terça-feira, 3 de novembro de 2020

Um governo que atua contra si mesmo

O Legislativo merece várias críticas, mas é de justiça reconhecer que Jair Bolsonaro consegue a proeza de fortalecer o que há de pior no Congresso.

 Em uma dinâmica normal, o governo atua politicamente para que o Congresso aprove as medidas de seu interesse. Esse movimento de coordenação dos partidos da base aliada é ainda mais lógico em relação àquelas medidas que, mais do que mera conveniência política, asseguram a governabilidade. No entanto, não se observa essa comezinha lógica na atuação do governo de Jair Bolsonaro. Os partidos da base aliada do governo estão obstruindo a pauta de votação da Câmara dos Deputados, o que impede o andamento de temas que afetam diretamente o governo federal.

Em entrevista no dia 27, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu aos partidos da base do governo que sejam responsáveis e acabem com a obstrução. “Espero que a responsabilidade prevaleça. Se o governo não tem interesse nestas medidas provisórias, eu não tenho o que fazer. Eu pauto, a base obstrui e eu cancelo a sessão”, disse Rodrigo Maia.

A obstrução feita pelos partidos da base aliada tem obviamente consequências no calendário das votações, com graves efeitos sobre o ano que vem. Um dos temas mais urgentes, que condicionam o andamento de vários assuntos, é a PEC Emergencial, integrante de um pacote de três propostas apresentadas pelo próprio governo federal no fim do ano passado, no chamado Plano Mais Brasil. “Sem a PEC Emergencial, vai ter muita dificuldade de aprovar o Orçamento”, advertiu o presidente da Câmara.

Em relação ao Orçamento de 2021, o Congresso tem de votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Nenhuma foi aprovada ainda. Sem a aprovação da LDO até o fim do ano, o governo não terá base legal para realizar gastos discricionários em 2021. A LDO prevê, por exemplo, a possibilidade de o governo executar, de forma provisória, a duodécima parte das despesas, em caso de não aprovação da LOA. Ou seja, sem a LDO, o governo enfrentaria uma brutal paralisia, a afetar até mesmo as despesas obrigatórias.

Em relação à LOA, há previsões de que sua votação ocorra apenas em março de 2021, o que seria prejudicial em primeiro lugar para o próprio governo. Já houve vezes em que a LOA não foi aprovada até quase meados do ano. Absolutamente inusitada, a novidade é a contribuição do próprio governo para o atraso.

Além de prejudicar o funcionamento do poder público e dificultar a saída da crise social e econômica, a obstrução das votações atinge também a aprovação das medidas provisórias – que, em tese, deveriam interessar ao Palácio do Planalto, autor das medidas. “Cabe à base avançar com as medidas provisórias pelo menos”, lembrou o presidente da Câmara.

Diante dessa estranha imobilidade, surgem críticas contra o Congresso, como se os parlamentares estivessem dificultando o andamento de temas politicamente sensíveis; por exemplo, as privatizações. Na entrevista do dia 27, Rodrigo Maia mostrou que falta fundamento a essas críticas. “Quem obstrui a pauta é a base do governo”, disse.

A ratificar a disfuncionalidade da atual situação, chama a atenção o motivo pelo qual a base aliada do governo vem obstruindo as votações do plenário da Câmara. O objetivo é colocar na presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO) um nome alinhado ao deputado Arthur Lira (AL), líder do PP na Câmara e um dos nomes fortes do Centrão. Segundo acordo feito em fevereiro entre os partidos da base, o presidente da CMO neste ano seria o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Além de obstruir a pauta, o modo de agir dos partidos do Centrão traz dificuldades para o funcionamento da própria CMO. “Se o acordo não vai ser cumprido, difícil a CMO funcionar”, reconheceu Rodrigo Maia.

Ao longo dos últimos dois anos, o Congresso foi alvo de muitos ataques do bolsonarismo. Nessas campanhas, Rodrigo Maia foi frequentemente apresentado como o grande coordenador do Centrão, a dificultar o andamento das reformas. Não há dúvida de que o Legislativo merece várias críticas. Mas é de justiça reconhecer que Jair Bolsonaro tem conseguido a proeza de fortalecer o que há de pior e mais disfuncional no Congresso.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 03 de novembro de 2020 | 03h00

Por que os partidos americanos são chamados de Republicano e Democrata se eles são Republicanos e Democratas?

As ideias dessas festas mudaram muito ao longo de sua história

Donald Trump e Joe Biden usam gravatas com as cores de seus partidos nessas imagens, vermelho para os republicanos e azul para os democratas. Alex Wong / Win McNamee Getty Images

Por JAIME RUBIO HANCOCK  

O Partido Democrata e o Partido Republicano dominaram a política americana por mais de 150 anos. São partidos muito diferentes dos europeus, como se vê pelos seus nomes: por que "republicano", se quando foi fundado não havia rei para derrubar? E por que "democrata"? Não são todos (ou quase todos)? Esses nomes têm muito a ver com a história do país e ajudam a explicar a evolução dos dois grupos, cuja ideologia mudou muito desde sua fundação.

A origem do Partido Democrata já estaria no nascimento dos Estados Unidos. Quando George Washington se tornou presidente em 1789, surgiram duas correntes políticas com ideias diferentes sobre o futuro da nação. De um lado, os federalistas, grupo formado por Alexander Hamilton e John Adams, que defendia um governo forte apoiado em impostos e tarifas. De outro, os democratas-republicanos, grupo liderado por Thomas Jefferson e James Madison, que aspirava a um governo federal com poderes limitados e que defendia os direitos dos Estados.

Nesse primeiro momento, não se trata tanto de partidos políticos quanto de correntes ou, como aponta Donald T. Critchlow em American Political History , de "protopartidos organizados em torno de líderes políticos e jornais". Isidro Sepúlveda, professor de História Contemporânea da UNED, lembra a Verne que nem mesmo os atuais partidos americanos são como os europeus: "Não há estatutos, não há liderança hierárquica, não há militância." Em vez disso, são "plataformas candidatas" e um encontro de interesses comuns.

Às vezes, esses interesses podem ser contraditórios. Seguindo Critchlow, os democratas-republicanos de Jefferson eram "reformistas a favor da expansão do sufrágio" (inicialmente limitado a homens brancos com propriedades), mas também defensores "dos interesses dos grandes proprietários de terras do sul", que que incluía a escravidão. Na verdade, o próprio Madison até propôs que o governo comprasse todos os escravos e os libertasse, mas ele não libertou aqueles na plantação que ele herdou de sua família. E quando Jefferson escreveu na Declaração de Independência que "os homens são criados livres", ele possuía 175 escravos .

Embora ainda não fossem partidos políticos modernos, os nomes dessas correntes faziam sentido. Os federalistas queriam um governo federal forte, enquanto os apoiadores de Jefferson se autodenominavam republicanos por sua oposição a um governo despótico, fosse o rei da Inglaterra ou o governo federal. Os "democratas" foram acrescentados pelos federalistas , que os viam como "igualitários radicais" e partidários dos jacobinos da Revolução Francesa .

E é que, num primeiro momento, a revolução foi recebida com otimismo nos Estados Unidos. No entanto, após a execução de Luís XVI e a chegada do terror, o movimento foi criticado por Hamilton e seus seguidores, que o consideraram mais próximo de uma "tirania das massas" do que de uma democracia representativa.

Na década de 1820, os democratas-republicanos se dividiram: por um lado, o Partido Nacional-Republicano permaneceu, em torno de John Quincy Adams, presidente entre 1825 e 1829; de outro, a formação em torno de Andrew Jackson, presidente entre 1829 e 1837, que a partir de 1828 passou a ser conhecido apenas como Partido Democrata.

Thomas Jefferson (Secretário de Estado), Alexander Hamilton (Secretário do Tesouro) e George Washington (Presidente) em uma pintura de Constantino Brumidi. Coleção Hulton Fine Art (Getty Images)

O que significa republicano?

O Partido Republicano nasceu na década de 1850 (e não tem nada a ver com os Adams National Republicans). A essa altura, a corrente federalista havia desaparecido, após se opor à guerra contra o Reino Unido em 1812, e a questão que mais preocupava os americanos era a escravidão. O Partido Republicano nasceu justamente para impedir que fosse legal ter escravos nos novos estados que aderiram ao sindicato, com a intenção de acabar banindo a prática em todo o país.

O partido “está articulado com a ampliação dos direitos civis e com o objetivo de acabar com a escravidão”, explica Sepúlveda, e também adota a defesa dos interesses dos industriais do norte. A formação incluiu democratas que se opunham à escravidão, bem como ex-membros do partido Whig (os liberais) e outras formações minoritárias.

Os estados do sul não aceitaram as propostas republicanas com calma e contenção, justamente. A vitória eleitoral de Abraham Lincoln em 1860 levou à declaração de independência da Carolina do Sul, seguida por uma dúzia de outros estados no início de 1861, que não pretendiam tolerar um presidente contrário à escravidão. E assim começou a Guerra Civil, que durou até 1865.

O nome do partido, "republicano", não tem muito a ver com o que entendemos na Espanha quando ouvimos o adjetivo, que geralmente associamos à esquerda. Nos Estados Unidos, nasceu não apenas do antagonismo contra a monarquia autoritária do século 18, mas já era utilizado em defesa da democracia representativa . Além disso, explica Sepúlveda, “o republicanismo apela à divisão de poderes, à responsabilidade do governo e ao cumprimento da lei pelos cidadãos”. Lembre-se de que foi um termo que os democratas de Jefferson também reconheceram como seu.

Abraham Lincoln na Batalha de Antietam. Bettman (Getty Images)

A evolução das festas

A ideologia dos partidos americanos mudou muito desde o século 19 até agora. O Partido Democrata originalmente defendeu os proprietários de terras escravos, mas na década de 1960 Kennedy e Johnson reforçaram e protegeram os direitos civis dos cidadãos negros do sul. Além disso, o partido passou da defesa de um Estado mínimo à promoção de políticas intervencionistas e sociais no final do século 19 e início do século 20, culminando no New Deal com o qual Franklin D. Roosevelt enfrentou a Grande Depressão.

O Partido Republicano também passou por mudanças: de ser o partido do norte na época de Lincoln, agora se identifica mais com os estados do sul. E suas ideias econômicas também não são as mesmas: nos anos 1950, Eisenhower não apenas manteve as políticas sociais herdadas de Roosevelt e Truman, mas em alguns casos as impulsionou. Nixon, o vice-presidente de Eisenhower, chegou perto de aprovar uma renda mínima universal quando se tornou presidente . Mas, como lembra Sepúlveda, Ronald Reagan, presidente entre 1981 e 1989, virou o projeto republicano de cabeça para baixo e optou por "um Estado mínimo com pouca intervenção na economia, mas muito intervencionista na política externa e militar".

Sepúlveda lembra que os partidos norte-americanos não são como os europeus e nem sequer se pode dizer que sejam de direita ou de esquerda: "São mais progressistas que o adversário em alguns aspectos e menos em outros". Na verdade, como o historiador Michael Barone coletou em Como os partidos políticos da América mudam (e como eles não mudam) , o próprio Roosevelt disse a um de seus conselheiros em 1944 que “deveríamos ter dois partidos reais. Um progressista e um conservador ”. De acordo com Barone, as duas formações tentaram isso nas décadas seguintes, mas só parcialmente alcançaram esse objetivo.

Segundo Sepúlveda, as mudanças nos partidos foram determinadas sobretudo por três fatores: primeiro, as ondas de imigrantes que construíram o país, carregando sua própria cultura política.

Em segundo lugar, a figura do presidente, especialmente de Theodore Roosevelt (republicano, 1901-1909) e Franklin D. Roosevelt (democrata, 1933-1945). A posição foi ganhando cada vez mais presença e influência nas propostas dos partidos, além de mais poder e responsabilidade em um governo federal com mais funções e poderes.

E em terceiro lugar, o sistema político majoritário, no qual cadeiras ou representantes não são distribuídos proporcionalmente, mas o vencedor leva tudo o que está em jogo no eleitorado. Isso significa que é muito difícil para um terceiro partido político ter sucesso e que é mais fácil integrar ideias e correntes nas já existentes. Os partidos americanos não são imóveis, explica Sepúlveda, mas podem integrar interesses e gerar novos consensos.

Assim, entende-se, por exemplo, que atualmente os democratas incluem sensibilidades que lembram o movimento 15-M, mas também políticos com ideias econômicas mais conservadoras que nós identificaríamos aqui com a direita. Por exemplo, o programa de Biden, o candidato democrata, contempla uma expansão da saúde pública que ainda não seria universal , o que o colocaria, nesta questão, à direita de muitos líderes conservadores europeus.

O Partido Republicano está agora "engolfado pelo Tea Party e Donald Trump", diz Sepúlveda, acrescentando que é muito difícil interpretar seu programa além da oposição aos valores de terceiros, sejam políticas sociais ou ambientais. O partido acabará por se reformular, acredita o historiador, e o fará em breve se Trump perder a eleição. Como vimos, não seria a primeira vez que algo semelhante acontecia.

Publicado originalmente por EL PAÍS, em 03.11.2020.

Há tempos eleição nos EUA não era tão importante para o Brasil

O resultado do pleito americano será determinante para os brasileiros: uma vitória de Trump fortaleceria politicamente Bolsonaro, mas sem ganhos econômicos certos. Com Biden, país ficaria ainda mais isolado.

Bolsonaro com Trump na Casa Branca, em março de 2019

Durante muitos anos, "Cuba, cocaína e Chávez" eram os únicos temas que os Estados Unidos acompanhavam com atenção na América Latina. É o que diziam diplomatas americanos para justificar o pouco interesse pelo Brasil.

Isso mudou: embora Venezuela e Cuba continuem sendo focos de crise com potencial para um conflito geopolítico na porta de casa e são acompanhados com atenção por Washington, o Brasil se tornou mais importante, principalmente como parceiro estratégico contra a China.

Esse ganho de importância também se dá do outro lado: para o governo Jair Bolsonaro, o resultado da eleição nos Estados Unidos é politicamente muito importante.

A maioria dos analistas espera continuidade na política americana para a China, mesmo no caso de uma troca de poder em Washington. Os Estados Unidos, afinal, acompanham atentos a ofensiva de Pequim como parceiro comercial e investidor na América Latina.

No governo de Donald Trump, os Estados Unidos posicionaram seus canhões e passaram a controlar também a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um dos principais órgãos de financiamento na América Latina. A nova International Development Finance Corporation também deverá ganhar importância na concessão de crédito.

Espera-se que Joe Biden, se vitorioso, modere o tom agressivo em relação à China e renuncie a decisões diplomáticas unilaterais. Mas o democrata não vai se desviar do atual curso de confronto com Pequim. É provável que ele aposte em fortalecer alianças com a Europa, a Ásia e a América Latina para obrigar a China a fazer concessões.

O que não está claro é como os Estados Unidos vão lidar com países que continuarem buscando créditos com os chineses ou que permitirem o uso de equipamentos da empresa Huawei na sua rede de telefonia móvel. As chances de retaliação são maiores num governo Trump do que num governo Biden, mas também um governo Biden vai bloquear empréstimos para países que forem ao encontro da China.

No que se refere ao comércio e aos investimentos, o resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos não deverá mudar muita coisa para o Brasil. É verdade que o programa de incentivo para a economia americana previsto por Biden, o Buy american (compre produtos americanos), deverá prejudicar empresas brasileiras. Mas o comércio do Brasil com os Estados Unidos já caiu fortemente e representa hoje apenas 9% das exportações brasileiras.

E mesmo o suposto aliado de Bolsonaro que está agora no governo não hesitou na hora de elevar as taxas de importação para o alumínio do Brasil. A economia brasileira não ganhou quase nada com Trump: isso vale tanto para a promessa de uma parceria estratégica de segurança como para as negociações sobre alívios comerciais como para o ingresso na Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). Fora as palavras, pouco aconteceu.

É pouco provável que Trump privilegie o Brasil na eventualidade de um segundo mandato, afinal ele costuma deixar aliados na mão e bajular autocratas como Vladimir Putin e Xi Jinping.

Mas, no caso de uma vitória de Biden, o governo brasileiro pode se preparar para uma forte mudança de rumo em temas como meio ambiente, política climática e direitos humanos. Esses voltarão a ser diretrizes da política externa americana.

O governo Bolsonaro será um dos mais atingidos caso Biden adote o rumo da União Europeia e passe a exigir o respeito de padrões internacionais em meio ambiente, proteção da Amazônia e política de gênero.

Já no primeiro debate entre Trump e Biden, o democrata provocou diretamente o Brasil: ou Bolsonaro aceita 20 bilhões de dólares para a proteção da Floresta Amazônica ou terá que arcar com as consequências econômicas.

Tudo indica, portanto, que o Brasil governado por Bolsonaro ficará ainda mais isolado no mundo em caso de vitória de Biden.

