terça-feira, 20 de abril de 2021

Sputnik V: o que se sabe sobre a vacina russa que tem efetividade de 97,6%, de acordo com novo estudo

Hoje, 62 países, com uma população de 3 bilhões de pessoas, já autorizaram o uso emergencial ou concederam o registro da Sputnik V.

O uso da Sputnik já foi autorizado em 51 países, que reúnem uma população somada de 1,3 bilhões de pessoas (Crédito da foto: Reuters)

A vacina russa Sputnik V teve até agora uma efetividade de 97,6%, de acordo com um anúncio feito na segunda-feira (19/04) pelo Instituto Gamaleya, responsável por seu desenvolvimento.

A taxa é baseada em um estudo realizado a partir do acompanhamento de 3,8 milhões de russos que já receberam as duas doses do imunizante.

Esses resultados são ainda melhores do que os primeiros estudos de eficácia divulgados anteriormente.

A efetividade é a taxa atestada no mundo real, com a aplicação em massa.


No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está analisando um pedido de uso emergencial da Sputnik V feito pela farmacêutica União Química, que fechou um acordo com o Gamaleya para fabricação e distribuição da vacina russa localmente.

Dezenas de milhões de doses já foram compradas pelo governo federal, Estados e municípios do país, que agora aguardam o aval da agência para começar a aplica-la.

Entenda a seguir o que se sabe sobre esse imunizante até o momento.

O que apontaram os testes feitos na Rússia?

Sputnik V foi registrada na Rússia antes mesmo de ter eficácia comprovada em testes (Crédito da foto: Reuters).

As duas primeiras fases dos estudos clínicos da Sputnik V começaram na Rússia no final de junho, quando foi investigado se a vacina, que é aplicada em duas doses com diferença de 21 dias entre elas, é segura e leva à produção de anticorpos. Cada fase teve 38 participantes.

Publicados no periódico The Lancet, os resultados apontaram que só foram registrados eventos adversos leves e nenhum grave, e que todos os participantes desenvolveram uma resposta imunológica capaz de combater o coronavírus e impedir a infecção por ele.

A Sputnik V foi aprovada nesses testes e partiu para a terceira e última etapa do estudo, para verificar se ela realmente conseguiria proteger contra a covid-19.

Os resultados preliminares desta fase foram publicados no The Lancet em 2 de fevereiro e revelam uma taxa de eficácia de 91,6%. A eficácia contra casos moderados e graves da doença foi de 100%.

A pesquisa, feita com 20 mil voluntários, continua em andamento para avaliar a proteção ou possíveis efeitos colaterais em longo prazo. O objetivo é chegar a 40 mil participantes.

Outra importante observação do artigo publicado no The Lancet foi o fato de a Sputnik V ter funcionado bem em indivíduos acima dos 60 anos. Na análise de um subgrupo de 2 mil idosos, a eficácia também ficou na casa dos 91%.

Agora, um estudo realizado com 3,8 milhões de pessoas que já tomaram duas doses da vacina, entre 5 de dezembro e 31 de março, apontaram uma efetividade de 97,6%.

Desse grupo, 0,027% foram infectados pelo novo coronavírus a partir de 35 após a data da aplicação da primeira dose. O índice foi de 1,1% entre adultos que não foram vacinados.

A pesquisa ainda não foi publicada, mas isso será feito em maio, de acordo com o Gamaleya.

Como funciona a Sputnik V?

Vacina russa usa a mesma tecnologia do imunizante de Oxford (Crédito da foto: Reuters)

Essa vacina usa uma tecnologia conhecida como vetor viral não replicante, que já é pesquisada há décadas pela indústria farmacêutica e é a mesma da vacina de Oxford.

Esse tipo de vacina usa outros vírus inofensivos para simular no organismo a presença de uma ameaça mais perigosa e que se deseja combater para gerar uma resposta imune.

No caso da vacina russa, ela é feita com adenovírus que causam resfriados em humanos. Eles foram modificados para não serem capazes de se replicar depois que entram nas células humanas.

Os cientistas inseriram neles as instruções genéticas para a produção de uma proteína característica do novo coronavírus, a espícula.

Uma vez injetados no organismo, eles entram nas células e fazem com que elas passem a produzir e exibir essa proteína em sua superfície.

Isso alerta o sistema imunológico, que aciona células de defesa e, desta forma, aprende a combater o Sars-CoV-2, o que protegerá uma pessoa se ela for infectada pelo vírus.

Onde a vacina já foi aprovada?

A Sputnik V tornou-se em 11 de agosto a primeira vacina a ser aprovada registrada no mundo por uma autoridade sanitária — no caso, a agência da própria Rússia — antes msmo de os testes de eficácia serem concluídos.

Desde então, o país imunizante já recebeu autorização de uso emergencial ou teve seu registro definitivo concedido em mais 61 países.

São eles (em ordem alfabética): Angola, Antígua e Barbuda, Argélia, Argentina, Armênia, Azerbaijão, Bahrein, Belarus, Bolívia, Bósnia e Herzegovina, Camarões, Cazaquistão, Congo, Djibouti, Egito, Emirados Árabes, Eslováquia, Filipinas, Gabão, Gana, Guatemala, Guiana, Guiné, Honduras, Hungria, Índia, Ilhas Maurício, Irã, Iraque, Jordânia, Laos, Líbano, Macedônia do Norte, Mali, Marrocos, México, Mianmar, Moldávia, Mongólia, Montenegro, Namíbia, Nicarágua, Panamá, Palestina, Paquistão, Paraguai, Quênia, Quirguistão, República da Guiné, República do Congo, San Marino, São Vicente e Granadinas, Seicheles, Sérvia, Síria, Sri Lanka, Tunísia, Turcomenistão, Uzbequistão, Venezuela e Vietnã.

E no Brasil?

Em março, um consórcio de nove governos do Nordeste anunciou a compra de 37 milhões de doses da Sputnik V, e o governo federal divulgou a aquisição de mais 10 milhões de doses.

O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Brasil Central, formado pelo Distrito Federal e os Estados de Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins, também divulgou que negocia a compra de cerca de 30 milhões de doses.

O Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras, que representa 2,5 mil municípios, divulgou a intenção de comprar 30 milhões de doses.

Vários outros Estados e cidades também já disseram ter a intenção de comprar a vacina russa. Mas isso depende do aval da Anvisa.

A agência está analisando um segundo pedido de uso emergencial feito pela União Química. O primeiro havia sido entregue em janeiro, mas foi devolvido pela agência por não apresentar os requisitos mínimos para análise, e acabou sendo cancelado.

A empresa deu entrada em uma segunda solicitação em 26 de março. Uma vez feito o pedido de uso emergencial, a agência tem 30 para analisar a solicitação e emitir seu parecer. A Anvisa informa que um imunizante "precisa ter demonstrado um mínimo de 50% de eficácia, além de segurança bem estabelecida" para ser aprovado.

De acordo com o site da agência sobre o andamento destes pedidos, 15,48% da documentação necessária ainda não foi enviada e que 63,75% ainda precisa ser complementada. O restante já foi analisado ou está em análise.

Além do pedido de uso emergencial, 11 Estados (Acre, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Sergipe) pediram à Anvisa autorização para importar o imunizante.

Em uma reunião com os governadores no início de abril, a agência se comprometeu a buscar ativamente informações para avaliar o pedido de importação junto à Organização Mundial de Saúde (OMS) e à Agência Europeia de Medicamentos (EMEA).

A Anvisa tem até 30 dias para analisar esse pedido. Se não o fizer, o autor da solicitação fica autorizado a importar e distribuir o imunizante. A decisão foi referente a um pedido do governo do Maranhão, feito em 29 de março.

A agência também enviou uma equipe à Rússia para inspecionar as fábricas da vacina russa, que não é um requisito para importação, mas é uma exigência para a autorização de uso emergencial feito pela União Química.

Anteriormente, a farmacêutica havia informado ter capacidade de fabricar e distribuir 150 milhões de doses do imunizante até dezembro de 2021. A empresa tem um acordo com o Gamaleya para transferência de tecnologia.

Rafael Barifouse, de S. Paulo para a BBC News Brasil em, 23 janeiro 2021

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Em evento ao lado de Bolsonaro, Pujol cita ‘imparcialidade’ do Exército

Demitido pelo presidente mês passado, general participou de último evento antes de deixar o posto de comandante

No seu último evento público antes de deixar o cargo, o comandante do Exército, Edson Leal Pujol, defendeu nesta segunda-feira, 19, a “imparcialidade” e a “transparência” da Força. O general participou de cerimônia alusiva ao Dia do Exército ao lado do presidente Jair Bolsonaro, que o demitiu no mês passado após atritos sobre uma maior politização da tropa. Dos atuais ministros, seis têm origem militar.

Ao discursar no evento, Pujol fez uma longa descrição sobre o papel do Exército e citou o que chamou de “simbiose histórica entre a força terrestre e o povo brasileiro” como fato preponderante para que a sociedade mantenha a confiança na instituição. “Na fiel observância dos preceitos constitucionais, regidos pelo princípio da ética, da probidade, da legalidade, da transparência e da imparcialidade, conectado no tempo e no espaço e aos genuínos anseios do povo brasileiro, o Exército sempre se fará presente”, afirmou o general.

O presidente Jair Bolsonaro ao lado do ex-comandante do Exército, Edson Leal Pujol Foto: Isac Nóbrega / PR

Em seguida, ao se dirigir ao seu local no palco, Pujol deu um longo abraço em Bolsonaro. A cerimônia em que passará o comando para o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, escolhido para substituí-lo no cargo, está marcada para esta terça-feira, 20.

Ao falar no evento, Bolsonaro, por sua vez, disse que é o Exército quem dá sustentação “para que ninguém ouse ir além da Constituição”. “Nossa democracia e a nossa liberdade não tem preço. Os deveres são constitucionais, mas nós jogamos e sempre jogaremos dentro das quatro linhas da nossa Constituição. Essa é a certeza, essa é a tranquilidade que o nosso povo pode ter com o nosso Exército Brasileiro. Nós sempre estaremos dentro destas quatro linhas”, disse Bolsonaro.

