sábado, 12 de julho de 2008

Ninguem Manipula a Policia Federal, diz Luiz Fernando, o Diretor Geral

O Diretor-Geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, considera-se um policial nato. Ele não consegue imaginar- se fazendo outra coisa. "Ser policial é minha razão de ser", diz ele. Na troca de Márcio Thomaz Bastos por Tarso Genro, Corrêa chegou à PF com a tarefa de diminuir o grau de espetacularização da Polícia Federal. As ações tornaram- se mais discretas por um tempo. Mas novamente a PF volta a fazer operações que surpreendem por levar à cadeia e aos tribunais pessoas de um tipo que a sociedade sempre associou à impunidade: empresários, banqueiros, autoridades do primeiro escalão da República.


Nesta entrevista à ISTOÉ, Corrêa avisa que esse é um processo irreversível. "A Polícia Federal atingiu um grau de maturidade que não permite a mais ninguém querer direcioná-la", diz ele. Assim, Corrêa responde também às críticas de que a PF vem sendo utilizada politicamente para constranger adversários do governo ou eventuais inimigos do ministro da Justiça, Tarso Genro. Segundo Corrêa, nem mesmo o próprio Tarso Genro, se houvesse um pedido embasado da Justiça, escaparia de ser alvo de investigação policial. "Havendo necessidade, qualquer autoridade será investigada", diz ele.


Aos 49 anos, Corrêa chegou à PF depois de uma passagem pelo próprio Ministério da Justiça, onde foi secretário Nacional de Segurança Pública. Foi ele quem ajudou a estruturar a Força Nacional e incentivou a criação dos gabinetes de segurança integrada com os Estados. No Rio, comandou a segurança bem-sucedida dos Jogos Pan-Americanos. Agora, a grande missão de Corrêa é modernizar a PF. Sua intenção é adotar padrões de empresa privada, dando mais autonomia às superintendências estaduais. A contrapartida é que os superintendentes terão de conviver com critérios de desempenho, como gerentes de grandes empresas.


ISTOÉ - Os métodos da Polícia Federal foram alvo do presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, que criticou a prática do vazamento de informações sobre as investigações em andamento.


Luiz Fernando Corrêa - Não reconheço a PF como uma instituição dada a vazamentos como prática. Nós temos, por exemplo, operações que duram mais de um ano para serem concluídas. Como resistiriam se houvesse vazamento? Agora mesmo, está acontecendo uma (a Operação Satiagraha, que prendeu, entre outros, o banqueiro Daniel Dantas). Não vazou. Hoje se tornou pública. É provável que, a partir de agora, os vazamentos comecem. Mas isso não quer dizer que o vazamento se produza na PF. Ela se torna a primeira suspeita de vazamento porque é quem produz a peça investigativa. Mas a verdade é que, a partir de agora, outros terão acesso a ela.


ISTOÉ - Mas Gilmar Mendes não tem razão quando diz que os vazamentos fazem com que se cometam equívocos? Ele, por exemplo, diz que foi confundido com um homônimo na Operação Navalha.


Corrêa - Qualquer vazamento é criminoso, porque tem um segredo de Justiça. A essência do inquérito policial é o sigilo. Qualquer servidor que romper isso está cometendo uma transgressão. Mas nomes referidos em peças normalmente vazam depois dessa fase exclusiva da PF. Não podemos nos responsabilizar por tudo.


ISTOÉ - Há críticas também quanto à utilização política da PF. O ministro da Justiça, Tarso Genro, usa a PF politicamente?


Corrêa - A PF está aparelhada para cumprir a sua missão constitucional, o interesse público. Ninguém consegue atribuir qualquer direcionamento na nossa atuação. Nossas operações têm atingido as mais variadas pessoas, independentemente da sua posição social ou política, agentes públicos ou não, do governo ou não. A instituição amadureceu profissionalmente nos seus quadros e se alguém tentar direcioná-la não vai conseguir. A instituição criou uma doutrina e um posicionamento profissional tal que não permite isso.