Mas uma derrota de Trump seria uma catástrofe sobretudo do ponto de vista político para Bolsonaro: o presidente brasileiro deve sua vitória, em grande parte, ao seu modelo do norte, que ele copia. Boa parte da política de Bolsonaro é mera cópia daquilo que Trump faz. Uma derrota do magnata seria um sinal para Bolsonaro e seus apoiadores de que também os dias deles estão contados.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, em 03.11.2020.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Até quando a sociedade brasileira suportará a situação de insatisfação política e social que a aflige?

 Nunca a população, desde os tempos da ditadura, se sentiu tão insegura quanto ao seu futuro e o de seus filhos.

Por Juan Arias

Por que Bolsonaro seria mais perigoso para a democracia em um segundo mandato?

Nada pior que a descrença de que as coisas possam mudar. Estaria o Brasil num ponto de não retorno ou só no meio de um mar agitado?

Como devolver a esperança a uma sociedade que parece endurecida pela incerteza? Incerteza sobre o que querem fazer com a política interna e externa enquanto aumenta a incredulidade sobre quem pilota a nação.

Incerteza sobre o que querem fazer com a Amazônia, cada vez mais martirizada. Incerteza com a economia deste país, cada dia mais precária e confusa, com a inflação galopante dos preços dos alimentos, que golpeia sobretudo os mais pobres.

Incerteza sobre a privação das liberdades adquiridas com tanta fadiga.

Incerteza sobre o que pretendem fazer com a Constituição, elogiada no mundo por sua modernidade, que assegura saúde e educação para todos e defende todas as minorias.

Incerteza sobre a segurança de uma sociedade à qual se deseja armar como se estivesse em guerra.

Incerteza sobre o crescimento das milícias já incrustadas nos poderes locais, que ameaçam se unir aos grandes traficantes de droga e armas, e cada vez mais próximas das instituições do Estado, inclusive a Justiça.

Incerteza dos mais pobres com esse jogo de querer privatizar a saúde e a educação, o que significaria atirar num genocídio físico e cultural milhões de pessoas que iriam ficando pelo caminho, desprovidos de sua segurança social.

Incerteza com nossa política interna e externa, com nossas relações com os outros povos do planeta, de quem o Brasil parece se afastar cada vez mais, encerrado em suas lutas políticas internas que o distanciam dos fóruns internacionais onde se constrói a política mundial.

Até quando o Brasil poderá resistir com um presidente que parece cada dia mais incapaz de dirigir um país da envergadura do Brasil, com sua política incapaz de abordar os grandes problemas do país, com seu caráter às vezes infantil e às vezes altaneiro?

De um presidente que parece estar cada dia mais armado de uma política destrutiva, negacionista da realidade, incapaz de escutar o grito dos mais sacrificados?

Até quando o Brasil continuará sendo vítima de um Governo dividido ele mesmo entre os olavistas fanáticos e destrutivos e os militares, cada dia mais preocupados, já que não querem ser usados em uma política de ódios e rancores?

Um Governo que, em vez de levar a todos para uma nova era de prosperidade, os arrasta para a divisão e o ódio.

Nunca a sociedade do Brasil, desde os tempos da ditadura, se sentiu tão insegura quanto ao seu futuro e o de seus filhos. Que sociedade do amanhã está sendo preparada para eles com essa política cada vez mais do não que do sim?

E, enquanto isso, cada dia mais pobres estão voltando a se lançar no inferno da fome e mais jovens parecem duvidosos quanto ao seu futuro. Sinto dor quando alguns deles me dizem que querem ir para o exterior porque aqui não encontram oportunidades de desenvolver seus talentos.

Não é que estes jovens que são nosso futuro não gostem do Brasil. É que se sentem a cada dia mais impossibilitados de realizar seus sonhos.

O Brasil vive uma crise política e existencial que prenuncia um novo dia de esperança, ou o medo o está paralisando?

Estaremos no estado que se chama de “não retorno” e de mudança radical de época, ou no meio de uma tormenta que ao se desfazer deixa o céu mais limpo?

Pelo amor que tenho a este país, quero acreditar que estamos mais às vésperas do milagre e que a política enlameada de hoje, que gera violência, possa dar lugar a uma mais próxima das dores de quem sempre paga o preço dos pecados do poder.

Como seguir adiante com um presidente saudoso dos golpes e que ameaça colocar o Exército na rua para evitar aqui um segundo Chile, como ele mesmo declarou?

Ignora o presidente que as manifestações do Chile tiveram lugar para se livrar de uma Constituição ainda dos tempos do sanguinário ditador Pinochet? Os brasileiros têm todo o direito que lhes concede a Constituição de se mobilizarem em defesa da democracia.

Isso demonstra que o capitão reformado Bolsonaro que hoje dirige o país não só não se converteu aos valores da democracia como também está voltando às suas antigas nostalgias de guerra fratricida. Ele sempre preferiu que os sinos dobrassem mais pelo enfrentamento dos conflitos do que pela busca da paz.

Hoje me uno ao grito de Zeina Latif, que em sua coluna n’O Estado de S. Paulo escreve: “A negação dos problemas pelo poder público sugere que estamos brincando na beira do precipício com olhos vendados".

Nunca na história a guerra e os enfrentamentos entre irmãos criaram bem-estar e liberdade. O Brasil sofre e se empobrece cada vez que os políticos são incapazes de criar um ambiente de liberdade onde cabem todas as ideias e a confrontação positiva e democrática.

Apesar do meu apreço pela política social que o ex-presidente Lula desenvolveu, me doeu o dia em que lançou seu lema de guerra de “nós contra eles”. Não, a paz e a justiça são criadas de mãos dadas, sem ódios nem rancores, sem divisões e com o esforço sincero de abrir um diálogo entre diferentes.

Publicado originalmente em EL PAÍS, em 30.10.2020.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Dez Caixas Para Eloá

Por Edson Vidigal

Depois do comício, no adro da Igreja, no Largo do Carmo, Jânio foi a um jantar com empresários no casarão de um deles, na Rua Grande.

Lá para as tantas, dentre os nativos, alguém lhe ofereceu o refrigerante de maior sucesso, conhecido como o sonho cor de rosa das crianças.

Erguendo a taça contra a luz, mirando o conteúdo com um olho só, admirado, acionou o olfato e provou da oferenda num gole curto:

- Delícia! Néctar dos deuses! Isto é produzido aqui no Maranhão?

- Sim, Presidente. É genuinamente maranhense.

- Dez caixas para Eloá!

A aprovação, respeitosa, de Jânio instaurou euforia entre os convivas. De pronto, voluntariaram-se alguns. A fábrica era ali perto, na Rua de Santana, esquina com a ladeira da António Rayol.

Manhã seguinte, quando o avião, um DC-10, decolou do Tirirical, as dez caixas do sonho cor de rosa das crianças já estavam no bagageiro.

Do barulho das hélices avolumaram-se as esperanças num radioso futuro para o empresariado do Maranhão. Notadamente para o fabricante do guaraná Jesus.

Passa, passa, gavião, todo mundo passa...

Num começo de tarde, em Brasília, o Presidente Jânio Quadros disparou um chamado urgente a um jovem Deputado, Vice-Líder do Governo.

Não conseguia desfilar na memória assunto ensejador de tamanha urgência. Lembrava-se com nitidez de véspera do não que dera ao apelo presidencial, mas isso foi no começo do Governo.

Afonso Arinos, o chanceler da República, que devotava um carinho familiar ao jovem Deputado do seu partido, a UDN, sugerira ao Presidente que o nomeasse para um posto diplomático – Embaixador do Brasil em Cuba.

Antes de dizer sim, teve o cuidado de consultar, embora muito animado, a sua mulher.

(“E a aquela força por detrás do trono me impediu de nomear o Embaixador que eu mais queria”. Contou-me Jânio, anos depois da anistia, enquanto almoçávamos no seu retiro na Praia de Pernambuco, no Guarujá).

Mas agora, matutava o Deputado, não tinha a menor ideia do que poderia ser. Sabia verdadeiro o afeto que o Presidente lhe dedicava.

O que poderia ser? Enquanto seguia rumo ao Palácio repassava mentalmente a pauta das últimas sessões, suas orientações enquanto líder, era vice - líder, da bancada, fizera, sim, tudo certo.

Quando chegou ao terceiro andar do Palácio do Planalto, o Ajudante de Ordens já o aguardava. O Presidente determinara que adentrasse o Deputado imediatamente.

No Gabinete, Jânio exalava autoridade. Passeou o olhar sério no Deputado. Dos pés à cabeça.

- José, meu bem! Estou pronto para cumprir o meu compromisso contigo. Irei ao Maranhão.

(A promessa foi a de instalar o Governo Federal por três dias em São Luís, reunindo os Governadores da região. E o Presidente, de fato, a cumpriu.)