No fim de março, na véspera do 57º aniversário do Golpe Militar, Bolsonaro demitiu a cúpula das Forças Armadas. Pujol (Exército), Ilques Barbosa Júnior (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) foram desligados por não concordarem com a politização das Forças Armadas desejada por ele. Foi a primeira vez na história que um presidente trocou a cúpula militar do País no meio do mandato. A saída foi comunicada um dia após o presidente demitir o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, pelo mesmo motivo.

Com a ajuda do novo ministro da Defesa, o general Braga Netto, Bolsonaro agiu rápido para nomear novos comandantes. Como apurou o Estadão na época, Bolsonaro recebeu recados para privilegiar o critério de antiguidade, mas não nomeou os mais experientes de cada força.

No Exército, Paulo Sérgio não era a primeira opção de Bolsonaro. Pesou a favor do general, porém, o fato de ter um perfil apaziguador, hábil no trato com subordinados e um estilo “um manda, outro obedece”, como definiu certa vez o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde que teve a gestão marcada apenas pelo cumprimento de ordens do presidente.

Camila Turtelli e Matheus de Souza, O Estado de S.Paulo, em 19 de abril de 2021 | 18h25. Mais detalhes na edição de amanhã do Estadão.

De ‘fake news’ à desigualdade, o que leva brasileiros a não voltarem para tomar a segunda dose da vacina

Cidades que calculam mal segunda aplicação e falhas estratégicas e desinformação contribuem para o abandono vacinal e podem comprometer proteção coletiva na campanha brasileira de imunização, dizem especialistas


Enfermeira se prepara para aplicar a vacina contra a covid-19 no Rio de Janeiro.(Crédito da foto: André Coelho/ Ag. EFE)

Ao menos 6% dos brasileiros que tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19 não receberam a segunda e, portanto, não podem ser considerados imunizados contra o coronavírus. Falta de doses nos postos de saúde, falhas na própria estratégia brasileira e até fake news sobre os imunizantes são algumas das causas apontadas por especialistas para o abandono vacinal no país ―um problema que já vinha causando preocupação em outras campanhas nos últimos anos e aumentou na pandemia. Isso porque a proteção coletiva contra o coronavírus exige que uma parcela maior da população complete o esquema de duas doses de vacina para que as taxas de eficácia menores dos imunizantes disponíveis possam proteger a população como um todo. “A vacinação é uma estratégia coletiva. Sem as duas doses, muitas pessoas não ficam imunizadas e acabamos colocando a estratégia em risco”, explica a epidemiologista Ethel Maciel. Outro problema que permeia a imunização brasileira é a desigualdade. Em São Paulo, por exemplo, idosos de bairros mais pobres têm sido proporcionalmente menos vacinados que os que vivem nos bairros com maior poder aquisitivo.

Os motivos do abandono vacinal no país vão além do esquecimento ou da resistência da população. Há cidades em que usuários até estão retornando para receber o reforço, mas não conseguem porque não há vacina nos postos. Foi o que aconteceu nesta semana em Natal. Como as doses da Coronavac acabaram na última segunda-feira (12), quem precisava receber a segunda dose não conseguiu concluir o esquema vacinal na data prevista, mesmo peregrinando por várias unidades de saúde. Uma nova remessa só chegou quatro dias depois, na sexta. Diante de várias tentativas sem sucesso, muitos acabam desistindo. “Os municípios precisam ir atrás dessas pessoas”, aponta Maciel. Ao menos 1.426 cidades brasileiras não têm reservado vacinas para garantir a segunda dose ―quase a metade de um total de 2.938 que responderam à pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios. Se continuarem assim, elas correm o risco de não ter vacinas para complementar o esquema vacinal em parte da sua população, já que o país segue sem um cronograma de entregas estável. Em março, o Ministério da Saúde chegou a orientar que as cidades usassem todos os estoques para vacinar mais pessoas com a primeira dose, mas voltou atrás neste mês após não conseguir cumprir as entregas que esperava.

As cifras de quem não volta para tomar a segunda dose também incluem pessoas que adoeceram de covid-19 após a primeira dose e, por orientação do próprio Ministério da Saúde, precisam esperar um prazo maior, de 30 dias após os sintomas, para completar a vacinação. Pesquisas mostram que uma dose da vacina já dá alguma resposta imunológica, mas não protege a pessoa de contrair o vírus. “Como a transmissão está muito acelerada, muita gente está adoecendo”, explica Maciel. É o caso, por exemplo, da enfermeira Patrícia Carvalho de Oliveira, de 33 anos. Ela conta que tomou a primeira dose da Coronavac em Águas Lindas, em Goiás, no dia 25 de fevereiro. Mas, dois dias antes de receber o reforço, testou positivo para o coronavírus. “Por conta disso não pude tomar a segunda dose. A médica me pediu que esperasse 30 dias depois do teste positivo, então só vou conseguir tomar nesta semana. Imagino que não vou ter problemas para conseguir”, conta.

Um levantamento do Ministério da Saúde divulgado na semana passada apontou que 1,51 milhão de pessoas que tomaram a primeira dose não retornaram para a administração do reforço. “Quem atrasou e não conseguiu ir com 28 dias [da segunda dose da Coronavac] ou 84 dias da AstraZeneca deve comparecer [aos locais de vacinação]”, orienta a coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações), Francieli Fontana. O abandono vacinal tem preocupado a pasta, que diz estudar com secretários municipais e estaduais da saúde novas estratégias para identificar quem não voltou para tomar a segunda dose e orientá-las a completar a imunização. Na chamada busca ativa ―realizada historicamente no país por meio da Estratégia Saúde da Família―, agentes de saúde ligam para os usuários ou mesmo vão até suas casas para recordar sobre a segunda aplicação. “A gente sempre fez a busca ativa muito bem pelo SUS, mas como você faz isso sem as doses para garantir?”, questiona Maciel. No final desta semana, o Ministério da Saúde distribuiu mais 6,3 milhões de vacinas aos Estados.

A epidemiologista também aponta a necessidade de uma campanha informativa nacional robusta para dar mais segurança à população diante do crescimento de movimentos antivacina e das fake news nas redes sociais. Segundo ela, é preciso explicar didaticamente que uma só dose não confere a proteção e mostrar os riscos e benefícios da imunização apesar das notícias sobre alguns raros efeitos adversos. “Tenho ouvido relatos de gente que tomou a primeira dose da AstraZenaca e não está querendo voltar por medo de trombose”, diz a epidemiologista. A reação foi observada em apenas 0,0001% das pessoas que receberam o imunizante. “É preciso explicar que, se a pessoa contrair a covid-19, a chance de trombose é muito maior. Só que isso não está muito compreendido. Neste momento, acredito que precisamos fazer uma campanha de informação pela vacina da AstraZeneca para minimizar este receio”, acrescenta Maciel.

A taxa por Estado

Em São Paulo, o Estado mais populoso do país, cerca de 6% dos que tomaram a primeira dose não completaram o esquema vacinal, a mesma média do Brasil. Mas no Amazonas, por exemplo, a taxa de abandono é bem maior: 13% das mais de 500.000 pessoas que receberam a primeira dose já estão com a segunda atrasada. O Estado concentra grande número de população ribeirinha e povos indígenas, que vivem muitas vezes em áreas distantes das sedes municipais e que exigem maiores desafios logísticos para a imunização. “Não é possível uma equipe de saúde vacinar uma faixa etária de uma comunidade e retornar no dia ou na semana seguinte para vacinar uma outra faixa etária e repetir isso diversas vezes até concluir a vacinação. O custo é proibitivo e isso tem dificultado o avanço da vacinação nessas áreas”, alertou o superintendente da Fundação Amazônia Sustentável, Virgilio Viana, em um artigo ao EL PAÍS. No Distrito Federal, a taxa de abandono chega a 7%. O secretário da Saúde do DF, Osnei Okumoto, chegou a fazer um apelo para que os que tomaram a primeira dose retornem aos postos de vacinação. “As pessoas acabam perdendo o prazo da próxima dose e isso prejudica o processo de imunização”, disse em uma coletiva de imprensa.

Alguns Estados têm enviado alertas por SMS e Whatsapp para os usuários enquanto outros, a exemplo do Mato Grosso do Sul, preparam também campanhas informativas focadas para que as pessoas não esqueçam de tomar a segunda dose. As vacinas de Oxford/AstraZeneca da Sinovac/Butantan são as únicas distribuídas até agora no Brasil. Ambas precisam da segunda dose para alcançar a eficácia observada nos seus estudos clínicos. Os intervalos entre elas são distintos, o que também pode confundir a população. “A gente fez no Brasil algo errado, a pessoa tinha que marcar a primeira e depois a segunda dose. Ou seja, após a primeira, a segunda não é agendada automaticamente em todos os lugares. Alguns então só estão conseguindo tomar fora do prazo”, diz Maciel.

As desigualdades da vacinação contra a covid-19 no Brasil

A campanha de vacinação brasileira contra a covid-19 também tem refletido as desigualdades sociais que assolam o país. Um levantamento do jornal Folha de S. Paulo mostra que a procura de idosos pelos imunizantes nos bairros mais pobres de São Paulo ―apesar de apresentarem mortalidade maior pela doença― tem sido proporcionalmente menor que nos bairros com maior poder aquisitivo. Segundo a reportagem, nos dez distritos com mais mortes de idosos por covid-19 na capital paulista (todos com IDH entre os mais baixos da cidade), em média 58% das pessoas com 70 anos ou mais receberam a primeira dose. Já nos distritos que apresentaram menor mortalidade (dos quais oito têm IDH muito altos), o mesmo índice chegou a 75% neste público.

