quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A esbórnia do Fundo Eleitoral

Recursos têm sido repassados a candidaturas fantasmas, para justificar cota feminina, e desviados para financiar irregularmente campanhas em que partidos de fato apostam

O Fundo Eleitoral se cristalizou como mais uma excrescência do sistema político brasileiro. Criado para reduzir a influência de empresas no processo eleitoral depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu as doações de pessoas jurídicas, o fundão só aumentou de tamanho nos últimos anos e sempre em proporções exponenciais. De R$ 1,7 bilhão em 2018, subiu a R$ 2 bilhões em 2020 e atingiu o recorde de R$ 4,9 bilhões neste ano. Dirigentes partidários e parlamentares argumentam que a democracia “tem um custo”, ainda que isso consuma a verba destinada a políticas públicas custeadas pelo Orçamento, e sustentam que um valor menor não seria suficiente para bancar as campanhas deste ano. Agora, antes mesmo das eleições, o Estadão revelou a quem e para que têm servido esses recursos: candidaturas fantasmas.

Reportagem publicada há poucos dias mostrou que os dirigentes partidários repassaram R$ 5,8 milhões do fundo para candidatos que praticamente não fizeram campanha, neófitos na disputa ou que tiveram votação pífia em pleitos anteriores. Nomes que não foram divulgados nem mesmo em redes sociais, muito menos em santinhos impressos, fizeram jus a valores vultosos, em circunstâncias excêntricas quando comparadas ao tratamento conferido a raposas do mundo político. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, recebeu R$ 2 milhões para sua reeleição. Lira conta com outdoors, slogan musical e um número de fácil fixação, estrutura que evidencia o quanto o partido de fato investe em seu nome. O valor repassado a Lira, no entanto, foi inferior aos R$ 3 milhões transferidos a Adriana Mendonça, candidata a deputada federal pelo PROS no Amazonas e que ocupa o 14.º lugar entre os maiores beneficiários do fundão.

A situação de Adriana, que conquistou 41 votos quando concorreu ao cargo de deputada estadual em 2018, já seria altamente suspeita, não fosse o fato de o próprio presidente do PROS no Amazonas, Edward Malta, admitir o papel que ela tem prestado neste ano – linha auxiliar do ex-marido, que disputa o governo do Estado. “O recurso vai ser usado na campanha do governador, do vice, de todos os candidatos”, disse. Não é um caso único. Há exemplos semelhantes em diversos partidos e Estados, com distribuição de verbas até mesmo para quem abandonou a disputa ou teve a candidatura indeferida.

Os valores repassados pelos dirigentes partidários por meio do Fundo Eleitoral variam em magnitude, mas se há algo em comum a essas candidaturas fantasmas é a preferência por mulheres. O fenômeno expõe as distorções geradas por legislações que tentam ampliar a representação política das mulheres no Legislativo e a enorme diferença entre o discurso público e a prática interna das siglas. Uma das leis delas prevê que as mulheres sejam no mínimo 30% das candidaturas proporcionais; outra obriga a distribuição de 30% da verba do fundão para candidaturas femininas. Longe de representar um investimento concreto para ampliar a presença das mulheres no Legislativo, esses recursos têm sido usados para financiar, de forma irregular, as campanhas nas quais as siglas realmente apostam – quase sempre lideradas por homens.

Esse é apenas um dos aspectos nefastos do Fundo Eleitoral. Há muitos outros, como o fato de que as legendas abrem mão de lançar candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais para priorizar as eleições proporcionais, uma vez que o tamanho da bancada de deputados federais na Câmara é o critério de maior peso na distribuição dessa verba. O fundão garantiu um tratamento privilegiado do erário aos partidos e os dispensou, enquanto organizações privadas, de buscarem contribuições com membros e simpatizantes. A recente revelação do Estadão é apenas uma amostra de algo maior, que exige apuração célere e punição exemplar por parte da Justiça Eleitoral, responsável pelo julgamento dos demorados processos de prestação de contas das campanhas. Aos dirigentes partidários, cabe uma incômoda pergunta: é para isso que o Fundo Eleitoral foi criado? 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 22.09.22


Estadista de fancaria

Em sua viagem à Grã-Bretanha e aos EUA, Bolsonaro confirma sua incapacidade de agir como chefe de Estado e sua dificuldade de respeitar os limites, seja o do decoro do cargo, seja o da lei


Bolsonaro com o Rei Charles III confundindo condolências com congratulações. Faltou dizer - Parabéns enlutados. Ou disse e ninguém entendeu.

Em seu recém-encerrado tour pelo exterior, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tinha dois compromissos como chefe de Estado: participar do funeral da rainha Elizabeth em Londres e da abertura da Assembleia-Geral da ONU em Nova York. Esteve nas duas solenidades, mas em nenhuma delas participou efetivamente como chefe de Estado. Usando dinheiro público e a estrutura da Presidência, Jair Bolsonaro não se comportou como representante do Brasil, mas como um líder de facção política, fazendo comícios eleitorais onde se exigia uma conduta de estadista.

Diante de um histórico que inclui a imitação jocosa de um doente de covid com falta de ar, sabotagem do esforço para vacinar os brasileiros, propaganda de remédios ineficazes contra a covid, ofensas a jornalistas (principalmente mulheres), manobra para indicar um filho à Embaixada nos EUA, suspeitas de rachadinha e de lavagem de dinheiro na família, incentivo ao descumprimento da lei ambiental, desgoverno nas áreas da saúde e da educação e ameaça golpista de não reconhecer o resultado da eleição, talvez alguém possa pensar que se trata de um pecadilho a confusão feita por Jair Bolsonaro entre candidato à reeleição e chefe de Estado. Não é.

Em primeiro lugar, o uso do cargo público para fins eleitoreiros significa descumprimento da lei eleitoral em dois pontos centrais. Há a utilização do dinheiro público para fins particulares, o que é manifestamente ilegal. E há abuso do poder político – o detentor do cargo usa sua posição pública para angariar votos –, instaurando-se um desequilíbrio de forças entre os candidatos, que devem dispor de igualdade de condições.

Um presidente que a todo momento se jacta de respeitar a Constituição deveria saber que sua atitude é francamente ilegal. Obviamente essa confusão de funções não foi mero descuido. Foi a repetição da mesma conduta delituosa observada no 7 de Setembro, quando Jair Bolsonaro usou a comemoração do Bicentenário da Independência para fazer campanha eleitoral. Não se tem notícia de que algum outro candidato a presidente tenha explorado os eventos oficiais do Bicentenário para fazer comício ou transformado repartições diplomáticas do Brasil no exterior em palanque. A democracia exige igualdade de condições. A Justiça Eleitoral não pode ser conivente com abuso do poder político ou econômico.

Ademais, há um aspecto que transcende a lei: a dimensão do exercício da Presidência da República. Como chefe de Estado, o presidente da República não representa apenas os seus apoiadores ou mesmo uma parcela, por maior que possa ser, da população. Ele representa todo o País, toda a população. Por isso, quando um chefe de Estado fala, especialmente no exterior, ele está falando em nome de toda a população.

No entanto, e aqui está a absoluta incapacidade de Jair Bolsonaro para o cargo, ele nunca fala em nome de todos os brasileiros. Ele não sabe unir. Não sabe agregar. Talvez essa seja a grande constante de seus quatro anos de governo, em que, desde o discurso de posse, em 1.º de janeiro de 2019, sempre apenas se dirigiu a seus apoiadores e a suas pautas. Em todas as circunstâncias, ele procurou explicitamente dividir, provocar, instigar, atritar. Até mesmo no velório da rainha Elizabeth.

Jair Bolsonaro nunca entendeu o que significa ser chefe de Estado. Nunca captou o que implica essa função de representação de todos. Ele sempre se portou como chefe da grei que o idolatra. Daí que a sua viagem à Inglaterra e aos Estados Unidos tenha trazido tanta frustração aos que assumiram a inglória tarefa de melhorar a imagem do presidente para as próximas eleições. A pretensão era produzir imagens de Jair Bolsonaro sério e estadista, ao lado de tantos outros chefes de Estado, mas a criação ficcional tem seus limites.

A incapacidade de Jair Bolsonaro de representar o País não é meramente circunstancial. Tem causas profundas. Seu discurso na ONU, tal como seus três anteriores, foi constrangedor. Bolsonaro reafirmou sua imensa dificuldade de respeitar os limites – seja o de sua função como chefe de Estado, seja o do decoro do cargo que ocupa, seja o da lei. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 22.09.22

Vladimir Putin tem que escalar a situação na Ucrânia para sobreviver

A mobilização parcial da Rússia e os "referendos" ordenados às pressas no leste da Ucrânia são sinais de fraqueza. Putin calculou mal, e milhares de russos estão pagando o preço com suas vidas, diz Miodrag Soric.

Putin anunciou a mobilização de 300.000 reservistas

Não há como voltar atrás - se o presidente russo Vladimir Putin perder sua guerra de agressão contra a Ucrânia , isso lhe custará seu poder, talvez mais. O mesmo vale para políticos no governo e no parlamento que ligaram seus destinos ao chefe do Kremlin, para melhor ou para pior. Eles estão em pânico.

Dado o recente sucesso dos ucranianos em retomar seu território, a Rússia está olhando para a derrota, algo que ninguém em Moscou esperava.

É por isso que Putin anunciou agora uma mobilização parcial e convocou 300.000 reservistas. Eles deveriam parar o avanço dos ucranianos; um avanço que testemunha o estado desesperado do exército russo.

Enfraquecido e isolado?