- Mas, pelo amor de Deus... - Advertiu.

- Não me manda servir aquela gororoba cor de rosa de tem gosto de chicletes.

Edson Vidigal foi o último advogado de Jânio Quadros.

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29.10.20

Nova variante do coronavírus se espalha pela Europa, alertam cientistas

De acordo com o jornal britânico Financial Times, nova cepa surgiu na Espanha e é responsável pela maioria dos novos casos de Covid-19 no continente

Uma variante do coronavírus, que surgiu entre trabalhadores no nordeste da Espanha em junho, se espalhou rapidamente por grande parte da Europa desde o verão e é a responsável pela maioria dos novos casos de Covid-19 em vários países do continente, que vive uma segunda onda de infecção.

De acordo com o Financial Times, uma equipe internacional de cientistas que rastreia o vírus por meio de suas mutações genéticas descreveu a disseminação da variante, identificada pelo acrônimo 20A.EU1, em um artigo que será publicado nesta quinta-feira (29). A nova cepa, informa o jornal britânico, já é responsável por mais de 80% dos casos no Reino Unido.

O estudo, que ainda não foi publicado em periódico revisado por pares, sugere que pessoas que voltaram de férias na Espanha desempenharam um papel fundamental na transmissão do vírus pela Europa. Essa é uma possibilidade que levanta indagações sobre se a segunda onda que está varrendo o continente poderia ter sido reduzida com uma melhor triagem em aeroportos e outros centros de transporte.

— A partir da disseminação da 20A.EU1, parece claro que as medidas [de prevenção contra o coronavírus] em vigor muitas vezes não eram suficientes para interromper a transmissão das variantes introduzidas neste verão — afirmou Emma Hodcroft, geneticista da Universidade de Basileia (Suíça) e líder do estudo, ao Financial Times.

Brasil:  Média móvel de mortes por Covid-19 fica abaixo de 500 por sete dias seguidos pela primeira vez desde início de maio

Cada variante do vírus tem sua própria assinatura genética, por isso ela pode ser rastreada até o local de origem. As equipes científicas na Suíça e na Espanha estão examinando o comportamento da nova cepa para determinar se ela pode ser mais letal ou infecciosa do que outras.

Cepa é diferente de outras versões do vírus

De acordo com o jornal britânico, Emma Hodcroft enfatizou que não há  “nenhuma evidência de que a propagação [rápida] da variante se deva a uma mutação que aumente a transmissão ou impacte o resultado clínico” . Mas ressaltou que a 20A.EU1 era diferente de qualquer versão do Sars-Cov-2 que ela havia encontrado anteriormente.

— Não vi nenhuma variante com esse tipo de dinâmica desde que comecei a observar sequências genômicas de coronavírus na Europa — disse Hodcroft ao Financial Times.

Os cientistas estão trabalhando com laboratórios de virologia para descobrir se a 20A.EU1 carrega uma mutação específica na proteína spike (espícula, em inglês), que o vírus usa para entrar nas células humanas, capaz de alterar seu comportamento.

As mutações são mudanças nas "letras" do código genético do vírus, que podem se agrupar em novas variantes e cepas. Já havia sido identificada uma mutação no Sars-Cov-2, chamada D614G, a qual cientistas acreditam tornar o vírus mais infeccioso.

— Precisamos de mais estudos para encontrar mutações que atingiram alta frequência na população e, em seguida, fazer a engenharia reversa para ver se elas tornam o vírus mais transmissível — disse ao jornal britânico Joseph Fauver, epidemiologista genético da Universidade de Yale que não esteve envolvido na pesquisa.

Publicado originalmente por O Globo.com, em 29.10.2020.

Inflação e redução do auxílio emergencial começam a derrubar vendas nos supermercados

Redes relatam queda de até 10% nas últimas semanas; consumidor abriu mão de itens supérfluos e agora só leva o básico

 A disparada da inflação dos alimentos e o corte pela metade do auxílio emergencial recebido por 65 milhões de brasileiros já reduziram em até 10% as vendas das redes de atacarejos nas últimas semanas. Nos supermercados o movimento se repete. “Este mês todo mundo está chiando porque a venda caiu muito”, afirma o diretor de mercado da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Omar Assaf.  

A freada era previsível por causa da redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 desde setembro. No entanto, esse movimento de queda nas vendas ganhou força com a escalada de preços da comida, que continua.


Em outubro, a prévia da inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor - 15 (IPCA-15) atingiu 0,94%. O resultado é mais que o dobro da inflação registrada em setembro e a maior alta para o mês em 25 anos. A comida respondeu pela metade da inflação ao consumidor, com destaques para a carne bovina (4,83%) - item de maior peso entre os alimentos -, óleo de soja (22,34%), arroz (18,48%) e leite longa vida (4,26%), por exemplo.

Desempregada e dependente do auxilio emergencial, Gabriela de Oliveira Santos, de 30 anos, que mora com o filho de 13 anos e a mãe no Capão Redondo, zona Sul de São Paulo, sentiu o baque da inflação e começou a cortar as compras desde o mês passado. “Tirei carne, Danone, bolacha e fruta”, conta. Ela manteve na lista do supermercado só o básico do básico: arroz, feijão, farinha e algumas verduras. “Estamos comendo frango e ovo, que são mais baratos.” Com isso, o gasto no supermercado no mês, que era de R$ 350, não chega hoje a R$ 150.

O corte nas compras foi provocado pela inflação dos alimentos e também porque ela pretendia fazer uma reserva para enfrentar a redução no auxílio emergencial. Mas seu planejamento foi frustrado. É que as contas de água e de luz vieram com aumentos este mês e ela teve de gastar o que havia economizado. “Só Deus sabe como vai ser daqui para frente”, diz Gabriela, que vai receber em novembro o auxílio de R$ 300.


“O consumidor deixou de comprar o supérfluo nas últimas semanas e só leva o básico quando os preços estão extremamente convidativos”, diz um supermercadista que prefere o anonimato. A sua rede, por exemplo, voltada para a classe média, registrou queda de 7% nas vendas em setembro e outubro na comparação com os meses anteriores.

Inflação

A comida respondeu pela metade da inflação ao consumidor em outubro, com destaques para carne bovina (4,83%), óleo de soja (22,34%) e arroz (18,48%). Foto: Alex Silva/Estadão - 9/9/2020

Bolso apertado

Com a pandemia, a população abasteceu a despensa, estocou alimento e comprou de tudo: salgadinho, chocolate, iogurte, vinho, diz um empresário do setor. Isso levou a um pico de vendas nos supermercados, que ocorreu em maio, segundo pesquisa da Apas. Naquele mês, a alta real nas vendas, descontada a inflação, foi de 11,4% ante maio de 2019. Em agosto, último dado disponível e antes do corte do auxílio emergencial, o crescimento havia desacelerado para 1,6% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Hoje a venda dos supérfluos caiu e a quantidade básicos também recuou, segundo empresários.

Com a redução do auxílio emergencial e sem uma contrapartida de aumento do emprego, a perspectiva é que o consumo perca fôlego e a alta de preços arrefeça. Assaf lembra, por exemplo, que o 13.º dos aposentados já foi pago este ano e que essa injeção extra de recursos no último bimestre não vai ocorrer. “É menos dinheiro rodando na praça e menos ânimo para o cidadão repassar custos”, diz o diretor da Apas.

Na sua opinião, os aumentos de preços, que sustentaram a escalada inflacionária dos alimentos, chegaram no limite e não cabem mais no bolso do consumidor. “A indústria começou a sentir isso e a necessidade de vender vai fazer com que ela abra descontos.”

Um sinal dessa mudança já foi captado por outro empresário do setor. Diante da queda nas vendas nas lojas, nos últimos 15 dias, fabricantes de óleo de soja e beneficiadores de arroz pararam de reajustar diariamente os preços desses produtos como faziam até então. O sinal pode ser positivo, mas a verdade só será conhecida no próximo resultado da inflação.

Márcia De Chiara e Douglas Gavras, de O Estado de S.Paulo, em 29.10.2020

Apoio tóxico

Bolsonaro e Lula geram mais rejeição do que atração aos candidatos por eles apoiados.

Ao contrário do que apregoava até pouco tempo atrás, o presidente Jair Bolsonaro decidiu entrar na campanha eleitoral deste ano e declarou apoio a Celso Russomanno (Republicanos) na disputa pela Prefeitura da capital paulista. “São Paulo precisa de um prefeito com o apoio do presidente da República”, “Bolsonaro pegou no meu braço e disse ‘Celso, cuida de São Paulo’”, disse um enternecido Russomanno em seu programa de estreia no horário eleitoral gratuito no rádio e na TV.

Entretanto, desde que decidiu associar sua imagem à do presidente da República, Celso Russomanno viu despencar em 7% suas intenções de voto. O candidato do Republicanos perdeu a liderança da corrida eleitoral para o atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição, repetindo até aqui a trajetória de suas campanhas para o Executivo municipal em 2012 e 2016. De acordo com a pesquisa Datafolha divulgada no dia 22 passado, Russomanno caiu de 27% para 20% das intenções de voto e Covas subiu de 21% para 23%. Ambos estão empatados tecnicamente, dentro da margem de erro da pesquisa.

Bolsonaro também apoia a reeleição do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. Como em São Paulo, o escolhido pelo presidente não vai bem nas pesquisas. O ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) tem 28% das intenções de voto, mais do que o dobro das de Crivella (13%).

Os resultados se coadunam com outra pesquisa, também realizada pelo Datafolha, que revelou que a associação com Jair Bolsonaro e com o ex-presidente Lula da Silva é fator de aumento da rejeição aos candidatos por eles apoiados, e não de atração. O instituto de pesquisa ouviu 1.092 eleitores paulistanos entre os dias 5 e 6 de outubro.

Quando instados a avaliar o apoio político dado pelo presidente Jair Bolsonaro, 63% dos entrevistados pelo Datafolha responderam que “não votariam de jeito nenhum em um candidato apoiado por ele”. Para 16% dos respondentes, o apoio de Bolsonaro os “levaria a escolher esse candidato (apoiado) com certeza”. E para 18%, o apoio conferido pelo presidente da República “talvez” os faça votar no candidato apoiado por ele. Dois por cento dos entrevistados deram outras respostas e 1% não soube responder.

Já a rejeição a um candidato apoiado por Lula da Silva na cidade de São Paulo é menor do que a apurada em relação a Jair Bolsonaro, mas ainda assim é bastante significativa: 54% dos entrevistados pelo Datafolha disseram que “não votariam de jeito nenhum” em um candidato apoiado pelo chefão petista. Já para 21% dos respondentes, o apoio de Lula da Silva é decisivo para a escolha de seu candidato a prefeito. E para outros 23%, a chancela do ex-presidente “talvez” os faça votar no ungido por ele. Um por cento deu outras respostas e 1% não soube responder. Não surpreende, portanto, por que Jilmar Tatto (PT) ocupe hoje uma posição inglória, jamais ocupada por outro candidato petista à Prefeitura de São Paulo. Tatto tem 4% das intenções de voto, empatado tecnicamente com Arthur do Val (Patriota), o chamado “Mamãe Falei”.

O nível de rejeição a um candidato é fator que tem enorme peso em uma eventual disputa em segundo turno. A alta rejeição a Russomanno provocada pelo apoio de Jair Bolsonaro pode beneficiar o candidato tucano caso sejam refletidas nas urnas as preferências que hoje são capturadas pelos institutos de pesquisa. A bem da verdade, Covas é apoiado pelo governador João Doria, que, segundo o Datafolha, também provoca mais rejeição (60%) do que atração (36%). Entretanto, dois fatores pesam a favor do atual prefeito para angariar votos além dos advindos diretamente em decorrência do apoio do governador João Doria: Bruno Covas conseguiu arregimentar a maior coligação de partidos em torno de sua reeleição e tem a aprovação da maioria dos paulistanos para sua atuação durante a pandemia de covid-19, de acordo com uma pesquisa do Ibope realizada em setembro.

O resultado da eleição municipal é incerto, evidentemente. O que parece certo é o cansaço dos paulistanos com uma polarização política estéril.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.10.2020

Eleição nos EUA: 3 em 4 brasileiros que vivem no país votam em Biden, diz pesquisa que apontou vitória de Trump em 2016

Se dependesse apenas da comunidade brasileira nos Estados Unidos, a eleição presidencial americana, que será realizada em cinco dias, já estaria definida. Isso porque 71% dos brasileiros que vivem no país e possuem direito a voto dizem que preferem o democrata Joe Biden, enquanto 27% optam pelo republicano Donald Trump, que concorre à reeleição. É o que indica uma pesquisa feita pelo Instituto Ideia e obtida com exclusividade pela BBC News Brasil.

O Ideia ouviu 800 brasileiros maiores de 16 anos, entre os dias 26 e 27 de outubro, nos Estados da Flórida, Virgínia, Maryland, New Jersey, Nova York, Massachusetts, Texas, Illinois e Califórnia, além do Distrito de Columbia, onde fica a capital do país, Washington D.C.. A margem de erro do levantamento é de três pontos percentuais. O instituto descobriu ainda que mais da metade desses brasileiros já votou — e engrossou os mais de 70 milhões de votos já recebidos no pleito atual. 33% deles enviaram suas cédulas via correio.

O retrato obtido pela pesquisa mostra o democrata Biden com vantagem de 44 pontos percentuais sobre o adversário Trump, em um quadro muito mais confortável do que aponta o agregado de pesquisas nacionais do site FiveThirtyEight, no qual Biden lidera com folga de nove pontos percentuais.

O que eles esperam de quem vencer a eleição?

A explicação para a ampla preferência pelo democrata também surge em uma pesquisa do Ideia realizada em setembro de 2020: 77% dos entrevistados se disseram contrários ao aumento nas restrições do governo americano sobre a imigração legal ou ilegal.

Questionados sobre quais devem ser as prioridades do próximo presidente, os brasileiros colocam em primeiro lugar, em empate técnico, a busca por uma vacina anticovid (23%), a recuperação da economia (22%) e a melhoria do sistema de saúde (19%). Na sequência, estão itens diretamente ligados à questão da imigração. Para 15%, a reforma do sistema migratório americano é o ato mais urgente do próximo mandatário e, para 13%, o presidente deveria se dedicar a criar um caminho para regularizar os indocumentados.

Foi exatamente o teor da proposta de Biden no último debate presidencial entre os candidatos, há uma semana. O democrata afirmou que levará adiante uma reforma do sistema e que enviará ao Congresso uma proposta para dar cidadania americana a 11 milhões de imigrantes que vivem de modo ilegal nos EUA hoje.

"Embora esses brasileiros que podem votar já sejam cidadãos e não estejam em risco de deportação, muitos deles nasceram aqui, filhos de imigrantes sem documentos. Ou são os chamados Dreamers, adultos jovens trazidos para os EUA ainda na infância em condição irregular. Para eles, a ameaça que as políticas de deportação representaram ou ainda representam para as suas famílias é muito real", explica Maurício Moura, fundador do Instituto Ideia e professor visitante da Universidade George Washington, em D.C..

De acordo com Moura, a comunidade brasileira, composta por cerca de 1,2 milhão de pessoas, associa Trump a uma ideia de tolerância zero com os imigrantes. O republicano se elegeu em 2016 prometendo construir um muro na fronteira com o México e colocar pra fora do país o que chamou de "bad hombres", em uma referência a latinos indocumentados nos EUA.

Durante sua gestão, Trump aumentou o número de detenções e prisões de pessoas indocumentadas. Em 2018, ele instituiu uma política de separação de milhares de famílias, inclusive brasileiras, que atravessaram sem autorização do governo americano a fronteira com o México. Por conta da medida, até hoje, 545 crianças jamais puderam ser reunidas a seus pais.

Além disso, em 2019, os americanos passaram a submeter brasileiros a deportação sumária, isto é, sem direito a audiência na Justiça. E também passaram a forçar imigrantes do país em busca de asilo a aguardar o desfecho do processo em território mexicano. Trump entrou ainda na Suprema Corte com um pedido de revogação da permanência dos Dreamers no país.

Embora o governo anterior, do democrata Barack Obama e no qual Biden era o vice-presidente, também tenha registrado recorde em deportações, para os brasileiros, o programa defendido por Trump é ainda mais agressivo e ameaçador.

"De alguma forma, é como se o Trump nem mesmo permitisse mais a vinda dessas pessoas, para depois expulsá-las. Ele tornou esse movimento inviável, e isso é grave para a comunidade", afirma Moura.

Brasileiros podem prever quem vai vencer?

Os imigrantes brasileiros costumam residir nos subúrbios, áreas no entorno de grandes cidades, como Miami, na Flórida, e Boston, em Massachusetts.

E enquanto as cidades americanas são majoritariamente democratas e as zonas rurais, republicanas, os subúrbios funcionam como uma espécie de região pendular, que a cada eleição tende para um lado do espectro político. É exatamente por essa característica que os eleitores dessas áreas têm enorme peso: eles são normalmente o fiel da balança eleitoral.