No bairro Pinheiros, 91% das pessoas desta faixa etária receberam a primeira dose. Especialistas apontam que a dificuldade maior de acesso aos serviços de saúde e mesmo à informação nas regiões mais pobres são fatores que influenciam a baixa vacinação nestes locais ainda que sejam mais vulneráveis ao vírus. “Em geral, as prefeituras estão pedindo as pessoas agendarem pela internet, isso também cria barreiras para as pessoas que tem menos acesso e que não tem inclusão digital”, acrescenta Maciel. “A falta de uma campanha de comunicação intensa também atrapalha.”

Outra camada da desigualdade na imunização contra a covid-19 é a questão racial, uma situação observada também em outros países, como os Estados Unidos. O Estado de São Paulo vacinou três vezes mais pessoas que se identificam como brancas do que os que se identificam como negras nos primeiros meses de vacinação, segundo levantamento feito pela empresa de análise de dados Lagom Data para a Agência Mural. Os dados têm como base a identificação racial em apenas 43% dos imunizados. Ou seja, considera menos da metade de todos os vacinados, que foram os que tiveram estes dados preenchidos no sistema. Desta parcela, 20% se identificou como negra e 65% como branca. Seja como for, é mais um indício sobre a desigualdade na pandemia e os desafios do poder público para proteger os mais vulneráveis.

BEATRIZ JUCÁ, de São Paulo para o EL PAÍS, em 19 ABR 2021 - 21:12 BRT

Com 5,2 milhões de casos, mundo tem pior semana da pandemia

OMS afirma que o planeta bateu recorde de novas infecções pelo coronavírus em sete dias, na oitava semana consecutiva de aumento no número. Brasil é o país com mais mortes na última semana.

Pessoas de máscara aguardam sentadas em centro de vacinação na Índia

A Índia é o país que registrou mais casos de covid-19 na última semana: 1,5 milhão

O mundo viveu a semana com o maior registro de infecções pelo coronavírus desde o início da pandemia, informou a Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta segunda-feira (19/04). Foram 5,2 milhões de casos oficialmente contabilizados nos últimos sete dias.

Esse número é 14,16% maior que o registrado na semana anterior, marcando assim o oitavo aumento semanal consecutivo no número global de novas infecções, segundo a OMS. O recorde anterior era da semana que começou em 4 de janeiro de 2021, quando foram confirmados 5,04 milhões de casos.

A alta é puxada pela Índia, que voltou a registrar taxas crescentes de contágio. O país asiático contabilizou mais de 1,5 milhão de novos casos nos últimos sete dias. Em seguida vêm os Estados Unidos, com mais de 471 mil casos confirmados na última semana, e o Brasil, que reportou à organização mais de 455 mil novas infecções.

Por sua vez, a cifra de mortes ligadas à covid-19 cresceu pela quinta semana seguida no mundo, totalizando 83 mil óbitos em sete dias, um aumento de 7,98% em relação à semana anterior. Com 20 mil mortes em uma semana, o Brasil lidera a lista, seguido por Índia (8,5 mil) e EUA (5 mil).

A triste marca de 3 milhões de mortos na pandemia

"Demorou nove meses para chegarmos a 1 milhão de mortes, quatro meses para chegarmos a 2 milhões, e três meses para chegarmos a 3 milhões", lamentou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, lembrando a triste marca que o mundo atingiu neste fim de semana.

"Números grandes podem nos deixar insensíveis", afirmou ele, em coletiva de imprensa. "Mas cada uma dessas mortes é uma tragédia para famílias, comunidades e nações."

Agora, mais de um ano após o início da crise, "possuímos as ferramentas para ter essa pandemia sob controle em questão de meses, se as aplicarmos de forma consistente e equitativa". Essas ferramentas incluem medidas de proteção como o distanciamento social, o uso de máscara e a devida higienização das mãos, juntamente às campanhas de vacinação em massa.

A OMS vem apelando repetidamente para que os países ricos compartilhem suas vacinas contra a covid-19 com as nações mais pobres. Em média, uma em cada quatro pessoas já foi vacinada contra o coronavírus nos países desenvolvidos, enquanto nos países mais pobres apenas uma em cada 500 pessoas recebeu doses do imunizante, segundo a organização.

Jovens e adultos afetados

O chefe da organização alertou ainda para um aumento no número de contágios e hospitalizações entre pessoas de 25 a 59 anos de idade, que disse ser particularmente preocupante.

Essa alta pode ser atribuída às novas variantes mais contagiosas do vírus, e também ao fato de haver mais contato social entre pessoas dessa faixa etária, afirmou Tedros.

O alerta foi reforçado por uma importante epidemiologista da OMS, Maria van Kerkhove, na mesma coletiva de imprensa. Diferentemente do início da pandemia, quando os idosos foram mais afetados, hoje "vemos taxas de transmissão crescentes em todos os grupos de idade", disse. "Há uma ligeira mudança de idade em alguns países, impulsionada pelas reuniões sociais."

Ao todo, mais de 141 milhões de casos de coronavírus foram oficialmente reportados à OMS desde o início da pandemia, incluindo mais de 3 milhões de mortes em decorrência da doença. Até esta segunda-feira, 792 milhões de doses de vacinas haviam sido aplicadas no mundo.

Deutsche Welle Brasil, em 19.04.2021

Brasil registra mais 1.347 mortes por covid-19

País se aproxima de 375 mil óbitos relacionados ao coronavírus, e total de infectados vai a 13,97 milhões. Brasil ultrapassa EUA e tem agora a maior taxa de mortalidade por 100 mil habitantes das Américas.

Vista aérea do cemitério de Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo

A taxa de mortalidade por 100 mil habitantes subiu para 178,3, a mais alta entre todos os países das Américas

O Brasil registrou oficialmente 1.347 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (19/04).

Também foram confirmados 30.624 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 13.973.695, e os óbitos somam agora 374.682.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Os números divulgados às segundas-feiras também costumam ser mais baixos, uma vez que as equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida no fim de semana.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 12.391.599 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de domingo.

Com os dados de óbitos registrados nesta segunda-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 178,3 no país, a 13ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino. O país ultrapassou os Estados Unidos e possui agora o número de mortes mais alto em relação à população entre todas as nações das Américas.

Já em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 567 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (31,7 milhões) e Índia (15 milhões).

Ao todo, mais de 141,6 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, segundo números oficiais. No sábado, o planeta superou a trágica marca de 3 milhões de mortos na pandemia.

Deutsche Welle Brasil, em 19.04.2021

"Taxar livros é imoral e anticonstitucional"

Historiadora da USP critica projeto de Paulo Guedes para impor tributo sobre livros e afirma que taxação vai na contramão de anos de campanhas de incentivo à leitura.

A proposta de reforma tributária do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem causado intensos debates em um segmento até então isento de impostos: o livreiro. Se entrar em vigor da maneira como o governo federal pretende, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) significará uma taxação de 12% sobre livros no país.

Com base em argumentos da Receita Federal, a pasta justificou o fim da isenção aos livros alegando que "famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos" e "a maior parte desses livros é consumido pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos". Em outras palavras: para o governo federal, livro no Brasil é coisa de rico.

A história de isenções tributárias ao setor no Brasil remonta à década de 1940, quando o escritor e então deputado federal Jorge Amado (1912-2001) conseguiu aprovar uma emenda que garantia imunidade tributária para a impressão de livros, revistas e jornais. Em 1988, ela passou a ser garantida na Constituição e, em 2004, uma lei federal livrou o setor de alíquotas referentes ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Para a historiadora Marisa Midori Deaecto, professora livre-docente em História do Livro na Escola de Comunicações de Artes da Universidade de São Paulo, o atual discurso do governo e a taxação contribuem para piorar o acesso ao livro no Brasil. "Dos pontos de vista simbólico, moral e financeiro, o impacto de 12% sobre o preço de capa é muito maior do que os ganhos", afirmou à DW Brasil.

Em entrevista, Deaecto fala sobre as controvérsias desta proposta do governo e o acesso à leitura no país.

DW Brasil: Entre contribuir para a melhora da arrecadação e formar um país de leitores, como deve ficar o governo?

Marisa Midori Deaecto: A economia do livro no Brasil é pequena se comparada a de outros países, mas para nós ela é importante. E, desde 2001, sabemos que houve um crescimento bastante importante. Mas se pretende-se aumentar o preço de capa em 12%, porque a contribuição no final atinge o consumidor, há uma contradição. Cria-se uma resposta tributária que trai um princípio constitucional e incide sobre o preço de capa do livro, atingindo o consumidor e se diz que isso vai ter impacto forte na arrecadação… Isso é uma grande falácia, é nesse ponto que estamos insistindo.

Cabe ao Estado garantir direitos básicos aos cidadãos e estamos falando em escola e também em leitura. A contribuição teria um efeito imediato, mas é um efeito muito pequeno em relação ao produto que atinge. Dos pontos de vista simbólico, moral e financeiro, o impacto de 12% sobre o preço de capa é muito maior do que os ganhos. Não colabora para as políticas públicas em prol da educação e cultura, muito pelo contrário. E também não enriquece o tesouro.

O argumento da Receita Federal acabou traduzido como um entendimento de que, no Brasil, "só rico que lê". De certa forma, isso não evidencia as próprias discrepâncias históricas de nosso país, que se reflete no consumo de entretenimento e cultura?

Uma mercadoria 12% mais cara pesa muito mais no bolso do pobre do que no bolso do rico, por isso digo que há um fator moral. Hoje nosso mercado está muito diversificado, de modo que atinge todas as classes. Isso é fruto de pelo menos 25 anos de políticas públicas, organizações ligadas à área editorial, campanhas publicitárias até por parte dos veículos de massa.  A taxação do livro é imoral, anticonstitucional e vai na contramão de toda a campanha em favor do livro e da leitura criada nos últimos 25 anos.

