domingo, 1 de março de 2009

Da Caros Amigos

O que você vai ler adiante são os principais trechos da matéria de capa da revista Caros Amigos, publicação de muita credibilidade, que se edita em São Paulo.

O autor do texto é Palmério Dória, jornalista de muito prestígio.

Começa assim:

"Dos 56 cargos federais existentes no Maranhão, 54 pertencem à "cota" de José Sarney – o partido do presidente da República nomeou apenas dois. Sarney está dando as cartas mais que nunca.

Controla áreas do Ministério dos Transportes. Na energia, domina de ponta a ponta. No momento em que esta revista circular, pode ter conseguido no Supremo derrubar o governador eleito pelo povo maranhense e ter posto no cargo sua própria filha, Roseana.

Com seu poder de nomear, com uma mãozona de Renan Calheiros, que tem nos costados um inquérito de 29 volumes tramitando no Supremo, volta a presidir o Senado.

E com um filho, Fernando, implicado num escândalo federal, em país algum do mundo Sarney poderia chegar de novo aonde está chegando. Do Maranhão ele é dono. E no Brasil Quem governa é o Lula, mas quem manda é o Sarney."

A VOLTA POR BAIXO

Depois de relembrar a apreensão pela Policia Federal de mais de 1 milhão de reais, em cédulas de 50, na sede da empresa de que eram sócios Roseana Sarney, então Governadora e Jorge Murad, então Secretário do Orçamento do Estado, quando o então Ministro de Fernando Henrique, o hoje Governador Jose Serra, foi acusado por Sarney de ter sido o mandante da operação policial, a matéria de Caros Amigos rotula de "volta por baixo" a atual posição de Sarney.

Assim:

"De fato, na sabatina no Teatro Folha, a 26 de agosto de 2008, em que fez um balanço de 50 anos de vida pública, quando lhe perguntaram sobre o papel de José Serra na operação policial no escritório de Roseana, o senador José Sarney contemporizou, num exemplo de extrema superação.

"Não vou dizer que foi o governador José Serra nem que não foi o governador Serra. Até porque é um fato do passado. Não quero relembrar."

Bem distante daquele José Sarney que ameaçava na Isto É, à época do escândalo:

"O Fernando Henrique destruiu minha filha. Vou destruí-lo."

Mas é certo que houve uma saia justa no primeiro encontro de Serra e Sarney após o episódio. Já governador de São Paulo, em agosto de 2007 Serra passou uma camada de óleo de peroba no rosto e, com a mesma cara-de-pau com que um ano e meio depois apoiaria Sarney para a presidência do Senado, compareceu à badalada pré-estréia de O Dono do Mar, com todo o elenco do filme dirigido por Odorico Mendes, que levou dez anos para ser concluído, baseado numa das 60 obras do acadêmico.

Ali no saguão do HSBC/Belas Artes, na rua da Consolação, dona Marly Sarney confessou que, apesar de sua notória finesse, sentiu por alguns segundos o impulso de expulsar o governador do recinto. Mas estava fora da Capitania do Maranhão.

Contida pelo marido, voltou-lhe a cena do jantar para 37 pessoas no Palácio dos Leões, residência dos governantes maranhenses, às vésperas do Natal de 2001, quando teve o pressentimento de que algo podia dar muito errado com a candidatura da filha à presidência, apesar da onda de popularidade em que surfava, dos números favoráveis dos institutos de pesquisas, que apontavam para um primeiro lugar em pouco tempo, do entusiasmo incontido de Nizan Guanaes, o golden boy do Gantois, com sua invenção.

Seu alarma interno soou quando José Sarney chamou Roseana, muito a sério, para lhe dar conselhos à mesa. Dona Marly esqueceu por momentos convivas como Pedro Paulo Sena Madureira, editor da maioria dos livros do marido, e Janete Costa, que morreu no ano passado, decoradora pernambucana que acabava de dar seu toque no palácio, e ficou de orelha em pé.

"Olha, filhinha, você precisa tomar cuidado com seu principal inimigo."

"Quem é, paizinho? O Lula, o Serra, o Fernando Henrique?"

"Não, minha filha. Seu principal inimigo é você mesma."

ENTREMENTES, NA BATCAVERNA...