Em 2016, os subúrbios foram cruciais para a vitória de Trump sobre Hillary. Mas em 2020, parte desse eleitorado, especialmente as mulheres brancas, parece ter desembarcado da candidatura republicana. Há duas semanas, em um comício na Pensilvânia, o próprio Trump reconheceu o problema: ""As mulheres suburbanas, elas deveriam gostar de mim mais do que qualquer um aqui esta noite, porque eu acabei com a regulamentação que trouxe o crime para os subúrbios. Eu permiti a elas viverem o sonho americano. Mulheres suburbanas, vocês poderiam, por favor, gostar de mim? Eu salvei o bairro de vocês, certo?"

Como vivem nessas áreas, os brasileiros tendem a ter, de acordo com Moura, "um senso maior da realidade eleitoral nos EUA" e, por isso, seriam capazes de tomar o pulso do avanço da disputa política e de antever o resultado da eleição.

Em 2016, o Ideia também esteve em campo para aferir a preferência eleitoral da comunidade e descobriu que 78% dela votava por Hillary Clinton. Apesar disso, 52% dos brasileiros ouvidos garantiam que era Donald Trump quem venceria aquele pleito (42% diziam que seria a democrata). Contrariavam assim — e com acerto — o que era dito pelos institutos de pesquisa, que davam a Hillary uma vantagem de cerca de cinco pontos percentuais sobre Trump, e pela imprensa, cuja leitura era de que a democrata era a favorita.

Agora, no entanto, 65% dos brasileiros cravam a vitória de Biden, contra 35% que dizem que é Trump quem vai ganhar. Esses números representam uma mudança em relação ao que a própria comunidade previa em setembro de 2020: naquele momento, Trump era visto por 55% dos brasileiros como o favorito.

Entre uma pesquisa e outra, dois acontecimentos parecem ter pesado sobre o destino da disputa e a percepção dos brasileiros.

O primeiro foi o debate presidencial entre Trump e Biden no fim de setembro. Na ocasião, Trump interrompeu o oponente dezenas de vezes, criando um clima caótico no debate. A avaliação da própria campanha do republicano foi a de que seu comportamento o atrapalhou. Tanto assim que, para o último debate, na semana passada, o presidente mudou completamente sua postura diante do oponente e das câmeras.

O segundo acontecimento foi a contaminação de Trump por coronavírus no início de outubro. Os sintomas de covid-19 no presidente foram fortes — com queda de oxigenação no sangue e febres altas — e obrigaram o republicano a passar quatro dias no hospital. Segundo Moura, "a doença pegou mal para Trump", já que jogou de volta para o centro do debate um tema em que ele não vai bem.

A condução do presidente em relação à pandemia é mal avaliada pelos americanos no geral, mas sua imagem é ainda mais negativa na comunidade brasileira: em outubro, 82% dos brasileiros dizem que Trump teve desempenho ruim na crise sanitária e apenas 9% o aprovam. Em setembro, antes de sua infecção, os números eram ligeiramente melhores para Trump.

Com quase 230 mil mortes por covid-19, os EUA são o líder mundial em perdas humanas na pandemia, em números absolutos. E enfrentam agora a terceira onda de coronavírus em seu território. Os latinos são um dos grupos mais duramente atingidos pela doença: 22% dos adultos latinos já pegaram o novo coronavírus, contra 14% da população americana em geral, segundo o Pew Research.

E apesar disso, Trump tem repetido recentemente que a situação "não é tão grave" e que o vírus "está indo embora". No início do surto, o presidente americano subestimou publicamente a pandemia — enquanto dizia ao jornalista Bob Woodward estar ciente da gravidade da situação. Ameaçou cortar verbas de governadores que não suspendessem as quarentenas e reabrissem a economia. Adotou uma medida para expulsar estudantes internacionais casos suas escolas e universidade não retomassem aulas presenciais — mais tarde, o governo recuou. Defendeu terapias sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina e chegou a sugerir injeção de desinfetante, ao mesmo tempo em que se recusava a usar máscara e a determinar seu uso obrigatório no país.

E embora seja mal avaliado em relação à covid-19 e rejeitado por boa parte da comunidade por sua política imigratória, nos últimos quatro anos, Trump conseguiu ganhar terreno entre os brasileiros que vivem nos EUA.

Em outubro de 2016, a intenção de votos para o republicano era de apenas 10%. Agora, 27% dos brasileiros nos EUA afirmam votar por ele. Os números, aliás, se aproximam dos cerca de 30% da comunidade latina que tem apoiado Trump no país.

A preferência tem muito a ver com a gestão da economia por Trump no pré-pandemia, quando o país registrava crescimento constante e pleno emprego. "Uma anedota comum entre os brasileiros é que conforme eles prosperam de vida deixam de ser democratas e se tornam republicanos", afirma Moura.

Segundo ele, especialmente entre os brasileiros por volta dos 40 ou 50 anos, empreendedores, que tem um negócio próprio e funcionários sob seu comando, os republicanos aparecem com força. Por um lado, esse grupo elogia o corte de impostos para o empresariado que Trump adotou. Por outro, teme que governos democratas deem força a sindicatos que podem trazer prejuízos aos seus negócios.

Fatores como o conservadorismo religioso também podem motivar alguns — especialmente em uma comunidade fortemente evangélica —, mas são um aspecto minoritário, analisa Moura.

Do mesmo modo, a associação entre Bolsonaro e Trump não parece ter resultado em grandes ganhos eleitorais para o americano. "Embora a comunidade brasileira tenha votado em peso em Bolsonaro em 2018, sua rejeição à política migratória de Trump explica esse fenômeno do bolsonarista anti-Trump. Estamos falando de sobrevivência pessoal e da família do eleitor, são impactos diretos sobre a vida dele, isso costuma falar mais alto do que simpatias políticas e ideológicas", diz Moura.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, da BBC News Brasil em Washington

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Covid política e a renovação da política

Ativismo cívico é crucial para livrar o País dos vírus do populismo e do corporativismo.

A covid política é formada por dois vírus: o populismo e o corporativismo. O tratamento correto para desobstruir as artérias entupidas de uma nação sufocada pelo Estado corporativista e ineficiente é bastante conhecida. É preciso reduzir o tamanho e o custo do Estado, administrar com o devido rigor fiscal as finanças públicas e eliminar a insegurança jurídica causada pelo gigantesco cipoal de leis e normas conflitantes, que são agravadas pela arbitrariedade do Poder Judiciário em mudar constantemente o entendimento da legislação.

O corporativismo ataca as iniciativas que buscam desmantelar o Estado caro e ineficiente. Somos o País com a mais alta carga tributária entre os emergentes: taxamos 40% do produto interno bruto (PIB) do setor produtivo para financiar os privilégios do setor improdutivo. O Estado brasileiro é também o maior fomentador de desigualdade social. Nenhuma nação emergente tem uma discrepância média de salário tão alta entre os setores público e privado. No Brasil, a média do salário público é 67% maior que no setor privado.

Já o populismo debilita a confiança nas leis, nas instituições e na democracia com sua vocação para transformar a política num espetáculo circense. O menosprezo pelas leis e instituições, a incivilidade no trato pessoal e dos costumes, as piruetas da demagogia e as frases debochadas dos governantes minam a tolerância, fomentam o radicalismo e transformam a política num contexto vulgar de popularidade. É a “civilização do espetáculo”, como descreveu Vargas Llosa no seu magnífico livro em que retrata a ânsia de encararmos a vida como um espetáculo de entretenimento, pautado por sensacionalismo, frivolidade e banalidade.

O populismo e o corporativismo já deixaram sequelas importantes: uma década de baixo crescimento econômico, cinco anos consecutivos de desemprego recorde e a menor taxa de investimento privado dos últimos dois anos. Esse pesadelo deve continuar no próximo ano. Estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o PIB brasileiro vai crescer menos da metade da média dos países emergentes. Enquanto a média da economia dos emergentes deve crescer 4,8% em 2021, o Brasil crescerá apenas 2,2%. Ademais, há sinais preocupantes de que o governo ameaça romper com o teto de gastos para financiar seu programa de renda básica. A desconfiança do mercado com o populismo fiscal já causou danos expressivos. A taxa de juros dos títulos brasileiros de longo prazo triplicou com o temor de que o País caminhe rumo à insolvência fiscal.