À margem da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) no Uzbequistão,  apenas alguns dias atrás, Putin, fazendo um esforço para parecer desapaixonado, disse que a Rússia não tinha pressa na Ucrânia. Mas o mundo viu um Putin enfraquecido e isolado. As câmeras de televisão mostravam um homem idoso, a quem os outros chefes de Estado e de governo continuavam esperando. Sentado em um sofá, Putin ouviu educadamente o que eles tinham a dizer.

A Turquia, a Índia e até a China  indicaram publicamente que se opunham à guerra de Putin e apoiavam a integridade territorial da Ucrânia. Com razão – a guerra está afetando a economia global, o que significa que está restringindo o poder dos mesmos políticos que Putin esperava que apoiassem sua guerra de agressão.

Mudança de rumo no Kremlin

Não havia como a situação continuar nesse caminho, do ponto de vista do Kremlin. Agora que está de volta a Moscou, Putin  se apressou em mudar de rumo.

Em última análise, a mobilização parcial é uma admissão de fraqueza militar no leste da Ucrânia. O anúncio de permitir que os ucranianos em territórios conquistados "votem" se querem se juntar à Federação Russa mostra que eles não querem. Ninguém no mundo levará a sério os resultados de pessoas votando sob a mira de armas, de um referendo nas ruínas.

Putin quer garantir que os territórios conquistados sejam absorvidos pela Federação Russa. Então poderá convocar a defesa da pátria, recorrendo a todos os meios militares possíveis. Assim, com um floreio retórico, uma "operação militar especial" limitada no tempo e no espaço, que até agora teve pouco impacto na vida cotidiana da maioria dos russos, poderia ser transformada na defesa do "solo russo" por todos os meios - incluindo armas nucleares.

Fim da 'operação especial'

Não há necessidade de ser um profeta para prever o fim iminente do termo "operação militar especial". Ele será enterrado pela propaganda do Kremlin e substituído por ainda mais mentiras confusas, invenções e ameaças que as estações de TV controladas pelo Estado usam para tentar doutrinar seus telespectadores. Eles já afirmam que a Rússia não está travando uma guerra contra a Ucrânia, mas está se defendendo na Ucrânia contra os EUA e a Grã-Bretanha. E aqueles que querem acreditar nisso o fazem.

Os líderes mundiais atualmente reunidos na Assembleia Geral da ONU  em Nova York levarão a sério as renovadas tentativas de Putin de brincar com fogo. Mas sua política em relação a Moscou não mudará. A Ucrânia continuará a receber armas, seu exército continuará lutando.

E os 300.000 reservistas russos? A maioria nunca foi à guerra  e está mal equipada. Eles são homens de família e serão arrancados de suas vidas cotidianas contra seus desejos.

Na Ucrânia, eles serão chamados para defender a Rússia ao lado de criminosos condenados e mercenários chechenos. Não vai dar certo. Eles verão por si mesmos que os ucranianos não querem fazer parte da Rússia.

Dezenas de milhares de pessoas morrerão para que Putin e sua comitiva permaneçam no poder, para que não tenham que responder pelos crimes que cometeram contra seu próprio povo. Essa é a tragédia da mais recente má decisão do chefe do Kremlin.

Este artigo foi escrito por originalmente em alemão por Miodrag Soric. Publicado em português pela Deutsche Welle Brasil em 22.09.22

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Os petistas, ora vejam, estão cansados

Lula diz que o PT está ‘cansado de pedir desculpas’. A quem, não se sabe. Os brasileiros lesados pela corrupção e a inépcia petistas é que estão cansados de esperar pela contrição do PT

“O PT”, desabafou Lula da Silva à revista britânica The Economist, “está farto de pedir desculpas.” Talvez o tenha feito a portas fechadas, em absoluto sigilo, pois ninguém jamais viu um petista publicamente arrependido por ter participado de governos ineptos e corruptos. O PT, ao contrário, não se cansa de alardear a culpa alheia, mas os brasileiros se cansaram de esperar um mea culpa pelo mensalão, pelo petrolão ou pela recessão, que figuram com brilho entre os maiores casos de degradação moral e socioeconômica da República.

O PT jamais se desculpou por sua irresponsabilidade em relação a quase todos os principais temas políticos e econômicos do País. Por exemplo, veio de Lula da Silva, que hoje se apresenta como salvador da democracia, a ordem para que os constituintes petistas votassem contra a Constituição. Na lógica do quanto pior para o País, melhor para Lula, o PT bombardeou o Congresso com ineptos pedidos de impeachment contra Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e sabotou do Plano Real à modernização da telefonia, passando pela criação das agências reguladoras e das regras de responsabilidade fiscal. No Planalto, perverteu o regime democrático distribuindo mesadas a deputados e capturando a estrutura do Estado para financiar sua máquina eleitoral.

Dos partidos de expressão, o PT é demonstravelmente o mais autocrático: ninguém duvida, a começar pelos petistas, que Lula manda e o partido obedece. Lula insulta a inteligência alheia ao tentar se desvencilhar da presidente Dilma Rousseff, como se a desastrosa política econômica de sua criatura já não existisse em potência no segundo mandato lulista. Três anos antes da primeira eleição de Dilma, por exemplo, Lula já preparava o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o pacote desenvolvimentista de injeção de anabolizantes na economia via bancos públicos que viria a se tornar uma das marcas do governo de sua sucessora. Comparada aos emergentes, a média do crescimento nas gestões petistas foi ainda mais medíocre que o já medíocre histórico nacional. A “aceleração do crescimento” ficou só no discurso, e o preço dessa patranha os brasileiros pagam até hoje.

Uma vez alijados do poder, os petistas correram o mundo desmoralizando o Estado de Direito brasileiro. A narrativa se mantém até hoje: Dilma Rousseff, por exemplo, foi vítima de um “golpe” do Congresso, e o Judiciário “perseguiu” Lula conspirando com as “elites”.

O PT não se desculpou pelo incentivo à cizânia política – o “nós” contra “eles” – que gestou o bolsonarismo, tampouco pelo apoio a ditaduras de esquerda latino-americanas, pela tolerância com o corporativismo e o patrimonialismo, pelas campanhas de desinformação e difamação de adversários. Lula não pediu desculpas nem sequer por ultrajes que – pelo benefício da dúvida – poderiam ser tributados à sua juventude, como quando, na flor dos seus 34 anos, expressou admiração por tiranos como Mao Tsé-tung, o aiatolá Khomeini e Hitler – que, nas palavras de Lula, “tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer”.

Cansado da farsa, o povo foi tomado irresistivelmente pelo sentimento antipetista, consubstanciado nas multitudinárias passeatas pelo impeachment de Dilma, em 2016, e em 2018 e elegeu o antípoda Jair Bolsonaro – cujo grande feito, em razão de sua truculência e de seu calamitoso governo, foi ter feito uma parte significativa do eleitorado sentir saudades de Lula da Silva. Mas nada mudou: como mostra a entrevista do demiurgo de Garanhuns à Economist, não há razão para acreditar que Lula da Silva tenha a intenção de demonstrar contrição pelos inúmeros erros e desvios que ele e seus companheiros cometeram. Afinal, por que aquele que não se considera um ser humano, mas uma “ideia”, que não se cansa de dizer que é a “alma mais honesta” do País, que diz ter sido o “melhor presidente da história do Brasil”, que frequentemente se compara a ninguém menos que Jesus Cristo e que se oferece como a encarnação do próprio povo se desculparia pelo que quer que seja?

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 21.09.22

TCU vai fiscalizar urnas para se contrapor à ‘apuração paralela’ de militares

Corte de Contas prepara estrutura para fiscalizar proposta de militares e busca dar resposta em caso de contestação ao resultado das eleições

Técnicos do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal iniciaram na manhã desta quarta-feira (21) o processo de lacração das urnas eletrônicas que serão usadas nas eleições 2022. Foto: Wilton Junior/Estadão

O Tribunal de Contas da União (TCU) vai fiscalizar as urnas eletrônicas com o objetivo de reunir dados para contrapor, caso necessário, a apuração paralela das Forças Armadas. O Estadão apurou que, em conversas reservadas com ministros do Tribunal Superior Eleitoral, ficou combinado que essa seria a melhor forma de checar as informações dos militares caso eles contestem os resultados oficiais por se tratar de uma instituição isenta nessa queda de braço.

Conforme revelou o Estadão, as Forças Armadas farão uma contagem paralela a partir de boletins de urnas divulgados pela própria Corte. A estimativa, até o momento, é que os militares façam levantamento em cerca de 300 seções eleitorais. Eleitores serão convidados a emprestar suas digitais para que mesários registrem votos em urnas eletrônicas apartadas das que serão utilizadas no pleito. Ao final, poderão conferir se os votos digitados serão os mesmos registrados pelo equipamento.

Já o TCU fará a auditoria de 4.161 urnas no primeiro turno das eleições. O número quase 14 vezes maior de urnas fiscalizadas é proposital. Vai conferir ao TCU mais autoridade do que os militares para dar a última palavra sobre uma eventual divergência. Entre ministros do TCU, a ação está sendo chamada de “fiscalização da fiscalização dos militares”.

Além da auditoria que vai verificar se a quantidade de votos dados numa seção é o mesmo registrado nas urnas, dois técnicos do TCU também serão despachados para as 27 unidades da federação. A missão é recolher 40 boletins de urnas (papel gerado pela máquina informando quantos votos cada candidato recebeu) e comparar com os dados informados pelo TSE. No total, o TCU terá uma amostragem de 1.080 urnas. O tribunal também destacou 30 auditores para ajudar na fiscalização a partir de Brasília.