O livro tem uma aura simbólica positiva. Nosso processo de formação de leitores é mais lento e atrasado [se comparado com países europeus, por exemplo] e deve correr atrás desse atraso que, no fundo, é multissecular. O que foi feito entre as décadas de 1960 e 1980, pela ditadura? Incentivou-se a cultura massificada ligada à televisão e ao rádio, em detrimento da cultura literária, exatamente o mesmo discurso de Bolsonaro nos dias de hoje. Mas não podemos ignorar que [depois disso] houve uma série de iniciativas que conduziram as crianças às escolas, como [os programas] Bolsa Família, Sisu, Prouni… Aquela história de pai lavrador, filho doutor se consolidou nos últimos 25 anos. O mercado [literário brasileiro] é pequeno se comparado a potências editoriais, mas é muito importante dentro do contexto do Brasil.

O que pode ser feito para resolver essa questão, disseminando mais o prazer da leitura entre todas as classes sociais?

Estamos falando sobre tributação, mas estamos falando também da forma como o Estado atua em parceria com a sociedade civil para resolver esses problemas, não é? Não adianta só a luta de um. O que percebemos é que o governo atual e, particularmente, o ministro Paulo Guedes criam na verdade obstáculos para o desenvolvimento da economia editorial. Não se trata de discutir quem é o público do livro, o público leitor e tampouco se a reforma tributária pode contribuir também para os setores da cultura e da educação. Para ele, é muito mais fácil fazer tábula rasa desses setores. Me parece muito mais uma questão ideológica, motivada por uma ranço passadista que diz que leitura é coisa de comunista.

E o outro lado da história? Incluir os livros na tributação poderia trazer um fôlego para orçamento nacional?

Fôlego para o orçamento nacional? Aumentar o preço de capa em 12% não dá fôlego nenhum. Quando se diz que livros são mercadoria de luxo e só os ricos compram, é falácia. A pesquisa Retratos da Leitura mostra participação maciça de classes C e D na economia do livro nacional. É evidente que uma mercadoria que se torna 12% mais cara terá um peso muito maior, muito mais sentido, muito mais chorado no bolso do pobre. E as vendas vão cair, porque o livro já virá maculado com a taxa, que afeta o imaginário do consumidor. Do ponto de vista simbólico também é um desastre: deixa muito claro que o Estado se exime de qualquer responsabilidade em relação ao futuro do país, no que toca ao desenvolvimento da educação, da cultura e da ciência.

Dizer que o livro é um produto das elites e que é possível taxá-lo sem um impacto maior dos consumidores das classes C e D é algo tão fundamentalista e falacioso quanto dizer que a Terra é plana, duvidar da ação efetiva das vacinas, diminuir investimentos em universidades, assim por diante. A cadeia de produção do conhecimento começa no autor — e parece evidente que a formação do autor nesse processo é importante — e termina no leitor — com evidente importância da formação do leitor nesse processo. Então, independentemente do gênero editorial e do tipo de livro que se vende no mercado, trata-se de uma mercadoria ambivalente, que tem poder simbólico, valor de mercado e dialoga diretamente com o grau de cultura e educação do país.

O que fazer diante desse cenário?

Estamos fazendo todos: perdendo o sono e a voz, unidos em uníssono, cada um atuando com suas armas contra essa taxação. Há uma mobilização de várias vozes da sociedade civil e também da classe política, pelo menos aquela fração comprometida não só com o futuro dos leitores, mas ciente de que é impossível pensar num país que não invista em educação e ensino superior. E o livro é um fermento muito importante nesse processo.

Deutsche Welle Brasil, em 19.04.2021

Roberto Carlos faz 80 anos: Da rejeição de gravadoras a sucesso internacional

Maria Bethânia tinha por volta de 18 anos quando viu Roberto Carlos pela primeira vez na TV. Foi no Programa Jovem Guarda, que o cantor apresentou, ao lado de Erasmo Carlos e Wanderléa, de 22 de agosto de 1965 a 17 de janeiro de 1968, na Record. "Fiquei deslumbrada", recorda a baiana. "Gostei de tudo: da voz, da interpretação, do charme... Fiquei completamente comovida e arrebatada".


Considerado por muitos o rei da música popular brasileira, Roberto Carlos é tema de tributos em discos, livros e filmes. (Crédito da foto: Cláudia Schembri / Divulgação)

Antes de estourar na Record, Roberto participou de Hoje É Dia de Rock, na extinta TV Rio. Foi em uma dessas apresentações que, com 12 anos, o pequeno Luiz Maurício, o Lulu Santos, acompanhado do tio Haroldo, descobriu o que queria fazer da vida: "tocar guitarra na TV", como diria na canção Minha Vida (1986). "Foi a ponta de um proverbial iceberg. Entramos no teatro antes da transmissão e vi músicos ensaiando pela primeira vez. Aquilo mudou minha vida", admite o último romântico.

A memória afetiva de Teresa Cristina consegue ir ainda mais longe. Ela conta que aprendeu a balbuciar as primeiras palavras, quando era pequena, ouvindo a mãe, Dona Hilda, cantarolar as músicas do Roberto Carlos enquanto lavava roupa no tanque. A mãe cantava e a filha imitava. "O álbum de 1972, que tem À Janela e A Montanha, foi uma cartilha. Comecei a falar ali, repetindo os versos do Roberto", recorda a sambista. "Tenho uma relação muito emotiva com esse disco".

Mal sabiam Bethânia, Lulu e Teresa que, décadas depois, gravariam álbuns em homenagem ao ídolo de todas as idades: As Canções Que Você Fez pra Mim (1993), Lulu Canta & Toca Roberto e Erasmo (2013) e Teresa Cristina + Os Outros = Roberto Carlos (2012). Esses são apenas três dos mais de 140 títulos, entre LPs e CDs, que artistas, nacionais e internacionais, já lançaram com músicas do artista.

De Elvis a Sinatra

O pioneiro do gênero foi Sônia Mello Interpreta Roberto e Erasmo Carlos, lançado pela gravadora Odeon no distante ano de 1975. De lá para cá, um número incontável de artistas, dos mais diferentes gêneros e estilos, seguiram o exemplo da cantora pernambucana: Nara Leão (1978), Waldick Soriano (1984), Roberto Leal (1999), Padre Marcelo Rossi (2001), Cauby Peixoto (2009), Roberta Miranda (2014) e Nando Reis (2019).

"As canções do Roberto são lindas, falam de amor e têm conteúdo. Por essas e outras, atravessam gerações", tenta explicar Roberta Miranda que, quando adolescente, cansou de sair correndo atrás do carro do ídolo só para vê-lo de perto. "Certa vez, levei empurrão e ralei os joelhos. Naquele dia, até puxão de cabelo, me deram", cai na risada.


Apresentado por Roberto, Erasmo e Wanderléa, Programa Jovem Guarda, da TV Record, durou quase três anos, de agosto de 1965 a janeiro de 1968. (Crédito da foto: Divulgação).

De todos os tributos, o mais bem-sucedido, comercialmente, foi As Canções Que Você Fez pra Mim (1993). Segundo estimativas extraoficiais, vendeu mais de um milhão de cópias. A ideia, lembra Bethânia, partiu de um dos executivos da Polygram, Max Pierre. Segundo a cantora, Roberto e Erasmo não opinaram sobre os arranjos, nem participaram da seleção das músicas. "Ninguém opina em repertório meu. Se não, eu não sei cantar", garante Bethânia que, à época, morou dois meses em Los Angeles, onde parte do CD foi gravada.

Roberto Frejat nunca gravou um álbum só com músicas do xará. Mas, em compensação, produziu um songbook: Rei (1994), que reuniu grandes nomes do rock nacional, como Skank (É Proibido Fumar), Cássia Eller (Parei na Contramão) e Blitz (Sentado à Beira do Caminho). Com o Barão, ele cantou Quando (1967).

"Sou muito fã da fase mais rock'n'roll dos anos 1960. Mas, qualquer pessoa sensata sabe que o talento dele não acabou ali. Tem grandes canções gravadas nos anos 1970, quando fez a transição de Elvis Presley para Frank Sinatra", analisa o cantor, compositor e guitarrista.

O divisor de águas

Autor dos livros Roberto Carlos em Detalhes (2006) e O Réu e o Rei: Minha História com Roberto Carlos, em Detalhes (2014), o jornalista e escritor Paulo César de Araújo divide a carreira do artista em três fases. A primeira vai de 1965 a 1971 e corresponde ao seu auge discográfico.

"São grandes discos. Um melhor que o outro", entusiasma-se. A segunda abrange um período mais longo, de 1972 a 1986. É a consolidação de sua fase romântica. "Cai o número de grandes canções por álbum. Roberto já não tem o pique criativo de antes", detecta. E a terceira e última fase: de 1987 até os dias atuais. "Não há nenhum grande disco, mas ainda temos grandes canções, como Nossa Senhora (1993) e Esse Cara Sou Eu (2012)", exemplifica.

O primeiro álbum, com João e Maria de um lado e Fora do Tom do outro, foi lançado em 1959, pela Polydor. Antes disso, porém, Roberto ouviu "não" de pelo menos quatro gravadoras: Chantecler, RCA, Philips e Odeon. Desde então, lançou mais de 62 álbuns nacionais e 40 internacionais, que venderam, segundo estimativas, algo em torno de 120 milhões de cópias.

Desses, o mais importante, na opinião de Paulo César, é Jovem Guarda (1965), que traz o megahit Quero Que Vá Tudo Pro Inferno. "Foi o disco que definiu a sonoridade pop moderna brasileira dos anos 1960", sintetiza o pesquisador. "Historicamente, é o disco mais importante da carreira do Roberto. Daquele disco em diante, todo mundo passou a copiá-lo".