Apesar de a maioria dos brasileiros achar que a economia está no rumo errado, a popularidade de Bolsonaro continua em alta. Segundo recente pesquisa do Ipesp/XP, 39% dos brasileiros consideram o governo ótimo ou bom. A popularidade do presidente não reflete apenas o gosto popular pela política de espetáculo e pelo dinheiro no bolso dos mais pobres conferido pelo auxílio emergencial. Ela denota também a ausência de oposição. O silêncio da oposição é perturbador; retrata falta de liderança, de alternativas e de propostas para o País. A democracia perde muito em qualidade e eficácia com a inexistência de uma oposição capaz de fazer o contraponto ao governo. A troca do circo da direita pelo circo da esquerda não é alternativa concreta; trata-se apenas de uma variação sobre o mesmo tema que continuará a aprisionar o País ao Estado ineficiente, que sufoca o setor privado, afugenta investidores e alimenta a desigualdade social.

O ativismo cívico é crucial para livrar o País dos vírus do populismo e do corporativismo. Muitos governantes e parlamentares comprometidos com as reformas do Estado contam com a pressão cívica para comprar as brigas políticas para avançar com as políticas públicas inovadoras. No Parlamento, deputados e senadores aprovaram a reforma previdenciária e o marco legal do saneamento, contrariando a pressão do corporativismo estatal. Nos Estados, os governadores Flávio Dino (MA), Eduardo Leite (RS), Renan Filho (AL) e Renato Casagrande (ES) estão empenhados em implementar políticas inovadoras e reformas do Estado.

Essa união da sociedade civil e de lideranças públicas reformistas é essencial para ganhar a opinião pública e pressionar o Congresso a votar as reformas administrativa e tributária. A primeira é vital para cortar despesas públicas e melhorar a qualidade e eficiência do serviço público. A segunda é essencial para simplificar regras e acabar com um dos sistemas tributários mais caóticos do mundo. Além dessas duas reformas, o Unidos Pelo Brasil, um movimento da sociedade civil, selecionou projetos de lei que já tramitam no Parlamento capazes de impulsionar a retomada da economia e do investimento privado. Se a agenda proposta pelo Unidos Pelo Brasil for aprovada, o PIB brasileiro poderá crescer 11,35% até 2025. A aliança da sociedade civil com as boas lideranças políticas é a melhor forma para renovar a política, fortalecer a democracia e mudar o destino do País para melhor.

Luiz Felipe D'Ávila, o autor deste artigo, é cientista politico. Autor de "10 mandamentos - do Brasil que somos para o País que queremos". Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de  28.10.2020.

Para generais, críticas de ex-porta-voz refletem insatisfação de militares com tratamento dado por Bolsonaro

Por Gerson Camaroti

Para militares da ativa e da reserva ouvidos pelo blog, as críticas indiretas ao próprio Jair Bolsonaro feitas pelo ex-porta-voz da Presidência Otávio do Rêgo Barros refletem uma crescente insatisfação na caserna com o tratamento recebido pelo presidente.

Em artigo publicado nesta terça-feira (27) (ontem) no jornal Correio Braziliense, Rêgo Barros, general três estrelas da reserva, afirmou que o poder “inebria, corrompe e destrói”.

"Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais — escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos", diz trecho do artigo.

No texto, Barros também criticou auxiliares presidenciais que se comportam como “seguidores subservientes”.

"Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal", afirmou o ex-porta-voz no artigo.

A preocupação nas Forças Armadas, principalmente no Exército, voltou a crescer na semana passada com dois episódios que causaram grande desgaste para a imagem dos militares.

O primeiro envolveu pessoalmente o presidente Jair Bolsonaro, que desautorizou publicamente e depois enquadrou o seu ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, um general três estrelas da ativa.

Pazuello teve que se retratar pelo acordo para comprar vacinas contra o novo coronavírus produzidas pelo Instituto Butantan com tecnologia chinesa.

Na sequência, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, um general quatro estrelas que entrou para a reserva recentemente, foi rotulado como “#mariafofoca” pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, num embate público pelas redes sociais.

Ao blog, um general da reserva alertou que na gestão Bolsonaro os militares estão sofrendo uma espécie de humilhação pública. E que, apesar da ascensão de vários quadros da área militar para cargos estratégicos – inclusive no primeiro escalão – há um risco de contaminação política das Forças Armadas nesse processo.

A primeira grande baixa política de um militar na gestão Bolsonaro foi a do general Carlos Alberto Santos Cruz, que ocupava o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Governo. Ele caiu, após virar alvo da ala ideológica do governo e até mesmo do vereador Carlos Bolsonaro.

Nem mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão, também general quatro estrelas da reserva, escapou de ataques da ala ideológica.

Numa das críticas mais duras em seu artigo, o general Rêgo Barros também mandou um recado direto:

“Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião”.

Em outro trecho da publicação, o ex-porta-voz ainda afirma:

"A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste."

Gerson Camaroti é comentarista político da GloboNews, do Bom Dia Brasil, na TV Globo, e apresentador do GloboNews Política. É colunista do G1 desde 2012. Publicado por G1, em 28.10.2020.


Trump teve US$ 287 milhões em dívidas perdoadas desde 2010

 Reportagem do jornal 'The New York Times' revela que a maior parte do valor está relacionada a um arranha-céu de 92 andares em Chicago.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, teve mais de US$ 287 milhões em dívidas perdoadas desde 2010, revelou na terça-feira (27) o jornal "The New York Times".

Os registros de imposto de renda do presidente americano, obtidos pelo jornal, mostram que a grande maioria da dívida perdoada pelos credores está relacionada ao projeto de um prédio de 92 andares em Chicago, o Trump International Hotel & Tower.

O projeto incluía 486 unidades de condomínio, 339 quartos de hotel, restaurantes, um bar, dois estacionamentos, um clube de saúde, um spa e um espaço de convenções e de varejo.

Segundo o "NYT", "como Trump encontrou problemas em Chicago - e manobrou para sair deles - é um estudo de caso do jeito Trump de fazer negócios".

Agora, as dívidas perdoadas fazem parte de uma investigação sobre os negócios do presidente americano conduzida pelo procurador-geral de Nova York.

Essas dívidas normalmente gerariam uma grande cobrança de impostos, pois a Receita Federal americana trata as dívidas canceladas como receita. Mas o jornal diz que Trump parece não ter pago quase nenhum imposto de renda sobre o valor por causa de grandes perdas em outros negócios.

Alan Garten, diretor jurídico da Trump Organization, disse ao "NYT" que Trump e sua empresa contabilizaram e pagaram todos os impostos devidos sobre as dívidas perdoadas.

“Todas essas transações foram realizadas em condições normais de mercado, voluntariamente celebradas entre partes sofisticadas, muitos anos atrás, após a crise financeira global de 2008 e o colapso resultante dos mercados imobiliários”, disse o diretor jurídico da Trump Organization.

Homem de negócios

Segundo a reportagem, o empreendimento encontrou problemas financeiros, com atraso na construção e dificuldade de vender os espaços disponíveis, mas os devedores não só deram mais tempo para Trump pagar a dívida como emprestaram mais dinheiro depois - e ainda foram processados pelo presidente dos EUA.

Para o jornal, a experiência em Chicago é o exemplo mais recente "da capacidade de Trump de estreitar laços com instituições financeiras e explorar o código tributário americano para amortecer o golpe de seus repetidos fracassos nos negócios".

A reportagem diz que Trump conseguiu um empréstimo de mais de US$ 700 milhões para o projeto em Chicago e foi ao Deutsche Bank. O banco concordou em emprestar US$ 640 milhões e, após atrasos na construção, o débito venceu enquanto partes do prédio ainda estavam inacabadas.

O Deutsche primeiro concedeu uma prorrogação no empréstimo, mas depois negou um pedido de prorrogação adicional. Foi quando Trump processou o banco, junto com o Fortress Investment Group - que havia fornecido um empréstimo de US$ 130 milhões para o projeto - e outros bancos e fundos que haviam comprado parte desses empréstimos.

Trump, segundo o jornal, acusou o Deutsche Banck de "práticas predatórias de empréstimo". O banco respondeu com sua própria ação judicial e exigiu o reembolso do empréstimo.

Em 2010, o Deutsche Bank, o Fortress e o então empresário chegaram a um acordo privado, cujos termos não foram divulgados. Segundo o jornal, as declarações de impostos de renda de Trump e um documento mostram que ele tinha cerca de US$ 270 milhões em dívidas do projeto.

Imposto de renda

A revelação faz parte de uma série de reportagens que o "New York Times" tem feito com base nos registros de imposto de renda do presidente americano - que ele sempre se negou a revelar, ao contrário de todos os seus antecessores.

O jornal publicou que Trump não pagou nenhum imposto de renda federal em 10 dos 15 anos, entre 2000 e 2015, por alegar que perdeu mais dinheiro do que ganhou.

