quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Câmara inclui na pauta desta quarta PEC que dificulta prisão de deputados e senadores

Texto foi apresentado na terça (23), protocolado nesta quarta (24) e incluído na pauta do plenário, mesmo sem ter passado por comissões. Críticos dizem que Congresso busca se proteger.

PEC imunidade parlamentar: texto restringe eventuais prisões de deputados e senadores

A Câmara dos Deputados incluiu na pauta de votações da tarde desta quarta-feira (24) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria novas regras para a imunidade parlamentar e a prisão de deputados e senadores. A proposta entrou na pauta do plenário mesmo sem ter passado por nenhuma comissão, o que não é comum.

O texto da PEC foi divulgado nesta terça-feira (23). Nesta quarta (24), alcançou 186 assinaturas de deputados e foi protocolado. O mínimo necessário eram 171 assinaturas.

Foi o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que anunciou que os deputados iriam mudar a Constituição para regulamentar o artigo 53, que trata da imunidade parlamentar e da prisão de deputados e senadores.

O anúncio foi feito na sexta-feira (19), na sessão em que a Câmara decidiu manter a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ). O deputado foi preso em flagrante depois de divulgar um vídeo com ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Quatro dias depois, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) já estava com o texto pronto.

O que muda se a PEC for aprovada

As mudanças propostas impedem, na prática, que um parlamentar seja afastado do mandato, ou preso por ordem de um único ministro do STF. Silveira foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes e depois o plenário do tribunal, por unanimidade, confirmou a prisão.

Pela proposta, um membro do Congresso Nacional não poderá ser preso, a não ser em flagrante por crime inafiançável que esteja previsto na Constituição. De acordo com a justificativa do projeto, o "intuito é deixar claro que a prisão em flagrante de parlamentar pode se dar em somente uma hipótese: quando se tratar de crime que a própria Constituição defina como inafiançável".

De acordo com a PEC, se um parlamentar for preso, fica sob os cuidados da Câmara ou do Senado.

No caso da prisão em flagrante, o deputado ou senador deverá ser encaminhado à respectiva casa legislativa logo após a lavratura do auto, permanecendo sob a custódia (da Câmara ou do Senado) até o pronunciamento definitivo do plenário.

Mantida a prisão, o juízo competente deverá promover, em até 24 horas, a audiência de custódia, oportunidade em que poderá relaxar a prisão, conceder a liberdade provisória ou, havendo requerimento do Ministério Público, converter a prisão em flagrante em preventiva ou aplicar medida cautelar diversa do afastamento da função pública.

De acordo com o texto da PEC, medida cautelar que afete o exercício do mandato e a função parlamentar somente terá efeito se confirmada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, pela proposta, não basta a decisão de um único ministro, como no caso do deputado Daniel Silveira, cuja prisão foi executada logo após decisão do ministro Alexandre de Moraes. Isso, em tese, pode dificultar a prisão.

Ao G1, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), autor da PEC, explicou que o texto da proposta prevê que o afastamento ou perda de mandato de um parlamentar só pode ser decidido em um processo disciplinar da Câmara.

"É vedado o afastamento judicial cautelar. Então, nem um juiz nem o Supremo Tribunal Federal nem ninguém do Poder Judiciário pode afastar um representante legítimo do povo das suas funções. Representante que foi escolhido pelo poder maior da nação, que é o povo, não pode ter o seu mandato afastado por uma decisão judicial", disse.

Segundo ele, o Judiciário só pode aplicar outros tipos de medida cautelar. "O Poder Judiciário pode implementar ações cautelares alternativas à perda do mandato, à suspensão do mandato ou à prisão, como, por exemplo, proibir de contatar testemunha, proibir de usar rede social, proibir de frequentar de determinados ambientes, mas jamais afastar do mandato", afirmou.

Sabino ressaltou que eventual medida que afete o mandato parlamentar só terá efeito se for confirmada pelo plenário do STF. "Toda e qualquer medida que afete o mandato parlamentar deve ser referendada pelo plenário do Supremo", explicou.

Buscas e apreensões

O texto também trata de buscas e apreensões dentro do Congresso e nas casas dos parlamentares. Pela proposta:

+ é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal a busca e apreensão deferida em desfavor de membro do Congresso Nacional, quando cumprida nas dependências das respectivas casas ou residências de parlamentares.

O texto também diz que a medida cautelar deferida em desfavor de membro do Congresso Nacional que afete, direta ou indiretamente, o exercício do mandato e as funções parlamentares:

+ somente produzirá eficácia após a confirmação da medida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal

+ não poderá ser deferida em regime de plantão forense.

Os elementos recolhidos, no caso de busca e apreensão, ficarão acautelados e não poderão ser analisados até a confirmação do plenário do STF, sob pena de crime de abuso de autoridade

Reservadamente, alguns líderes comentaram que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nesta terça-feira (23), que afastou a deputada Flordelis (PSD-RJ) do mandato acelerou o andamento da proposta. A deputada é acusada de ser a mandante do assassinato do marido.

Já está na Constituição que deputados e senadores só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.

A PEC propõe uma alteração: os crimes inafiançáveis que podem levar à prisão de parlamentares são apenas os que estão previstos na Constituição, entre os quais racismo, tráfico, formação de grupos armados e crimes hediondos, por exemplo.

No caso do deputado Daniel Silveira, a ordem de prisão teve como base a Lei de Segurança Nacional e o Código de Processo Penal. Não se tratou de crime inafiançável previsto na Constituição.

Repercussão

Alguns líderes criticam a pressa no andamento e no conteúdo da PEC. Avaliam que as mudanças protegem demais os parlamentares.

"A PEC que está em discussão hoje aqui na Câmara dos Deputados, a PEC para alterar o artigo 53 da Constituição, é corporativista. Ela dificulta a aplicação da lei da ficha limpa. Ela não permite que o deputado seja afastado em alguns casos sérios, como o caso da deputada Flordelis, que não seria afastada se o texto dessa PEC estivesse válido", afirmou o deputado Vinícius Poit (Novo-SP), líder de seu partido na Câmara.

Em entrevista à jornalista Andreia Sadi, no programa Em Foco, da GloboNews, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) defendeu a PEC e disse claramente que é uma reação à decisão do Supremo de prender o deputado Daniel Silveira.

"Ela [a PEC] é uma reação à forma como o Supremo atuou na prisão do deputado Daniel Silveira. Nós não podemos ter presos no Brasil por crime de opinião. Não existe isso, nós não podemos ter. Quem é ofendido vai à Justiça e faz um processo de injúria, calúnia e difamação, danos morais, como todo cidadão brasileiro, quando ofendido, busca a sua, vamos dizer, o seu recurso, mas não da forma como aconteceu", disse Barros.

"Eu respeito o Supremo Tribunal Federal, acho que eles agiram ali, num momento ali, numa forma ordenada, corporativa, mas, friamente falando, não tem fundamento para a prisão, como ela foi feita. Então, agora, nós, no parlamento, regulamentaremos de forma mais clara como isso deve acontecer, se houver a necessidade", completou o líder do governo.

O professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense, Gustavo Sampaio, lembrou que, além da PEC, os deputados já têm prontos um projeto de lei e mudanças no regimento interno da Câmara, medidas voltadas para imunidade e prisão dos parlamentares. Ele entende que o Congresso está agindo para se proteger.

"Nós estamos num momento de tensão institucional, de um certo tensionamento da corda que une os três poderes. E, nessa relação de freios e contrapesos, nós estamos assistindo nitidamente a uma reação legislativa. O poder Legislativo agora está querendo proteger-se, estabelecendo medidas que impeçam que um parlamentar esteja ao sabor do que a decisão judicial determinar", disse Sampaio.

Por Jornal Hoje e G1 — Brasília, em 24/02/2021 

Um mês após início, vacinação trava e incerteza persiste

Capitais começam a suspender campanhas por falta de imunizantes. Brasil aplicou 2,6 doses por 100 habitantes, acima da média da América do Sul, mas bem abaixo dos líderes Israel, Reino Unido e EUA.

    

Idosa é vacinada no estado do Amazonas

Em 17 de janeiro, a imagem da enfermeira Mônica Calazans percorria o país como a primeira pessoa no Brasil a receber a vacina contra a covid-19, minutos após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar o uso da Coronavac.

Um mês depois, 5,5 milhões de doses foram aplicadas no Brasil, apenas 2,6 por 100 pessoas, e diversas cidades, como Rio de Janeiro, Cuiabá e Salvador, anunciam a suspensão da vacinação por falta de imunizantes. Enquanto isso, a pandemia atinge seu pior momento, com média móvel de mortes diárias acima de mil há 28 dias, e a variante do Amazonas, mais transmissível, chega a outros estados.

"Não tenham medo", diz primeira vacinada contra covid-19 no Brasil

O início da vacinação contra a covid-19 foi aguardado com expectativa e conflitos em todo o mundo, devido ao risco à saúde trazido pelo coronavírus e o impacto das medidas de distanciamento social na economia. No Brasil, a tensão foi agravada pela condução política da pandemia, com o presidente Jair Bolsonaro minimizando a gravidade da doença, o Ministério da Saúde distribuindo medicamentos sem efeito contra a covid-19 e a coordenação entre governo federal, estados e municípios na área de saúde se enfraquecendo.

Em 16 de dezembro, quando o país contava mais de 180 mil mortes pela doença e a pressão aumentava, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, perguntou: "Para que essa ansiedade, angústia?". O início da imunização em nível federal acabou sendo acelerado pelo governador de São Paulo, João Doria, com a parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac para trazer as doses da Coronavac ao Brasil.