Roberto Carlos com Papa João Paulo 2º: além de canções românticas e ecológicas, Roberto escreveu canções religiosas, como Jesus Cristo (1970), A Montanha (1972) e Luz Divina (1991). (Crédito da foto: Divulgação)

Para o jornalista e escritor Nelson Motta, o álbum mais relevante, musicalmente falando, é o de 1969. "Com Não Vou Ficar, Sua Estupidez e As Curvas da Estrada de Santos, marcou sua passagem de ídolo juvenil para adulto", destaca o compositor que teve uma de suas canções, Como Uma Onda (1983), em parceria com Lulu Santos, cantada por Roberto no especial da TV Globo, de 2013.

Tárik de Souza pensa diferente. Na opinião do jornalista e crítico musical, o mais importante é o álbum de 1971. É o que traz a autoral Detalhes, a psicanalítica Traumas, a rebelde Todos Estão Surdos, a romântica Amada Amante... E, ainda, Como Dois e Dois, de Caetano Veloso, e Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos, que Roberto compôs para o baiano em seu exílio político, em Londres.

"Junto com o parceiro Erasmo, Roberto moldou um pop brasileiro de largo espectro, utilizando elementos da MPB, rock e balada. Tudo coroado pelo excelente desempenho como cantor, de estilo cevado na melhor escola modernista, a de João Gilberto", diz.

Amigos de fé

A parceria com Erasmo começou em 1963, com Parei na Contramão, que abre o álbum Splish Splash. Roberto escreveu um trecho da letra durante seu expediente como datilógrafo do Ministério da Fazenda. Segundo levantamento do ECAD, Roberto Carlos tem 676 músicas cadastradas - a imensa maioria em parceria com o "Tremendão".

A letra de Imoral, Ilegal ou Engorda (1976), por exemplo, foi composta ao telefone: Roberto em Los Angeles e Erasmo no Rio. Mas, alguns de seus clássicos são solos, como Namoradinha de Um Amigo Meu (1966), Como É Grande o Meu Amor Por Você (1967) - composta para a primeira mulher, Cleonice Rossi, a Nice - e Por Isso Corro Demais (1967). Suas favoritas são Detalhes (1971) e Eu Te Amo Tanto (1998) - homenagem a Maria Rita Simões, sua terceira esposa - e a mais regravada, Emoções (1981), com 92 versões. Para Erasmo, "o mais certo das horas incertas", compôs Amigo (1977).

Roberto tem 676 músicas cadastradas no ECAD - a imensa maioria em parceria com Erasmo Carlos. A mais regravada é Emoções (1981). (Crédito da foto: Acervo RC)

"Roberto Carlos foi muito sagaz ao perceber que a Jovem Guarda era um movimento passageiro. Quando sentiu que aquele modismo estava prestes a se extinguir, migrou para a fase romântica. Talvez, se tivesse insistido mais na fase rock'n'roll, não tivesse se perpetuado como cantor romântico", analisa o jornalista e historiador Ricardo Cravo Albin. Além de músicas que tocam o coração, Roberto passou a escrever também canções de apelo ecológico, como O Progresso (1976), As Baleias (1981) e Amazônia (1989), e de cunho religioso, como Jesus Cristo (1970), A Montanha (1972) e Luz Divina (1991).

Uma das amizades mais longevas da vida de Roberto é com a cantora Wanderléa, a "Ternurinha". Os dois se conheceram em 1963. Juntos, apresentaram o Programa Jovem Guarda na Record, dividiram os microfones em diversos especiais de fim de ano da Globo e chegaram a contracenar em Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa (1970), o segundo de uma trilogia iniciada com Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1968) e concluída com Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora (1971), todos de Roberto Farias (1932-2018). "Deus foi muito gentil ao colocar do meu lado um amigo tão especial. Tenho pelo Roberto um amor imenso que só faz aumentar ao longo da jornada. Parece fermento de pão", brinca a cantora.


Desde 1959, quando gravou um compacto simples de 78 rotações, Roberto já lançou mais de 62 álbuns nacionais e 40 internacionais, que venderam em torno de 120 milhões de cópias. (Crédito da foto: Alice Venturi / Divulgação).

Outro amigo de longa data é o maestro Eduardo Lages. No comecinho dos anos 1970, Roberto e Erasmo foram convidados para compor a trilha-sonora da novela O Bofe (1972), de Bráulio Pedroso. Foi na TV Globo que Roberto conheceu e fez amizade com Eduardo, que trabalhava como produtor musical dos programas Globo de Ouro e Fantástico - O Show da Vida.

A parceria teve início em 1978 e dura até hoje. Em 43 anos de estrada, Eduardo calcula já ter regido a orquestra RC em mais de três mil apresentações, no Brasil e no exterior. "Já aconteceu de tudo que você puder imaginar. Até cair do palco, no México, eu caí. Sorte que estava na hora da distribuição das rosas e caí nos braços da mulherada", diverte-se o maestro. "O clima nos bastidores é muito descontraído. Estamos sempre contando piadas e fazendo graça uns com os outros".

Os "reis" da MPB

Roberto Carlos ganhou o cetro e a coroa de "Rei" ainda na Jovem Guarda. Apesar de reconhecer seus méritos, Ricardo Cravo Albin pondera que a MPB tem apenas dois "reis": Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (1897-1973), e Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o Tom Jobim (1927-1994). A essa lista, Paulo César de Araújo acrescenta mais dois: Francisco Alves (1898-1952), o "rei" da voz, e Luiz Gonzaga (1912-1989), o "rei" do baião.


A vida de Roberto será contada no cinema. O filme terá roteiro de Patrícia Andrade, direção de Breno Silveira e supervisão artística de Nelson Motta e Glória Perez.(Crédito da foto: Divulgação).

"O Roberto conseguiu algo que nenhum outro artista conseguiu: abolir as lutas de classes. Todo mundo, do rico ao pobre, do letrado ao analfabeto, se casa ao som de suas músicas", brinca o pesquisador que se prepara para lançar seu terceiro livro dedicado ao cantor, Roberto Carlos: Outra Vez.

A obra, adianta Paulo César, será dividida em dois volumes de mais de 500 páginas cada: o primeiro traz 50 músicas comentadas, de 1941 a 1970, e o segundo, mais 50, de 1971 a 2021.

Em 2007, Roberto Carlos entrou na Justiça e, alegando invasão de privacidade, solicitou a retirada de circulação de Roberto Carlos em Detalhes (2006), do mesmo autor. O caso foi encerrado depois de um acordo judicial firmado entre o artista, o biógrafo e a Editora Planeta, responsável pela publicação.

À época, 11,7 mil exemplares foram recolhidos das livrarias. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou, por unanimidade, a publicação de biografias sem autorização prévia do biografado ou de seus herdeiros.

Estrada revisitada

Roberto Carlos: Outra Vez não será o único livro a comemorar os 80 anos de Roberto Carlos. Os outros dois são Roberto Carlos: Por Isso Essa Voz Tamanha, do jornalista Jotabê Medeiros, e Querem Acabar Comigo - Da Jovem Guarda ao Trono, a Trajetória de Roberto Carlos na Visão da Crítica Musical, do pesquisador Tito Guedes.


Entre outros compromissos, agenda de 2022 prevê show em Cachoeiro de Itapemirim, terra natal de Roberto, e três turnês internacionais: México, EUA e Europa. )Crédito da foto: Divulgação).

Autor de Belchior: Apenas Um Rapaz Latino-Americano (2017) e Raul Seixas: Não Diga Que a Canção Está Perdida (2019), Jotabê cobre a carreira de Roberto desde 1986. Foi mais ou menos nesta época que surgiu a ideia de, um dia, contar a história do cantor, desde sua infância em Cachoeiro de Itapemirim (ES), cidade a 134 quilômetros do sul de Vitória, até os dias de hoje, no Rio de Janeiro (RJ).

"Procurei fazer uma biografia que respeitasse os limites dos direitos legais de todo cidadão, sem abordagens apelativas da intimidade do artista", explica Jotabê que entrevistou 40 pessoas - muitas sob a condição de anonimato para evitar rusgas com o biografado - e levou um ano e meio para concluir o calhamaço de 512 páginas.

Já o pesquisador Tito Guedes, do Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB), procurou analisar a trajetória do cantor pelo viés da crítica musical. Para tanto, analisou uma centena de textos de críticos famosos, como Sérgio Cabral, Zuza Homem de Mello e Antônio Carlos Miguel, de março de 1965 a abril de 2017. Ao longo de 52 anos, a obra do cantor já foi rotulada de "brega", "repetitiva", "alienada", "oportunista" e "decadente".

"O discurso da crítica em torno do Roberto sempre oscilou. Ora, o tratavam como um cantor sem valor algum. Ora, como o rei da música brasileira. Nos anos 1990, os críticos reavaliaram os álbuns lançados entre 1965-1969 e trataram como 'clássicos' discos que, na época do lançamento, foram veementemente rechaçados", dá um exemplo.



Roberto e Wanderléa são amigos desde 1963. "Deus foi muito gentil ao colocar do meu lado um amigo tão especial", derrama-se a cantora. (Crédito da foto: Acervo RC)

Meu pequeno Cachoeiro

O mais esperado projeto sobre Roberto Carlos, porém, ainda não tem previsão de lançamento. "O filme só foi interrompido por causa da pandemia, mas já estamos com o roteiro pronto", avisa o empresário Dody Sirena, que trabalha com Roberto desde 1992. Tanto a direção quanto o roteiro serão da mesma dupla de 2 Filhos de Francisco (2005) e Gonzaga - De Pai Pra Filho (2012): o cineasta Breno Silveira e a roteirista Patrícia Andrade.

A supervisão artística será de Nelson Motta e Glória Perez. Quando indagado sobre o que diferencia Roberto de outros astros de sua geração, como Chico, Gil e Caetano, Nelson Motta aponta: "A popularidade e o alcance demográfico, geracional e emocional, e a excelência como cantor".

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Para escrever o roteiro do longa, Patrícia consultou revistas e jornais da época e teve algumas reuniões com Roberto, que relembrou os momentos mais marcantes de sua vida. "O mais revelador foi o período da infância até a pré-adolescência, quando ele andava com a ajuda de uma muleta, fazendo shows em caravanas e apresentando programas de rádio", adianta.

