sábado, 19 de julho de 2008

Atletas e Gretas

Preparando atletas para corridas olímpicas, nesses treinos em que a pessoa tem que correr horas e horas por todo lugar, no nordeste faminto não havia treinador melhor, diziam, do que aquele que aguçasse o faro do rapaz ou da moça com uma apetitosa ilusão.

Feitos
os aquecimentos, o treinador meio sádico dizia ao grupo que a tantos quilômetros à frente havia uma mesa com apenas três pratos de comida, o que evidentemente não saciaria a todos. Dado o grito de largada, era um sucesso o treino.

Passados
assim, como se diz, na casca do alho, experientes, argutos, os atletas nordestinos chegavam imbatíveis às competições no mundo inteiro.


Como
o cão de Pavlov, aquele da teoria dos reflexos condicionados, os rapazes e moças precisavam de uns breves exercícios de aquecimento, uns remelexos nos ombros, memorizavam o apetitoso prato de comida adiante e pronto, chegavam quase sempre juntos, à frente dos outros.

O meu último checape com taxas de colesterol e de glicose na marca do pênalti, quase batendo na trave, me mandou do Einstein a um médico famoso não por ser considerado um dos melhores na sua especialidade, também porque octogenário se jacta de correr dez quilômetros todo dia.


O senhor corre então há algumas décadas?, quis saber. E ele, nordestino que nem eu, disse que seu único exercício físico eram as caminhadas matinais.


Mas
quando, depois de alguns anos, resolveu voltar em férias à sua santa terrinha viu que não tinha mais sossego nas caminhadas que fazia pela orla. As pessoas o reconheciam, puxavam conversa, faziam consultas de graça, e ele instintivamente foi acelerando o passo. Um dia, quando deu por si estava em desabalada.

Nunca
mais, me disse, ele teve colesterol ruim, glicose alta, peso desproporcional, essas coisas. Eu também deveria passar a correr uma hora todo dia. Receitou uns comprimidos, mas que eu não deixasse de correr.


E fui eu, manhã bem cedo, com cara de atleta, pensando no que?

Na ilha, vou descalço pela praia.


Em
São Paulo
, subo a ladeira da minha rua, alcanço a Paulista e vou até a Consolação, na volta tomo um café no Viena do Conjunto Nacional, retomo o ritmo da correria, mas quase sempre sou parado por alguém que me reconhece, e ao contrário do médico não aumento a velocidade, topo conversar.

Em
Brasília, percorro os quilômetros da passarela de asfalto da península sul, por onde costumam desfilar celebridades meio entediadas, umas do poder político, outras do poder econômico.

Bom
dia, Ministro! Bom dia, seu Nenên. É o dono da Gol. O outro ali é o Celso Amorim, sim o chanceler, bem agasalhado na sua simplicidade, passos lentos, reflexivo. Bom dia, Ministro!

Quando
chego mais cedo, por volta das 5,30 da manhã, desponta uma figura rígida, andar elegante, os cabelos escondidos sob um lenço, um chapéu enorme quase escondendo a cabeça, óculos enormes de cor escura escondendo os olhos, as mãos em luvas, o corpo em roupas de cor escura.

Muda
o tom da voz para dizer bom dia, desconfio que é ela.Estava nos alongamentos quando ela passou impávida, disfarçada de Greta Garbo. Começando a corrida, engatei a primeira, a segunda e a alcancei, ultrapassando-a. Vi de perto umas mechas achocolatadas escapando do lenço.


Na volta, foi que vi que ela levara um cachorro para a caminhada. para tantas, achando talvez que não havia ninguém por perto, falou com a voz natural, sem truques, incisiva e forte, chamando o cachorro. Pelo nome do cachorro, não tive mais dúvidas. É ela mesmo. E eu sei até que lhe deu o cachorro.

Nenhum comentário: