sábado, 18 de abril de 2009

Nem nas Mercês

Sobre o General Dutra, Ministro da Guerra de Getúlio, depois Presidente da República, quando ganhou fama de legalista, eis que estava sempre a consultar o livrinho, no caso a Constituição, ficaram muitas piadas.

A que mais gosto é aquela em que, em meio a mais um bate pé da diplomacia norte-americana querendo intimidar o nosso Governo, um assessor militar sugeriu ao nosso Presidente que declarasse guerra aos Estados Unidos.

O Presidente Dutra, baixinho, queixo gordo, os olhos quase sumindo por baixo das sobrancelhas, perguntou cortante - e se nós ganharmos dos Estados Unidos?

Mais que uma interrogação, uma profunda proposição.

Vencer um poderoso é possível, sim. Mas o que fazer depois com a vitória?

Toda vitória demanda muito contorcionismo.

Não basta achar que repartindo entre aliados alguns nacos ou os aquietando em alguns cantos vai ficar tudo beleza.

As alianças de campanha, no geral, se desprovidas de acendrado amor à causa pública, quando vitoriosa a causa, dificilmente conseguem saciar-se daquela fome de ante ontem.

Se não houver ruptura, nada de novo acontece.

Lampedusa conta, em Il Gattopardo, que na Itália em transe, em 1860, a revolução de Garibaldi, propondo-se a acabar com aquela sociedade montada à base de benesses e privilégios, amedrontou Fabrizio Salinas, um príncipe de um dos tantos reinos em que se dividia a Sicilia, e de resto toda a Itália.

Ao partir para se refugiar numa das suas fazendas, Salinas vê Tancredi, seu sobrinho, se aliando com entusiasmo aos revolucionários.

O Príncipe fica calmo quando Tancredi lhe diz que é preciso que as coisas mudem de lugar para que permaneçam onde estão. Salinas então compreende bem e logo se prepara para viver sob os novos tempos.

Novos tempos que serão novos mas só nas roupagens, nos rótulos, sendo mesmas as liturgias e personagens os mesmos.

Vendo que iam perder a guerra para a guerrilha, que marchava vitoriosa para tomar Havana, os generais de Batista, o ditador de Cuba, propuseram a Che Guevara uma trégua para negociações.

Isto aqui é uma revolução, não é um golpe de estado, respondeu El Comandante.

Muito antes de começarem a guerrilha, quando ainda estavam exilados no México, de onde tudo começou, Fidel e Raul Castro já tinham consciência de desafio maior - o difícil não é tomar o poder, mas saber o que fazer depois com o poder.

Tem gente que tomando o poder o deixa correr frouxo, as taxas de analfabetismos crescendo, a miséria social e a pobreza política se assoberbando. E a condição de vida do povo inteiro só piorando.

Dirigindo-se nesta semana aos Presidentes do Senado e da Câmara, o Presidente Lula rasgou um dos véus da nossa atual fantasia republicana ao lembrar que aqui ninguém é freira ou santa. A República não é um convento. Certo, Presidente. Nem mesmo o das Mercês, o convento das Mercês.

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