Filho da costureira Laura e do relojoeiro Robertino, devidamente homenageados em Lady Laura (1978) e Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo (1979), o caçula de quatro irmãos sofreu um acidente na linha do trem no dia 29 de junho de 1947, durante os festejos de São Pedro, o padroeiro da cidade. Aos seis anos, o pequeno Zunga, seu apelido de infância, teve parte de sua perna direita amputada.

O roteiro, que começa em 1941 e vai até os anos 1970, já está em sua quarta versão. Nada demais, tranquiliza Patrícia. O de Gonzaga - De Pai Pra Filho, a título de comparação, teve seis. "No caso do Roberto, ele não vetou nada. Apenas esclareceu fatos e sugeriu ideias".

Súditos fiéis

O filme ainda não tem título definido, elenco escalado ou previsão de estreia, mas já tem dois espectadores garantidos: Vera Marchisiello e Carlos Evanney. Vera é a coordenadora do Grupo Um Milhão de Amigos (GUMARC) e Carlos, o "cover" oficial de Roberto Carlos, desde 2000.

O grupo Um Milhão de Amigos, fundado em 1991, tem hoje 20 mil fãs cadastrados e o maior acervo do Brasil. São LPs, CDs, VHS, DVDs, revistas, fotos, pôsteres... Entre os itens mais raros, Vera cita a fotonovela Assim Quis o Destino, da revista Sétimo Céu, de 1959; o álbum Louco Por Você, fora de catálogo, de 1961; e até um álbum de figurinhas, Ídolos da TV, dos anos 1960.

"A maior extravagância que cometi foi 'capturar' um fio de cabelo do Roberto que estava solto sobre a camisa dele. Guardo até hoje em um estojo transparente lacrado", orgulha-se Vera, que já perdeu a conta de a quantos shows do Rei já assistiu - muitos deles em outros estados, como Minas, São Paulo e Paraná.

Quem também guarda uma "lembrança pessoal" do ídolo é Carlos Evanney. Todos os anos, Carlos costuma ir, sempre no dia 19 de abril, ao prédio onde o cantor mora, no bairro da Urca, Zona Sul do Rio, para lhe dar os parabéns. Em 2003, Roberto resolveu descer até a garagem para cumprimentar os fãs. Uma admiradora de São Paulo trouxe um bolo, que o aniversariante repartiu entre os "convidados". Um dos pedaços foi cuidadosamente embrulhado em um guardanapo de papel e entregue a Carlos.

"Bicho, guardei o bolo até hoje, acredita? Não tive coragem de comer! Quando começou a dar bichinho, desidratei a fatia e mandei envernizar", esclarece o cantor baiano que, antes da pandemia, fazia uma média de quatro shows por mês em bares, boates e churrascarias. "Vou aos lugares que o Roberto, hoje em dia, não pode ir mais. O público sente como se estivesse assistindo a um show dele. Na hora das rosas, então, a confusão é igual! Agradeço a Deus todos os dias por Ele ter me feito parecido com o Rei", acredita.

Pé na tábua

Para tristeza de Evanney, Roberto Carlos já avisou que, para evitar aglomeração, não pretende aparecer na janela de casa para saudar a multidão na calçada. "A Globo fez vários convites para o Roberto participar da programação. Mas, neste momento, ele não se sente seguro para sair de casa", explica Dody.

Para 2022, Roberto já tem três turnês agendadas: uma para o México, em fevereiro; outra pelos EUA, em abril; e uma terceira pela Europa, prevista para julho. Além disso, há o Projeto Emoções em Alto Mar, em março, e o Projeto Emoções na Praia do Forte, na Bahia, na semana do Dia dos Namorados, em junho. A agenda inclui, ainda, um show em sua cidade natal, Cachoeiro de Itapemirim.

"Embora não venda nem toque mais tanto quanto antes, Roberto continua a ser o cachê mais caro do mercado. Seus shows, aqui e lá fora, estão sempre lotados. Em 1965, quando lançou Quero Que Tudo Vá Para o Inferno, Roberto chegou ao topo e, desde então, não saiu mais de lá", afirma Paulo César de Araújo.

André Bernardo, do Rio de Janeiro para a BBC Brasil, em 19 abril 2021, 05:26 -03

O que é a Cúpula de Líderes, na qual Biden deve pressionar Bolsonaro contra desmatamento na Amazônia

No papel de anfitrião virtual, o presidente americano Joe Biden recepcionará 40 chefes de Estado, entre eles o mandatário brasileiro Jair Bolsonaro, na chamada Cúpula de Líderes sobre o clima, nos próximos dias 22 e 23 de abril.

Pela primeira vez na história, Biden criou o posto de Enviado Especial Climático, que conferiu a John Kerry (Crédito da foto: Reuters)

O evento é visto como uma oportunidade central para que Biden assuma o papel de protagonismo político global em questões climáticas, agenda que ele reiterou ser uma prioridade de sua gestão durante toda a campanha eleitoral de 2020, da qual saiu vitorioso.

Pela primeira vez na história, Biden criou na administração federal dos EUA o posto de Enviado Especial Climático, que conferiu a John Kerry a missão de viabilizar a pauta verde dos democratas doméstica e internacionalmente.

Os EUA estão de volta?

"Os EUA estão de volta", lema do atual governo americano, precisará ser provado nas ações do líder da Casa Branca. Nos últimos quatro anos, os americanos haviam se retirado de sucessivos espaços de debate multilaterais e mesas de negociações conjuntas entre líderes estrangeiros. Foi assim em relação ao Acordo Climático de Paris, foi assim com a Organização Mundial da Saúde (OMS), foi assim no Acordo Nuclear com o Irã.

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A guinada na política externa americana operada pelo ex-presidente Donald Trump preconizou a aproximação com expoentes da direita populista e conservadora mundial e concentrou os esforços - ou rompimentos - diplomáticos em assuntos centrais para o eleitorado republicano, como a questão das disputas comerciais com a China ou as restrições à entrada de migrantes e refugiados ao país. O mote da administração era América - e americanos - primeiro, e isso se traduziu em uma ausência dos EUA de assuntos de governança global.

Agora, a gestão democrata tenta restabelecer o papel que os EUA se atribuíram de farol dos valores econômicos, democráticos e morais do Ocidente. "Vamos reparar as nossas alianças para liderar não só pelo exemplo da força mas pela força do exemplo", anunciou Biden, em seu discurso de posse, em 20 de janeiro.

Guinada na política externa do governo Trump aproximou EUA de expoentes da direita populista e conservadora mundial. Crédito da foto: Alan Santos - Presidência da República)

Naquele mesmo dia, ele assinou a ordem executiva que recolocava os Estados Unidos no Acordo Climático de Paris, do qual o ex-presidente Trump havia retirado os americanos. E apenas sete dias mais tarde anunciou que os EUA não apenas voltavam a se sentar à mesa de negociações climáticas como seriam eles mesmos os responsáveis por colocar o assunto à mesa na Cúpula de Líderes que acontecerá dos próximos dias.

O evento servirá para que os americanos reafirmem compromissos que ignoraram nos últimos anos de tentar impedir que o planeta se aqueça acima de 1,5 grau Celsius no futuro. O governo Biden pretende anunciar, diante dos chefes de Estado de 17 economias que juntas respondem por 80% das emissões de gases do efeito estufa e por 4/5 do PIB global, metas mais ambiciosas de redução das emissões de CO2 americanas até 2030.

"Em seu convite, o presidente exorta os líderes a usarem a Cúpula como uma oportunidade para delinear como seus países também contribuirão para uma ambição climática mais forte", afirma o comunicado da Casa Branca sobre o lançamento da Cúpula.

"Depois de se ausentarem do debate, agora os EUA querem mostrar serviço e querem que haja um grande número de acordos com os países da Cúpula para mostrar que retornam à arena com peso", avalia Tasso Azevedo, Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima. A Cúpula de Líderes de agora é vista também como um passo importante para que as grandes potências mundiais se comprometam com planos mais ambiciosos na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontecerá em Novembro, em Glasgow, na Inglaterra.

O Brasil como trunfo

É nesse contexto que o Brasil surge como uma oportunidade para o governo Biden mostrar a consistência de sua agenda e a capacidade de persuasão de seus argumentos.

Bolsonaro se elegeu presidente com as propostas de reduzir multas ambientais, interromper as demarcações de terras indígenas e promover os interesses de produtores rurais. Os dois primeiros anos de seu mandato foram marcados por sucessivas altas no desmatamento. A taxa de perda florestal saltou de 7,5 mil km2, em 2018, para 10,1 mil km2 e 11,1 mil km2 em 2019 e 2020, sucessivamente. Foram os maiores valores desde 2008.

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Ainda durante a campanha presidencial de 2020, o democrata Biden afirmou que gostaria de liderar o esforço de criação de um fundo internacional de US$ 20 bilhões oferecido ao Brasil para manter a Amazônia conservada. Ao citar o Brasil, Biden mobilizava no imaginário do eleitor americano as imagens de queimadas na floresta que correram o mundo em 2019, no primeiro ano da gestão de Bolsonaro.

A taxa de perda florestal na Amazônia saltou de 7,5 mil km2 em 2018 para 11,1 mil km2 em 2020 (Crédito da foto: Reuters)

"É claro que há toda uma simbologia em negociar com o Brasil, que tem sido identificado globalmente como refratário à preservação ambiental. Seria um trunfo do governo Biden obter um compromisso com Bolsonaro, um ganho não só internacional como também com o eleitorado americano democrata, que se preocupa bastante com o assunto", afirmou à BBC News Brasil, em condição de anonimato, um diplomata brasileiro que acompanha as negociações entre Brasil e EUA no tema.