Temendo ficar para trás de seu possível adversário nas eleições de 2022, Bolsonaro orientou o Ministério da Saúde a comprar as doses da Coronavac, contrariando sua promessa anterior, e mobilizou o Itamaraty para adquirir emergencialmente 2 milhões de doses prontas da vacina de Oxford-

AstraZeneca produzidas na Índia, enquanto a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aposta do governo federal para trazer esse imunizante ao Brasil, não iniciava as suas entregas.

O alívio do início da vacinação, com os braços erguidos e o discurso de esperança feito pela enfermeira Calazans, durou pouco. Logo surgiram novas tensões sobre a importação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA)para preparar as vacinas, hoje um insumo escasso e disputado por diversas nações. Tanto no caso da Coronavac como na de Oxford-AstraZeneca, o IFA é produzido na China, país com a qual Bolsonaro mantém uma relação ríspida. Aos poucos, o insumo começou a chegar ao Brasil, ainda em quantidade insuficiente para manter o cronograma de vacinação em todo o país.

A falta de doses provocou uma reação dura dos prefeitos nesta terça-feira (16/02). Em nota, a Confederação Nacional dos Municípios disse ser "necessária, urgente e inevitável" a troca de Pazuello, e a Frente Nacional dos Prefeitos atribuiu a escassez de vacinas a "sucessivos equívocos do governo federal na coordenação do enfrentamento à covid-19".

Performance comparada

O ritmo lento de vacinação contra a covid-19 não é um problema exclusivo do Brasil, pois os produtores não conseguem atender à demanda mundial. São poucos os casos de sucesso, como Israel, que já administrou 76 doses por 100 habitantes, Reino Unido, com 23 doses, e mesmo os Estados Unidos, com 16 doses pelo mesmo critério. Na União Europeia, que ministrou até o momento 5 doses por 100 habitantes, a Comissão Europeia tem sofrido críticas contundentes pela velocidade da imunização e, por sua vez, passou a responsabilizar as fabricantes por atrasos.


O desempenho do Brasil, de 2,5 doses por 100 habitantes, é superior à média dos países da América do Sul, onde foram aplicadas até o momento 1,8 doses por 100 habitantes. A Argentina, que começou a imunização antes, em 29 de dezembro, com a russa Sputnik V, aplicou 1,35 dose por 100 habitantes. E o México, na América Central, aplicou 0,6 dose por 100 habitantes, uma das piores marcas da região. Os dados são compilados pela plataforma Our World in Data, organizada por pesquisadores da Universidade de Oxford, e vão até o dia 15 de fevereiro.

A exceção entre os países da América Latina é o Chile, que aplicou 11,2 doses por 100 habitantes, graças à chegada de um lote da Coronavac em fevereiro. Tanto a Argentina como o México e o Chile enfrentaram atrasos nas entregas de vacinas contratadas de fornecedores variados, incluindo Pfizer-Biontech, Oxford-AstraZeneca e Sputnik V.

Mesmo assim, o Brasil poderia estar hoje "muito mais à frente" no ritmo de vacinação, não fossem alguns obstáculos nesse processo, segundo a especialista em saúde pública Elize Massard da Fonseca, professora da FGV. Ela diz que o país é reconhecido por sua capacidade de executar grandes campanhas de imunização e era "esperado" que tivesse um desempenho melhor que Argentina e México.

Entre os problemas que atrasaram a vacinação no país, ela menciona a descoordenação entre governo federal, estados e municípios, que atrasaram a compra da Coronavac e atrapalham a distribuição das doses, embates diplomáticos entre o governo Bolsonaro e a China, que teriam prejudicado o acesso ao IFA com mais rapidez, e a falta de um acordo em nível federal que incluísse a transferência de tecnologia para produção local da vacina de Oxford-AstraZeneca já em dezembro, mesmo que para uma empresa privada. O acordo em vigor prevê a transferência da tecnologia para a Fiocruz, mas somente no segundo semestre do ano.

Apesar de reconhecer que o Brasil poderia estar melhor no ritmo de vacinação, Fonseca afirma ser inadequado comparar a performance do país com os Estados Unidos ou com a União Europeia, que tinham muitos mais recursos e instrumentos para investir, com antecedência, em diversas vacinas quando ainda não se sabia se elas seriam eficazes ou não. Da mesma forma, ela diz ser problemático usar o Chile como base de comparação, que tem uma população onze vezes menor que a do Brasil.

Mais vacinas, outra estratégia

O Brasil não tem tantos recursos como os países ricos, mas deveria ter insistindo no ano passado em negociações com mais produtores e precisa acelerar essa diversificação de fornecedores para evitar mais mortes, diz a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai.

Ela afirma que as parcerias realizadas pela Fiocruz e pelo Butantan foram acertadas, porém o país "falhou" ao não ter imaginado que a chegada das doses iria demorar. Em agosto, a Pfizer ofereceu ao governo brasileiro 70 milhões de doses, com entrega a partir de dezembro, mas não houve interesse para a compra, entre outros motivos porque o laboratório exigia ser isento de responsabilidade por eventos adversos.

"O Brasil desconsiderou muitas possibilidades de negociações porque entendeu que estava bem posicionado. Mas ainda precisamos dessas vacinas, e estamos demorando muito. Estamos em negociação para comprar a Sputnik, a vacina da [indiana] Bharat, com a Pfizer, com a Jansen, mas ainda não tem nada de concreto", diz. Para Ballalai, o país deveria fechar novos acordos para acelerar a vacinação e reduzir também o risco de circulação de novas variantes do vírus.

O virologista Fernando Spilki, professor da Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica, que faz o sequenciamento genético das variantes do coronavírus, também salienta que o atual ritmo de vacinação é muito lento em relação aos desafios do país para enfrentar a pandemia.

"Não estamos numa velocidade de vacinação que seria ideal para o bloqueio de variantes. A isso se soma o Carnaval, quando, por mais que tenha sido proibido, houve aglomerações, a volta às aulas e a nova variante de Manaus", diz. Para ele, o Brasil deveria ter adotado negociações mais agressivas com os produtores de vacina com antecedência, e tentado transferir a tecnologia para produção local com mais rapidez.

Spilki defende uma alteração na estratégia de vacinação no país, que teria dificuldades políticas de implementação. Em vez de distribuir as doses de forma proporcional à população, ele sugere priorizar áreas onde o descontrole da pandemia é maior, inclusive por causa das variantes, para fazer "cordões de vacinação".

Regras variadas entre municípios

Outro problema da fase inicial de vacinação no Brasil foi a adoção de regras diferentes entre os municípios para determinar quais trabalhadores do setor de saúde seriam considerados no grupo prioritário para receber a vacina, diz Fonseca, da FGV.

O primeiro planejamento do Ministério da Saúde, apesar de recomendar que o imunizante fosse aplicado prioritariamente aos trabalhadores da saúde que estivessem na linha de frente contra a covid-19, colocava todos esse profissionais no grupo prioritário, deixando brechas para que cada município escolhesse outros critérios, incluindo, por exemplo, pessoas que não trabalham com doentes ou aposentados.

Um dos municípios que adotou critérios mais amplos para a vacinação dos trabalhadores da saúde foi o Rio de Janeiro, que ofereceu as doses a profissionais com pelo menos 60 anos, incluindo psicólogos, professores de educação física e veterinários. Na segunda-feira, o Rio anunciou que terá de interromper sua vacinaçãopor falta de doses, quando ainda estava imunizando seus moradores com 83 anos ou mais.

"Temos profissionais que não estão na linha de frente já vacinados, enquanto falta para a população com maior risco de morrer, os mais idosos", diz Fonseca. Um novo lote de vacinas Coronavac deve chegar ao Rio na próxima semana.

Ballalai, da SBIm, também diz que a variação das prioridades entre os municípios provocou confusão e dúvida na população. Na semana passada, o Ministério da Saúde determinou que os profissionais da saúde vacinados nesta primeira fase fossem os da linha de frente de atendimento à covid-19, mas já era tarde, segundo ela. "Já tinham aberto o leque", diz.

Deutsche Welle Brasil, em 24.02.2021

Brasil chega a 250 mil mortos por covid-19

Marca é alcançada enquanto país atravessa seu pior momento da pandemia, com alto número diário de casos e mortes. Total de infectados vai a 10,3 milhões.


Mulher indígena chora a morte de seu marido para a covid-19, em janeiro, em Manaus

O Brasil superou nesta quarta-feira (24/02) os 250 mil mortos pela covid-19, marca alcançada dois dias antes de o país completar um ano da identificação do primeiro caso da doença em território nacional. O número de casos confirmados da doença no país está em 10,3 milhões.

Segundo levantamento de um consórcio da imprensa brasileira, formado por O Globo, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, foram registradas 1.390 mortes até as 18h18 desta quarta, totalizando 250.036 mortes. Os dados são compilados a partir de informações prestadas pelas secretarias estaduais de Saúde.

A quantidade é ligeiramente diferente da informada pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), que contabilizou 1.428 mil novas mortes nesta quarta e 249.957 óbitos acumulados. Os números variam por conta do horário de coleta de dados e de problemas na divulgação dos dados de alguns estados.

Segundo o Ministério da Saúde e o Conass, foram registrados nesta quarta 66.588 casos novos, totalizando 10.324.463 pessoas infectadas desde o início da pandemia. Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Alto patamar de mortes

A barreira dos 250 mil mortos foi rompida no pior momento da pandemia no Brasil, que vê o número diário de vítimas pela doença em alta enquanto outros países, como os Estados Unidos, Reino Unido e México, registram tendência de queda.

Esta deverá ser a sexta semana seguida com mais de 7 mil mortes semanais no país, superando o primeiro pico da doença, ocorrido em julho do ano passado. Pelo critério da média móvel de sete dias, são 34 dias seguidos com mais de mil mortes diárias, também superior ao pico da doença em 2020. Mantido o ritmo atual, o Brasil pode superar as 300 mil mortes ainda em março.

