terça-feira, 2 de setembro de 2008

O Fim do Foro Privilegiado

Quando, afinal, ganharam a guerra contra a Inglaterra, antiga dona das colônias, os norte-americanos, até então conhecidos como ianques, se reuniram em Congresso Constituinte na Filadélfia, a primeira capital dos Estados Unidos.

Havia uma corrente monarquista que já tinha pronta uma coroa com a qual George Washington, principal comandante militar da insurreição vitoriosa, seria proclamado George I,Rei da América.

Venceu a corrente republicana liderada por Thomas Jefferson, redator da Declaração de Independência.

Resolvido que o novo País seria chefiado, no Executivo, por um Presidente da República, os constituintes consumiram muito tempo discutindo a construção do perfil dessa autoridade.

Resolveram que o Presidente da República seria alguém eleito para trabalhar em tempo integral nos interesses do País. Teria direito a um salário anual e mais - casa, comida e roupa lavada e engomada, transporte e segurança pessoal.Daí a Casa Branca, a mansão mais importante do mundo, na Av. Pensilvânia, onde mora o Presidente dos Estados Unidos da América.

Outra questão ocupou o tempo das discussões. E se o Presidente da República começasse a sofrer denúncias, processos, acusações, pelo País afora?

Deixando o Chefe do Executivo a descoberto, podendo responder a qualquer tipo de acusação perante qualquer Juiz em qualquer ponto do País, a administração poderia correr perigo, a governabilidade poderia entrar em crise.

O Presidente da República, concluíram afinal os Pais da Pátria, sendo alguém eleito e remunerado para trabalhar em tempo integral pelo País não poderia naquelas condições, ficar sujeito a processos que pipocassem a qualquer momento de qualquer parte do País.

Foi aí que despontou da imaginação criadora o foro privilegiado. Sem ferir o princípio fundamental da República, o da igualdade de todos perante a lei, o Presidente só poderia comparecer, respondendo a alguma acusação, perante um Juiz da Suprema Corte, em Washington, DC, a Capital da República.

Essa idéia se disseminou no Continente alcançando todas as Constituições republicanas subseqüentes, incluindo o Brasil.

O nosso estimado Rui Barbosa, autor do Ato Adicional implantando a República, vivia tão entusiasmado com as idéias dos federalistas da Filadélfia que, ao começar a redigir o projeto da nossa primeira Constituição republicana, foi logo cravando - Estados Unidos do Brasil.

Até a Constituição de 1946 a fonte da nossa inspiração republicana era a Constituição dos Estados Unidos.

Foram os militares da última quartelada, a de 1964, que acabaram de vez com o sonho federalista que os republicanos acalentavam desde a queda da monarquia.

Hoje nos chamamos República Federativa do Brasil, mas que de federativa, na prática, não tem nada. As unidades federativas não dispõem de razoável autonomia política, e no mais quase tudo atrelado ao poder quase infinito do Poder Central.

O México ainda hoje se chama Estados Unidos Mexicanos. A diferença é que lá a inspiração tem a ver porque os Estados dispõem de efetiva autonomia legislativa e financeira.

O modelo norte - americano funciona para o México como uma cartilha impondo diariamente o dever de casa.

Entre nós, talvez ignorando a doutrina sobre a qual se sustenta o instituto do foro privilegiado por prerrogativa de função, começou a marola, numa onda pretensamente moralista, se exigindo o fim desse instituto que, ao contrário do que propalam, é garantia da governabilidade em favor da sociedade.

O foro privilegiado está para as autoridades do Executivo e do Legislativo assim como estão para os Magistrados e os membros do Ministério Público em geral as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos.

Não são privilégios, são garantias republicanas em favor dos cidadãos.

Agora, como se fosse uma grande coisa, e sob o argumento de que o foro privilegiado por prerrogativa de função é a causa principal da corrupção no País, anuncia-se que já passou na Câmara dos Deputados o projeto de emenda constitucional acabando com essa criação dos fundadores da Republica norte-americana, de cujo Congresso Constituinte fluiu e flui ainda hoje as idéias básicas inspiradoras do nosso constitucionalismo.

Nenhum comentário: