terça-feira, 29 de julho de 2008

Grampo, a Nova Lei

Está agora em debate publico, e não mais apenas no Congresso Nacional, o projeto de lei sobre a nova lei dos grampos. O Presidente Lula, justiça seja feita, é o maior interessado no debate e em que essa questão seja resolvida o quanto antes pelos congressistas para que se tenha uma nova lei sobre esse atual flagelo dos direitos e garantias individuais e constitucionais.

O projeto vai aí embaixo na integra e junto com ele uma análise competente do meu amigo Alberto Toron, grande penalista e respeitado membro do Conselho Federal da OAB.

Leia o Projeto 3.272/2008

Regulamenta a parte final do inciso XII do art. 5o da Constituição e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Lei disciplina a quebra, por ordem judicial, do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza, para fins de investigação criminal e instrução processual penal.

§ 1º Para os fins desta Lei, considera-se quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza, todo ato que intervém no curso dessas comunicações com a finalidade de conhecer as informações que estão sendo transmitidas, incluindo a interceptação, escuta e gravação.

§ 2º O registro, a análise e a utilização da informação contida nas comunicações, objeto de quebra de sigilo por ordem judicial, sujeitam-se, no que couber, ao disposto nesta Lei.

§ 3º O disposto nesta Lei aplica-se ao fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática.

Art. 2º A quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza é admissível para fins de investigação criminal e instrução processual penal relativas aos crimes apenados com reclusão e, na hipótese de crime apenado com detenção, quando a conduta delituosa tiver sido realizada por meio dessas modalidades de comunicação.

Parágrafo único. Em nenhuma hipótese poderão ser utilizadas as informações resultantes da quebra de sigilo das comunicações entre o investigado ou acusado e seu defensor, quando este estiver atuando na função.

Art. 3º A gravação de conversa própria, com ou sem conhecimento do interlocutor, não se sujeita às disposições desta Lei.

CAPÍTULO II

DO PROCEDIMENTO

Art. 4º O pedido de quebra de sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza será formulado por escrito ao juiz competente, mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, ouvido, neste caso, o Ministério Público, e deverá conter:

I — a descrição precisa dos fatos investigados;

II — a indicação da existência de indícios suficientes da prática do crime objeto da investigação;

III — a qualificação do investigado ou acusado, ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;

IV — a demonstração de ser a quebra de sigilo da comunicação estritamente necessária e da inviabilidade de ser a prova obtida por outros meios; e

V — a indicação do código de identificação do sistema de comunicação, quando conhecido, e sua relação com os fatos investigados.

Art. 5º O requerimento ou a representação será distribuído e autuado em separado, sob segredo de justiça, devendo o juiz competente, no prazo máximo de vinte e quatro horas, proferir decisão fundamentada, que consignará de forma expressa, quando deferida a autorização, a indicação:

I — dos indícios suficientes da prática do crime;

II — dos indícios suficientes de autoria ou participação no crime, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;

III — do código de identificação do sistema de comunicação, quando conhecido, e sua relação com os fatos investigados; e

IV — do prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações.

§ 1º O prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações não poderá exceder a sessenta dias, permitida sua prorrogação por iguais e sucessivos períodos, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da medida, até o máximo de trezentos e sessenta dias ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente, enquanto não cessar a permanência.

§ 2º O prazo correrá de forma contínua e ininterrupta e contar-se-á a partir da data do início da quebra do sigilo das comunicações pela prestadora responsável pela comunicação, que deverá comunicar este fato, imediatamente, por escrito, ao juiz.

§ 3º Para cada prorrogação será necessária nova decisão judicial fundamentada, observado o disposto no caput.

§ 4º Durante a execução da medida de quebra de sigilo, caso a autoridade policial identifique que o investigado ou acusado passou a fazer uso de outro número, código ou identificação em suas comunicações, poderá formular, em caráter de urgência, pedido oral, que será reduzido a termo, de nova interceptação ao juiz, cuja decisão deverá ser proferida no prazo máximo de vinte e quatro horas.

§ 5º Adotadas as providências de que trata o § 4o, os autos seguirão para manifestação do Ministério Público e retornarão à autoridade judiciária que, então, reapreciará o pedido.