O momento dramático é atribuído por especialistas à circulação de variantes mais contagiosas do vírus, ao relaxamento das medidas de distanciamento social e à baixa velocidade da campanha de vacinação contra a covid-19, que alcançou menos 3% da população. Segundo o consórcio da imprensa brasileira, até esta quarta 6.134.907 pessoas haviam recebido ao menos a primeira dose da vacina.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 118,6 no Brasil, a 22ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 28,2 milhões de casos, e da Índia, com 11 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 502 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 112 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,49 milhões morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 24.02.2021

Elio Gaspari: A radioatividade do capitão

Bolsonaro e Hugo Chávez assemelharam-se na largada

Quando o senador Tasso Jereissati disse que até a eleição do ano que vem “as instituições precisam ser fortes, trincar os dentes”, ele sabia do que estava falando. Semanas depois dessa advertência, o capitão fritou de forma espalhafatosa o presidente da Petrobras, com as consequências que são conhecidas.

Como escreveu o economista Gustavo Franco: “Boa tarde, Venezuela”. Bolsonaro e Hugo Chávez assemelharam-se na largada. Ambos foram militares indisciplinados, ambos mantiveram relações agrestes com as instituições e ambos encantaram-se com o apoio de modalidades milicianas. Se Chávez foi para a esquerda, esse oportunismo vem a ser irrelevante. Nos dois casos, a mola propulsora era a busca e a manutenção do poder.

Com a fritura de Roberto Castello Branco, o capitão mostrou sua forma rombuda de governar. Na sua sala de troféus estão as cabeças de Gustavo Bebianno, o advogado que se juntou a ele quando os bolsonaristas cabiam numa Kombi. (Foi Bebianno quem levou Paulo Guedes ao deputado.) Ao lado dessa cabeça estão as de Sergio Moro, Luiz Henrique Mandetta e a do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Dispensar colaboradores faz parte do jogo, e o general francês Charles De Gaulle ensinou que a ingratidão é um dever do governante. Espalhafato e falta de argumentos racionais nada têm a ver com isso, sobretudo quando se vê o equilíbrio com que Bolsonaro e seus filhos tratam o miliciano Fabrício Queiroz.

Seria injusto, contudo, atribuir apenas à radioatividade de Bolsonaro o desfecho das crises que alimenta. Todos os colaboradores que dispensou eram maiores de idade quando foram para o aglomerado contagiante de seu governo, inclusive o superministro Paulo Guedes, que lá continua, de máscara.

O ectoplasma que se denomina “mercado” mostra-se perplexo com a conduta de seu capitão. Há hipocrisia nisso. Enquanto fritava Castello Branco, Bolsonaro nomeava Paulo Skaf, presidente da Fiesp, para o Conselho da República. O andar de cima acreditou na própria esperteza e deu-se mal. Esqueceram que, em 1999, o deputado Jair Bolsonaro defendeu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e o fechamento do Congresso.

Frias, a alma da ‘Folha’

Boa parte da alma dos jornais vem da alma de seus donos. A “Folha de S.Paulo” comemorou seu primeiro centenário e, num pequeno e delicado artigo, a jornalista Ana Cristina Rosa retratou a alma de Octávio Frias de Oliveira, seu dono de 1962 a 2007. Quando Frias morreu, a empreitada ficou com seus filhos.

A história contada por Ana Cristina Rosa diz tudo. Há 20 anos, ela era uma jovem jornalista e, ansiosa e insegura, foi entrevistar o Frias (ele tinha horror a que o chamassem de “senhor”). Na saída, presenteou a moça com um livro e, na dedicatória, chamou-a de “terrível inquisidora”.

Ela agradeceu:

— Esse seu ‘terrível’ tem duplo sentido, mas vou tomar como elogio. Obrigada. Ah, e vou guardar bem este livro para apresentar aqui na ‘Folha’ quando eu precisar de emprego.

Frias respondeu:

— O sentido é único e está bem claro. Quanto ao emprego, é seu quando quiser. E não precisa trazer o livro.

Esse era Frias. Gentil, abertamente afetuoso e, acima de tudo, atento. Sua alma ficou no jornal.

Elio Gaspari é Jornalista e Escritor. Autor de 5 (cinco) livros sobre a última ditadura militar no Brasil. (Editora Intrínseca). Este artigo foi publicado originalmente n'O Globo, edição de 24.02.2021

‘Armar população fere papel constitucional das Forças Armadas’, diz ex-ministro

Em carta, Raul Jungmann pede que Supremo barre iniciativas do presidente que flexibilizam acesso de cidadãos a armamento

Entrevista com

Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública (Foto: JD Diorio / Estadão)

Após pedir, em carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), uma reação da Corte à flexibilização da política de armas no Brasil, o ex-ministro da Defesa e Segurança do governo Michel Temer, Raul Jungmann, disse ao Estadão que há preocupação nas Forças Armadas em relação à ofensiva do Palácio do Planalto. “O armamento da população significa também ferir o papel constitucional das Forças Armadas, o que é da maior gravidade. Cria-se outro polo de violência”, afirmou. Afastado da política, o ex-ministro atua no setor privado na área de tecnologia da informação. 

Por que a flexibilização do porte de armas pode significar uma lesão ao sistema democrático?

Até aqui o debate sobre armamento, desarmamento e controles se dava no âmbito da segurança pública. O presidente transpôs esse campo e levou para a política no momento em que defende o armamento dos brasileiros para defesa da liberdade. Não vejo ameaça real ou imaginária. Ao mesmo tempo, ele consubstancia esse seu desejo com mais de 30 regulamentações, seja através de lei, decreto ou portaria. Estamos diante de um fato muito preocupante para todos nós. 

Por quê? 

A certidão de nascimento do Estado nacional é exatamente o monopólio da violência legal. A primeira que preocupa muito é a quebra desse monopólio. Quem dá suporte a esse monopólio, que é fundamental para a sobrevivência do estado democrático, são as Forças Armadas. O armamento da população significa também ferir o papel constitucional das Forças Armadas, o que é da maior gravidade. Cria-se outro polo de violência. Por último, na medida em que não se vê ameaça externa sobre a Nação, isso só pode apontar para um conflito de brasileiros contra brasileiros. Um cenário horripilante de um flagelo maior, até uma guerra civil. Essa é uma preocupação que precisa de uma resposta da parte dos demais poderes, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Caso contrário, pode se repetir aqui o que aconteceu nos Estados Unidos, no Capitólio, lembrando que temos eleições em 2022. Se cada brasileiro é responsável pela própria segurança, então não precisamos de segurança pública e força policial. 

Como o sr. avalia a proposta do excludente de ilicitude? 

Só agrava o que está ocorrendo. Reduz os controles sobre a força policial, lembrando que o Código Penal já tem os instrumentos necessários para lidar com essa questão. Toda nação democrática tem regulamentos rígidos para a concessão do direito à posse e ao porte de arma. Não estou me posicionando contrário ao cidadão que cumpriu as regras e, de acordo com a lei, tem a posse ou porte de armas. Não se trata de negar o direito a esse cidadão, mas, quando se fala em armar a população, estão dizendo outra coisa. Estão falando em uma situação que pode descambar para um clima de violência generalizada. É isso que temos que exorcizar. 

Não é contraditório que um presidente tão ligado às Forças Armadas e com tantos militares no governo tenha adotado uma bandeira que ameaça a instituição?

Não represento as Forças Armadas, mas sei que existe uma preocupação com isso. Recentemente, o Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército baixou duas normas que visavam ao rastreamento de armas e munições. Isso é fundamental para o esclarecimento e redução da violência. Por determinação do Executivo, essas duas normas foram revogadas. O general que cuidava desse departamento pediu exoneração. Fica claro que a disposição das Forças Armadas é pela rigidez no controle. O Executivo está jogando no sentido contrário. Mas, de fato, há apreensão. 

Como foi a repercussão da carta do sr. ao Supremo? 

A resposta de todos os ministros do Supremo com os quais eu tenho acesso e me comunico foi no sentido de que há uma preocupação. 

Como avalia o argumento de que arma é garantia de liberdade da população?

A garantia da liberdade está na democracia, no respeito à Constituição e aos poderes. Não há ameaça pesando sobre a liberdade dos brasileiros e brasileiras, real ou imaginária. Isso atende muito mais a uma preocupação política e ideológica de atender aqueles que são sua base eleitoral. Esse armamento pode nos levar a uma tragédia. Quanto mais se liberam armas, mais corremos risco que ocorra aqui o que ocorreu no Capitólio. 

Argumenta-se que a compra de armas é para caçadores e colecionadores, mas eles usam fuzis para essa prática?

Fuzil é uma arma de uso restrito. Não é uma arma para colecionador ou para clubes esportivos de tiro. Fuzil é uma arma exclusivamente voltada para o combate ao crime pesado e ao uso na guerra. Não faz nenhum sentido essa liberalização, pelo contrário. 

Há pressão da indústria das armas? 

Ela sempre existiu. Sempre lidamos com ela. 

Como vê o argumento de que os brasileiros têm o direito de se proteger e, se muitos possuírem armas, o criminoso pensaria duas vezes antes de agir?

A legislação já permite isso. Comprovada a necessidade e a capacidade técnica e psicológica, o brasileiro que cumprir os mandamentos legais tem direito a isso. É uma falácia. A primeira vítima é a própria pessoa. Onde você vai guardar uma arma em casa? Na gaveta? Embaixo da cama? Todo bandido tem a vantagem da surpresa. E, se for para cada brasileiro dar conta da própria segurança, para que segurança pública? Quando uma população é armada vemos o que acontece na Síria, Iraque e Venezuela. Há uma tragédia nacional. 

Pedro Venceslau, O Estado de São Paulo, em 24 de fevereiro de 2021

Mudança fora de hora

Em meio a uma emergência nacional, não é boa hora para discutir a eliminação das vinculações de verbas de educação e saúdeEducação e saúde são assuntos da máxima importância, decisivos para o desenvolvimento econômico e social, e só com muito cuidado se deve mexer em suas condições de financiamento. Em meio a uma emergência nacional, não é uma boa hora para discutir a eliminação das vinculações de verbas destinadas aos dois setores. O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC Emergencial, escolheu a ocasião e a forma erradas para propor essa mudança. Se a ideia for aprovada, União, Estados e municípios ficarão livres da obrigação de aplicar um mínimo da receita fiscal nas duas áreas. Até a existência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) poderá ser comprometida, como alertou o senador Flávio Arns (Podemos-PR).

Pela Constituição, União, Estados e municípios devem destinar para educação e saúde pelo menos uma determinada porcentagem de sua receita. Em educação, por exemplo, o poder central tem de aplicar no mínimo 18% do valor dos impostos. No caso de Estados, Distrito Federal e municípios, a parcela mínima é de 25%, incluída no bolo a receita de transferências. Essas vinculações engessam os orçamentos públicos e podem impedir o uso mais eficiente do dinheiro público. A discussão sobre o assunto começou nos anos 1990, até hoje sem resultado prático, e a ideia de eliminação desse dispositivo foi retomada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O tema agora se misturou a uma questão de alcance imediato, a recriação do auxílio emergencial para algumas dezenas de milhões de famílias pobres. A mistura é oportunista, desnecessária e injustificável. Executivo e Congresso podem explorar soluções diretamente ligadas ao desafio de curto prazo: encontrar meios para destinar cerca de R$ 40 bilhões às famílias mais vulneráveis sem violar o teto de gastos ou outras normas de disciplina fiscal. Isso já foi feito em 2020. Novas possíveis soluções têm sido examinadas sem ligação com o tema das vinculações.

Convém levar em conta a observação prudente do economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado. “As vinculações têm uma razão de ser. (…) A Constituição de 1988, que colocou isso como prioritário, tinha o objetivo de garantir fatias do Orçamento para áreas essenciais. Mudar isso não é trivial”, acrescentou. “É mais um ponto que vai exigir longa discussão.”

Em nota, prudência foi recomendada também pelo movimento Todos pela Educação: “A desvinculação não pode ser aproveitada de forma aligeirada e oportunista. Os recursos da educação precisam ser protegidos das pressões de curto prazo e do populismo”. Há o risco, segundo o movimento, de uma “redução substancial” de gastos públicos com educação.

A indispensável discussão, ampla e de nenhum modo apressada, tem de envolver duas perspectivas. A crítica às vinculações vem sendo feita desde os anos 90, e o assunto foi discutido com missões técnicas do Fundo Monetário Internacional. Despesas obrigatórias reduzem a margem de manobra do Orçamento e prejudicam a eficiência da gestão das finanças públicas e da administração. Além disso, prioridades podem variar de um ano para outro e também entre União, Estados e municípios. Por fim, mas não menos importante, gastos obrigatórios podem facilitar a corrupção.

Enfim, é preciso levar em conta alguns dados importantes e irrefutáveis. Primeiro: a qualidade da educação no Brasil é muito inferior à de países onde inexiste a vinculação legal. Segundo: o País estaria em condição sanitária muito melhor, depois de um ano de pandemia, se o governo houvesse conduzido com seriedade e competência a política de saúde, mesmo sem verbas vinculadas.

Mas a mera desvinculação, especialmente neste momento, será insuficiente para produzir qualquer melhora na gestão pública. Nas condições atuais, desobrigar o poder público de realizar certo volume de gastos em educação e saúde resultará, quase certamente, na piora de um quadro já assustador. Melhor mesmo, neste momento, é evitar prejuízos maiores. A hora certa acabará chegando.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 24 de fevereiro de 2021 

Conselho de Ética discute aplicar pena branda a Daniel Silveira

Entre os 21 titulares do colegiado na Câmara consultados, só três defenderam abertamente a cassação do deputado

 Integrantes do Conselho de Ética da Câmara discutem aplicar uma punição branda ou até mesmo livrar o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) de qualquer censura após os ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e apologia à ditadura militar, embora o colegiado tenha instaurado nesta terça-feira, 23, um processo que pode levar à sua cassação. Dos 21 titulares do Conselho consultados pelo Estadão, apenas três defenderam abertamente a punição a Silveira. A maioria não quis antecipar como vai votar. 

Silveira completa nesta quarta-feira, 24, nove dias de prisão, determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e confirmada pelos plenários da Corte e da Câmara. Além de abrir processo contra Silveira, o Conselho de Ética também instaurou procedimento para analisar as denúncias que pesam sobre a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de ser a mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo. Ela foi afastada do mandato nesta terça, 23, por decisão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio. 

Conselho de Ética da Câmara retorna às atividades após quase um ano de paralisação causada pela pandemia. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Nos bastidores, a avaliação é de que o início simultâneo das análises das representações beneficia o parlamentar bolsonarista. Sob reserva, deputados argumentam que as penas devem ser distintas porque a agressividade verbal de Silveira não pode ser comparada a um caso de acusação de assassinato. Por esse raciocínio, seria Flordelis, e não ele, quem deveria perder o mandato. 

A oposição, por sua vez, busca convencer colegas de que as duas condutas foram graves e passíveis de punições firmes. “Seja um crimezinho ou um crimezão, eles atentaram contra a ética e o decoro parlamentar. Não compete ao Conselho decidir se punições têm que ser diferentes porque crimes foram diferentes. Isso compete à Justiça”, afirmou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). 

Há, ainda, quem defenda salvar Silveira de qualquer punição, com a justificativa de que a prisão já foi um revés duro. “Você não pode punir duas vezes a pessoa pelo mesmo erro. Se ele for punido novamente, com a cassação do mandato, na minha visão ele está sendo penalizado duas vezes”, disse o líder do Podemos, Igor Timo (MG). O caso de Flordelis, porém, é considerado na Câmara como “favas contadas” a favor da cassação. 

Deputados contra a cassação de Silveira também esperam que a prisão seja reconsiderada pelo Judiciário. O que seria mais um argumento contra a perda do mandato. Como mostrou o Estadão, a previsão é a de que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, volte a analisar o caso ainda nesta semana. 

Pesa contra a liberação do deputado, no entanto, a apreensão de dois aparelhos celulares em sua cela, na Polícia Federal, e a falta de cooperação do parlamentar ao se recusar a oferecer senhas dos telefones aos investigadores. 

Apesar de preso em flagrante, Silveira continua recebendo salários. Além da remuneração de R$33.763, permanece à disposição do gabinete dele uma cota mensal de R$ 35.759,97 para custear atividades do mandato. 

Vinícius Valfré, O Estado de São Paulo, em 24 de fevereiro de 2021

Philipp Lichterbeck: Bolsonaro, o rei do asfalto

Bolsonaro quebrou suas promessas de campanha. O que sobra a seu movimento então, além de cloroquina, fake news e armas? O asfalto. O bolsonarismo está se tornando um culto de adoradores da construção de estradas. 

"O bolsonarismo está se tornando um culto de estradas"

Viajei pelo Brasil nas últimas semanas. Estive no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso, mas também em lugares exóticos do Rio, como Gávea e Leblon, redutos dos muito ricos. Durante as viagens acabou sendo inevitável encontrar apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Fiz um grande esforço para não iniciar discussões extenuantes com eles ou até brigas. Queria escutá-los, aprender algo com eles. Porque ainda é um mistério para mim como os brasileiros puderam votar em um homem que disse que 30 mil deles deveriam ser mortos.

Nesses encontros, uma coisa continuou chamando minha atenção. Um fenômeno que eu também já havia observado nos grupos ultraconservadores de Whatsapp que eu acompanho por interesse profissional (e sociológico).

O bolsonarismo está se tornando um culto de estradas. Sempre que perguntei aos bolsonaristas o que o governo fez nos últimos dois anos, recebi uma resposta: construiu estradas! Disseram que ele consertou, completou ou construiu essa ou aquela BR. E, todos pareciam ter certeza, sem corrupção nenhuma.

Nos grupos bolsonaristas de Whatsapp, fotos de projetos de construção de estradas são frequentemente compartilhadas (claro, quando não há assuntos mais urgentes que são suprimidas pela grande mídia e que todos os membros do grupo devem compartilhar em massa – por exemplo, que os cristãos na Venezuela estão sendo forçados a comer Bíblias).

A inspiração para o fã-clube das estradas vem do mais alto nível. O presidente frequentemente compartilha nas mídias sociais fotos do início ou da conclusão de qualquer projeto de infraestrutura regional.

De fato, não há nada de errado com estradas boas e seguras (embora novas linhas de trem sejam preferíveis). Mas também é verdade que elas são a arma polivalente e tradicional de governos populistas em todo o mundo. Porque construir uma estrada é mais rápido e fácil do que construir um bom sistema de educação ou saúde. E traz um efeito imediato. Ao fim e ao cabo, todo mundo prefere dirigir em bom asfalto do que constantemente batendo em buracos.

Também não deve ser esquecido que estradas, como todos os grandes projetos de infraestrutura, são uma ótima maneira de desviar dinheiro público para bolsos privados da forma mais discreta possível.

Seja como for, a coisa mais surpreendente sobre o tema vai além. Porque eu não me lembro de Bolsonaro ter concorrido a presidente como candidato das estradas. Lembro que ele falou em erradicar a corrupção no país e fortalecer a Operação Lava Jato. Dizia que queria fornecer a segurança geral. Também prometeu privatizar as rígidas empresas estatais, bem como soltar algumas das amarras de uma burocracia kafkiana que trava a economia. (Houve um quarto ponto - Deus, família e pátria - mas foi apenas uma brincadeira de um homem que aprova a tortura, é casado pela terceira vez e entende pela pátria que, como presidente, você não precisa dizer uma palavra de empatia sobre a morte de 250 mil brasileiros pelo coronavírus).

É clara a razão pela qual a construção de estradas gera tanta euforia entre os bolsonaristas. Não há mais nada. O herói deles quebrou as suas promessas. A luta pela corrupção efetivamente terminou - provavelmente porque é bem provável que pelo menos um de seus filhos seja corrupto. A péssima situação da segurança pública no Brasil não mudou, e vai piorar com os decretos de Bolsonaro para simplificar a posse de armas. E a promessa de liberalização da economia foi reduzida ao absurdo o mais tardar com a intervenção de Bolsonaro na Petrobras.

Então o que resta para este movimento, além da hidroxicloroquina, das fake news e das armas? O glorioso asfalto.

Embora eu deteste estragar a festa, é necessário mencionar um estudo feito pela plataforma de verificação de informações "Aos Fatos". Ela descobriu em 2019 que 54% das ações celebradas por Bolsonaro no Twitter são herança de governos anteriores. No ano passado, Bolsonaro inaugurou orgulhosamente a conclusão da BR-163. Mas a verdade é que entre 2007 e 2014 foram investidos R$ 1,5 bilhão pelos governos do PT. Em 2018 ao redor de 75% das obras já haviam sido concluídas e restavam apenas 51 quilômetros. Foi isso que Bolsonaro celebrou. Parabéns!

Philipp Lichterbeck, o autor deste artigo, queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 24.02.2021

Em menos de dois meses, mortes por Covid registradas em 2021 no Amazonas já supera total de 2020

Neste ano, já foram registradas 5.288 mortes por Covid-19, mas parte delas ocorreu no ano passado e foi diagnosticada após investigação.



Área reservada para vítimas da Covid-19 no cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus, em imagem de 5 de janeiro. — Foto: Michael Dantas/AFP

Nos primeiros 54 dias de 2021, o número registrado de mortes por Covid-19 no Amazonas já ultrapassou o total do ano passado. O estado enfrenta, desde janeiro, a segunda onda da doença.

Até esta terça-feira (23), já foram registradas 5.288 mortes por Covid só neste ano, porém parte delas ocorreu no ano passado e foi diagnosticada após investigação. De março a dezembro de 2020, foram registrados 5.285 óbitos.

A Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), responsável por esse monitoramento, divulga diariamente o número de mortes por Covid que ocorreram nas últimas 24 horas, além daquelas que foram diagnosticadas dias após o óbito. Por isso, a diferença entre o registro e a ocorrência de mortes.

Desde o começo da pandemia até esta terça, 10.573 pessoas morreram no estado com a doença. O número casos confirmados passa de 309 mil.

Entre os dias 14 e 15 de janeiro, Manaus viveu cenas de caos por conta da falta de oxigênio nos hospitais, que já estavam superlotados com casos de Covid. O estado passou a enviar pacientes para outros estados, e recebeu doações de oxigênio de diversas partes do país.

Em meio ao colapso no sistema de saúde e segunda da Covid, o mês de janeiro registrou tristes recordes de mortes, casos e internações pela doença.

O virologista e vice-diretor de Pesquisa e Inovação da Fiocruz Amazônia, Felipe Naveca, afirma que o Amazonas vive, em janeiro, um aumento grande do número de casos de Covid que pode estar relacionado com uma série de fatores:

aumento esperado após as festas de fim de ano;
alta de casos que vinha desde setembro/outubro em ritmo menos acelerado;
período do inverno amazônico, que, historicamente, compreende aumento de casos de todos os vírus respiratórios;
presença nova variante (P.1) que aparenta ter potencial de transmissão maior.
"Todos esses fatores levaram a uma situação muito favorável ao vírus, e é por isso que a gente diminuir o mais rápido possível a transmissão. Uma vez que a vacina ainda é algo que está mais longe, a gente ainda vai demorar a atingir um número razoável de pessoas vacinadas, a gente precisar focar nas medidas não-farmacológicas, como distanciamento social, lavagem das mãos e utilização de máscaras", afirmou Naveca.

O governo tentou fechar o comércio no dia 26 de dezembro, mas, por pressão de manifestantes, voltou atrás e só fechou as atividades no dia 2 de janeiro, após determinação judicial. Desde lá, a reabertura só foi permitida nesta segunda (22), após quase dois meses.

Apesar disso, desde as primeiras semanas de fevereiro, o governo já vinha flexibilizando as medidas de restrições, com autorização para funcionamento de estabelecimentos não essenciais por delivery ou drive-thru. A restrição de circulação de pessoas nas ruas, que era durante as 24 horas do dia em janeiro, passou a ser de 19h às 6h.

Por G1 AM, em 23/02/2021

Bolsonaro sinaliza que agenda de privatizações só vai decolar em um eventual segundo mandato

Em uma conversa recente com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro foi irônico ao falar sobre a agenda de privatizações.

Apesar do tom de brincadeira, foi uma sinalização de que essa não é uma prioridade do mandato.

“Se privatizar tudo agora, não tenho o que fazer no segundo mandato”, disse Bolsonaro, segundo relatos.

Guedes tem sido um defensor da agenda de privatizações, que ainda não avançou no atual governo.

Gerson Camarotti para o G1, em 24/02/2021 

Brasil tem 1.386 mortes por covid-19 em 24 horas

Ao todo, mais de 248 mil pessoas morreram devido ao coronavírus no país. Autoridades de saúde registram ainda 62,7 mil novos casos, e total de infectados vai a 10,26 milhões.

    

Paciente transportado em maca em Manaus

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 117,9 no Brasil

O Brasil registrou oficialmente 62.715 casos confirmados de covid-19 e 1.386 mortes ligadas à doença nesta terça-feira (24/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 10.257.875, enquanto os óbitos chegaram a 248.529.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Segundo o Ministério da Saúde, 9.215.164 pacientes se recuperaram da doença. O Conass não divulga número de recuperados.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 117,9 no Brasil, a 22ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Segundo um consórcio da imprensa brasileira, formado por O Globo, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, até terça-feira 6.087.811 pessoas haviam recebido ao menos a primeira dose da vacina contra a covid-19.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 28,1 milhões de casos, e da Índia, com 11 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 500 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 112 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,48 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 23.02.2021

Com a aprovação, como (e quando) a vacina da Pfizer pode chegar aos brasileiros?

A vacina da Pfizer utiliza a tecnologia de mRNA e atingiu uma taxa de eficácia de 95% nos testes clínicos. ( Foto - Getty Images).

Na manhã desta terça-feira (23/2), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina Cominarty, desenvolvida pelas farmacêuticas Pfizer e BioNTech.

Esse é o primeiro imunizante contra a covid-19 a ganhar liberação definitiva no país — os outros dois produtos já aplicados no Brasil (a CoronaVac, da Sinovac e do Instituto Butantan, e a CoviShield, de AstraZeneca, Universidade de Oxford e Fundação Oswaldo Cruz) ganharam aval em caráter emergencial.

A aprovação definitiva abre um leque de possibilidades que precisarão ser discutidas por políticos, gestores da saúde pública, cientistas e sociedade durante os próximos dias.

"O registro da vacina da Pfizer e da BioNTech na Anvisa é mais amplo, pois envolve uma quantidade de dados maior. Essa amplitude também implica na possibilidade de mais setores poderem comprar esse imunizante", analisa a neurocientista Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19.

Em outras palavras, isso significa que as doses poderão ser adquiridas não apenas pelo Ministério da Saúde, mas também por Estados, municípios e até pela iniciativa privada.

Isso, por sua vez, traz uma série de implicações para o enfrentamento da pandemia no Brasil.

Alterações recentes

Até o segundo semestre de 2020, a única possibilidade para medicamentos, insumos, vacinas e equipamentos médicos serem comercializados no Brasil era com um registro definitivo aprovado pela Anvisa.

A lei número 6.360, que estabelece os detalhes desse processo, entrou em vigor a partir do dia 23 de setembro de 1976.

À época, o órgão responsável por avaliar cada pedido de liberação era o Ministério da Saúde. A partir de 1999, essa responsabilidade passou a ser da recém-criada agência sanitária brasileira, a Anvisa.

Fachada do prédio da Anvisa, em Brasília. (Foto - Marcelo Camargo / Agência Brasil)

Até o segundo semestre de 2020, não havia a possibilidade de aprovação emergencial pela Anvisa

Porém, a pandemia de covid-19 exigiu algumas mudanças na regulamentação para acelerar a aprovação das vacinas.

Isso porque todo o trabalho de entrega dos dados, análise da documentação e uma resposta definitiva dos técnicos da Anvisa costuma levar alguns meses para ser finalizado.

E, com centenas de milhares de mortes provocadas pelo coronavírus, não é viável esperar tanto tempo assim para iniciar um programa nacional de imunização.

"No final de 2020, foram criados dois novos dispositivos. O primeiro deles é o fluxo contínuo, em que os responsáveis por uma vacina podem enviar a documentação aos poucos, conforme esses papéis fiquem prontos", diz o médico e advogado sanitarista Daniel A. Dourado, do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo.

Até então, as farmacêuticas tinham que compilar a papelada toda e enviar o dossiê completo de uma só vez, que a partir daí começava a ser analisado pela Anvisa.

Falamos aqui de milhares e milhares de páginas, que levam muito tempo para serem lidas e estudadas.

Além da covid: as máscaras que os moradores de Londres já usaram no passado

Com a alteração recente, as informações são remetidas em levas, e os técnicos da vigilância sanitária já podem começar seu trabalho aos poucos.

"O segundo ponto modificado foi a autorização emergencial das vacinas, que segue os moldes do que é feito em outros países", completa Dourado, que também é pesquisador do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris, na França.

Como o próprio nome já diz, essa aprovação dos imunizantes é mais rápida e se baseia numa análise parcial dos dados.

Ela segue critérios bem estabelecidos (como uma taxa de eficácia mínima de 50%) e permite acelerar processos sem pular etapas importantes da pesquisa clínica de um novo produto.

"É importante mencionar que a autorização emergencial só permite que as vacinas sejam aplicadas na rede pública", completa o especialista.

Foi justamente esse o rito pelo qual passaram CoronaVac e CoviShield, cujas doses já são aplicadas nos postos de saúde do país nos públicos-alvo das primeiras fases da campanha.

O que fez a Pfizer?

Como a vacina Cominarty já possui dados muito robustos e é aplicada em dezenas de países mundo afora, as farmacêuticas Pfizer e BioNTech optaram por pedir o registro definitivo do produto no país.

A requisição foi feita no dia 6 de fevereiro de 2021 e aceita nesta terça-feira (23/02) — a rapidez na resposta se deve, inclusive, àquela facilidade de envio contínuo da documentação criada no final de 2020.

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A principal diferença entre a aprovação definitiva e a liberação emergencial está em quem poderá adquirir as doses.

Com o sinal verde da Anvisa, a Cominarty poderá ser comprada não só pelo governo federal, mas também autoridades estaduais, municipais ou entes privados. E isso, de acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, pode abrir brechas para a criação de "grupos paralelos" de vacinação contra a covid-19 e aumentar a desigualdade social no enfrentamento da pandemia.

"Eu entendo que todo mundo quer se proteger contra o coronavírus, mas nós temos regras do Plano Nacional de Imunização que precisam ser seguidas. Os grupos prioritários para a vacinação obedecem critérios, como maior risco de agravamento ou óbito por covid-19", aponta Fontes-Dutra.

Portanto, se pessoas com condição de pagar pela vacina "furarem a fila", o problema de saúde pública não se altera: indivíduos mais vulneráveis continuam pegando a doença e necessitando de internação em UTI.

"O argumento de 'quanto mais imunizados, melhor' pode ser enganoso. Se eu vacinar só jovens, o impacto que tenho na rede hospitalar, que está em seu limite, é baixo. A ordem da população que recebe as doses importa", complementa Dourado.

De quem é a responsabilidade?

No momento, são discutidos vários dispositivos legais e projetos de leis para evitar a formação das "listas VIP" de vacinação no Brasil.

Após uma série de reuniões com executivos da Pfizer e da Janssen e com o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), anunciou ontem (22/02) um projeto de lei que facilitaria a compra de doses por Estados e municípios e até pela iniciativa privada

A ideia é que essas entidades assumam alguns riscos contratuais que têm encontrado resistência por parte do governo federal.

Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, propõe projeto de lei que divida responsabilidades sobre eventuais efeitos colaterais das vacinas. (Foto - Marcos Brandão / Senado Federal)

Desde o final do ano passado, Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fizeram críticas às condições estabelecidas pela Pfizer nas negociações de compra.

Isso porque o contrato indica uma isenção de responsabilidade da farmacêutica e prevê que o governo assuma o ônus caso o imunizante provoque algum efeito colateral inesperado. A empresa, por sua vez, afirma que as mesmas cláusulas foram aceitas por governos do mundo inteiro na compra dos imunizantes.

Em dezembro, Bolsonaro levantou uma série de dúvidas infundadas sobre a segurança do imunizante e as negociações para compra de doses. "Lá no contrato da Pfizer, está bem claro: 'nós [a Pfizer] não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral'. Se você virar um jacaré, é problema seu", discursou o presidente.

Como resolver essa briga?

De acordo com informações divulgadas pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que participou das reuniões com as farmacêuticas em Brasília na última segunda-feira e vai ser o relator do projeto de lei mencionado por Pacheco, só três países não concordaram com o contrato proposto por Pfizer e BioNTech: Brasil, Argentina e Venezuela.

Para Dourado, o temor do Governo Federal com a tal cláusula polêmica não faz sentido em meio a uma pandemia que está matando mais de mil pessoas no país todos os dias.

"O risco de ficarmos mais tempo sem vacinas é muito maior. Mesmo que apareça um efeito colateral e o Estado Brasileiro tenha que pagar alguma indenização futuramente, o valor seria bem menor do que o preço que pagamos atualmente com os números exorbitantes de casos e mortes", interpreta.

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que foi ministro da Saúde durante 2011 e 2014 no governo de Dilma Rousseff, fez críticas à liberação da compra de doses por Estados, municípios e iniciativa privada.

De acordo com o parlamentar, a ideia criaria o "camarote da vacina".

Padilha afirma que apresentou uma proposta de emenda em que todos os imunizantes comprados por empresas sejam doados para o Sistema Único de Saúde (SUS) e que as clínicas privadas só poderão oferecer doses quando as metas da rede pública forem cumpridas.

A compra de doses também foi discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (23/2).

Os ministros decidiram que Estados e municípios poderão negociar e comprar vacinas caso o governo federal não cumpra o que está estipulado no Plano Nacional de Imunizações ou as doses previstas não sejam suficientes para resguardar a população do local.

O que há de concreto

Em meio a tanta especulação e impasse, não se sabe ainda qual será a postura adotada pela Pfizer a partir de agora — afinal, com o registro definitivo, ela tem o poder de decidir se negociará ou não com outros níveis da administração pública ou com a iniciativa privada a partir de agora.

De acordo com as informações divulgadas até o momento, a farmacêutica diz que insistirá nas negociações com o governo federal.

Uma reportagem da CNN Brasil publicada na última segunda-feira (22/1) afirma que o laboratório ofereceu para o Ministério da Saúde um total de 100 milhões de doses da Cominarty, que seriam entregues até o fim de 2021.

Um lote de 9 milhões seria disponibilizado ainda no primeiro semestre. Outras 35 milhões chegariam ao Brasil até setembro e as 65 milhões restantes estariam no país em dezembro.

A Pfizer, no entanto, não confirma essa informação.

A BBC News Brasil procurou o Ministério da Saúde, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

Uma novela que dura meses

O imbróglio envolvendo Pfizer/BioNTech e o Ministério da Saúde se arrasta há meses e começou durante o segundo semestre de 2020.

De acordo com uma série de notas e documentos, executivos da farmacêutica tentaram por diversas vezes entrar em contato com o governo federal para vender lotes de sua vacina, que naquele momento estava na fase final de testes antes de ser aprovada.

A empresa tinha capacidade de fornecer cerca de 70 milhões de doses ao Brasil, mas não recebeu nenhuma resposta a tempo de garantir os primeiros lotes ao país.

Entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, a discussão voltou a esquentar após Pazuello fazer uma série de declarações dizendo que as ofertas do laboratório eram "pífias" e poderiam até frustrar os brasileiros.


O ministro da saúde, general Eduardo Pazuello, classificou as ofertas da Pfizer como "pífias" (Foto - Alan Santos / PR)

O tema ganhou novo fôlego quando o presidente Jair Bolsonaro fez declarações questionando a segurança do imunizante e criticando as cláusulas contratuais, como explicado anteriormente.

O que diz a ciência

Na contramão do discurso do presidente, as últimas evidências só reforçam a eficácia e a segurança da Cominarty.

Aplicada desde dezembro em dezenas de países, até o momento a vacina não provocou nenhum evento adverso grave, que justificasse a interrupção das campanhas.

Em Israel, país que já protegeu 87% de sua população, o número de internações por covid-19 caiu drasticamente nas últimas semanas.

Outra notícia positiva divulgada recentemente foi a de que as doses não precisam ser armazenadas a -70 °C como se imaginava.

O imunizante fica estável numa temperatura de -25 a -15 °C por até duas semanas, o que facilita bastante a sua distribuição.

Israel quer ser o primeiro país a sair da pandemia de covid (Foto - EPA)

Por fim, dados publicados na última sexta-feira (19/02) no periódico científico The Lancet revelam que a vacina de Pfizer e BioNTech tem uma eficácia de 85% de duas a quatro semanas após a aplicação da primeira dose.

Já com a segunda dose, esquema adotado mundialmente, a taxa de eficácia pula para 95%.

"Diante da atual situação alarmante da pandemia no Brasil e da ameaça das novas variantes, nós precisamos ser rápidos e vacinar o mais depressa o maior número de pessoas possível", adverte Fontes-Dutra.

Repercussões da liberação

Durante o anúncio da aprovação definitiva da Cominarty, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres comemorou "o primeiro registro de vacina contra a covid-19, para uso amplo, nas Américas".

"O imunizante do Laboratório Pfizer/BioNTech teve sua segurança, qualidade e eficácia aferidas e atestadas pela equipe técnica de servidores da Anvisa, que prossegue no seu trabalho de proteger a saúde do cidadão brasileiro. Esperamos que outras vacinas estejam em breve sendo avaliadas e aprovadas. Esse é o nosso compromisso", disse Torres.

Falta de vacinas contra a covid-19: os riscos da interrupção da campanha de vacinação no Brasil

A Pfizer também soltou um comunicado à imprensa. Marta Díez, presidente da farmacêutica no Brasil, comemorou a rapidez da decisão. "Ficamos muito felizes com a notícia da aprovação e gostaríamos de parabenizar a agência pela celeridade e profissionalismo que demonstrou em todas as etapas desse processo".

A executiva ressaltou que as tratativas com o Ministério da Saúde continuam: "Esperamos poder avançar em nossas negociações com o governo brasileiro para apoiar a imunização da população do país", complementou.

Por meio de nota, a Associação Brasileira de Clínicas de Vacina (ABCVAC) ressaltou que todo novo imunizante registrado no Brasil aumenta as possibilidades de proteção da população brasileira e que a prioridade para aquisição de doses de vacinas contra a covid-19 deve ser do governo federal.

"As clínicas associadas à ABCVAC aguardam a disponibilidade de doses para aquisição pelo setor privado de vacinação humana, para poderem atuar, como sempre fizeram, de forma complementar ao Programa Nacional de Imunização", finaliza o texto.

André Biernath, da BBC News Brasil em São Paulo, em 23 fevereiro 2021

Daniel Silveira, Eduardo Bolsonaro, Flordelis: os casos parados no Conselho de Ética da Câmara

Após mais de um ano parado, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados volta com a missão de mostrar que pode coibir abusos de parlamentares sem a necessidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) entrar na briga.


Os deputados Juscelino Filho (DEM - MA) e Cezinha de Madureira (PSD - SP) de máscara sentados diante de mesa de comissão (Foto - Pablo Valadares, Câmara dos Deputados).

O colegiado volta a funcionar após a pandemia, tendo como item número um de sua pauta a representação contra Daniel Silveira (PSL-RJ), atualmente preso após ataques contra ministros do STF. Mas o conselho tem uma longa lista de representações para apurar e fama de arquivar processos contra parlamentares.

O próprio Silveira, preso por xingar e ameaçar ministros em um vídeo nas redes sociais, em tese já poderia ter sido punido no conselho. Só que assim como boa parte das representações feitas nesta legislatura, o pedido de punição contra o deputado está parado. Ele nega ter cometido qualquer irregularidade e diz ter sua liberdade de expressão cerceada.

O último deputado federal punido com cassação de mandato foi Eduardo Cunha (MDB-RJ). O então presidente da Câmara perdeu seu mandato após parecer no Conselho de Ética ser aprovado e posteriormente votado no plenário da Casa Legislativa.

Em 2019, foram 21 representações

E mesmo as punições sancionadas pelos parlamentares acabaram no "limbo" da Câmara. Por exemplo, o colegiado aprovou uma suspensão de seis meses para o deputado Boca Aberta (Republicanos-PR). O parlamentar recorreu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que nunca apreciou o requerimento. Consequentemente, o plenário da Câmara não votou a suspensão do deputado paranaense.

Bolsonaristas sob fogo

Bolsonaristas, como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Carla Zambelli (PSL-SP), Carlos Jordy (PSL-RJ) e o próprio Daniel Silveira, que colecionaram polêmicas nos últimos dois anos, nem sequer tiveram suas representações votadas pelo colegiado.


Deputado federal Daniel Silveira aparece falando no telão do plenário Câmara durante sessão em que colegas decidiram mantê-lo preso; sua situação será avaliada também pelo Conselho de Ética. (Foto - Reuters / Adriano Machado).

"Não dá para falar que poderia ter evitado (o caso Silveira). Com certeza, se tivéssemos conseguido trabalhar e atuar no decorrer de 2020, e dependendo dos casos tivesse saído algumas punições, com certeza isso serviria de exemplos para alguns colegas que acabam se excedendo, principalmente nessa questão do limite da imunidade, da liberdade de expressão", disse o presidente do Conselho de Ética, deputado Juscelino Filho (DEM-MA).

Um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, tem três representações contra si no conselho. Em 2019, em mais de uma ocasião, Eduardo Bolsonaro falou sobre a possibilidade de um "novo AI-5" (O Ato Institucional Nº 5 de 1968, considerado o mais repressivo da ditadura militar, que inclusive fechou o Congresso). Todos os pedidos para que ele tivesse seu mandato cassado ainda não foram apreciados. Eduardo Bolsonaro nega qualquer irregularidade.

Silveira tem um pedido de cassação do mandato feita por seu próprio partido. O presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PSL-PE), protocolou pedido contra o parlamentar fluminense após ele ter gravado e divulgado uma reunião interna do partido na qual parlamentares faziam críticas contra Jair Bolsonaro.

"Vê-se que a trajetória do deputado Daniel Silveira é repleta de atos violentos. Além de ter quebrado uma placa em homenagem a Marielle Franco, nesta quarta-feira de outubro, do dia 17, ele demonstrou mais uma vez seu temperamento hostil, ao quebrar o telefone celular do jornalista Guga Noblat", afirma Bivar na representação, feita em julho de 2019.

Essa "demora" nas votações, agravada pela pandemia de coronavírus que paralisou as comissões na Câmara, criou situações constrangedoras. Além de Silveira, que está preso e mantém seu mandato, circula pela Casa Legislativa a deputada Flordelis (PSD-RJ). Acusada de participar do complô que assassinou seu ex-marido, a parlamentar precisa ser julgada pelo Conselho de Ética antes de perder seu cargo. Ela nega o crime.

Sem sessões do colegiado, Flordelis continua exercendo a função de parlamentar, mantendo seu gabinete em funcionamento e podendo, inclusive, indicar o pagamento de emendas por parte do governo federal. Ela votou para a presidência da Câmara e chegou a divulgar seu apoio a Arthur Lira (PP-AL) na disputa com Baleia Rossi (MDB-SP).

A representação contra a deputada chegou na Câmara apenas no final da semana passada, após o pedido pela cassação do mandato de Daniel Silveira. E deve ser apreciada apenas após a votação sobre o caso do deputado do PSL.


Deputada Flordelis (PSD-RJ) em foto de 2019; sem sessões do Conselho de Ética, ela continua exercendo a função de parlamentar (Foto - Luis Macedo, Câmara dos Deputados).

Mesmo prejudicada pela pande ia, a falta de produtividade do Conselho de Etica não é novidade. Na legislatura entre 2015 e o fim de 2018, foram 27 representações e 2 punições.

Além de Eduardo Cunha, o então deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) foi advertido após ter cuspido em Jair Bolsonaro durante sessão do impeachment de Dilma Rousseff. Outros casos, como do deputado Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), que era investigado sob suspeita de ligação com os R$ 51 milhões apreendidos em um apartamento em Salvador, acabou arquivado sem solução.

Essa dinâmica de apreciar representações, vista por críticos como uma proteção corporativista entre deputados, pode sofrer mudanças. O presidente do conselho, deputado Juscelino, protocolou na Câmara uma proposta de mudança no Código de Ética para acelerar os pareceres da Casa sobre punição de parlamentares.

"Acho que precisamos sim de uma atualização do regimento e do Código de Ética do conselho. Vamos propor no conselho e no Plenário da Casa essa atualização, que vai melhorar o ambiente de trabalho no Conselho de Ética", defende Juscelino.

Segundo o relator da proposta, deputado Alexandre Leite (DEM-SP), o relatório deverá propor alterações que garantam maior celeridade em alguns processos. Por exemplo, ele cita uma maior "efetividade à sanção de censura verbal".

"O que estamos propondo na reformulação do Regulamento do Conselho de Ética é a modernização das regras, a fim de aproximar os ritos do conselho aos trâmites processuais do Judiciário, dando mais celeridade", disse Leite à BBC News Brasil.

"Umas das principais alterações é a prevenção do relator de todas as representações em desfavor de um mesmo representado, garantindo mais celeridade e permitindo uma sanção unificada. Ou seja, estaremos estabelecendo que será competente para analisar a representação aquele relator que já estiver cuidando de outros casos do mesmo representado. E, mais, conferiremos mais efetividade à sanção de censura verbal, uma vez que determina sua aplicação iniciada a Ordem do Dia, com o deputado presente em plenário."

Problema se repete

No Senado, o Conselho de Ética também voltou a ganhar destaque de forma negativa. O motivo é a volta do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) ao cargo sem que sua situação tenha sido apreciada pelos seus pares no colegiado.

Rodrigues, que voltou a exercer sua função nesta semana, pediu afastamento do cargo de senador em outubro do ano passado. Ele foi pego escondendo dinheiro em suas roupas íntimas durante uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal em sua casa. Ele é investigado por possíveis desvios de verba da Saúde em Roraima.

Para sair dos holofotes, ele pediu um afastamento alegando que iria cuidar de sua defesa. O então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), nem sequer convocou o suplente de Rodrigues, seu filho, Pedro Arthur Rodrigues, para ocupar o lugar do pai nas votações, deixando Roraima com um voto a menos.

O conselho teve apenas duas reuniões desde o início desta legislatura, realizadas em 24 e 25 de setembro de 2019. Na ocasião, foi decidido apenas que o senador Jayme Campos (DEM-MT) seria o presidente da comissão, com Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) de vice-presidente.

Só em 2020 são oito pedidos de procedimento disciplinar no Senado. O recordista é Jorge Kajuru (Cidadania-GO), por ataques contra adversários, como o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). Mas o principal nome nas representações, além de Rodrigues, é de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O senador fluminense é investigado sob suspeita de liderar um esquema criminoso em torno dos salários de seus assessores quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Ele nega qualquer irregularidade. Oposicionistas pedem que Flávio seja julgado no Conselho de Ética e, por consequência, perca seu mandato.

Todas as representações aguardam parecer da Advocacia-Geral do Senado. O presidente do Conselho de Ética tem um prazo de cinco dias para abrir a representação após o posicionamento do órgão.

Gustavo Zucchi, de Brasília para a BBC News Brasil, em 24.01.2021

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Inflação pode subir ainda mais com intervenção de Bolsonaro na Petrobras

A decisão de Jair Bolsonaro (sem partido) de trocar o comando da Petrobras para conter a alta dos combustíveis pode ter o efeito oposto daquele desejado pelo presidente. Ao invés de resultar em queda da inflação, a medida pode levar a uma aceleração dos preços, devido à desvalorização do real frente ao dólar, como resultado do aumento da incerteza.

A taxa de câmbio influencia o preço de todas as commodities, incluindo os alimentos. Pesa ainda sobre os custos da indústria, que acabam sendo repassados ao consumidor ou prejudicando a saúde financeira das empresas.

A piora na percepção de risco no país também tende a travar os investimentos das companhias, levando a uma redução das expectativas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. E, com a piora do quadro inflacionário, o Banco Central pode ser levado a antecipar a alta da taxa básica de juros (Selic), o que afetaria também as perspectivas para o desempenho da atividade econômica em 2022.

Nesta segunda-feira (22/2), mesmo antes de todos esse efeitos terem sido contabilizados pelos analistas, a expectativa do mercado para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 2021 subiu de 3,62%, na semana passada, para 3,82%. Com isso, o índice oficial de inflação fecharia o ano acima do centro da meta, que é de 3,75% para este ano.

Segundo o boletim Focus do Banco Central, o mercado também elevou sua projeção para a Selic ao fim de 2021, de 3,75% para 4%. Atualmente, a taxa básica de juros está em 2% ao ano, menor patamar da história.

                                    Mais pobres podem sofrer mais

Na sexta-feira (19/2), Bolsonaro comunicou através das redes sociais a decisão de substituir o atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna, hoje presidente da usina de Itaipu.

A mudança, que ainda precisa ser aprovada pelo conselho de administração da estatal, gera uma enorme incerteza quanto ao futuro da política de preços da empresa.

Atualmente, a Petrobras adota uma política de paridade de preços dos combustíveis com o mercado internacional. Com isso, gasolina, diesel e gás de cozinha variam acompanhando as flutuações do preço do petróleo e a taxa de câmbio.

"Há um enorme ponto de interrogação sobre o futuro da política de preços dos combustíveis. Se Bolsonaro partir para uma linha populista, o que tem uma probabilidade muito grande de acontecer, pode haver aumento da incerteza, fazendo com que o real se desvalorize mais fortemente em relação ao dólar, e aí o contágio na inflação é bem mais generalizado", afirma André Braz, coordenador de índices de preço no Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

"Se o pobre vai economizar no gás de botijão e na passagem de ônibus urbano, que é influenciada pelo preço do diesel, por outro lado, ele é penalizado pelo encarecimento de outros itens componentes da cesta básica", explica o economista.

Na manhã desta segunda-feira, o dólar chegou a superar o patamar de R$ 5,50, após fechar em R$ 5,39 na sexta-feira anterior. Já as ações da Petrobras chegaram a cair quase 20% na bolsa de valores paulistana.

O especialista da FGV explica que a alta do dólar afeta, por exemplo, o preço das carnes, que já acumula alta de 23% em 12 meses até janeiro.

"A carne bovina, por exemplo, é muito demandada pela China. Quanto mais desvalorizada nossa moeda está, mais carne a gente vende para a Ásia. Com isso, o produto sai cada vez mais do nosso país, o que é ruim para a inflação, pois desabastece o mercado brasileiro", diz Braz. Com menos carne disponível, o preço dela tende a subir.

Ele explica que esse mesmo efeito deve levar a uma alta de preços da soja e do milho, que são usados como ração na engorda de animais como suínos e aves.

"O custo de criação desses animais aumenta. Então, além do avanço da exportação, pela desvalorização do real, também podemos ter um aumento de custos nesses segmentos, o que pode aumentar o preço dessas carnes e também do ovo", diz o analista.

Outro exemplo de produto cujo preço pode subir é o minério de ferro, usado na construção civil e também na fabricação de bens duráveis como automóveis, fogões, geladeiras e máquinas de lavar, feitos com chapas de aço. "O espalhamento da inflação, entre itens da cesta básica e bens duráveis é enorme", conclui o economista.

Intervenção na Petrobras não deve ser caso isolado

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, destaca que essa perspectiva de desvalorização cambial e consequente aumento da inflação é agravada pela percepção de que a intervenção na Petrobras não deverá ser um caso isolado.

"A sinalização do presidente de que ele pretende interferir em outros preços, como o da energia elétrica, remete a momentos do passado quando a presidente Dilma [Rousseff, do PT] tentou fazer o mesmo", diz Vale.


A mudança na Petrobras, que ainda precisa ser aprovada pelo conselho de administração da estatal, gera uma enorme incerteza quanto ao futuro da política de preços da empresa, apontam analistas

Ele lembra que, no governo da ex-presidente, o controle de preços dos combustíveis pela Petrobras foi usado como uma forma de controlar artificialmente a inflação, gerando prejuízos bilionários para a empresa. Já no setor elétrico, Dilma tentou baratear o custo da energia por meio de uma medida provisória (MP 579/2012) que causou enormes desequilíbrios no setor.

"Dessa vez, o grande risco é essa interferência de preços, tanto na Petrobras, como na energia, vir de uma forma um pouco diferente do que foi no caso da Dilma. Me parece que a ideia do governo agora é utilizar recursos fiscais para tentar evitar que os preços subam", explica Vale.

"Ou seja, você piora o perfil das contas públicas, num momento que a situação fiscal já está comprometida depois dos gastos em resposta à pandemia no ano passado. A piora fiscal traz esse possível impacto de pressão cambial e, consequentemente, de inflação."

Duas indicações de que o governo pretende usar recursos fiscais para interferir nos preços são o anúncio de Bolsonaro de que vai baixar o PIS/Cofins sobre o diesel e o gás de cozinha por dois meses, o que economistas estimam que pode gerar uma perda de arrecadação para o governo federal de ao menos R$ 3 bilhões, que precisará se compensada de alguma maneira.

Medidas econômicas de Bolsonaro contra o coronavírus são inferiores às de outros países, aponta FGV

Já no setor elétrico, Bolsonaro estaria planejando usar R$ 20 bilhões em recursos de um fundo setorial e devolver outros R$ 50 bilhões em valores pagos a mais pelos consumidores na conta de luz, como forma de baratear preços à população. As informações são da Folha de S. Paulo, em reportagem publicada no domingo (21/2).

"No terceiro ano de mandato presidencial, o presidente está olhando muito sua reeleição no ano que vem. Ele dá essas 'bondades' para a população, que mais à frente acabam se voltando contra as próprias pessoas, através de mais inflação", diz Vale.

Expectativas para o PIB também deverão ser afetadas

O economista-chefe da MB Associados avalia que esse cenário também tende a corroer as expectativas de crescimento para este e para o próximo ano.

"Todo o atraso na recuperação da atividade provocado pelo agravamento da pandemia, mais esse cenário de intervenção que começa a aparecer, também afetam a expectativa de crescimento, especialmente pelo lado do investimento", afirma o analista.

"Quando você tem crises como essa, o investidor lá fora fica com a percepção de que o país tem um cenário negativo pela frente, seja por conta da situação fiscal, seja por conta da perspectiva de baixo crescimento, seja por conta da incerteza generalizada na economia", diz Vale.

"Incerteza significa volatilidade muito intensa, o que é um cenário complicado para o investidor lidar, então a tendência é haver saída de recursos estrangeiros do país para mercados mais estáveis. Por conta disso, acontece a depreciação da taxa de câmbio."

A taxa de câmbio influencia o preço de todas as commodities, incluindo os alimentos

O economista explica que o efeito de tudo isso para a inflação só não deve ser pior porque as empresas devem ter dificuldade de repassar a alta de custos aos preços, devido à elevada taxa de desemprego e aos muitos consumidores sem uma fonte de renda em meio à pandemia.

Sem repassar preços, as empresas devem perder margens de operação e de lucro. Com isso, a propensão das companhias para investir ou contratar trabalhadores fica prejudicada, o que também afeta negativamente as perspectivas de crescimento da economia.

"Podemos ter mais recuperações judiciais e falências por conta desse cenário de pressão de custos", diz Vale. "Isso também significa que o mercado de trabalho deve ter uma recuperação muito lenta, com a taxa de desemprego chegando acima de 15% nos próximos meses e sem perspectiva de voltar a cair com mais intensidade ao longo deste ano."

Selic pode subir antes do esperado e reformas ficam mais distantes

Diante da perspectiva de alta adicional do dólar e aumento da inflação, o Banco Central deve ser levado a subir a taxa básica de juros ainda neste primeiro semestre.

"Acredito que [a Selic] não subirá ainda em março, mas esperamos alta em maio, quando vai haver clareza em relação ao não andamento das reformas", avalia Vale. "Mas, se o câmbio continuar pressionado como está agora, talvez o BC seja chamado a subir taxa de juros antes da hora. Pode acontecer."

"Esse cenário de aumento de juros antes do previsto e talvez uma taxa mais alta do que se imaginava tem o efeito de reduzir a expectativa de crescimento para o ano que vem, porque uma alta de juros que comece agora e termine no segundo semestre teria seu impacto completo em 2022."

Com o chamado "centrão" à frente do Congresso, num terceiro ano de mandato presidencial, Vale avalia que a perspectiva aprovação de reformas controversas como a administrativa e a tributária é muito desfavorável.

"O cenário que temos no Congresso não é um cenário de ajuste fiscal. E o ministro Paulo Guedes está cada vez mais enfraquecido. Ele já não tinha um poder de determinar a agenda e agora fica ainda mais claro que o problema não era o [ex-presidente da Câmara] Rodrigo Maia, mas a dificuldade de articulação por parte do Ministério da Economia."

Para Vale, a permanência ou não de Guedes no governo agora se tornou pouco relevante.

"Ele está no governo, mas é como se não estivesse", opina o economista. "A questão que fica é: o ministro Guedes vai aguentar até quando essas ingerências de um governo que já não era liberal e fica cada vez mais parecido com momentos muito ruins do passado da economia brasileira, especialmente do governo Dilma? Até quando ele vai levar?"

Thais Carrança, da BBC News Brasil em São Paulo - 22 fevereiro 2021