Até hoje não houve qualquer prova de fraude na votação eletrônica. Apesar disso, o presidente Jair Bolsonaro insiste há dois anos que as urnas podem ser fraudadas. Na última semana, Bolsonaro chegou a declarar que “se não ganhar no primeiro turno, algo de anormal aconteceu dentro do TSE”. Todas as pesquisas de intenção de voto, porém, mostram o presidente segundo colocado nas pesquisas. Na última semana, as chances de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já no dia dois de outubro aumentou.

Tribunal de Contas da União quer fazer "auditoria da auditoria" e inspecionar o funcionamento de urnas eletrônicas que será feito pelos militares no dia da votação.

Tribunal de Contas da União quer fazer "auditoria da auditoria" e inspecionar o funcionamento de urnas eletrônicas que será feito pelos militares no dia da votação. Foto: Wilton Junior/Estadão

Como revelou o Estadão, dez oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica estão envolvidos no plano de fiscalização idealizado pelo Ministério Defesa, que tem chamado a tentativa de apuração paralela de “acompanhamento da totalização dos votos”.

As Forças Armadas integram o rol de entidades habilitadas para fiscalizar o processo eleitoral deste ano. Não há, no entanto, previsão constitucional, ou nas diretrizes de Defesa Nacional, de competência das três Forças para auditar o processo de contagem dos votos. A Defesa afirma que age de forma técnica para contribuir com o aperfeiçoamento da segurança e transparência do sistema.

Além dos militares, Bolsonaro também mobilizou as estruturas da Controladoria Geral da União (CGU) e da Polícia Federal na sua empreitada para desacreditar as urnas eletrônicas. Os dois órgãos destacaram servidores para fiscalizar o processo eleitoral.

Weslley Galzo para O Estadode S. Paulo, em 21.09.22

‘Campanha de Lula por voto útil é desrespeito à democracia’, diz Simone Tebet

Candidata do MDB cobra que ex-presidente compareça a debates e apresente propostas para o País

Simone Tebet em agenda de campanha em São Paulo nesta quarta-feira, 21. Foto: Felipe Siqueira/Estadão

Em visita ao Centro Paula Souza, na capital paulista, nesta quarta-feira, 21, a candidata à Presidência da República Simone Tebet (MDB) afirmou que o voto útil, que vem sendo pregado pela campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é um desrespeito à democracia.

“Eu vejo mais como desrespeito do ex-presidente Lula com a democracia e com o povo brasileiro, porque não é só pregar o voto útil, que é um direito dele. Tentar, né? Ele prega um voto útil, mas não se apresenta ao Brasil. Quem é esse Lula que está chegando? Qual é o projeto que tem para educação? Qual é o projeto de desenvolvimento?”, disse.

A postulante ao Planalto pelo MDB também cobrou do adversário presença em debates e falou que o petista estimula o cenário de polarização no País. “Essa situação é muito triste. Nós estamos indo para o encerramento de uma campanha onde os candidatos que mais pontuam (Lula e Jair Bolsonaro) não vão para debates e não apresentam propostas reais, soluções reais, para os problemas mais graves do Brasil.”

Tebet complementou que se considera a real candidata do voto útil e única com possibilidade de derrotar Lula nas urnas. “Eu sou o voto útil. Represento a única saída que o Brasil tem de não voltar com fórmulas ultrapassadas, de um governo que permaneceu quatro mandatos, mas não fez o dever de casa”, disse. A candidata também ressaltou que Bolsonaro e Lula já atingiram um teto de intenções de voto, já que ambos são os mais rejeitados e não têm chances de migração de votos dentro do cenário de polarização.

Conforme dados do agregador de pesquisas do Estadão, Tebet aparece com 4% das intenções de voto, em quarto lugar, atrás de Ciro Gomes (PDT), com 6%, Bolsonaro, 33%, e Lula, que lidera a disputa, com 45%.

Durante a visita, Tebet comentou propostas de campanha à Educação, destacando a reforma do ensino médio e um prêmio, de R$ 5 mil, para alunos que se formarem no ensino médio técnico, como forma de combate à evasão escolar. A candidata acrescentou que não pretende alterar suas estratégias nesta reta final de campanha. “Não posso, no meio da reta para o final, mudar de estratégia, porque essa não é a minha verdade. Eu estou pronta para servir ao Brasil com a minha verdade. O que eu tenho a oferecer para o Brasil é o meu amor e minha coragem.”

Felipe Siqueira para O Estado de S. Paulo, em 21.09.22

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Nós, sobreviventes do ódio

Não haverá sigilo de cem anos para esconder os horrores deste governo

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, imita em vídeo (com a assessora fazendo a versão em Libras) como respiraria uma pessoa com falta de ar devido à Covid

Não vamos esquecer das 685 mil covas abertas como feridas na terra, nem da vida que se esvaiu pela falta de oxigênio que o seu governo não providenciou (e você ainda zombou), nem da dor dos que tiveram que ser amarrados por falta de anestésico nos hospitais.

Estão gravadas suas palavras ásperas como pedras: "e daí?", "gripezinha", "não sou coveiro", "país de maricas". Lembraremos sempre que você tentou manipular o suicídio de um voluntário de testes com a vacina, sabotou as máscaras e o isolamento social, mandou cancelar a compra da Coronavac, riu de tudo isso.

Será preciso lembrar do desespero na fila do osso e da carcaça e de quem revira o lixo para comer, enquanto seus generais compram filé, picanha, bacalhau, salmão, camarão, Viagra e próteses penianas.

Nada de esquecer seus amigos Adriano da Nóbrega e Fabrício Queiroz, os indícios de crime na formação de seu império imobiliário, as rachadinhas, sua ode à ditadura e a torturadores; a liberação das armas que nos matam. A propina cobrada em ouro no MEC, o orçamento secreto, liras, aras, kássios, mendonças, queirogas, damares, pazuellos, salles.

Elen Cristina de Souza (esq.) e Mara Siqueira, que três vezes na semana fazem fila em um açougue na periferia de Cuiabá para pegar pedaços de ossos doados pelo estabelecimento - Bruna Barbosa Pereira/UOL

Não esqueceremos a aversão doentia de Paulo Guedes às empregadas domésticas que gostam da Disney e aos porteiros que sonham com seus filhos doutores. No acerto de contas, estarão florestas em brasa, bichos calcinados, agrotóxicos na comida, rios contaminados, Bruno, Dom, Genivaldo, Moïse e tantos mais, os rios de sangue no Jacarezinho, na Vila Cruzeiro e no Alemão.

Acesos como tochas em nossas consciências estarão seus planos de golpear a Constituição, as eleições, a democracia e o Estado de Direito, suas ameaças contra cada um de nós que acreditamos num país em que a diarista Ilza, de Itapeva, possa comer sem ser humilhada.

Não haverá sigilo de cem anos para esconder o seu Brasil de horrores. Você, Jair, não tem direito ao esquecimento. E nós, sobreviventes do vírus do ódio, temos o dever da verdade e da memória.

Cristina Serra, a autora deste artigo, é paraense, jornalista e escritora. É autora de "Tragédia em Mariana - a história do maior desastre ambiental do Brasil". Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 20.09.22

Multiplicação de igrejas escancara o fracasso do Brasil

Vantagens tributárias e outras conferidas pelo Estado brasileiro explicam o fenômeno além da fé

O presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle, participaram de culto evangélico na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte (MG); Michelle teve o microfone durante a maior parte do tempo e pediu orações pelo governo do marido - 7.ago.22/Reprodução O Tempo

Jesus multiplicou os pães, pastores multiplicam as igrejas. Deu em O Globo que, ao longo da última década, foram abertas no Brasil 21 igrejas evangélicas por dia. Em 2013, havia 71.745 instituições desse tipo; em maio de 2022, elas já eram 178.511.

Não duvido de que a fé responda por muito desse movimento, mas questões tributárias e outras vantagens que o Estado brasileiro confere a igrejas, também.

Digo-o com conhecimento de causa, pois já fui o feliz proprietário de uma instituição religiosa. No ano da graça de 2009, num experimento jornalístico, eu e colegas da Folha criamos a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio.

Seus estatutos traziam um amontoado de delírios entremeados de elucubrações teológicas sem sentido, mas, como não contrariavam nenhuma disposição do Código Civil, pudemos registrar a nova fé em cartório, tirar um CNPJ de organização religiosa e, com ele, abrir uma conta bancária na qual fizemos aplicações financeiras isentas de imposto.

A aventura nos custou R$ 418. Publicada a reportagem, iniciamos os procedimentos para fechar a igreja. Haveria várias outras vantagens de que não nos utilizamos, como a imunidade sobre IPTU e IPVA para imóveis e veículos da instituição e contas de luz, água etc. muito mais baratas, já que livres do ICMS.

O Congresso tem na fila outras bondades para as religiões. Minha favorita é o direito de propor ações diretas de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal.

Essa multiplicação de igrejas aliada à multiplicação de benesses explica muito do fracasso do Brasil. Cada grupo de interesse com influência sobre o Congresso, sejam religiosos, empresários, servidores públicos ou qualquer outro, dá um jeitinho de inscrever em lei isenções e vantagens exclusivas. Uma vez fixadas, ninguém mais tira.

O resultado disso é que a conta vai ficando cada vez mais impagável e fica cada vez mais difícil aprovar regras que beneficiariam a todos.