Art. 6º Contra decisão que indeferir o pedido de quebra de sigilo caberá recurso em sentido estrito do Ministério Público, podendo o relator, em decisão fundamentada, conceder liminarmente o pedido de quebra.

Parágrafo único. O recurso em sentido estrito tramitará em segredo de justiça, e será processado sem a oitiva do investigado ou acusado, a fim de resguardar a eficácia da investigação.

Art. 7º Do mandado judicial que determinar a quebra do sigilo das comunicações deverão constar a qualificação do investigado ou acusado, quando identificado, ou o código de identificação do sistema de comunicação, quando conhecido.

§ 1º O mandado judicial será expedido em duas vias, uma para a prestadora responsável pela comunicação e outra para a autoridade que formulou o pedido de quebra do sigilo das comunicações.

§ 2º O mandado judicial poderá ser expedido por qualquer meio idôneo, inclusive o eletrônico ou similar, desde que comprovada sua autenticidade.

Art. 8º A prestadora responsável pela comunicação deverá implementar a quebra do sigilo autorizada, indicando ao juiz o nome do profissional responsável pela operação técnica, no prazo máximo de vinte e quatro horas, contado do recebimento da ordem judicial, sob pena de multa até o efetivo cumprimento da ordem, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

Parágrafo único. A prestadora a que se refere o caput não poderá alegar como óbice para a implementação da quebra do sigilo questão relativa ao ressarcimento dos custos pelos serviços de sua responsabilidade, prestados para esse fim, que serão gratuitos.

Art. 9º A decretação da quebras de sigilo de comunicação caberá ao juiz competente para o julgamento do crime investigado ou responsável pelo inquérito.

Art. 10. A execução das operações técnicas necessárias à quebra do sigilo das comunicações será efetuada sob a supervisão da autoridade policial e fiscalização do Ministério Público.

Art. 11. Findas as operações técnicas, a autoridade policial encaminhará, no prazo máximo de sessenta dias, ao juiz competente, todo o material produzido, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

Parágrafo único. Decorridos sessenta dias do encaminhamento do auto circunstanciado, a autoridade policial inutilizará qualquer material obtido em virtude da quebra do sigilo das comunicações, salvo determinação judicial em contrário.

Art. 12. Recebido o material produzido, o juiz dará ciência ao Ministério Público para que, se julgar necessário, requeira, no prazo de dez dias, diligências complementares.

Art. 13. Não havendo requerimento de diligências complementares ou após a realização das que tiverem sido requeridas, o juiz intimará o investigado ou acusado, para que se manifeste, fornecendo-lhe cópia identificável de todo o material produzido.

Art. 14. As dúvidas a respeito da autenticidade ou integridade do material produzido serão dirimidas pelo juiz, aplicando-se, no que couber, o disposto nos arts. 145 a 148 do Código de Processo Penal.

Art. 15. Conservar-se-á em cartório, sob segredo de justiça, as fitas magnéticas ou quaisquer outras formas de registro das comunicações cujo sigilo fora quebrado até o trânsito em julgado da sentença, quando serão destruídos na forma a ser indicada pelo juiz, de modo a preservar a intimidade dos envolvidos.

Parágrafo único. Não se procederá a referida destruição enquanto for possível a revisão criminal.

Art. 16. Na hipótese de a quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza revelar indícios de crime diverso daquele para o qual a autorização foi dada e que não lhe seja conexo, a autoridade deverá remeter ao Ministério Público os documentos necessários para as providências cabíveis.

Art. 17. A prova obtida por meio da quebra de sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza realizada sem a observância desta Lei não poderá ser utilizada em qualquer investigação, processo ou procedimento, seja qual for sua natureza.

Art. 18. Correrão em segredo de justiça os inquéritos e processos que contiverem elementos informativos ou provas obtidos na forma desta Lei.

CAPÍTULO III

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 20. As gravações ambientais de qualquer natureza, quando realizadas pela autoridade policial, sujeitam-se às disposições desta Lei, no que couber.

Art. 21. Fica o Poder Executivo autorizado a instituir, para fins exclusivamente estatísticos e de planejamento de ações policiais, sistema centralizado de informações sobre quebra de sigilo de comunicações telefônicas de qualquer natureza, na forma do regulamento.

Parágrafo único. O sistema de que trata o caput não conterá o conteúdo das comunicações realizadas nem os códigos de identificação ou outros elementos e meios capazes de identificar os envolvidos, inclusive investigados e acusados.

Art. 22. A Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL regulamentará, no prazo de cento e oitenta dias, o padrão dos recursos tecnológicos e facilidades necessárias ao cumprimento desta Lei, a serem disponibilizados gratuitamente por todas as prestadoras responsáveis pela comunicação.

Art. 23. O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte dispositivo:

Violação do sigilo das comunicações telefônicas

Art. 151-A. Violar sigilo de comunicação telefônica de qualquer natureza, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena — reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem violar segredo de justiça de quebra do sigilo de comunicação telefônica de qualquer natureza.”

Art. 24. O art. 581 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXV:

“Art. 581. ................................................................

XXV — que indeferir o pedido de quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza.”

Art. 25. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei, no que com ela não colidirem, as disposições do Código de Processo Penal e do Código de Processo Penal Militar.

Art. 26. Revoga-se a Lei no 9.296, de 24 de julho de 1996.

Art. 27. Esta Lei entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

Brasília, de de 2008;

87º da Independência e 120º da República.

Leia a proposta

EMI nº 00037 - MJ/MC

Brasília, 26 de fevereiro de 2008.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Submetemos à consideração de Vossa Excelência o anexo anteprojeto de lei elaborado a partir das conclusões da Comissão instituída pela Portaria nº 116, de 13 de fevereiro de 2003, do Ministério da Justiça, com o objetivo de regulamentar a última parte do inciso XII do art. 5º da Constituição da República, possibilitando a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, exclusivamente para fins de investigação criminal e instrução penal.

2. A quebra do sigilo de comunicações telefônicas constitui-se em poderoso meio posto à disposição do Estado para fins de obtenção de prova, mas também em instrumento insidioso de quebra da intimidade, não só do investigado como também de terceiros.

3. Diante desse quadro, e em respeito ao princípio da reserva de lei proporcional, a regulamentação da matéria há de resultar da escrupulosa ponderação dos valores em jogo, observado o princípio da proporcionalidade, entendido como justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados, que deve levar em conta os seguintes elementos: a) adequação: a aptidão da medida para atingir os objetivos pretendidos; b) necessidade: como exigência de limitar um direito para proteger outro, igualmente relevante; c) proporcionalidade estrita: a ponderação entre a restrição imposta (que não deve aniquilar o direito); e d) a vantagem alcançada.

4. Aponta-se na doutrina especializada como grande defeito da atual Lei de Interceptação (Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996), a inobservância do princípio da proporcionalidade, pois ao mesmo tempo em que permite a quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza relativamente a todos os crimes punidos com reclusão, independentemente da conduta criminosa, deixa à margem os crimes punidos com detenção para os quais a quebra do sigilo se apresentaria como meio mais adequado de investigação como, por exemplo, no crime de ameaça feita pelo telefone. Este defeito é corrigido no art. 2º do texto pretendido que, mantendo a previsão de quebra do sigilo de comunicações telefônicas de qualquer natureza para as hipóteses relacionadas a crimes apenados com reclusão, estende esse mecanismo de investigação/prova aos delitos apenados com detenção quando a conduta delituosa tiver sido cometida através de meios de comunicação instantânea. Assim, crimes como ameaça e estelionato, quando praticados pelo telefone, não ficarão fora da possível quebra do sigilo de comunicações telefônicas, o que facilitará de forma significativa a apuração e elucidação do caso, em respeito ao princípio da

proporcionalidade.

5. Mas há outros graves defeitos na atual Lei, como, por exemplo, quando não dá vista ao membro do Ministério Público do requerimento da diligência requerida pela autoridade policial; quando não dispõe com clareza sobre o incidente probatório no qual se deve dar conhecimento às partes do conteúdo das operações técnicas, em desrespeito à garantia do contraditório, portanto; quando omite completamente o tratamento das chamadas interceptações ambientais; e, sobretudo, a Lei em vigor não trata dos controles necessários para evitar os abusos a que freqüentemente sua aplicação dá margens: controles sobre a autorização judicial e a forma de seu encaminhamento, controles mais rigorosos sobre os prazos e, mais ainda, controles sobre as operações técnicas, hoje deixadas exclusivamente a critério da autoridade policial, sem qualquer parâmetro fixado.