As primeiras aproximações entre a equipe de John Kerry e as autoridades brasileiras, capitaneadas pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e pelo então chanceler Ernesto Araújo, pareceram produzir impressões positivas de parte a parte. Do lado americano, os negociadores pareceram surpresos com a receptividade do Brasil em tratar do assunto do meio ambiente como uma "nova prioridade" desde que fosse incluída na negociação uma contrapartida financeira pelos serviços florestais do país.

Já entre diplomatas brasileiros, chamou a atenção o tom "humilde" e "flexível" de Kerry e de sua equipe à frente das propostas para o Brasil. Em meados de abril, à revista britânica The Economist, Kerry afirmou que não lhe cabia "ditar" o que o Brasil e que se trata de "um governo que se sentiu prejudicado pela forma como foi abordado até o momento". De acordo com fontes na diplomacia americana, a preocupação de Kerry era não irritar a gestão Bolsonaro, o que poderia levar a uma interrupção completa das negociações caras aos americanos.

Pressão na negociação

Mas, nas últimas semanas, o governo americano aumentou o grau de pressão para que o Brasil se comprometa com metas claras de combate ao desmatamento e condicionou qualquer repasse significativo de recursos ao país à apresentação de resultados. Exatamente o oposto do que o ministro Salles afirmou publicamente desejar. Em entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo, o chefe da pasta de Meio Ambiente afirmou esperar por pagamentos antecipados da ordem de US$ 1 bilhão por ano para que o Brasil pudesse se comprometer em reduzir entre 30% e 40% a devastação da Amazônia. Sem o recurso de antemão, Salles afirmou que o país não poderia oferecer qualquer meta.

Diante da barganha, o Departamento de Estado americano fez chegar ao Itamaraty que não existe a possibilidade de repasses sem resultados. E que do sucesso da negociação climática dependeria também o futuro de outras pautas caras ao Brasil, como o avanço em acordos comerciais bilaterais com os EUA e a manutenção do endosso americano à entrada do país na OCDE. Em caráter reservado, um representante de entidade comercial dos dois países, que participou de reuniões com as diplomacias de EUA e Brasil, afirmou que "os americanos deixaram muito claro que não vão comprar terreno na Lua".

Ao mesmo tempo, o governo americano passou a ser cada vez mais pressionado por grupos indígenas, integrantes da sociedade civil e até mesmo governadores e parlamentares brasileiros a ampliar o escopo das conversas. Todos eles se queixavam de que as propostas levadas por Salles e Araújo a Kerry não representavam os interesses mais amplos da sociedade brasileira, já que não houve processo de escuta pública do governo federal a esses grupos.

Há um mês, em carta revelada pela BBC News Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) pediu ao presidente americano Joe Biden e ao Enviado Climático Kerry um "canal direto" de comunicação com o governo dos EUA sobre assuntos ligados à Amazônia brasileira. Na última terça-feira (13/04), tanto o embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, quanto Jonathan Pershing, um dos assessores de Kerry, participaram de uma reunião com as lideranças indígenas.

"Eles se mostraram preocupados com o que relatamos e interessados em uma mudança da política ambiental do governo Bolsonaro. Eles sabem com quem estão negociando. E nós sabemos da capacidade deles de pressionar e estamos esperançosos porque foi uma abertura de diálogo inédita", afirmou à BBC News Brasil Dinaman Tuxá, coordenador da APIB.

A conversa dos representantes americanos com os indígenas brasileiros foi mais um sinal da gestão Biden de que o governo brasileiro precisará oferecer compromissos concretos e consistentes para que haja um anúncio bilateral de compromisso no dia 22.

Dentro do Itamaraty há um claro entendimento de que, sem isso, o país não vai abocanhar recursos americanos. A sinalização da meta possível, no entanto, é fraca. Nesta quarta (14/04), o vice-presidente da República Hamilton Mourão anunciou em Diário Oficial que o país trabalha com a expectativa de fechar a gestão Bolsonaro com um desmatamento em torno de 8,7 mil km2 por ano. É certamente uma redução em relação aos dois primeiros anos da administração, mas é também um valor mais de 15% acima do patamar obtido no ano anterior à posse de Bolsonaro. Mesmo entre negociadores brasileiros há ceticismo de que esse número anime os americanos a abrirem o bolso.

Se um acordo bilateral falhar, resta ainda a possibilidade de uma saída multilateral: a proposta da criação de um fundo em torno de US$ 10 bilhões que se destinaria aos países da América do Sul para a conservação dos biomas tropicais da área. Assim, os EUA poderiam usar o peso dos vizinhos brasileiros para aumentar a pressão sobre as ações ambientais de Bolsonaro.

Na última semana, o governo Biden enviou pela primeira vez um emissário de alto nível à região. O diretor sênior para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional, Juan Gonzalez, embarcou para uma visita a Colômbia, Argentina e Uruguai, para discutir, entre outros temas, a crise climática. O Brasil não estava no itinerário de Gonzalez.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, de Washington para a BBC News Brasil em 18 abril 2021 / Atualizado Há 46 minutos

Encontrado o Biden brasileiro: 'Começa um movimento de incentivo à candidatura de Tasso Jereissati' em 2022, diz presidente do PSDB

Ao GLOBO, Bruno Araújo afirma que senador pelo Ceará pode aglutinar nomes do centro político e atrair até mesmo o ex-ministro Ciro Gomes (PDT)


Senador Tasso Jereissati (PSDB) e Senadora Simone Tebet (MDB)

Bruno Araújo, presidente do PSDB: partido fará prévias neste ano para definir candidatura à Presidência em 2022 Foto: Jorge William / Agência O Globo

Enquanto uma eventual candidatura do governador de São Paulo, João Doria, à Presidência da República não agrada algumas alas do PSDB e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é visto como inexperiente, parlamentares do partido passaram, na última semana, a citar o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) como um nome capaz de unir as forças políticas de centro em 2022.

Em entrevista ao GLOBO, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convidou Tasso a se colocar como candidato e fez uma série de elogios ao senador, que descreveu como “um nome que transcende o PSDB”. O senador tucano, segundo aliados, poderia atrair até Ciro Gomes (PDT), que foi seu sucessor no governo do Ceará em 1990 quando ainda estava no PSDB, e com quem voltou a conversar.

O PSDB tem prévias marcadas para outubro. No domingo, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), defendeu o nome de Eduardo Leite.

Os tucanos tentam construir uma aliança de centro para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Lula. No sábado, Doria, Leite, Ciro, o apresentador Luciano Huck e Fernando Haddad (PT) se uniram em críticas a Bolsonaro no evento virtual Brazil Conference, promovido pelas universidades americanas Harvard e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

No fim do mês passado, tivemos o manifesto de seis presidenciáveis. É viável a união desse grupo?

Ela é viável, é fundamental. (O manifesto) é o primeiro gesto público de que há diálogo real entre os principais protagonistas. Não vamos reduzir para duas alternativas no campo do centro num jogo de dado. Vamos fazer com diálogo.

Quantos nomes cabem no campo do centro em meio à polarização entre Lula e Bolsonaro?

O sonho que beira a ingenuidade seria um único nome. Algo a partir de três nomes começa a atrapalhar muito essa construção.

A visão econômica do Ciro Gomes pode atrapalhar a união com os demais signatários do manifesto?

É fundamental a participação do Ciro Gomes. Aliás, (a visão econômica) não pode ser tão distinta porque a introdução de Ciro Gomes na sucessão ao governo do Ceará (em 1991), quando era tucano, se deu pela liderança do então governador Tasso Jereissati.

Como poderia ser definido um critério para a escolha do candidato a encabeçar essa união?

É justamente essa construção e os fatores que vão levar a essa definição que serão discutidos. Temos fatos novos todos os dias. Dentro do PSDB, depois da própria provocação do Eduardo Jorge, começa um movimento muito forte de incentivo ao nome do senador Tasso Jereissati (o ex-presidenciável do PV fez uma publicação sugerindo a candidatura de Tasso). Recentemente se intensificaram movimentos no sentido de convencê-lo a aceitar colocar o seu nome. Claro que é um nome que enriquece muito o processo político nacional e transcende de forma definitiva o PSDB.

O senhor já conversou com Tasso sobre isso?

Tem que ser respeitado o tempo de cada um. Fica aqui um convite público, para que ele aceite esse chamamento.

O governador João Doria não decola nas pesquisas e não consegue capitalizar o fato de ter trazido a CoronaVac ao país. A que atribui isso?

O governador Doria tem muito mais ativos do que passivos. O que ele não teve e outros pré-candidatos têm é a possibilidade de ter tido uma exposição de uma eleição nacional. A real definição do eleitor brasileiro se dá na metade do processo eleitoral. Até lá, e neste momento em especial, a população está tentando sobreviver.

Como o senhor vê a ascensão do governador Eduardo Leite no PSDB e as projeções de que ele teria hoje mais simpatia interna do que Doria?

É um dos nomes mais relevantes dessa nova geração. É a juventude e a expectativa de crescimento na sua liderança política que ele leva como um ativo às prévias do partido.

Qual vai ser o papel do PSDB na CPI da Pandemia?

Foi indicado pelo PSDB um dos homens públicos mais respeitados e mais experientes da República, o senador Tasso Jereissati. Será uma apuração com responsabilidade. Mais do que buscar culpados, precisamos apontar caminhos para essa grave crise de saúde e econômica que nós temos.

Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo, O Globo, em 19/04/2021 - 04:30 / Atualizado em 19/04/2021 - 07:44. / Nota: O título da matéria publicada originariamente pelo Globo não inclui a frase "Encontrado o Biden brasileiro", inserida pelo editor do blog.

Porandubas Políticas

 Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com este lindo poema enviado pelo amigo Antônio Imbassahy.

De acordo com a agência Lupa, o texto é de autoria do poeta cubano Alexis Valdés, publicado originalmente em 21 de março deste ano, em sua conta pessoal no Instagram, sob o título de "Esperança" e também no site Periódico Cubano, em 28 de março.