Hélio Schwartsman, o autor deste artigo, é Jornalista. Foi editor de Opinião da Folha de S. Paulo.É autor de "Pensando Bem…". Publicado originalmente em 20.09.22

Comício infame

Incapaz de sentir compaixão por seus compatriotas, Bolsonaro desrespeita o luto dos britânicos, usa funeral da rainha como palanque e, de quebra, volta a duvidar do sistema eleitoral

 Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em frente à casa do embaixador brasileiro em Londres - 18/9/2022 

A pretexto de atender ao funeral de Estado da rainha Elizabeth II, o presidente Jair Bolsonaro viajou a Londres para fazer comício e produzir imagens para sua campanha pela reeleição. Trata-se de evidente abuso de poder político e econômico, o que impõe a aplicação de uma punição exemplar pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não satisfeito, Bolsonaro ainda ampliou sua extensa folha corrida de crimes de responsabilidade ao difundir – mais uma vez sem provas – suspeitas sobre a segurança do sistema eleitoral do País, dizendo que, se ele não ganhar a eleição no primeiro turno, é porque “algo de anormal aconteceu no TSE”.

Durante essa rápida e infame passagem pela capital do Reino Unido, Bolsonaro envergonhou a grande maioria dos brasileiros, que decerto ainda guarda na alma um senso de decência. Além de usar recursos públicos para fazer campanha eleitoral, o que é expressamente proibido pela lei, Bolsonaro se fez acompanhar de indivíduos que nada têm a ver com a missão de Estado que lhe cabia desempenhar, mas têm tudo a ver com sua campanha eleitoral. Interessado em transformar a eleição numa “guerra santa”, Bolsonaro levou um líder evangélico e um padre. Já em Londres, Michelle Bolsonaro levou a tiracolo um influenciador digital que aproveitou para fazer propaganda, nas redes sociais, dos produtos usados pela primeira-dama – afinal, diante de um presidente capaz de fazer comício num funeral, que mal há em fazer marketing com o luto?

O contraste com outro funeral importante, o do líder sul-africano Nelson Mandela, é gritante. Em 2013, a então presidente, Dilma Rousseff, para enfatizar que se tratava de uma missão de Estado, levou em sua comitiva os ex-presidentes Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Fernando Collor.

Enfrentando uma rejeição proibitiva para um incumbente que tenta a reeleição, Bolsonaro achou que era o caso de usar o funeral da rainha para tentar transmitir a imagem de um governante estimado pela chamada comunidade internacional. Na verdade, ao se comportar como um aproveitador, Bolsonaro só logrou aprofundar o sentimento de comiseração que o mundo civilizado passou a nutrir pelo Brasil desde que ele tomou posse.

Da sacada da residência oficial do embaixador do Brasil, no bairro londrino de Mayfair, Bolsonaro se dirigiu a um pequeno grupo de apoiadores prometendo se opor ao que chama de avanço da “ideologia de gênero”, da “ideologia do aborto” e da “ameaça comunista”. De quebra, ignorando completamente o motivo oficial da visita, foi a um posto de combustíveis em Londres para mostrar que a gasolina ali é mais cara do que no Brasil, o que seria um feito de seu governo. Mas a tosca propaganda eleitoral – que, enfatize-se, usou recursos públicos – obviamente não levou em conta o poder de compra de cada país: no Brasil, abastecer com cerca de 50 litros custa 22% de um salário mínimo; no Reino Unido, custa menos de 6% do piso salarial britânico.

Questionado por jornalistas sobre o óbvio uso da viagem para fins eleitorais, Bolsonaro se irritou, mandou os repórteres fazerem “uma pergunta decente”, virou as costas e encerrou a entrevista.

Em países democráticos, uma das regras mais elementares das disputas eleitorais é a igualdade de condições entre os candidatos. No Brasil, tanto a Constituição como a Lei Eleitoral dispõem de normas muito bem definidas para garantir que candidatos que detêm mandatos eletivos não abusem do poder político e econômico de seus cargos a fim de obter vantagens indevidas em relação aos adversários. Bolsonaro tem obliterado impunemente cada um desses anteparos republicanos. Até quando?

No Twitter, o presidente se apropriou de uma fala do arcebispo da Cantuária durante a cerimônia em memória da rainha Elizabeth II para continuar fazendo campanha e transmitir a ideia segundo a qual é um “servo” do povo brasileiro. “Aqueles que servem serão amados e recordados. Aqueles que se apegam ao poder e aos privilégios serão esquecidos.”

Esquecido Bolsonaro seguramente não será. Haverá de ser lembrado como um dos presidentes mais indignos que já governaram o Brasil.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 20.09.22

Candidatos ‘fantasmas’ recebem R$ 5,8 milhões do fundo eleitoral

‘Estadão’ encontra casos suspeitos no País que obedecem a um padrão: dinheiro público foi parar na conta de candidatos que não fizeram campanha a 12 dias da disputa


Por lei, 30% das candidaturas à Câmara devem ser de mulheres. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Partidos repassaram ao menos R$ 5,8 milhões do fundo eleitoral para candidatos “fantasmas”. O dinheiro público caiu na conta de políticos que, a 12 dias das eleições, praticamente não fizeram campanha, não usaram as redes sociais para divulgar seus nomes, não distribuíram santinhos, são neófitos ou tiveram votação pífia em disputas passadas. Mas, mesmo assim, receberam acima da média dos concorrentes. A verba também foi parar em empresas que não entregaram os serviços e bancou despesas de outros postulantes.

No Amazonas, uma candidata a deputado federal pelo PROS ganhou R$ 3 milhões do fundo eleitoral e se tornou a líder nacional em repasses do partido. Em 2018, ela recebeu 41 votos e terminou a disputa naquele ano com as contas rejeitadas por ocultar gastos da Justiça Eleitoral. O valor destinado a ela é maior do que a candidatos com grande potencial eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, recebeu R$ 2 milhões para sua reeleição; Eduardo Bolsonaro (PL-SP), campeão nacional de votos na última disputa, R$ 500 mil.

Em Rondônia, o PP entregou R$ 2 milhões para uma candidata que contratou uma empresa de marketing sem ter feito propaganda nas redes sociais. Questionada sobre como conseguiu tantos recursos, mesmo sendo estreante, Marlucia Oliveira justificou: “Sou a queridinha do partido, mas não no sentido pejorativo”.

O Estadão encontrou casos suspeitos de norte a sul e obedecem a um padrão. O fundo eleitoral, que neste ano ficou em R$ 5 bilhões, é distribuído por dirigentes partidários e, agora, cai na conta de candidatos que não estão fazendo campanha. A divisão beneficia até quem abandonou a disputa ou está com a candidatura indeferida, sem devolução da verba para os cofres públicos.

A candidata a deputada federal Adriana Mendonça fez campanha para o candidato ao governo do Amazonas, Henrique Oliveira, em seu perfil pessoal. 

É o caso da candidata a deputado federal Adriana Mendonça. Foi ela que recebeu do PROS R$ 3 milhões, o que a faz a 14.ª candidata mais contemplada pelo “fundão” em todo o País, numa lista que só tem puxadores de votos e nomes disputando a reeleição. Em 2018, ela teve apenas 41 votos para o cargo de deputado estadual.

A campanha de Adriana se resume a 33 posts numa página do Facebook e do Instagram, no ar há duas semanas. Todos são montagens. Em nenhuma das publicações aparece interagindo com eleitores ou em vídeos pedindo apoio. As páginas somam 59 seguidores e o post com maior visualização teve 69 curtidas. Em sua página pessoal no Instagram, ela fala apenas da candidatura do ex-marido, que concorre ao governo do Amazonas pelo Podemos.

Apesar da escassa campanha nas redes, Adriana contratou uma empresa de marketing digital por R$ 750 mil. Ela é a única candidata em todo o Brasil que buscou a Digital Comunicação Ltda. Os gastos chamaram a atenção dos demais candidatos do PROS no Estado, que acionaram o Ministério Público e a Polícia Federal para investigar o repasse milionário. Atualmente, a candidatura de Adriana está indeferida por duas razões: registro fora do prazo e contas rejeitadas em 2018 por ocultar gastos na Justiça Eleitoral. Ela recorreu e continua na disputa.

O presidente estadual do PROS, Edward Malta, admitiu ao Estadão que o dinheiro repassado a Adriana é para bancar a campanha do ex-marido dela ao governo. Essa movimentação, porém, precisaria ser oficializada, o que não ocorreu. A candidata não foi localizada. O telefone informado no registro da candidatura é o do presidente do PROS.

A campanha de Adriana Mendonça se resume a 33 posts numa página do Facebook e do Instagram 

“O recurso vai ser usado na campanha do governador, do vice, de todos os candidatos”, disse Malta. Sobre a contratação da Digital Comunicação, afirmou: “A empresa quem contratou foi a deputada, eu não posso te falar agora”.

Em Minas, o PROS pôs R$ 300 mil na conta da candidata Gisele da Costura, estreante na política. Nas redes, ela publicou apenas uma foto com o número de urna desde que a campanha começou, em 16 de agosto. “O partido explicou que tinha necessidade de ter candidatas mulheres, de pele negra, que isso ajudava o partido. Foi nessa que eu entrei. O partido precisa de uma certa quantidade de mulheres, né?”, disse ela.

Em Minas, o PROS pôs R$ 300 mil na conta da candidata Gisele da Costura, estreante na política 

A candidata declarou ter contratado R$ 15 mil em despesas com cabo eleitoral, sem produzir nenhum material impresso nem publicidade digital até hoje. Procurada pelo Estadão, disse que “agora vai sair” o material de campanha. “Para ser bem sincera, eu tenho um pouco de dificuldade com a rede social, entendeu?”