6. O presente projeto é fruto, além dos trabalhos da Comissão instituída para esse fim, da incorporação de sugestões de vários órgãos públicos, entidades públicas e privadas e profissionais do setor que, além de avançar nos aspectos jurídicos, não se distanciaram das normas técnicas de interferência nas comunicações telefônicas, no intuito de garantir a segurança, a inviolabilidade e a preservação do sigilo.

7. O projeto destaca, no seu art. 1º, § 1º, que se considera quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza todo ato que intervenha no curso dessas comunicações com a finalidade de conhecer as informações que estão sendo transmitidas, incluindo a interceptação, a escuta e a gravação. Sendo que, no § 3º, estende ao fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática a possibilidade de quebra do sigilo, entendendo, como o fazem juristas do porte de Tércio Sampaio Ferraz, entre outros, que a Constituição ao dizer comunicação telefônica refere-se a todo e qualquer meio de comunicação instantânea sendo, portanto, possível a quebra deste sigilo embasada por ordem judicial.

8. O art. 2º, além de manter a possibilidade de quebra de sigilo para os delitos apenados com reclusão, estendeu essa possibilidade para as hipóteses de crimes punidos com detenção, como já mencionado no item 4 da presente EMI. Entretanto, importante destacar que no parágrafo único do citado artigo proíbe-se a utilização das informações resultantes da quebra de sigilo das comunicações entre o investigado ou acusado e seu defensor, quando este estiver atuando na função, resguardando-se, assim, a constitucional relação advogado/cliente .

9. A partir do art. 4º inicia-se o capítulo que cuida do procedimento da quebra de sigilo, sendo mais detalhado e, portanto, inovando significativamente em relação à atual Lei.

10. O próprio art. 4º determina que o pedido de quebra de sigilo deverá ser feito por escrito ao juiz, sempre com a participação do membro do Ministério Público, contendo a descrição precisa dos fatos investigados; a indicação da existência de indícios da prática do crime que autoriza a quebra de sigilo; a qualificação do investigado ou acusado; a demonstração de ser a quebra de sigilo imprescindível às investigações; e, quando conhecido, a indicação do código de identificação do sistema de comunicação utilizado.

11. Como se vê, Senhor Presidente, o requerimento de quebra de sigilo das comunicações passa a ser disciplinado de forma mais rigorosa e objetiva, diferente da Lei atual que sequer exige a forma escrita para tal. Este procedimento mais detalhado é fruto do entendimento sobre a quebra do sigilo telefônico, pois se por um lado é importante meio de prova, por outro deve ser disciplinado de forma precisa, considerando que não deixa de ser odioso meio de interferência estatal na vida do particular.

12. Sempre sob segredo de justiça, o incidente processual será autorizado pelo juiz no prazo máximo de vinte e quatro horas, devendo o mandado judicial indicar, na forma dos incisos do art. 5º, os elementos da quebra. Importante avanço, contudo, é a norma do § 1º ao determinar que o prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações não poderá exceder a sessenta dias, prorrogável por períodos iguais, até o máximo de trezentos e sessenta dias ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente.

13. Objetivando maior celeridade da ordem judicial, o § 2º do art. 7º autoriza que o mandado judicial seja encaminhado por qualquer meio idôneo, inclusive o eletrônico, desde que comprovada a sua autenticidade.

14. O art. 8º reza que a prestadora de serviço de comunicação, ao implementar a quebra do sigilo, indicará ao juiz o nome do funcionário responsável, e também que é inadmissível a recusa da prestação do serviço sob justificativa de necessidade de ressarcimento dos custos.

15. Após a realização das operações técnicas, a autoridade policial encaminhará, no prazo máximo de sessenta dias, ao juiz competente, todo o material produzido, acompanhado de auto circunstanciado que deverá conter o resumo das operações realizadas. Feito o encaminhamento, e não havendo ordem judicial em sentido contrário, a autoridade policial inutilizará por completo todo o material que se mantiver sob sua esfera de responsabilidade. Havendo, entretanto, ordem judicial para que se mantenha o material, este, sob nenhuma hipótese, ficará sob os cuidados da autoridade policial após o trânsito em julgado da sentença absolutória ou expirado o prazo de revisão criminal, quando, então, tanto o material mantido pelo juiz quanto o guardado pela autoridade policial serão destruídos (art 15).