ISTOÉ – No caso da investigação sobre o dossiê de gastos de FHC, há um pedido da Justiça para que se investigue o próprio ministro Tarso Genro. A PF terá independência para investigar seu próprio chefe.


Corrêa - Primeiro, a gente tem que esperar para ver se a representação será acolhida. Agora, se houver necessidade, não tenho dúvida de que qualquer autoridade pode vir a ser investigada e ouvida.


ISTOÉ - No caso da Operação Satiagraha, os advogados de Daniel Dantas reclamam de abusos da PF por não terem tido acesso à investigação e não poderem, assim, defendê-lo previamente.


Corrêa - Nem poderiam mesmo ter acesso prévio. É o que eu falava sobre a necessidade de sigilo. O princípio da investigação é inquisitorial e sigiloso. É assim que procedemos, com o devido acompanhamento do Ministério Público, que é o titular da ação penal, e o controle da Justiça Federal.


ISTOÉ - O sr. comemorou o resultado da Operação Satiagraha?


Corrêa - Olha, esse tipo de operação na verdade já entrou na rotina da PF. Eu entendo que ela cause impacto pelos nomes de alguns envolvidos. Mas acho que nem isso hoje surpreende tanto. A sociedade já percebeu que qualquer um, independentemente do posto ou do poder aquisitivo, pode ser alcançado pela PF ou pelo Ministério Público.


ISTOÉ - A PF prende os criminosos de colarinho branco, mas eles acabam não passando mais do que três dias na cadeia. Isso não gera um sentimento de impunidade?


Corrêa - Não. É preciso que se faça uma diferenciação. Existem dois tipos de prisão que acontecem nesses casos, a temporária e a preventiva. Elas cumprem seu papel na produção de provas, para que as pessoas sejam ouvidas e aconteçam operações de busca e apreensão. Ou seja, a pessoa é presa temporariamente para que não possa interferir no processo de investigação. Depois disso, manter as pessoas presas seria uma violência contra o cidadão. Daí, segue o processo com o cidadão em liberdade, aguardando o trânsito em julgado, para uma condenação ou não.


ISTOÉ - Outra crítica freqüente é quanto ao abuso de escutas telefônicas nas investigações.


Corrêa - Não há esse abuso. Não é verdade que esse instrumento foi banalizado. O que acontece é que houve um grande avanço na capacidade tecnológica. Hoje, estamos iniciando a utilização de um sistema, o Sintepol, que permite que o delegado, o juiz e o promotor estejam em contato o tempo todo virtualmente, online. O delegado pede uma autorização de quebra de sigilo ao juiz, ele pode atender prontamente, e o Ministério Público já opina sobre a necessidade ou não da operação. Ou seja, há mais rapidez. Com o Estado em plena capacidade, a economia em expansão e a polícia se modernizando, a utilização do grampo acontecerá na medida da criminalidade investigada. Enquanto houver corrupção e crime para se investigar, haverá escuta telefônica. Enquanto nós tivermos a criminalidade, corrupção, - principalmente nesta última modalidade, que é um delito muitas vezes de comportamento e de baixa materialidade -, a escuta telefônica e a quebra de sigilos serão necessárias.


ISTOÉ - Não falta mais empenho para coibir o tráfico de drogas e armas pela fronteira?


Corrêa - Se nós colocássemos um homem fortemente armado de mão dada com outro a cada metro de fronteira, talvez não conseguíssemos mesmo assim evitar a entrada de drogas e armas. O crime organizado dissimula o ingresso em atividades lícitas. Essa barreira física de pessoas pode inibir o tráfico de drogas e o contrabando-formiga. Agora, aquele que realmente causa um impacto, esse se dá através do crime organizado. Não é a presença física na fronteira, não são medidas burocráticas na fronteira que impedirão, é sim um grande trabalho de inteligência.