Também em Minas, o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, entregou R$ 20 mil para Patrícia Guerra, candidata que faz propaganda nas redes sociais, mas de venda de roupas. “Eles me colocaram e eu entrei”, disse ela. Até agora, Patrícia não declarou nenhuma despesa ao TSE. Argumentou que não sabia ser preciso prestar contas do dinheiro público. O prazo da primeira parcial terminou no último dia 13.

O PL entregou R$ 20 mil para a candidata Patrícia Guerra 

O PL repassou outros R$ 20 mil para Marcilene de Jesus no mesmo Estado. No Instagram e no Facebook, ela fez apenas três publicações pedindo votos. “Tem alguma coisa errada. Eu paguei uma pessoa para fazer publicação para mim todos os dias”, disse Marcilene, que também não prestou contas. Ela afirmou que faz campanha nas ruas e pede votos, apesar de não ter declarado a contratação de despesas com santinho ou cabo eleitoral.

O PL repassou R$ 20 mil para Marcilene de Jesus 

No Rio, a reportagem identificou uma candidata do PSC que recebeu R$ 30 mil do fundão após ter concorrido à Câmara Municipal em 2020 e receber apenas dois votos. Neste ano, Nadir Viana, que usa o nome Sheila na urna, não está fazendo campanha. Ela não respondeu ao Estadão. A legenda é comandada por Pastor Everaldo, preso em 2020 por suspeita de envolvimento com desvios da saúde do Rio. Neste ano, ele concorre à Câmara.

Em Rondônia, o PP deu R$ 2 milhões para Marlucia Oliveira, a candidata a deputado que nunca disputou eleição. O dinheiro foi repassado pelo diretório nacional da legenda, controlado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Apenas 2,6% dos candidatos a deputado, em todo o País, receberam tal valor.

O PP deu R$ 2,2 milhões para a candidata Marlucia Oliveira 

Marlucia não apresenta nenhuma campanha nas redes, mesmo após ter contratado uma empresa de marketing por R$ 400 mil. Ao Estadão, ela afirmou que pede votos nas redes e nas ruas, disse que o recurso é dividido com outros concorrentes e não soube informar seus perfis na internet. “Acredito que seja muito difícil eu chegar agora, mas estou preparando uma candidatura municipal. Venho a vereadora (em 2024)”, afirmou.

Candidata a deputado federal, Soraya (PMN-AL) recebeu R$ 50 mil do fundão para sua primeira campanha. A 15 dias das eleições, não tem santinhos, bandeiras e panfletos nem perfis nas redes. A candidata disse fazer tudo no “boca a boca”. Indagada sobre suas propostas, respondeu: “Você gostaria de saber das minhas propostas agora? Tipo assim, no momento? Agora não seria viável.”

Soraya (PMN-AL) recebeu R$ 50 mil do fundão para sua primeira campanha 

Cota

Pelo menos 30% das candidaturas à Câmara dos Deputados devem ser de mulheres. Elas também devem receber no mínimo 30% dos recursos públicos.

‘Fantasmas’

Para serem cumpridas as cotas, alguns partidos lançam candidaturas de mulheres por uma obrigação legal. Muitas delas nem fazem campanha e são rotuladas de “fantasmas”.

Redes

O levantamento considerou quem usa as redes sociais de forma muito tímida ou nem usa, quem não soube explicar a sua candidatura e quem não tem agenda de candidato.

Valor

Foram identificadas 12 candidatas que se enquadram nesses critérios. Elas receberam, juntas, R$ 5,8 milhões do “fundão eleitoral”, o principal mecanismo de financiamento das candidaturas.

Despesas

Nessa lista estão candidatas que apenas recebem os valores para que a cota feminina seja alcançada, mas acabam assumindo despesas de outros concorrentes, inclusive homens.

Indeferida

Uma das candidatas recebeu R$ 3 milhões, mesmo estando com a candidatura indeferida e tendo conquistado apenas 41 votos em 2018.

Daniel Weterman, Julia Affonso e Vinícius Valfré para O Estado de S. Paulo, em 20.09.22.

Simone Tebet diz que Lula, se eleito, vai governar para se perpetuar no poder: ‘Vai ser um Perón’

Candidata do MDB associa petista a presidente que governou Argentina por três mandatos e que não consegue ‘visualizar’ apoio ao PT


A senadora e candidata à Presidência Simone Tebet (MDB) participa de sabatina realizada no auditório da Faap Foto: Werther Santana/Estadão

A candidata à Presidência pelo MDB, senadora Simone Tebet (MS), marcou posição crítica em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante e após a sabatina promovida pelo Estadão em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo. Simone disse que não acredita em um governo Lula e, para ela, o petista, se eleito, fará um governo populista para garantir a perpetuação no poder do Partido dos Trabalhadores.

‘2º turno com Lula e Bolsonaro é o pior dos mundos para o Brasil. Não vai ter paz’

Após participar do evento, Simone deu a declaração em resposta à pressão que sua candidatura sofre da campanha de Lula para atrair votos dos eleitores da emedebista e tentar vencer a eleição no primeiro turno, marcado para o próximo dia 2 de outubro. “Eu não acredito no governo Lula. Por isso, eu sou candidata. Eu não consigo visualizar (apoio), a não ser o papel que nós temos de fortalecimento de um pacto a favor do Brasil que começa e não termina agora”, disse ela.

Segundo Simone, um eventual governo Lula seria mais do mesmo. “É um governo de um mandato só que vai querer se perpetuar no poder. Ele vai querer entrar para a história. Lula vai querer deixar o nome dele para a história e, para isso, ele vai ter de ser mais do mesmo do que ele foi. Ele vai ter de ser populista para poder virar um Perón, o que a família Perón foi no passado. Ele vai ali meter projetos populistas para garantir uma perpetuação do PT nos próximos oito anos”, disse, em referência a Juan Domingo Perón, presidente da Argentina por três mandatos nas décadas de 1940, 1950 e 1970.

Na sabatina no teatro da FAAP com ampla presença de estudantes universitários, a candidata que encabeça a chapa de MDB, PSDB e Cidadania manifestou desconforto com a campanha pelo voto útil e disse que vai lutar “até o fim”. Ela se recusou a falar em negociações futuras e quais compromissos das pautas econômica e política poderiam entrar em um acordo com o petista.

Ao Estadão, a presidenciável negou que já esteja em negociação com Lula para apoio em um eventual segundo turno com o presidente Jair Bolsonaro (PL). Nesta segunda, o ex-presidente reuniu em São Paulo ex-presidenciáveis que passaram a apoiar sua candidatura. Porém nomes como Roberto Freire (Cidadania), Eduardo Jorge (PV) e José Serra (PSDB), que já concorreram ao Planalto, estão alinhados e em campanha por Simone. Ela disse que nunca se reuniu com Lula.

“Eu não converso com Lula. Sabe quando eu conversei com Lula, e até ele foi gentil em me cumprimentar e fazer uma brincadeira comigo, foi no dia do debate (da Band). Eu não tenho o celular dele e não sei com quem ele fala”, disse Simone, que criticou o alinhamento do petista com caciques do MDB envolvidos no petrolão, revelado pela Lava Jato.

Especulações em torno do nome da candidata para comandar um ministério, entre eles o da Justiça e o da Agricultura, como parte de uma negociação política, no segundo turno, têm surgido em Brasília. Na semana passada, Simone alertou a campanha do PT que a estratégia pelo voto útil é desrespeitosa e pode afugentar apoios ao ex-presidente.

Caciques do MDB, que apoiam Lula e tentaram inviabilizar Simone, jogam pressão adicional pelo voto útil. O comando da legenda, porém, pode acabar liberando voto em eventual segundo turno.

Durante o evento, a senadora afirmou que, se as pesquisas de intenção de voto forem confirmadas pelos eleitores, o cenário de acirramento político se estenderá até 31 de dezembro de 2026. “Não tem carta na manga, não tem fórmula mágica. A fórmula mágica é o próprio processo eleitoral”, disse. “O segundo turno entre o ex-presidente Lula e o atual presidente, se isso acontecer, é o pior dos mundos para o Brasil. O Brasil não vai ter paz”, afirmou a senadora.

Simone reconheceu que a tarefa não é fácil. Com uma média de 5% nas pesquisas, ela afirmou que já viu candidatos com esse patamar ganhar a eleição. “Eu me recuso a desistir desse Brasil que eu sonho diante de um cenário que, para mim, nenhum dos dois (Bolsonaro ou Lula) serve. Estou diante de um processo eleitoral em que me recuso a aceitar que nesta eleição, que é mais importante do Brasil desde a redemocratização, nós tenhamos que optar pelo menos pior.”

Sobre um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a senadora preferiu não se posicionar. “A nossa candidatura não é só eleitoral, é uma candidatura política, de posicionamento. Eu estou aqui, eu sou um soldado a favor da democracia e das liberdades públicas. Estamos aqui para abrir caminhos, para construir pontes”, disse.

Armas

Simone também criticou o governo federal e afirmou que, se eleita, vai revogar decretos armamentistas editados pelo presidente Bolsonaro. “Vou fazer um grande revogaço dos decretos do presidente da República (sobre armas)”, disse a candidata ao ser questionada sobre o aumento do número de brasileiros armados. Segundo ela, armas compradas por supostos colecionadores e participantes de clubes de tiro estão indo parar na mão de bandidos.