16. Não havendo requerimento de diligências complementares por parte do Ministério Público, o juiz intimará o investigado ou acusado para que se manifeste, em atenção ao princípio do contraditório. Objetivando impedir a quebra do segredo de justiça, todas as cópias disponibilizadas, em mídia eletrônica ou equivalente, serão identificáveis. Assim substitui-se a obrigação de transcrição das cópias destinadas às partes, muitas vezes infactível dependendo da quantidade de horas gravadas, pela entrega de cópias identificáveis com o mesmo teor da versão original.

17. O Capítulo III (arts. 20 a 26) traz as disposições finais, merecendo destaque o art. 21. Nele, fica autorizado o Poder Executivo a instituir sistema centralizado de dados estatísticos sobre quebra do sigilo de comunicações.

18. O referido sistema será utilizado, assim como outros países já o fazem, como elemento de controle da sociedade sobre esse meio de invasão de privacidade que é a quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza. Objetivará informar a quantidade de quebras de sigilo autorizadas e em curso em cada unidade da Federação, as espécies de crimes, o tempo médio de sua duração, entre outras informações de cunho exclusivamente estatístico a serem disciplinadas em regulamento. Em nenhuma hipótese o sistema conterá o conteúdo das comunicações realizadas nem os códigos de identificação ou outros elementos e meios capazes de identificar os envolvidos, inclusive investigados e acusados.

19. Por fim, o art. 23 traz para o âmbito do Código Penal a conduta delituosa prevista na atual Lei de escuta, por ser de melhor técnica jurídica. Com efeito, corrige-se a forma pela qual o tipo penal hoje é previsto, sem, contudo, modificar o núcleo do tipo. Destarte, não se trata de criminalizar nova conduta, nem de abolitio criminis, visto tratar-se de mera adequação redacional, em consonância com a construção dos tipos penais pátrios.

20. Assim, Senhor Presidente, submetemos ao elevado descortino de Vossa Excelência o anexo anteprojeto de lei, acreditando que, se aceito, estará o Brasil adotando um poderoso meio de investigação adequado aos fins a que se destina, sem, contudo, abalar as garantias constitucionais.

Respeitosamente,

Tarso Fernando Herz Genro, Helio Calixto da Costa

Agora o Parecer do Toron:

I. Aspectos Gerais do tema:

O poder punitivo numa democracia encontra-se limitado por várias disposições de caráter constitucional que atingem e restringem o seu exercício. Fortes nesse sentido são as disposições que regulando a atividade do processo penal inadmitem as provas ilícitas e, no direito penal, vedam as penas cruéis, perpétua e de morte. O conjunto de direitos e garantias individuais inscrito no artigo 5º da Lei Maior impede, concretamente, que se torture alguém em nome, por exemplo, da eficácia repressiva, descoberta da verdade, etc. O mesmo se pode afirmar em relação aos grampos telefônicos: a conversa interceptada ilicitamente, ainda que materialmente possa expressar alguma verdade, é imprestável. Disso se infere que no campo do processo penal há limites cognitivos à atividade persecutória estatal erigidos em nome de uma ética reconhecida pelo documento maior de nossa cidadania.

No que concerne à interceptação telefônica, fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia de informação e telemática, o tema é alvo de regramento constitucional no capítulo dos direitos e garantias individuais, verbis:

é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação crimnal ou instrução processual penal” (CF, art. 5º, inc., XII).

Não por acaso, na Exposição de Motivos de outro Anteprojeto, a anterior Comissão instituída pelo Ministério da Justiça, chefiada pela professora Ada Pellegrini Grinover, realçou que “a quebra do sigilo de comunicações telefônicas, excepcionalmente admitida pela Constituição Federal, na parte final do inciso XII do artigo 5º, exclusivamente para fins de investigação criminal e instrução processual penal, constitui, certamente, poderoso meio posto à disposição do Estado para fins de obtenção da prova, mas também instrumento insidioso de quebra da intimidade, não só do investigado, como também de terceiros”.

