quinta-feira, 16 de abril de 2009

Doença de Nabuco

Dentre os que publicaram estudos sobre o caráter do Povo Brasileiro, Mário de Andrade foi dos poucos, naquele começo de século, século passado, a viajar sofregamente, querendo ver tudo, pelo Brasil.

Macunaíma, o herói sem caráter, resulta dessas viagens, estudos e observações.

Enquanto alguns, como Sergio Buarque, concluíram que o brasileiro é muito cordial, outros como Darcy Ribeiro ficaram querendo entender e explicando ao mesmo tempo a nossa mestiçagem, Mário de Andrade não perdeu muito tempo para concluir que nós, os brasileiros, sofremos da Doença de Nabuco.

E que doença é essa? Fascínio irresistível pelas coisas do chamado primeiro mundo.

Agora, o psicoterapeuta Claudio Guimarães dos Santos agrega aos estudos dos nossos antropólogos e sociólogos mais famosos uma conclusão discordante, mas ligeiramente próxima de Mário de Andrade.

"Para mim, diz o doutor Claudio, o que caracteriza realmente o Povo brasileiro é a sua imensa passividade, à qual se alia um péssimo conceito de si mesmo".

Indignado, e eu também, com os últimos acontecimentos, ele registra em artigo na Folha de São Paulo, edição de hoje, que essa passividade popular não poderia ser mais evidente.

"O povo assiste, calado, aos escândalos mais chocantes: na "high society", é o gangsterismo que viceja, sem vergonha, por entre orgias gastronômicas, degustações enológicas e colunas sociais.

No Legislativo, são as velhas negociatas que maculam, ainda mais, a imagem dos congressistas; no Executivo, seja qual for o nível, é a manipulação politiqueira do Orçamento, é o uso eleitoreiro dos recursos, é o retorno quase nulo, sob a forma de serviços, dos tributos excessivos.

No Judiciário, além da lentidão, é a estranha condescendência, cada vez mais comum, com a retórica capciosa de alguns advogados, que desfiguram, pelo uso sofístico, os baluartes constitucionais da cidadania -como o direito ao habeas corpus ou ao devido processo legal-, os quais só valem para os poderosos.

A passividade do povo brasileiro chega a ser tão absurda que não é raro verificarmos a reeleição de figuras corruptas pelos mesmos ingênuos eleitores que, "ainda ontem", por elas haviam sido ludibriados. É o popular "me engana que eu gosto"...

Trata-se, penso eu, de um traço bastante constante da nossa personalidade coletiva, que nos tem acompanhado ao longo da história, ainda que com algumas exceções: umas mais violentas -como Palmares, a Balaiada, a Cabanagem, Canudos, o Contestado, a revolta da Vacina ou a guerrilha dos anos de chumbo; outras mais pacíficas -como o Fora Collor e as Diretas-Já.

Além do mais, pouquíssimas dessas revoltas contaram com a adesão significativa da população brasileira, sofrendo, antes, a sua veemente condenação.

(Que nos baste, como exemplo, recordar o que se deu com os raros cidadãos que, de armas na mão, realmente se insurgiram, com "fibra de herói de gente brava", contra o regime militar -ainda que alguns deles, é verdade, almejassem a instalação de uma outra ditadura, só que de índole marxista: iludidos com a perspectiva de um maciço apoio popular, ficaram todos a ver navios, já que a maioria dos brasileiros não deixou de usufruir as migalhas do "milagre econômico", nem muito menos de festejar os "heróis" da Copa de 70, pouco se importando se o "pau comia solto" nos subsolos do poder.)

Se quisermos, portanto, ser sinceros, precisaremos admitir que a revolta aberta e franca nunca foi mesmo o nosso "forte", ou, por outra, se ela o foi alguma vez, vem deixando de sê-lo a cada dia.

Em vez dela, preferimos uma cerveja gelada, um bom pagodinho, um sofá e uma TV, a mesa do botequim. Briga mesmo só se for pelo time do coração -assim reza o triste lema desta "pátria de chuteiras", que se afunda mais e mais na indiferença e na apatia.

Todavia, teremos de ser sempre desse jeito? Não nos será jamais possível, nem mesmo num remoto futuro, neutralizar o escravismo e a cultura clientelista que, desde o início, nos macularam o sangue, debilitando-nos o caráter?

Não lograremos nunca dar um basta a essa elite bandida, decapitando, se necessário, ainda que metaforicamente, as suas "cabeças coroadas"? Ou decerto não o faremos precisamente porque, lá no fundo, nós de fato idolatramos esses mesmos que nos pisam, só por sabê-los capazes de conquistar o que desejamos e que não ousamos assumir?

E quanto à nossa autoestima? Até quando nos sentiremos "losers", totalmente por baixo, só por falarmos português?

Desde o 7 de Setembro, nós somos um país. Falta-nos, ainda, embora poucos o saibam, virarmos uma nação. Longe vá temor servil!".

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