ISTOÉ - Como a PF vem investigando as atividades das ONGs internacionais na Amazônia?


Corrêa - A espionagem e os interesses no Brasil são muitos. Quem se dedica a obter informações criminosas sobre as riquezas naturais brasileiras se vale de vários meios. ONGs de fachada são, sem dúvida nenhuma, um deles. As ONGs vieram para complementar atividades que o Estado não dava conta de fazer, principalmente na área social. Agora, na medida em que passam a ter um papel mais atuante e começam a lidar com mais poder e dinheiro, as ONGs podem se corromper, como acontece com os servidores públicos. Então, não podemos mistificálas, achar que são semideuses. O Estado brasileiro, que num momento se socorreu do terceiro setor para complementar sua capacidade de atender o cidadão, agora percebe que precisa estabelecer um controle.


ISTOÉ - Como é a relação entre a PF e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)?


Corrêa - Nós temos a obrigação de estarmos integrados. A Abin é a cabeça do sistema de inteligência brasileiro. Com as modernas tecnologias, estamos nos adaptando para que essa integração se dê em tempo real. Cada um no seu papel. A Abin na inteligência estratégica e nós na inteligência operacional, de combate ao crime.



ISTOÉ – Quando dirigia a PF, o atual Diretor da ABIN reclamava que a agencia não repassava informações à policia.


Corrêa - Nossa área de inteligência trabalha com muita intimidade com a Abin. E com muito mais razão agora que ela é dirigida por um colega nosso (Paulo Lacerda). E ele não é o único policial federal lá dentro. A verdade é que a Abin sofreu um certo preconceito por um tempo por ser herdeira do SNI do regime militar.


ISTOÉ - Qual é o atual efetivo da Polícia Federal?


Corrêa - Hoje temos 11 mil policiais, num quadro de 14 mil servidores. Não é nossa intenção agora pensar em aumentar o número de policiais. Estamos num momento de determinar indicadores de desempenho e indicadores de gestão. Não posso afirmar intuitivamente se me faltam quatro mil ou cinco mil policiais. Quero primeiro saber de quantos preciso e por quê.



ISTOÉ - Há algum tipo de ação preventiva que permita à PF, por exemplo, prender o corrupto antes de ele corromper?


Corrêa - Isso já acontece. Tempos atrás se investigava o fato consumado, já exaurido. Hoje, já conseguimos investigar um caso no curso do processo de corrupção. A partir de uma suspeita, investigamos, e eu tenho que demonstrar que a organização está montada para a corrupção e com potencial de dano. Com um mínimo de materialidade, faço prova disso. Um caminho comum são as auditorias que a Corregedoria-Geral da União faz nos municípios. Ali, se constata um desvio, a polícia começa a relacionar casos, associar com casos em outras prefeituras, entender como funciona a organização, e evita danos maiores à União. Um bom exemplo é aquela operação sobre o leite adulterado.


ISTOÉ - Por quê?


Corrêa - Aquela operação fez com que o Estado brasileiro se reorganizasse no controle sobre o processo de produção do leite. A lembrança que está no imaginário do cidadão é aquelas aquelas pessoas sendo presas. Mas o importante é que, a partir dali, controles que não aconteciam passaram a ser feitos.


ISTOÉ - Por que o senhor determinou à Polícia Federal que comece a plantar árvores?


Corrêa - Vamos plantar árvores. Vamos plantar em parceria com as escolas públicas, para que a próxima geração cresça junto com essas árvores. O que queremos é aproveitar a mística da Polícia Federal para sensibilizar essa nova geração. Estimamos que a emissão de gases das nossas viaturas e aeronaves produz uma poluição que provoca um débito de 27 mil árvores. Esse foi o impacto da nossa atuação no ano passado. Então, vamos plantá-las.

Fonte: Revista ISTOÉ - Editora Três, entrevista a Hugo Marques.

Nenhum comentário: