, patrimonialismo e incompetência explicam tudo? É pouco, para tanto dano.

São regiões de natureza exuberante, de grande riqueza histórica e cultural, com imenso potencial turístico e áreas cultiváveis que sem-terras como Israel e o Japão transformariam em Califórnias tropicais.

São estados muito pobres, lamentam-se os seus políticos muito ricos, sempre culpando o processo histórico e os governos anteriores.

Será que faltaram verbas e incentivos para Maranhão e Alagoas com Sarney e Collor no poder? Será que Sarney e Renan Calheiros, como cardeais do lulismo, não usam sua força política para alavancar verbas para seus estados? É o que esperam maranhenses e alagoanos.

Mas a miséria continua, enquanto o resto do Brasil cresce.

Nesses casos, os tucanos não podem gritar que é culpa do PT, que não governou nem um nem outro.

Nem os petistas vão dizer que eles estão assim por culpa do neoliberalismo, quando a maior parte do país progrediu. Nem o Zé Dirceu vai acusar "a direita". A culpa não é dos comunistas, nem dos americanos, nem de Deus.

Como diria Wilson Simonal, nem vem que não tem. A conversa mole do preconceito não cola: o caso é mesmo de mau conceito, em números e fatos. Os amigos maranhenses e alagoanos sabem melhor do que ninguém do que estou falando. Mas ainda não sabem desvendar o mistério e quebrar o encanto. (O Globo - 08/05/2009).

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