Simone disse que vai recriar o Ministério da Segurança Pública, além de ter abordado na sabatina temas como educação e responsabilidade fiscal e de ter dito que trabalhará para aprovar, nos seis primeiros meses de governo, uma reforma tributária. Ela reforçou promessas conhecidas da campanha, como a “poupança jovem”, com a qual se compromete a transferir R$ 5 mil para as famílias manterem estudantes no ensino médio e criticou o orçamento secreto – esquema revelado em série de reportagens do Estadão.

Orçamento secreto

A senadora afirmou que, se eleita, dará transparência absoluta ao Orçamento da União. “Nós vamos escancarar o que o Estadão foi o primeiro a publicar, através de uma equipe maravilhosa de jornalistas, o que ainda será considerado um dos maiores escândalos de corrupção da história do País, o orçamento secreto”, afirmou a candidata. Simone ainda contou, sem dar detalhes nem valores, que recebeu oferta de repasse do orçamento secreto para desistir de ser candidata à Presidência do Senado.

Ao tratar de temas econômicos e seu plano para manter os auxílios e ao mesmo tempo cumprir as promessas de elevar o crédito, Simone criticou a gestão Bolsonaro. “É um governo que não planeja nada, não sabe aonde quer chegar, nunca soube e, por isso, nunca apresentou políticas públicas sérias. Diante desse cenário, nós temos de primeiro focar na macroeconomia brasileira. A solução está na eleição de uma candidatura de centro, que, com moderação, equilíbrio e diálogo, é capaz de dialogar com todas as frentes.”

Além disso, ao responder a perguntas de representantes da sociedade, Simone disse que sua agenda tem dois grandes objetivos: de um lado dar o pão a quem tem fome, por meio da manutenção do Auxílio Brasil; e, de outro, abrir a porta de saída a médio prazo.

O próximo presidenciável a ser recebido pela iniciativa do Estadão/FAAP é Ciro Gomes (PDT), nesta quarta. Bolsonaro faltou na sexta-feira passada, e a campanha de Lula avisou que o petista não participará do evento de desta terça.

Adriana Fernandes e William Castanho para O Estado de S. Paulo, em 19.09.22. Colaboraram Davi Mediro e Adriana Ferraz.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Quase sete em cada dez brasileiros têm medo de ser agredidos por causa de política, diz pesquisa

O acirramento dos ânimos no período de campanha eleitoral tem gerado temor entre os brasileiros: 67,5% afirmam ter medo de se
rem agredidos fisicamente por causa de suas escolhas políticas ou partidárias.

Medo da violência em geral cresceu desde a última pesquisa (Getty Images)

Os dados são de uma pesquisa feita pelo instituto Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e divulgada nesta quinta-feira (15/09).

A pesquisa também mostra que 3,2% dos entrevistados disseram ter sido vítimas de ameaças por motivos políticos em julho. O estudo, feito por amostragem, ouviu 2,1 mil pessoas entre os dias 3 e 13 de agosto.

"Percebemos que o medo da violência política está bastante espalhado entre as diversas camadas da população. Há uma preocupação real do quanto esse acirramento pode afetar a integridade física das pessoas" afirma David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Segundo ele, o objetivo da pesquisa, chamada "Violência e Democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022", é entender o peso do medo da violência na percepção e na atitude dos brasileiros quanto ao autoritarismo e a democracia.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública já havia feito uma pesquisa sobre violência e autoritarismo, sem avaliar o apoio à democracia, em 2017. A ideia era medir a propensão da população ao apoio de posições autoritárias em um cenário que se encaminharia para as eleições de 2018. Na versão atual, a pesquisa foi feita em um período mais próximo do pleito.

"O nível do medo da violência como um todo cresceu", explica Marques, "apesar da redução de alguns indicadores de segurança, como o de mortes violentas, muito provavelmente por causa do aumento de outras modalidades de crimes - como os patrimoniais, que afetam muito a percepção e o medo das pessoas quanto à violência."

O instituto elabora um índice de medo da violência com base em uma série de preocupações - medo de morrer assassinado, de ser sequestrado, ser vítima de estupro, ter o celular roubado etc. O índice varia entre 0 e 1, onde 1 é o maior nível de medo.

Esse índice era de 0,68 em 2017 e subiu para 0,76 em 2022.

A pesquisa deste ano avalia algumas modalidades de violência que não foram captadas em 2017, como o medo de violência digital (como de sofrer um golpe ou ter dados divulgados na internet) e o medo da violência política.

O medo de ser vítima de grupos armados (traficantes, milícias e pistoleiros) atinge 83,9% dos entrevistados. Chama a atenção o aumento no medo de sofrer violência por parte da Polícia Militar: de 59,5% dos entrevistados, em 2017, para 63,8% em 2022.

Marques chama a atenção para o fato de que a propensão para apoiar medidas autoritárias (como desrespeito à lei para punir criminosos) é maior entre as pessoas que têm mais medo da violência

No entanto, de maneira geral, o índice de propensão ao apoio a posições autoritárias caiu: foi de 8,1 em 2017 para 7,29 em 2022 (em uma escala de 0 a 10), perdendo força principalmente entre os jovens de 16 a 24 anos.

Hoje, a maioria dos entrevistados (66,4%) afirma que a segurança não vai melhorar com o armamento da população.

Medo de ser vitima de estupro ou de sequestro são indicadores que compõem o índice de medo da violência (Getty Images)

Apoio à Democracia

A pesquisa mediu também o quanto a população apoia a democracia. Os resultados mostram que 90% dos brasileiros concordam que o candidato que vencer as eleições de 2022 nas urnas e for reconhecido pela Justiça Eleitoral deve tomar posse em 1º de janeiro. E 89,3% concordam que é essencial para a democracia que o povo escolha seus líderes em eleições livres e transparentes.

Uma das perguntas, por exemplo, era se os entrevistados consideram "importante que os tribunais sejam capazes de impedir o governo de agir para além da sua autoridade", o que teve concordância de 62% dos entrevistados. O apoio à agenda de direitos sociais e direitos humanos teve queda em 2022.

"Democracia não é só eleição, embora ela seja essencial", explica Mônica Sodré, cientista política e diretora da RAPS. "Não queríamos olhar apenas a partir do viés eleitoral, mas também avaliar o apoio a uma série de elementos que fazem parte de um regime democrático."

"Apesar da queda geral do índice de apoio aos direitos, tivemos melhoras em alguns dos indicadores - a percepção da sociedade sobre o racismo aumentou de 72% para 82%", diz Sodré. "É positivo que haja um aumento na percepção sobre o problema, que é parte central das desigualdades

O apoio a programas de transferência de renda (como o Bolsa Família ou o Auxílio Brasil) também aumentou de 84% em 2017 para 95,7% em 2022.

Sodré destaca também que as mulheres tendem a apoiar mais a agenda de direitos do que os homens e que os negros apoiam mais a agenda de direitos do que os brancos.

"É algo que faz bastante sentido considerando o histórico dessas minorias quanto à violência e desigualdade", afirma

Democracia e direitos

A pesquisa também mostra um importante paradoxo: o apoio à democracia é menor nos mesmos grupos em que se encontra um maior apoio à agenda de direitos humanos e sociais: a população de menor renda e menor escolaridade. Ou seja, ao mesmo tempo em que anseiam por ter seus direitos garantidos, esses grupos também são os mais propensos a relativizar a democracia.

Segundo Sodré, isso se explica pelo fato do país ser marcado pela desigualdade e de os benefícios da democracia não estarem sendo sentidos por toda a população.

A democracia não se traduziu em ganho de qualidade de vida e bem estar para todo mundo no Brasil, diz ela. "E, embora os grupos mais vulneráveis valorizem um conjunto de atributos que vem com a democracia, eles também estão mais propensos a relativizá-la e apoiar medidas autoritárias na espera de resolução de seus problemas."

Leticía Mori @leticiamori, da BBC News, Sao Paulo, em 15.09.22

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62909548

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Como no 7/9, Bolsonaro usará dinheiro público para sua campanha em NY e Londres. E nada muda

Ao contrário da expectativa do Planalto e do temor do QG de Lula, a diferença entre os dois na pesquisa Ipec não diminuiu

A marca desta eleição é estabilidade, com o ex-presidente Lula à frente e Bolsonaro oscilando daqui e dali, sem ameaçar de fato o principal adversário.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

A pesquisa Ipec responde à pergunta feita aqui no domingo passado: transformar o 7 de Setembro e o bicentenário da Independência em comício do candidato Jair Bolsonaro atraiu multidões às ruas de Rio e Brasília, mas isso não reverteu em mais votos para a reeleição, não sacudiu as pesquisas. E, como o TSE suspendeu o uso das imagens na propaganda eleitoral, por uso recursos públicos, é improvável que ainda vá reverter.

A marca desta eleição é estabilidade, com o ex-presidente Lula à frente e Bolsonaro oscilando daqui e dali, sem ameaçar de fato o principal adversário. Bolsonaro faz e acontece, anula o 7 de Setembro em seu favor, compra votos à luz do dia com a PEC da reeleição, tira ICMS dos Estados para baixar o preço dos combustíveis e... não acontece nada.

A marca desta eleição é estabilidade, com o ex-presidente Lula à frente e Bolsonaro oscilando daqui e dali, sem ameaçar de fato o principal adversário. 

Ao contrário da expectativa do Planalto e do temor do QG de Lula, a diferença entre os dois não diminuiu. Ao contrário, oscilou dois pontos a favor de Lula, de 13 para 15 pontos, e Lula recuperou as chances de vencer em primeiro turno: passou de 50% para 51% dos votos válidos.

Agora, Bolsonaro fará duas viagens internacionais na reta final da campanha. O que ele vai fazer no velório da rainha Elizabeth II em Londres? E o que vai dizer de importante na abertura da Assembleia-Geral da ONU em Nova York? A resposta é fácil: o único intuito é gerar fotos, vídeos e áudios para a propaganda na TV. Ou seja: como no 7 de Setembro, ele vai usar a Presidência, paga com o seu, o meu e o nosso rico dinheirinho, para campanha.

É com essas imagens que Bolsonaro imagina, ou sonha, apagar a dura realidade de que ele e seu governo foram um absoluto fiasco no plano internacional desde o início, quando ele foi ao Fórum Econômico de Davos e não foi sequer capaz de ocupar todo o tempo de discurso a que tinha direito para defender as maravilhas do seu país para o mundo – que é o que qualquer presidente faz.

Depois disso, uma coleção de desastres, como a ausência na COP26 e o isolamento, o desconhecimento dos temas e dos personagens e a conversa sem pé nem cabeça com o presidente da Turquia no G-20. Sem contar a imagem dele e sua comitiva comendo pizza em pé nas ruas de Nova York, porque, sem vacina, ele foi rechaçado pelos restaurantes.

São muitos exemplos, além das agressões e grosserias do presidente, seus filhos e ministros contra China, França, Alemanha, Suécia, Noruega, Argentina, Chile, os EUA de Joe Biden... E, por último, as queimadas da Amazônia torraram a simpatia internacional pelo Brasil. As viagens, assim como o 7 de Setembro e a PEC reeleitoral, serão incapazes de alterar as pesquisas e a realidade no Brasil.

Eliane Cantanhêde, a autora deste artigo, é comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 13.09.22

Voto útil’ para quem?

Lula defende que eleitores de outros candidatos votem nele para derrotar Bolsonaro no 1.º turno; esse voto é ‘útil’ para o petista, mas não é necessariamente bom para a sociedade

O candidato Lula da Silva não quer apenas ganhar a eleição em outubro; ele quer ser eleito no primeiro turno, o que seria uma façanha inédita para o PT após mais de 30 anos de disputas pela Presidência. Nos últimos dias, aumentou a pressão da campanha de Lula pelo chamado “voto útil”. A questão é: o “voto útil” no petista, já no primeiro turno, é útil para quem, afinal? Para Lula, obviamente, é. No entanto, para o conjunto da sociedade, esse desfecho não é necessariamente bom. 

O “voto útil” é aquele que o eleitor escolhe dar, no primeiro turno, não a seu candidato preferido, mas àquele que é visto como mais capaz de derrotar o candidato que esse eleitor repudia. Assim, o “voto útil” aceleraria a derrota do candidato indesejado, impedindo-o de chegar ao segundo turno. Considerando-se que o segundo turno é uma outra eleição, em que há apenas dois postulantes em condições praticamente iguais de disputa, é possível que muitos eleitores escolham evitar que o candidato que repudiam tenha essa chance de vencer.

Trata-se de um raciocínio válido, é claro – afinal, o eleitor é livre para estabelecer suas prioridades na hora de votar. O problema é que esse “voto útil” entra no balaio de votos do candidato vencedor como se fosse um aval às suas propostas de governo, e isso não é necessariamente verdadeiro. Aliás, é provavelmente falso, uma vez que o “voto útil” em geral é dado não pelo que o candidato propõe, mas exclusivamente por sua capacidade de derrotar o oponente que o eleitor não quer ver na Presidência. Vota-se, portanto, no “mal menor” – que, malgrado seja “menor”, não deixa de ser “mal”.

Ademais, e isso talvez seja o mais importante, o eleitor que vota no primeiro turno como se estivesse no segundo, ou seja, antecipando uma escolha que não precisa ser feita neste momento, desperdiça o voto que poderia servir para robustecer a oposição. Isso é crucial numa democracia: o candidato derrotado é tão relevante quanto o que vence, pois é do derrotado que se espera o exercício da oposição. Sem oposição forte, o governo se sente à vontade para governar somente para aqueles que o elegeram, e não para o conjunto da sociedade. Quanto mais votos essa oposição tiver, mais a sociedade ganha.

Por fim, é uma grosseira falácia atribuir a Lula da Silva a missão de “salvar a democracia”, isto é, impedir a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, que representaria uma suposta ameaça às liberdades democráticas e à estabilidade do País. Ora, se a democracia depende de Lula da Silva para ser “salva”, estamos mal – afinal, como pode alguém se dizer salvador da democracia e ao mesmo tempo manifestar admiração por ditadores latino-americanos, tratando-os carinhosamente como “companheiros”?

O objetivo de Lula com essa campanha pelo voto útil é “liquidar a fatura”, como dizem seus apoiadores, já no próximo dia 2. Recentes pesquisas de intenção de voto têm mostrado que a distância que separa o petista de Bolsonaro não é mais tão confortável como há alguns meses. Mas uma coisa é a tática eleitoral de Lula; outra, muito diferente, é o interesse da sociedade.

Recentemente, Lula afirmou no Twitter que ele “não tem por que ter vergonha de ganhar no primeiro turno”, afinal, “se quem tem 5% (de intenções de voto) sonha em ter 40%, por que quem tem mais de 40% não pode sonhar em ter mais um pouquinho e ganhar no primeiro turno?”.

Lula pode sonhar com o que quiser. A bem da verdade, qualquer candidato a cargo majoritário deve almejar ser eleito no primeiro turno. É um truísmo. O ponto é que a Constituição não prevê eleições majoritárias em dois turnos por acaso. Trata-se de um sistema que visa ao amadurecimento democrático, evitando escolhas plebiscitárias a priori.

Neste ano, não há apenas dois, há dez candidatos à Presidência. E nenhum deles tem um voto sequer antes da abertura das urnas. Pesquisas de intenção de voto aferem nada além disso – a intenção dos eleitores num dado momento. Fossem atestados fiéis da vontade da maioria, nem precisaria haver eleições, bastaria encomendar pesquisas. É tempo de reflexão, e não de pressa.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 13.09.22

'República dos Juízes' disseca a Justiça sob Bolsonaro e mensalão

Diretor Eugênio Puppo reflete sobre como a Constituição foi criada em 1988 já cercada de problemas

"Existem diversos tipos de Estado. O Estado liberal, o Estado social-democrata, o Estado socialista. Mas nenhum deles é pior do que o estado a que chegamos." A imortal formulação do capitão Salgueiro Maia para definir a situação do salazarismo em Portugal, em 25 de abril de 1974, cai como uma luva no Brasil atual.

Chegamos a um estado desesperador. Mas como? Eis a questão que a série "República dos Juízes" procura, mais do que responder, propor. Os argumentos do diretor Eugênio Puppo são inúmeros.

Sede da Justiça Federal no Paraná, que continuou com dezenas de casos da Lava Jato após a ida do ex-juiz Sergio Moro para o Ministério do Justiça

Sede da Justiça Federal no Paraná, que continuou com dezenas de casos da Lava Jato após a ida do ex-juiz Sergio Moro para o Ministério do Justiça - Guilherme Pupo - 8.out.14/Folhapress

Podemos tentar resumir tudo a partir da premissa de que a Constituição de 1988 surgiu com a ideia de criar direitos sociais julgados então necessários, mas padeceu de problemas. A transição do governo militar, no entanto, já trazia problemas. A começar pelo óbvio —como conviver com uma Lei de Anistia que fazia vista grossa para a tortura, que aceitava a tutela dos militares ao tirar o poder de suas mãos? No filme, quem nos lembra disso é Luiz Carlos Prestes.

É provável, supõem diversas vozes na série, que venha daí o poder concedido a instâncias em princípio técnicas, como o Judiciário. Ou até —teria esse poder sido mesmo concedido ou foi sendo conquistado? E, nesse caso, o que permitiu tal usurpação?

Alguém responde no filme e, aparentemente, por ele —a crença de que é preciso amenizar o poder da política e dos políticos. Como contrabalançar isso? Se isso não pode vir do Executivo nem do Legislativo, só uma instância neutra pode preencher essa função —os juízes e promotores.

Só que, nessa altura, outro problema reaparece. Será essa instância realmente técnica? Bem, o filme não demora a designar. Ela surge no peito estufado de Joaquim Barbosa, por exemplo —a vaidade.

Foi criado então um Judiciário vaidoso e empoderado pela crença social em sua neutralidade, e que tende assim a se hipertrofiar. Com efeito, não se pode mais dar dez passos sem consultar um advogado. Temos, portanto, a obrigação de acreditar que a Justiça é cega. Que a lei paira igualmente sobre todos nós. O filme deixa no ar a pergunta —será?

Ou, indo um pouco mais longe, o diretor Eugênio Puppo sugere que, talvez, tenhamos partido do chamado entulho autoritário para desembocar no entulho judiciário.

Essas considerações são uma tentativa de introduzir o leitor ao conteúdo explícito da série. É preciso, no entanto, dizer algumas coisas sobre a sua forma. Em primeiro lugar, ela praticamente suprime a presença de juízes, juristas e similares. Vozes são ouvidas, mas raramente as palavras são acompanhadas pela imagem dos que a emitem.

"República" evita a forma tradicional desse tipo de documentário, habitualmente centrado no acúmulo de depoimentos que atribuem autoridade e verdade. Partindo desse princípio, Puppo fez um primoroso trabalho de busca e seleção de imagens, de maneira a criar associações que não permitem a políticos, juízes ou jornalistas sobreporem seu discurso ao do filme.

A partir daí, a produção não pode ser acusada de neutralidade. As associações sugeridas são muitas e, de certa forma, conduzem a reflexão do espectador. No entanto, existe um centro. A Constituição em vigor, mais a anistia à tortura, mais a exposição midiática dos três Poderes, levaram à "democracia despolitizada".

A cena que melhor resuma as ideias desta série vem de um velho filme mudo, "Uma Página de Loucura", do japonês Teinosuke Kinugasa. Ali, em dado momento, surgem imagens de uma mulher descontrolada.

Poderiam ser imagens da mulher de olhos vendados que assombra o "Twin Peaks" de David Lynch. As imagens de Kinugasa e as de Lynch parecem saídas de um pesadelo e talvez sejam as que melhor resumem as muitas ideias que circulam nesta série. Mais do que responder à premissa inicial, me parece que o intuito seja evocar a necessidade de pensar como chegamos ao estado atual.

Não será fácil reconstituir isso. "República dos Juízes" procura refazer o percurso, ou uma das vertentes desse percurso. Ao fazer isso, de certo modo nos lança num labirinto. Desmontar o edifício do narrativismo, demonstrar por metáforas imagéticas o tipo de Babel a que a manipulação das palavras nos levou talvez seja o principal atributo desta série. Se suscita questões que assombram o Brasil, "República dos Juízes" não é feito para as responder. Parece que a ideia é lançar essas ideias.

REPÚBLICA DOS JUÍZES

Onde: Disponível no Claro TV+

Produção Brasil, 2022

Direção: Eugenio Puppo

Texto Publicado na Folha de S. Paulo, edição impressa, em 12.set.2022 às 22h30

Simone Tebet já tem vantagem numérica sobre Ciro em grupos específicos, mostra Datafolha

Margem de erro é maior em nichos do eleitorado, mas revela tendências

A candidata à Presidência Simone Tebet (MDB) realiza caminhada na avenida Paulista, em SP - Divulgação

Ciro Gomes (PDT) já perde de Simone Tebet (MDB) ou empata com ela em nichos específicos do eleitorado, de acordo com a pesquisa Datafolha divulgada na semana passada.

A candidata à Presidência Simone Tebet (MDB) realiza caminhada na avenida Paulista, em SP

LUPA  

Ciro tem 7% do total de intenção de votos, contra 5% de Tebet —uma situação de empate técnico, mas com vantagem numérica para ele. Em outros grupos, no entanto, o pedetista aparece literalmente empatado —ou até mesmo em desvantagem.

LUPA 2

As margens de erro para segmentos específicos são maiores do que os dois pontos da amostra geral do eleitorado. Mas dão pistas sobre as tendências dos grupos. Entre os que têm de 45 a 59 anos, por exemplo, os dois aparecem empatados, com 6% cada um, e sem vantagem numérica alguma para Ciro.

LUPA 3 

Entre os aposentados, novo empate: Ciro tem 7%, e Tebet tem os mesmos 7%.

LUPA 4 

Os dois aparecem com percentual idêntico também entre os eleitores da região sul (6%) e Centro Oeste (7%) –no nordeste, Ciro, que é do Ceará, está à frente, com 8% contra 2% de Tebet.

ULTRAPASSAGEM

Já entre desempregados que procuram emprego, Tebet tem ligeira vantagem numérica: ela aparece com 5%, contra 4% de Ciro; e ganha entre as donas de casa, por 6% contra 3% de Ciro.

Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo - edição impressa, em 12.09.22, às 23h00

Rosa assume STF com recado velado a Bolsonaro: 'Que não se cogite descumprir ordem judicial'

Ministra defende Estado de Direito e critica discurso de ódio ao tomar posse na corte

Cerimônia de Posse da Ministra Rosa Weber como nova presidente do STF - Pedro Ladeira/Folhapress

Em uma cerimônia sem a presença do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ministra Rosa Weber foi empossada nesta segunda-feira (12) como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), para um mandato previsto até outubro do ano que vem.

No primeiro discurso como presidente do STF, a ministra afirmou, sob aplausos, que não se pode cogitar o descumprimento de ordens judiciais —o que Bolsonaro já ameaçou fazer em seu embate com ministros da corte.

"De descumprimento de ordens judiciais sequer se cogite em um Estado democrático de Direito", disse Rosa.

Rosa defendeu o Estado de Direito, a laicidade e a rejeição ao discurso de ódio. Afirmou ter a certeza que "sem um Poder Judiciário independente e forte, sem juízes independentes e sem a imprensa livre não há democracia".

"Sejam as minhas primeiras palavras as de reverência incondicional à autoridade suprema da Constituição e das leis da República, de crença inabalável na superioridade ética e política do Estado democrático de Direito, de prevalência do princípio republicano e suas naturais derivações, com destaque à essencial igualdade entre as pessoas e a estrita observância da laicidade do Estado brasileiro, com a neutralidade confessional das instituições e garantia de pleno exercício de liberdade religiosa", afirmou.

A ministra fez a defesa do sistema eleitoral brasileiro e, ao mencionar o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o público também aplaudiu.

Antes dela, a ministra Cármen Lúcia também fez críticas, sem menção direta, aos ataques de Bolsonaro à Justiça e às instituições.

Rosa, de perfil discreto e avessa aos holofotes, pretende que os primeiros meses da sua gestão não fiquem marcados por polêmicas que atraiam a corte para o centro das atenções.

Ela comandará um tribunal que está sob constante ataque de Bolsonaro e de seus aliados durante o período eleitoral. Por isso, até o fim de novembro, pretende que não sejam julgados em plenário temas que possam fazer o STF virar protagonista no noticiário.

Rosa é a terceira mulher a assumir a presidência do STF e a primeira magistrada de carreira, originária da Justiça do Trabalho. As anteriores, Ellen Gracie e Cármen Lúcia, vieram respectivamente do Ministério Público e da advocacia pública.

Apesar de sua discrição, ela tem sinalizado, porém, que eventuais ataques à corte ou ao Judiciário serão respondidos com firmeza. Também tem dado amostras de que não pretende afrouxar as investigações que envolvem o presidente.

Em decisões divulgadas nesta segunda, Rosa determinou que a Polícia Federal mantenha apurações preliminares da CPI da Covid sobre a conduta do presidente. Com as determinações, ela contrariou os pedidos da PGR (Procuradoria-Geral da República) para que as investigações sejam arquivadas.

Sua gestão no Supremo, onde a presidência costuma durar dois anos, será mais curta do que a de seus últimos antecessores. Isso porque Rosa Weber completa 75 anos em outubro do ano que vem e terá que se aposentar da carreira de magistrada.

A cerimônia da posse foi adiada uma semana para não coincidir com os atos de 7 de Setembro deste ano, quando a militância bolsonarista foi insuflada pelo presidente para atacar o tribunal.

Mesmo com o adiamento, aconteceu sob um forte esquema de segurança, com diversas áreas do Supremo com acesso restrito.

Para o evento foram chamados os principais nomes dos Três Poderes, e houve 1.300 pessoas convidadas, das quais 350 puderam entrar no plenário do Supremo.

A lista incluiu o atual e os ex-presidentes da República, os chefes do Legislativo, os candidatos ao Palácio do Planalto, os chefes e os integrantes dos tribunais superiores, além de parlamentares.

Para marcar a impessoalidade da posse, ela deixou claro que os convidados foram chamados para o evento por meio do cerimonial.

Porém, além de Bolsonaro, Lula não esteve presente no evento. Rosa foi indicada ao Supremo em 2011 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que também não compareceu à posse da ministra como presidente da corte.

Compareceram ao evento os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ex-presidente José Sarney (MDB), além de ministros do Executivo e das cortes superiores.

Ex presidente José Sarney cumprimenta o ex ministro do STF Sepúlveda Pertence na cerimônia de posse da ministra Rosa Weber como presidente do Supremo - Pedro Ladeira/Folhapress

Antes da ministra, discursaram o procurador-geral da República, Augusto Aras, o presidente da OAB, Beto Simonetti, e a ministra do Supremo Cármen Lúcia.

Cármen Lúcia fez um discurso com uma série de indiretas a Bolsonaro.

Afirmou que Rosa "não assume o cargo em momento histórico de tranquilidade social e de calmaria, mas "bem diferente disso, os tempos são de desassossego no mundo e não diferente disso no Brasil".

"Por isso tanto mais é necessária a pessoa com as extraordinárias qualidades de vossa excelência, de decência, de prudência e de solidez de posições combinada com especial gentileza de trato", afirmou Cármen.

"O momento cobra decoro e a República demanda compostura. Tudo o que vossa excelência tem para servir de exemplo em tempos de desvalores muitas vezes incompreensíveis", disse.

"Não se promove a democracia com comportamentos desmoralizantes de pessoas e instituições. A construção dos espaços de liberdades não se compadece com desregramentos nem com excessos", acrescentou Cármen.

Aras destacou que "é gratificante saber que tivemos um 7 de Setembro pacífico e ordeiro, sem violência, é gratificante saber que estamos trabalhando para que tenhamos um certame eleitoral em clima de paz e harmonia, sem violência".

Baiano, ele citou, ainda, um trecho do Hino da Bahia que diz que "nunca mais o despotismo regerá nossas ações" e que "com tiranos não combinam os brasileiros corações".

Em seu discurso, Simonetti afirmou "neste ano eleitoral, nossa missão é ombro a ombro com a Justiça brasileira, defender o sistema de votação que há décadas permite eleições limpas com a prevalência da soberania popular".

José Marques e Marcelo Rocha, de Brasília-DF para a Folha de S. Paulo, em 12.09.22