Por isso ___ prossegue a Exposição de Motivos ___ “diante do princípio da reserva de lei proporcional, a regulamentação da matéria há de resultar da escrupulosa ponderação dos valores em jogo, observando o princípio da proporcionalidade, entendido como justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados. E a proporcionalidade deve levar em conta os seguintes dados: a – adequação, ou seja a aptidão da medida para atingir os objetivos pretendidos; b – necessidade, como exigência de limitar um direito para proteger outro, igualmente relevante; c) proporcionalidade estrita, ou seja a ponderação entre a restrição imposta (que não deve aniquilar o direito) e a vantagem alcançada, o que importa na d) não excessividade.

Postas tais premissas e considerado o abuso em matéria de interceptações telefônicas, vitimando cidadãos em geral, advogados e até ministros da nossa Suprema Corte, o estudo que se segue procura identificar se o Anteprojeto Enviado em fevereiro de 2008 pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça, TARSO GENRO, atende as garantias constitucionais deferidas aos cidadãos, particularmente no que diz com a preservação da intimidade das pessoas, limitando as atividades de interceptação.

II. Aspectos Gerais do Anteprojeto:

O Anteprojeto, embora represente um avanço quando comparado com a lei em vigor (9.296 de 24 de julho de 1996), deixa a desejar sob diversos pontos de vista.

Com efeito, não se nota uma preocupação maior, como se impunha, com a proteção do direito fundamental atingido por este que é o meio mais grave de investigação criminal: o direito à intimidade. A única norma que se destina a tal proteção é a que estabelece o limite máximo de interceptação, em um ano e, ainda assim, flexibilizada quando se tratar de crime permanente.

Também não encontram eco no Anteprojeto algumas das garantias derivadas do due process of law: a ampla defesa e o contraditório, pois não há preocupação com o tempo destinado à defesa para a escuta do material interceptado.

De uma forma geral, a única inovação digna de nota é justamente a limitação do monitoramento ao prazo de um ano, o que vem, todavia, desacompanhado, insista-se, de qualquer disciplina acerca de como submeter o material colhido em tão longo período de tempo ao contraditório e à ampla defesa. Matéria que tem gerado a maior fonte de cerceamentos de defesa e utilização unilateral de provas jamais examinadas pela defesa. Não cria “incidente probatório” mediante o qual o produto do monitoramento seja telefônico, de dados, ou telemático, seja submetido ao princípio do contraditório. Sequer prevê o direito de o investigado/acusado ter acesso ao material obtido com tais medidas.

O Anteprojeto, quando trata dos delitos apenados com detenção, não se preocupa em confinar a autorização para a invasão agressiva da esfera garantida por norma fundamental (e por diversos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil). Limita-se em tal caso a autorizar a interceptação nos crimes perpetrados por meio do telefone e/ou telemática. Também não cuida de identificar ou criar definições para as pessoas que podem ser alvo do monitoramento.

Destoando de legislações estrangeiras que cuidam de proibir, em regra, o uso do monitoramento para a investigação de outros crimes que não aqueles para os quais fora autorizado, o Anteprojeto parece abrir as portas para os elementos de prova fortuitos obtidos no bojo de uma interceptação autorizada judicialmente. Sim, porque ao se limitar a determinar o envio do material obtido ao Ministério Público para providências, trai a própria disciplina legal que exige decisão determinada, motivada e com necessidade demonstrada para a autorização da interceptação.

Nessa linha, outro ponto que merece especial atenção radica-se no fato de o Anteprojeto permitir que o acusado sofra com a interceptação telefônica (cf. arts. 2º, parágrafo único; 4º, III; 5º, §4º, etc.). Embora parece curial, convém esclarecer: é perfeitamente compreensível que na fase das investigações, portanto, pré-processual, medidas cautelares sejam adotadas sem a audição do investigado. Ocorre, porém, que, instaurada a ação penal, momento em que se passa a considerar a figura do acusado, tudo deve ser produzido sob o crivo do contraditório. Se o Ministério Público ofereceu denúncia é porque tem o caso pronto, acabado. Se novos fatos surgirem estes devem ser investigados em autos próprios, mas não no bojo da ação penal onde tudo, insista-se, deve ser feito às claras. O argumento de que pode haver apuração conectada com os fatos objeto da ação penal mostra apenas o açodamento no oferecimento da denúncia. Na pior das hipóteses, pode-se apenas admitir a instauração de outro procedimento investigatório, nunca, porém, no bojo da ação penal. Convém advertir, para finalizar, que a denúncia demarca os fatos definindo o campo acusatório. Se os fatos puderem ser ampliados indefinidamente, o processo penal se desnaturará.