Esperança

Quando a tempestade passar,

as estradas se amansarem,

E formos sobreviventes

de um naufrágio coletivo,

Com o coração choroso

e o destino abençoado

Nós nos sentiremos bem-aventurados

Só por estarmos vivos.

E nós daremos um abraço ao primeiro desconhecido

E elogiaremos a sorte de manter um amigo.

E aí nós vamos lembrar tudo aquilo que perdemos e de uma vez aprenderemos tudo o que não aprendemos.

Não teremos mais inveja pois todos sofreram.

Não teremos mais o coração endurecido

Seremos todos mais compassivos.

Valerá mais o que é de todos do que o que eu nunca consegui.

Seremos mais generosos

E muito mais comprometidos

Nós entenderemos o quão frágeis somos, e o que

significa estarmos vivos!

Vamos sentir empatia por quem está e por quem se foi.

Sentiremos falta do velho que pedia esmola no mercado, que nós nunca soubemos o nome e sempre esteve ao nosso lado.

E talvez o velho pobre fosse Deus disfarçado...

Mas você nunca perguntou o nome dele

Porque estava com pressa...

E tudo será milagre!

E tudo será um legado

E a vida que ganhamos será respeitada!

Quando a tempestade passar

Eu te peço Deus, com tristeza.

Que você nos torne melhores.

como você "nos" sonhou.

Cenário brasileiro

A banalidade do mal I

O conceito de banalidade do mal foi analisado e aprofundado por Hannah Arendt no livro "Eichmann em Jerusalém", cujo julgamento histórico foi acompanhado pela filósofa por meio de artigos na revista The New Yorker. Ela defende a ideia de que, em virtude da massificação social, as massas são incapazes de fazer julgamentos morais, razão porque aceitam e cumprem ordens sem questionar. E assim, Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela solução final, não é avaliado como monstro, mas como um funcionário zeloso que foi incapaz de resistir às ordens que recebeu.                         

A banalidade do mal II

Tomo emprestado de Arendt o clássico conceito que a tornou famosa. Por nossas plagas, o mal está tão banalizado que perdeu peso na balança da gravidade. Veja-se esse surrealista diálogo, gravado, entre um senador e o presidente da República. Bolsonaro é contundente: que se paute no Senado o impeachment de ministros do STF. E que acabará na "porrada" com um senador "bosta", o parlamentar que pediu a CPI da Covid-19, Randolfe Rodrigues, do Amapá. E por aí vai. Os Poderes vivem alto grau de tensão. Será difícil realizar uma CPI presencial no cume da pandemia. O mal: interferência do Executivo no Legislativo; interferência no Judiciário; falta de decoro; gravação (combinada ou não) de uma conversa com o presidente da República; linguagem desaforada. Dias sombrios.

Pátria, ih, o que é isso?

Os países são expressões geográficas e os Estados formas de equilíbrio político. A Pátria, porém, transcende esse conceito: é sincronismo de espíritos e corações, aspiração à grandeza, comunhão de esperanças, solidariedade sentimental de uma raça. Enquanto um país não é Pátria, seus habitantes não formam uma Nação. Este breve resumo, pinçado de um dos mais belos ensaios sobre a mediocridade, de autoria do escritor argentino José Ingenieros, serve como lição aos nossos governantes. Construir a Pátria para se alcançar o nível de grandeza no concerto das Nações deveria ser o farol a iluminar os nossos representantes e governantes. Para eles, Pátria é um naco patrimonialista que lhes pertence.

Que partido?

O presidente Jair Bolsonaro continua sem partido. O Aliança pelo Brasil, que estava sendo criado, morre no nascedouro. O capitão está de olho em uns e outros. A propósito, lembro uma historinha com o ex-vice-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, que foi uma das alavancas do antigo PP. Em tempos idos, trabalhou para engordar o partido. Ligava para os prefeitos. "Fulano, já se inscreveu em algum partido?". "Não. Esperava as suas ordens". Lembo pede para ele entrar no PP. E lá vem a pergunta: "No PT do Lula?". Não estou ouvindo bem. O ex-vice-governador de São Paulo replica: "No PP". Matreiro, o amigo diz: "continuo a ouvir mal". O arremate é hilariante, segundo conta Sebastião Nery. "Vou soletrar alto e devagar: PP. P de partido e P de banco". O amigo prefeito entendeu ligeirinho a mensagem.

Hora da virada?

Impressão de que a virada nos rumos da política, tão esperada pela comunidade nacional após a eleição de Bolsonaro, não se deu. A cada dia, cresce o cordão dos desvalidos e zonzos com o estado da Nação. Muitos desistiram do sonho. Uma leva esperará por 2022. Os bolsonaristas acreditam que as coisas boas começaram a acontecer. Não é piada. É o que se ouve da boca dos radicais. Este analista de política prefere sentir o espírito aguerrido de Zaratustra, o profeta de Nietzsche, gritando no cume da montanha para fazer descer sua voz sobre a placidez dos vales: "Novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga; cansei-me das velhas línguas. Não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas".

Vida pregressa         

O mais do mesmo. Essa é a impressão que se tem quando se tenta distinguir os avanços e inovações no cenário institucional. A crise da pandemia ocorre no pico de outra crise que se arrasta há décadas: a crise política. O que haverá de novidade pelas bordas de 2022, por exemplo? E a corrupção implicará novos perfis, mais assépticos e menos oportunistas? Ouvi um alto tribuno, que me passou essas ideias. Um candidato de vida pregressa, plena de desvios, deve ser inelegível. E exibe a força do argumento: os princípios constitucionais do direito coletivo, entre os quais o da soberania popular e a delegação para ser representado, devem sobrepor-se aos direitos individuais, como o princípio da não-culpabilidade. Não por acaso se inseriu na Carta de 88 (artigo 14, § 9º) uma cláusula com a finalidade de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. Além disso, há referência explícita à vida pregressa do candidato. Aqui pra nós, tenho as minhas dúvidas.

Credenda e miranda

Para fechar a nota acima, uma lembrança. Há duas referências que ilustram o cenário da política: os "credenda", coisas a serem acreditadas, a partir do sistema legal; e os "miranda", coisas a serem admiradas, a partir dos símbolos. Daí a inescapável pergunta: o que há para crer na política brasileira e o que há para admirar? Abra os ouvidos: nada. As razões para tanto se abrigam em campos múltiplos, mas a origem dos males recentes é a continuidade de um alto PNBC - Produto Nacional Bruto da Corrupção.

Recorde de mortos

A cada dia, entre 20h30 e 21h40, aparece o refrão: Brasil atinge o recorde na média de mortos e na mortalidade em 24 horas de vítimas da Covid-19. E entre as cenas, algumas sobre aglomerações, desleixos, desvios na vacinação, malandragem na aplicação. A índole brasileira? Com a palavra, Roberto DaMatta.

Crueldade

Sobre essa índole, costumo pinçar velha historinha. Um dia um maometano se encontra com um canibal. "Sois muito cruéis, pois comeis os cativos que fazeis na guerra", disse o maometano. "E o que fazeis com os de vocês?", indagou o canibal. "Ah, nós os matamos, mas depois que estão mortos não os comemos". Montesquieu arremata a passagem contada no livro Meus Pensamentos: "Parece-me que não há povo que não tenha sua crueldade particular". Tomemos emprestada a observação do pensador que inspirou os principais fatos políticos do século 18 para dizer que os governos podem se assemelhar a um dos interlocutores. Execram heranças malditas e acabam fazendo as suas.

Escapismo

Quem gostava de explicar a psique de países em desenvolvimento era Roberto Campos. Esses países, segundo ele, apresentam dois traços característicos: a ambivalência e o escapismo. Ambivalência é querer equacionar o descontrole aéreo, por exemplo, sem controlar os controladores. E escapismo é argumentar que os confrontos frequentes nas metrópoles ocorrem porque o poder do crime é maior que o poder de um Estado, cuja leniência torna-se cada vez mais patente ante a escalada de violência que se abate sobre a sociedade. O espaçoso terreno público se apresenta todo esburacado.

Fecho a coluna com uma pitada de humor.

Adiantando os resultados

Há historinhas que merecem um repeteco.

O coronel Lucas Pinto, que comandava a UDN no Vale do Apodi/RN, não dormia em serviço. Quando o Tribunal Eleitoral exigiu que os títulos eleitorais fossem documentados com a foto do eleitor, mandou um fotógrafo "tirar a chapa" do seu rebanho, aliás, do seu eleitorado. Numa fazenda, um eleitor tirava o leite da vaca quando foi orientado a posar para a foto. Não teve dúvida: escolheu a vaca como companheira do flagrante. Mas o fotógrafo, por descuido, deixou-o fora. O coronel Lucas Pinto não teve dúvida. Ao entregar as fotos aos eleitores, deparando-se com a vaca, não perdeu tempo e ordenou ao eleitor: "prega a foto aí, vote assim mesmo, na próxima eleição nós arrumamos a situação". Noutra feita, o coronel levou as urnas de Apodi para o juiz, em Mossoró, quase 15 dias após as eleições. Tomou uma bronca.

- Coronel, isso não se faz. As eleições ocorreram há 15 dias.

- Pode deixar, seu juiz. Na próxima, vou trazer bem cedo.

Não deu outra. Na eleição seguinte, três dias antes do pleito, o velho Lucas Pinto chegava com um comboio de burros carregando as urnas. Chegando ao cartório, surpreendeu o juiz:

- Taqui, seu juiz, as urnas de Apodi.

- Mas coronel, as eleições serão daqui a três dias.

- Ah, seu juiz, não quero levar mais bronca. Tá tudo direitinho. Todos os eleitores votaram. Trouxe antes para não ter problema.

Idos das décadas de 50/60. Não havia grandes empreiteiras financiando campanhas. A empreitada ficava mesmo a cargo dos coronéis.

Torquato Gaudêncio, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo e consultor de Marketing Político.
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