O conselho não era nada enigmático. Nessa época, os negócios de Roseana estão sob a lupa da PF. O casal foi denunciado por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal, graças ao sumiço de 44 milhões e meio de reais da Usimar, indústria de autopeças superfaturada que seria implantada com financiamento da Sudam, Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, extinta por esses e muitos outros desvios. Seu projeto, saudado por José Sarney em artigo publicado na Folha de S.Paulo como o início da indústria automobilística no Maranhão, hoje não passa de um terreno abandonado no distrito industrial de São Luis.

Seria apenas fornecedora de cabeçotes metálicos, virabrequins e pequenas juntas. Mesmo assim, a fraude estava orçada em 1 bilhão e 38 milhões de reais.

A 1º de março de 2002, numa tarde abafada de sexta-feira, os temores de José Sarney se materializam nas figuras de oito agentes e dois delegados da Polícia Federal.

Munidos de mandado judicial, estão vasculhando a empresa de Roseana Sarney Murad e Jorge Francisco Murad, seu marido. Os maranhenses chamam a Lunus de Batcaverna. É ali que o casal de fato governa o Estado. Na cobertura do edifício Adriana, na avenida Colares Moreira, os policiais encontram 1 milhão e 350 mil reais em dois imensos cofres.

Pelo telefone, dona Terezinha, a secretária, ofegante, suada e chorosa vai contando o curso da operação, direto da Batcaverna aos patrões na toca dos Leões. A cada notícia, uma nova explosão de Roseana.

"Eu não sabia que tinha dinheiro lá!" – vocifera para Jorge Murad, acuado.

Ele disse que havia na Lunus apenas 3 mil reais. Para as despesas, sabe? Talvez da quitanda. Depois dos ataques de fúria, a governadora consegue finalmente falar com o frio senador catarinense Jorge Bornhausen, presidente do ex-PFL e fiador da candidatura enquanto chegam o vice-governador José Reinaldo e os secretários mais próximos.

A lua-de-mel da candidata à presidência com a imprensa grande acabou na edição do Jornal Nacional da quinta-feira 7 de março com a imagem das 27 mil oncinhas nas notas de 50 reais dispostas em cima de uma mesa. Houve sete ou oito versões para a bolada. Na última, lendo, a contragosto, uma nota seca, Murad disse que o dinheiro era para a campanha, mesmo incorrendo em crime eleitoral, pois pela lei não tinha chegado a hora de arrecadar fundos.

Sobre a origem, nada. Só no dia 10 de abril apareceu a lista com os "doadores oficiais" da campanha, que o Correio Braziliense tinha antecipado um mês antes.

Segundo o jornal, a fortuna era creditada a empresários amigos para pagar as despesas da candidatura. A arrecadação correu por conta e risco de Murad, sem que a governadora soubesse. Na lista aparecem o próprio Murad e o irmão caçula da então governadora, Fernando Sarney, que no primeiro mandato dela teve duas empresas de seus amigos (EIT e Planor) contempladas com 33 milhões de dólares por uma estrada nunca construída: Paulo Ramos-Arame. O jornal também informava que o maior doador era o empresário piauiense João Claudino Fernandes, dono da Construtora Sucesso. Sucesso a toda prova. À época, ele tinha abiscoitado 7 milhões e 800 mil reais em obras federais nas estradas do Piauí e do Maranhão. Não por coincidência, é sócio de Jorge Murad no São Luís Shopping, o maior da capital maranhense.

O PFL rompeu com FHC, Roseana caiu para 15% no Datafolha, Serra pulou para 17%, a candidatura naufragou e Lula ganhou. A dinheirama ficou sob a guarda da Caixa Econômica, mas acabou voltando para o casal Murad-Roseana.

E o Caso Lunus, que fim levou? Naquela sabatina da Folha, em que disse que não sabia da existência de tortura no Brasil, Sarney deu o caso como encerrado.

"Quem vai dizer não sou eu. Mas o STF e o Tribunal Federal de Brasília, que, em acórdão, disseram se tratar de armação. Não tinha começo nem meio nem fim, uma busca e apreensão que não foi junto a processo algum e que só cumpriu uma finalidade: barrar uma candidatura à presidência."

MÊS DE DESGOSTO

Mas o ex-presidente, de 78 anos, não podia dizer diante daquelas 150 pessoas, no auditório do Teatro Folha, no segundo piso do sofisticado Pátio Higienópolis, que um novo caso tornava aquela manhã de agosto particularmente aziaga.

Com bons amigos na Polícia Federal, um deles – Aluízio Guimarães Mendes Filho –lotado em seu próprio gabinete, como manda a lei, Sarney sabia de cada uma das acusações contidas noutro inquérito.

Desta vez, uma devassa no coração do império que ergueu nos tais 50 anos de vida pública sabatinados ali, baseado principalmente no setor de energia elétrica, espécie de monopólio da família.

"Parece que o Sarney tem uma vocação pro setor. Ele sabe, no máximo, como nós, acender e apagar um interruptor", disse ao Terra Magazine o historiador Marco Antônio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de São Carlos, ironizando a posse de Edison Lobão no Ministério das Minas e Energia, em janeiro de 2008.

E não é só eletricidade. Energia nuclear é com eles, e Lobão planeja criar 50 a 60 usinas nucleares nas próximas décadas; o pré-sal também é com eles – e Lobão sonha com uma estatal só deles, ou melhor, só para cuidar do pré-sal. Quem domina energia, domina o mundo, diz o escritor norte-americano Gore Vidal. O mundo eles podem não alcançar, mas o Brasil está praticamente no papo.

Lobão foi indicado por Sarney, que também indicou o antecessor dele, Silas Rondeau, afastado por corrupção. Ambos maranhenses, ambos do corpo de baile permanente do senador.

"Eu gostaria que alguém chegasse pro Sarney e perguntasse por que ele tem tanto interesse no setor, se ele gostaria de ter sido engenheiro elétrico."

Um relatório de 160 páginas da PF daria a resposta. O Caso Lunus não era nada, um passeio na floresta encantada, comparado ao impacto do documento divulgado na imprensa a 4 de outubro. E a comparação é inevitável.

A nova investigação começou a partir de uma movimentação "atípica" de 2 milhões de reais, em dinheiro vivo, comunicada pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) ao Ministério Público, nas contas de seu filho Fernando Sarney e da mulher dele, Teresa Cristina Murad Sarney, às vésperas do segundo turno das eleições para o governo do Maranhão.

O dinheiro deveria turbinar a campanha de Roseana Sarney, 55 anos, hoje no PMDB de José Sarney, que tentava voltar ao P

alácio dos Leões. Ela acabaria derrotada por Jackson Lago, um pedetista histórico, num dos resultados mais espetaculares daquelas eleições.

O HABEAS É UM ADEREÇO

A família estava de novo sob a lupa da PF. Em janeiro de 2008, havia saído uma ou outra coisa na imprensa. A partir daí, tudo corre em segredo de justiça. Menos para José Sarney.

Já em agosto, o senador tem que apelar de novo para os seres superiores, usando todas as suas manobras de sedução – a maior delas, segundo o jornalista Sebastião Nery, o poder infinito de nomear – para livrar da cana seu filho, o empresário Fernando Sarney, 52 anos, comandante do Sistema Mirante, que domina as comunicações no Estado, e mais uma dezena de pessoas, por: formação de quadrilha; crime contra o sistema financeiro e administração pública; falsidade ideológica; fraude em licitação; e evasão fiscal. Falta alguma coisa?

Por seres superiores, entenda os ministros do Superior Tribunal de Justiça. Assim que a polícia pediu a prisão de Fernando, a 18 de agosto, seu advogado, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que está "em todas", acionado por José Sarney, entrou com pedido de habeas corpus preventivo, concedido antes mesmo do STJ apreciar. O juiz Neian Milhomem da Cruz, relator do inquérito na primeira instância na Justiça Federal do Maranhão, que vinha dando apoio ao cerco da policia e do Ministério Público, negou o pedido e saiu de férias. Em compensação, toda vez que Fernando sai de casa para o trabalho, sua mulher Teresa avisa:

"Fernando, não esquece o habeas."

O habeas faz parte do guarda-roupa dele, um adereço, como a gravata.

TELEFONAR? JAMAIS

As pressões não ficaram aí. A procuradora Thayná Freire, que conduz o inquérito no Maranhão, levou uma prensa do procurador-geral da República Antonio Fernando Souza em Brasília, e os aliados do senador no PMDB tentaram derrubar o ministro da Justiça, Tarso Genro, que Sarney considera responsável pelas agruras de Fernando.

Queriam no lugar o ministro Nelson Jobim, da Defesa, noticiou O
Globo sem destaque algum. Em troca, segundo o jornal, Sarney abriria mão de concorrer à presidência do Senado, na eleição marcada para fevereiro de 2009. De lá pra cá, jogou com essa candidatura, que acabou assumindo, ao apagar das luzes, numa articulação de Renan Calheiros, sobre quem pesa um inquérito de 29 volumes, tramitando em sigilo do STF.

Tudo em nome do filho, com quem não pode sequer falar pelo telefone. E isso não é de hoje. Numa mesa do restaurante carioca Alvaro's, no Leblon, Sebastião Nery se diverte contando como eles se comunicam há décadas:

"Tenho um amigo que é amigo do Sarney. Quando presidente, ele doou a esse amigo uma rádio. Ele não era deputado, mas ganhou a rádio. Foi no Palácio agradecer.

O Sarney se levanta da mesa, vai andando e, quando chega na porta, diz: Você está indo para o Maranhão? Diga ao Fernando pra vir aqui que quero conversar imediatamente com ele. Esse meu amigo jornalista disse assim: Sarney, vou ligar e falo pra ele vir amanhã.

O Sarney disse: Pelo amor de Deus, não fale com ninguém nem ligue pra ele. Diga pessoalmente. Diga para ele pegar um avião e vir até aqui falar comigo."

Deve ter aprendido com Tancredo Neves, que ensinava: telefone, só para marcar encontro e assim mesmo não comparecer.

É BOMBA, MEU BOY!

A Operação ganhou o nome de Boi Barrica, grupo maranhense de bumba-meu-boi. À semelhança da Operação Chacal, que primeiro investigava a espionagem da Kroll e depois desdobrou-se na Operação Satiagraha, avançando nos tentáculos financeiros do banqueiro Daniel Dantas, a Boi Barrica revelou um poderoso esquema de corrupção no governo federal. José Sarney acompanhava a investigação passo a passo. Vazamento é com ele mesmo. Ele sabia...

... que o monitoramento desvendou que a São Luís Factoring e Fomento Mercantil Ltda, em nome de sua nora, Teresa Murad Sarney, e José Odilon Soares, diretor financeiro das empresas de Fernando, era apenas uma lavanderia do "grupo criminoso". Sem telefone, sem funcionários, sem endereço eletrônico, no mesmo prédio da TV Mirante e da Gráfica Escolar, movimentou 10 milhões de reais irregularmente nos últimos 3 anos.

... que tal factoring também maquiava despesas pessoais da família de Fernando. "Uma dança do dinheiro" frenética, com cheques no valor de 1.633.230 reais, 423.994 e outras quantias estratosféricas, com a assinatura de Teresa e Ana Carla, mulher e filha de Fernando – uma verdadeira farra do boi-bumbá. Ou uma Marafolia, para lembrar o carnaval fora de época que o grupo promove em São Luís – nela, tradicionalmente superfatura apoios da Vale e da Caixa Econômica Federal.

... que havia laranjas humildes como Maria Raimunda Campos Barbosa, residente na Vila Operária em São Luís, beneficiária de 23 cheques nominais da factoring, totalizando 351 mil reais, todos sacados em espécie na boca do caixa do Bradesco.

... que, em 2007, a incorporadora imobiliária paulista Abyara entrou na dança. Transferiu 2 milhões e 44 mil reais para a conta conjunta de Ana Carla e Teresa no banco HSBC, para conseguir um financiamento da CEF, que tem numa das vice-presidências Fábio Lenza, indicado por... José Sarney. (Diz-se, a boca nada pequena, que Fernando levou um tombo, junto com a Abyara, com a qual armou uma joint-venture, mas isso já é outra história.)

... que havia uma rede de tráfico de influência sob o comando de seu próprio filho, Fernando Sarney, tendo como principais cúmplices Astrogildo Quental, diretor financeiro da Eletrobrás, estatal que movimenta 6 bilhões de reais por ano; Ulisses Assad, diretor de engenharia da Valec, empresa vinculada ao Ministério dos Transportes responsável pelas obras da ferrovia Norte-Sul, e dois colegas de turma de Fernando no curso de Engenharia Cvil da Escola Técnica da Universidade de São Paulo – Gianfranco Perasso e Flávio Barbosa Lima –, que a revista Época viria a chamar de "O grupo da Poli de 78".

... que esse grupo de alegres rapazes depois passou a contar com o ex-ministro Silas Rondeau, que rodou mas voltou, hoje está no Conselho de Administração da Petrobras.

... que Fernando, sua mulher e o Grupo da Poli movimentam contas não-declaradas ao fisco na China, nos Estados Unidos e nas Bahamas. A China é novidade: Fernando parece estar seguindo o caminho dos cartéis da droga, buscando hibernar grandes somas em países nada óbvios, que não são os manjados paraísos fiscais.

A documentação, a troca de emeios e os grampos telefônicos são fartos, eloqüentes, arrasadores. Provam que Fernando manda e desmanda na quadrilha, que inclui um vasto laranjal de pequenos citricultores, como Marco Antônio Bogea, motorista de Fernando em Brasília, que leva e traz malas de dinheiro ou envelopes polpudos para os integrantes do bando, sob as ordens do operador Astrogildo Quental.

O relatório dos delegados Marcio Adriano Anselmo e Thiago Monjardim Santos, enviado ao juiz Neian Milhomem Cruz no dia 18 de agosto, não deixa dúvidas: qualquer rolha de concreto, qualquer barragem nas hidrelétricas brasileiras paga pedágio a Fernando Sarney. Quando José Sarney faz um discurso no Senado, dizendo que Belo Monte, no rio Xingu, na terra dos caiapós, vai ser a redenção da Amazônia, pode ficar certo de que, muito antes que as comportas se fechem, a alegre turma de Fernando já entrou em campo, faturando.

GOLPE DE ESTADO NO ESTADO

Em São Luís, com a calma de quem tece um colar de contas, made in caiapó, o historiador maranhense Wagner Cabral da Costa, autor de Sob o Signo da Morte – O poder oligárquico de Victorino a Sarney, explica que nada disso acontece por acaso.

"Quando Sarney foi governador, a ditadura estava investindo forte em infra-estrutura no nordeste amazônico com a usina de Boa Esperança, no rio Parnaíba, entre o Maranhão e o Piauí, e com a expansão das Centrais Elétricas do Maranhão. Então você tem um setor que passa a ter as indicações políticas do grupo."

Estamos no Hotel Abeville, na avenida Castelo Branco, que vem da ponte José Sarney, ligação direta: quem garantiu Sarney governador lá na ditadura, em 1965, foi Castelo, o primeiro general de plantão. Wagner prossegue:

"Na rodada seguinte de expansão, que é exatamente o programa Grande Carajás, ainda na ditadura, você tem a implantação da Vale do Rio Doce com corredor de exportação, a implantação da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, e a Eletronorte. Ou seja: vão construir a ponta de organização do setor, mas que é o lugar em que você pode trazer as construtoras, que vêm para o Maranhão para tocar as obras. Você tem o esquema das construtoras, das licitações pra conseguir esses contratos, e a contrapartida em termos de financiamento de campanha.

"Mas também tem a questão da energia, que tem a ver com a Alumar, localizada na ilha de São Luís. O processo de fabricação da alumina consome muita energia, que é a energia subsidiada. Todos os contratos da Alumar foram negociados por agentes de Sarney. São contratos de 20 anos em que eles pagam 20% a 25% do preço que o consumidor comum paga na cidade. O primeiro contrato venceu há poucos anos e foi renovado por mais 20 anos por gente do Sarney."

Espetacular, não? E diz mais o historiador:

"É o Fernando Sarney que faz a triangulação de uma boa parte desses contratos. Quando a Alumar anunciou a última expansão dela aqui, em 2007, o anúncio da empresa foi na casa do Sarney. Fizeram uma festa lá na residência do chefe oligarca, na praia do Calhau, em frente à baía de São Marcos, pra dizer que ela prestigia a família e agradece os seus honrados serviços."

Figura emblemática do esquema é Silas Rondeau. Engenheiro formado pela universidade do Maranhão, no final dos anos 1970 passa pela Cemar, a estatal de energia maranhense, e depois vai para a Eletronorte, onde ocupa uma série de cargos, até chegar ao Ministério das Minas e Energia, já no governo Lula.

Quando Rondeau rodou, por causa de uma propina mensal de 100 mil reais, e Lula vacilou na nomeação de Edison Lobão, o que aconteceu? Sarney e Roseana, líder do governo no Senado, ameaçaram entrar em férias. O que significava que boa parte dos votos da base de apoio de Lula no Congresso também entrariam em férias. Sarney peitou Dilma Rousseff e conseguiu botar Lobão no Ministério. Lobão, tranqüilo, esperava.

"Se Don Corleone, na interpretação magistral de Marlon Brando, tivesse conhecido o Lobão, faria dele seu lugar-tenente", diz conhecido publicitário. "O Lobão é de uma frieza glacial. Vai ser fiel ao Sarney até o velório, mas antes da missa do 7º dia já toma o poder dos meninos, o que não é difícil. Além disso, o Edinho odeia o Jorginho Murad, pois concorre na mesma faixa, digamos, o mercado do percentual."

Edinho, filho de Edison Lobão, que assumiu no Senado o lugar do pai quando este foi para o Ministério das Minas e Energia, é conhecido como Edinho Trinta, em alusão à percentagem que costuma cobrar em suas intermediações de obras públicas.

Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal
Pessoal de Belém, um dos observadores mais argutos da cena amazônica, jornalista que escapa de processos como Garrincha escapava dos beques adversários, diz:

"Com a nomeação de José Antônio Muniz para a presidência da Eletrobras, Sarney tem o poder total no setor elétrico, de alto a baixo. É bom lembrar que Muniz foi o dirigente da Eletrobras em que a índia Tuíra passou o facão no rosto em 1988, no I Encontro de Povos Indígenas em Altamira, para discutir danos ambientais da construção da usina de Cararaô, hoje Belo Monte, e o Banco Mundial saiu da parada. Fernando Sarney era presidente das Centrais Elétricas do Maranhão. E a partir da Cemar ele montou esse império."

Um império que sonha com a volta de sua rainha Roseana ao trono, junto com o príncipe consorte Jorge Murad, se o Superior Tribunal Eleitoral der guarida ao golpe armado por Sarney para derrubar o médico Jackson Lago, 73 anos, sob a acusação de crime eleitoral. Logo o Sarney.

"ESSA TOGA É NOSSA!"

Essa "tentativa de golpe de Estado pela via judiciária" – na definição de Francisco Rezek, ex-ministro do STF que defende Jackson Lago – começou assim que as urnas deram a vitória ao candidato da Frente de Libertação do Maranhão com 1.393.647 votos.

O grupo de Sarney entrou com pedido de cassação do mandato do governador no TSE, acusando-o de "abuso de poder". Desde janeiro de 2007, quando Lago assumiu, o Sistema Mirante assombra o Maranhão com o fantasma dessa cassação.

A campanha ganhou mais ímpeto nas eleições municipais de 2008, em que PMDB sofreu outro revés, perdendo a maioria das prefeituras.

Com os votos em franca debandada, todas as esperanças do grupo repousam no TSE. Uma vitória, antes do fim de 2008, era tida como certa pelos sequazes de Sarney. Seria o presente de Natal de Roseana. Mas, na sessão do dia 18 de dezembro, uma quinta-feira, os sete ministros ouviram, antes do julgamento, o discurso firme de Francisco Rezek. Ele disse:

"Não se trataria apenas de invalidar os votos de quem ganhou, mas de dar o cargo a quem perdeu."

Francisco Rezek vinha chamando a atenção dos juízes para a frustração que uma eventual cassação causaria entre o povo maranhense e ironizando celeridade incomum do processo.

O vice-procurador eleitoral Francisco Xavier Pinheiro Filho é uma espécie de The Flash: leu 15 volumes e 15 mil páginas em apenas 16 dias. Dá quase uma página por minuto, isso se ele não dormisse, não comesse, não fosse ao banheiro.

E encampou a tese da acusação. Num parecer de 15 folhas, recomendou a cassação de Jackson Lago e do vice, Luís Carlos Porto, e a posse de Roseana Sarney, segunda colocada na eleição.

A acusação de "abuso do poder" (Jackson teria se beneficiado de convênios do Estado com prefeituras durante o período eleitoral) não se sustenta, segundo Rezek, pelo simples fato de que o ex-prefeito de São Luís não exercia função pública alguma e não era o candidato do governo. O candidato do ex-governador José Reinaldo era Edson Vidigal, ex-presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), e teve suas vitórias mais decisivas em Imperatriz e São Luís, as duas cidades mais populosas do Maranhão, que não celebraram tais convênios.

Em Brasília, no julgamento daquela quinta-feira, o ministro Eros Grau, relator do processo, votou pela cassação, como se esperava.

Mas, antes que a votação prosseguisse, o ministro Félix Fischer pediu vista do processo, deixando o desfecho para depois das férias do Judiciário. E um clima de velório tomou conta do Calhau, onde reinam Papa Doc, Baby Doc e Doc Girl."


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