O Anteprojeto, igualmente, apresenta tipos penais de redação obscura e até ininteligível, em clara violação à clareza exigida pelo princípio da legalidade penal (art. 5º, XXXIX, CF), sem falar na ausência de previsão de causas de aumento ali onde as condutas são muito mais graves seja pelo ofício do agente, seja pelo meio de violação da norma proibição.

Por fim, o Anteprojeto não prevê aquilo que no Anteprojeto chefiado pela professora Ada Pellegrini Grinover se chamou de “Incidente Processual”, um prazo para o defensor do investigado/indiciado ter acesso ao material obtido com a interceptação de modo a poder orientar seu cliente, inclusive quanto ao direito de permanecer calado (CF, art. 5º, inc.LXIII).

III. Análise do Anteprojeto com comentários por artigos:

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Lei disciplina a quebra, por ordem judicial, do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza, para fins de investigação criminal e instrução processual penal.

§ 1º Para os fins desta Lei, considera-se quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza, todo ato que intervém no curso dessas comunicações com a finalidade de conhecer as informações que estão sendo transmitidas, incluindo a interceptação, escuta e gravação.

§ 2º O registro, a análise e a utilização da informação contida nas comunicações, objeto de quebra de sigilo por ordem judicial, sujeitam-se, no que couber, ao disposto nesta Lei.

§ 3º O disposto nesta Lei aplica-se ao fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática.

Isto quer dizer que também deve ser previsto um procedimento de registro e apresentação das comunicações de informação e telemática interceptadas. O Anteprojeto, todavia, é absolutamente silente quanto a tal registro.

Art. 2º A quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza é admissível para fins de investigação criminal e instrução processual penal relativas aos crimes apenados com reclusão e, na hipótese de crime apenado com detenção, quando a conduta delituosa tiver sido realizada por meio dessas modalidades de comunicação.

1. Deveria ser acrescentado, logo no início: “A quebra do sigilo das comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática [...]”.

2. A equipe do doravante denominado Anteprojeto Ada (Ada PELLEGRINI GRINOVER, Antonio Carlos de Almeida Castro, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Guilherme Vieira, junho.2003) critica abertamente o caráter indiscriminado desta autorização “estendendo a operação técnica indicada para qualquer tipo de crime”, deixando de fora crimes punidos com detenção “para os quais a interceptação se apresenta como o meio mais adequado de investigação, como na ameaça cometida por telefone”. Esta última crítica encontra ressonância na proposta feita pelo grupo que expressamente admite a interceptação “quando a conduta delituosa tiver sido realizada por meio dessas modalidades de comunicação”.

2.1. O Anteprojeto Ada propunha um catálogo de crimes que admitiriam a interceptação: I – terrorismo; II – tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; III – tráfico de mulheres e subtração de incapazes; IV – lavagem de dinheiro; V – contra o sistema financeiro nacional; VI- contra a ordem econômica e tributária; VII – contra a administração pública, desde que punidos com pena de reclusão; VIII – falsificação de moeda; IX – roubo, extorsão simples, extorsão mediante seqüestro, seqüestro e cárcere privado; X – homicídio doloso; XI – ameaça quando cometida por telefone; XII – decorrente de organização criminosa.

2.2. Do catálogo dos crimes que o Anteprojeto Ada previa, sugeriria-se, de saída, a retirada do inciso XII, “decorrente de organização criminosa”, uma vez que não há definição legal, em nosso sistema, desse crime. O seu emprego no sentido “leigo” tem causado inúmeros problemas hermenêuticos, com a aplicação da norma sem um substrato normativo mínimo, tal qual exigido pelo princípio constitucional da legalidade penal (art. 5º, XXXIX, CF),[1] como tem acontecido no caso dos crimes de lavagem de capitais praticados por “organizações criminosas”. Assim, tudo aconselha a supressão desta previsão, até que o legislador defina, na forma constitucionalmente exigida, o que seja, em nosso sistema, “organização criminosa”.

O mesmo vale para o inciso I, “terrorismo”, que não tem definição legal em nosso sistema e poderia gerar o uso “leigo” do termo, tal qual acabou ocorrendo com a “organização criminosa”.

2.3 Igualmente, se adotada a idéia de um catálogo de crimes, parece exagerada a inclusão de quaisquer crimes tributários dentre os que autorizam a medida. Isto porque, por exemplo, há crimes contra a ordem tributária que são considerados infrações de menor potencial ofensivo (cf. artigo 2º da Lei n. 8.137/90) e outros contra a ordem econômica punidos com a pena de multa alternativa (mesmo diploma legal). Não parece proporcional e é contraditório que infrações de menor potencial ofensivo, ou aquelas nas quais a suspensão condicional do processo é possível, possam, ao mesmo tempo, autorizar a medida investigativa mais invasiva do sistema.

2.4 Por outro lado, crimes como o tráfico ilegal de armas e o genocídio, previstos no catálogo alemão, português e italiano, não foram abarcados pelo Anteprojeto Ada.

3. Alemanha, Portugal e Itália prevêem expressamente a lista de crimes para os quais está autorizada a medida de interceptação. Nos três sistemas, os crimes do “catálogo” são os da maior gravidade, em geral com pena máxima superior a 3 anos (Portugal) e 5 anos (Itália), crimes relativos a substâncias entorpecentes, contra o Estado Democrático, relativos a terrorismo e armas, contrabando, falsificação de moeda, homicídio, genocídio. Além destes, na Itália e em Portugal também se autoriza a interceptação nos crimes de injúria, ameaça, distúrbio da vida alheia cometidos através de meio telefônico.

A Espanha tem uma disciplina legal muito singela, tendo sido freqüentemente criticada pela Corte Européia de Direitos Humanos e pela própria Corte Constitucional espanhola.

A Corte Constitucional espanhola manifestou-se, em 2003, no seguinte sentido: “la insuficiencia de su regulación sobre el plazo máximo de duración de las intervenciones, puesto que no existe un límite de las prorrógas que se pueden acordar; la delimitación de la naturaleza y gravedad de los hechos em virtude de cuya investigación pueden acordarse; el control del resultado de las intervenciones telefónicas y de los soportes en los que conste dicho resultado, es decir, las condiciones de grabación, y custodia, utilización y borrado de las grabaciones, y las condiciones de incorporación a los atestados y al proceso de las conversaciones intervenidas” (sentencia del Tribunal Constitucional 184/2003, de 23 octubre, Fj5).[2] Nesta mesma sentença, inclusive, o Tribunal Constitucional espanhol instou o legislador a remediar a situação por meio da edição de uma lei que delimite e regulamente minuciosamente o procedimento.

Já a Corte Européia de Direitos Humanos declarou, inclusive, que o artigo 579 fere o contido no artigo 8 da Convenção Européia de Direitos Humanos (cfr., dentre outras, a sentença n. 943/1988, de 30 de julho, caso Venezuela Contreras).

Os sistemas jurídicos que estabelecem um catálogo de delitos passíveis da utilização da interceptação telefônica para fins de investigação têm caráter mais restritivo. Padecem, porém, da possibilidade de não contemplar práticas altamente nocivas e, assim, desproteger a sociedade. Sirva de exemplo o rumoroso caso da falsificação de remédios. Também não se exclui a possibilidade de ser adotado um catálogo tão amplo que desfigure a sua razão de ser.

Nessa conformidade, a despeito das críticas que se erguem, o apenamento com reclusão, tal como alvitrado no Anteprojeto sob exame, parece ser suficiente para se definir a possibilidade de se determinar a investigação mediante interceptação. Nessa linha, porém, é inadmissível que todo e qualquer crime apenado com detenção admita o emprego da interceptação, ainda que praticado por meio telefônico ou telemático. Tal regramento abre as portas para que investigue sempre (e em todos os casos) por meio de interceptação. Talvez, a única exceção que se pudesse abrir, tal como alvitrava o Anteprojeto Ada, seria para o crime de ameaça e nada mais.

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