O "NYT" também revelou que o presidente dos EUA pagou apenas US$ 750 em impostos federais tanto no ano em que foi eleito quanto no seu primeiro ano na Casa Branca.

Trump negou a história quando ela foi divulgada e afirmou que pagava "muito" em impostos de renda federais.

Recentemente, reportagem do jornal também mostrou que uma empresa do presidente americano tinha uma conta não revelada na China.

Segundo o jornal, a empresa pagou US$ 188,5 mil em impostos no país entre 2013 e 2015 - o que virou alvo de piada na China.

Publicado por G1, em 28.10.2020

Memento mori, artigo do ex-porta voz da Presidência da República

''A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade''

Legiões acampadas. Entusiasmo nas centúrias extasiadas pela vitória. Estandartes tomados aos inimigos são alçados ao vento, troféus das épicas conquistas. O general romano atravessa o lendário rio Rubicão. Aproxima-se calmamente das portas da Cidade Eterna. Vai ao encontro dos aplausos da plebe rude e ignara, e do reconhecimento dos nobres no Senado. Faz-se acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” — lembra-te que és mortal!

O escravo que se coloca ao lado do galardoado chefe, o faz recordar-se de sua natureza humana. A ovação de autoridades, de gente crédula e de muitos aduladores, poderá toldar-lhe o senso de realidade. Infelizmente, nos deparamos hoje com posturas que ofendem àqueles costumes romanos. Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião.

É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais.

Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais — escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos.

Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal.

Entendam a discordância leal, um conceito vigente em forças armadas profissionais, como a ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua missão com sucesso.

A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste. Vê-se sempre como o vencedor na batalha de Zama, nunca como o derrotado na batalha de Canas.

Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói! E se não há mais escravos discordantes leais a cochichar: “Lembra-te que és mortal”, a estabilidade política do império está sob risco.

As demais instituições dessa república — parte da tríade do poder — precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do “imperador imortal”. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões. A imprensa, sempre ela, deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar, esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos atos do César.

A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade. Por fim, assumindo o papel de escravo romano, ela deverá sussurrar aos ouvidos dos políticos que lhes mereceram seu voto: — “Lembra-te da próxima eleição!”

Paz e bem!

Otávio Santana do Rêgo Barros, o autor deste artigo, é General de Divisão do Exército Brasileiro. Doutor em ciências militares, foi o porta-voz da Presidência da República, nomeado pelo governo Jair Bolsonaro. Publicado originalmente pelo Correio Braziliense, edição de 27.10.2020. 



O que dizem as pesquisas a uma semana das eleições nos EUA

Biden tem clara vantagem nas sondagens nacionais e lidera as intenções de voto na maioria dos estados-chave para definir o pleito. Mas isso não significa que Trump não tem chance de se reeleger.

Eleitora vota em urna nos Estados Unidos

Resultado das eleições americanas será conhecido na próxima terça-feira

Em sete dias, os eleitores dos Estados Unidos definirão quem comandará o país pelos próximos quatro anos. Sondagens nacionais apontam vantagem para o candidato democrata, Joe Biden, em relação ao presidente Donald Trump, mas isso não significa que a corrida está definida.

O ex-vice-presidente de Barack Obama têm estado à frente do candidato republicano à reeleição na maioria das pesquisas nacionais desde o início do ano, chegando a obter uma vantagem de 11 pontos percentuais em algumas ocasiões.

O site de análise política FiveThirtyEight, que avalia sondagens eleitorais e publica médias, mostra Biden com 52,1% da preferência do eleitorado nesta segunda-feira (26/10), o último dado disponível, enquanto Trump tem 43%.

Mas as pesquisas de opinião nacionais não são um bom indicador para prever o resultado da eleição, servindo mais para avaliar o clima entre os eleitores antes da votação.

Em 2016, por exemplo, a candidata democrata Hillary Clinton liderou as sondagens e obteve quase três milhões de votos a mais que Trump, mas mesmo assim perdeu o pleito. Isso porque as eleições presidenciais americanas não são decididas pelo voto popular, e sim pelo Colégio Eleitoral.

Cada estado possui um determinado número de delegados, mais ou menos de acordo com a sua população. A Califórnia tem o maior número de delegados (55), enquanto Delaware, por exemplo, tem apenas três. No total, são 538 delegados. Para ganhar as eleições presidenciais, é necessário obter a maioria no Colégio Eleitoral, ou seja, 270 votos.

A maioria dos estados usa o chamado sistema winner-takes-all (o vencedor leva tudo). Ou seja, quem vencer na Califórnia, por exemplo, fica com todos os 55 votos da Califórnia, mesmo que a vantagem sobre o outro candidato tenha sido de alguns décimos de pontos percentuais. Apenas dois estados não seguem essa lógica: Maine e Nebraska. 

Portanto, para se ter uma previsão mais fiel da disputa à Casa Branca, recomenda-se analisar as pesquisas eleitorais nos estados. A maioria deles vota consistentemente em um ou outro partido. Enquanto Biden aparece com folga em estados com tendência histórica democrata, como Nova York e Califórnia, Trump tem vantagem em estados como Mississippi e Texas.

Mas também há aqueles considerados "estados-pêndulo", que não têm uma tendência definida. Na maior parte deles, Biden obtém vantagem nas pesquisas, embora com apenas cerca de um ponto percentual à frente de Trump em alguns casos, como Iowa e Carolina do Norte.

As sondagens nesses estados, considerados chave para a definição das eleições, apontam a liderança do democrata inclusive em regiões onde Trump venceu nas eleições de 2016.

Na média das pesquisas, Biden aparece à frente, por exemplo, nos estados de Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, com cerca de 50% das intenções voto, enquanto Trump não passa de 45%. O republicano precisou vencer nesses três estados para derrotar a democrata Hillary Clinton nas últimas eleições.

Em Iowa, por exemplo, onde Trump venceu a então candidata democrata por quase 10 pontos percentuais há quatro anos, Biden aparece à frente nas intenções atualmente.

Assim, levando em conta as pesquisas estaduais e tendências históricas, o site FiveThirtyEight afirma que Biden é o favorito para vencer a eleição em 3 de novembro. A equipe realizou 40 mil simulações eleitorais para prever o resultado do pleito, e, hoje, aponta que o democrata vence em 88 de cada 100 simulações. Já o republicano leva a disputa em 12 de cada 100.

Mas, levando em conta o complexo sistema eleitoral americano, margens de erro e possíveis falhas nas pesquisas podem não refletir a realidade na próxima terça-feira.

Publicado por Deutsche Welle em 28.10.2020

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Trump e Bolsonaro destruíram as defesas da América Latina contra a covid-19, diz jornal

Reportagem do The New York Times destaca que os dois presidentes minimizaram a pandemia, promoveram remédios sem comprovação e sabotaram esforços contra a covid-19

Uma reportagem do jornal The New York Times publicada nesta terça-feira, 27, traça as semelhanças entre o presidente Jair Bolsonaro e o americano Donald Trump na condução da crise causada pelo coronavírus, destacando que ambos têm um "desprezo compartilhado pelo vírus" e construíram "uma campanha ideológica que minou a capacidade da América Latina de responder à covid-19".

A América Latina tem um terço das mortes no mundo e sofreu mais com a covid-19 do que qualquer outra região no planeta. Os EUA são o país mais afetado em número de mortes, com 225.739, seguidos pelo Brasil, com 157.397. 

O The New York Times destaca que sistemas de saúde pouco estruturados e cidades superlotadas tornaram a América Latina mais vulnerável à pandemia, mas "ao expulsar médicos, bloquear a assistência e promover falsas curas, Trump e Bolsonaro pioraram a situação, desmantelando as defesas". 

A reportagem afirma que os dois líderes mais poderosos das Américas são nacionalistas que desafiam a ciência e colocaram o crescimento econômico e as políticas de curto prazo à frente das advertências de saúde pública. Também lembra que ambos fizeram com que 10 mil médicos e enfermeiras cubanos de áreas pobres de nações como Brasil, Equador, Bolívia e El Salvador fossem mandados de volta para Cuba. Muitos partiram sem serem substituídos meses antes da chegada da pandemia, o que fragilizou a já deficiente estrutura de saúde. 

"Em seguida, os dois líderes atacaram a agência internacional mais capaz de combater o vírus - a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) - citando seu envolvimento com o programa médico cubano. Com a ajuda de Bolsonaro, Trump quase levou a agência à falência ao reter o financiamento prometido no auge do surto", afirma trecho da matéria. 

O texto ainda lembra que Trump e Bolsonaro tentaram fazer da hidroxicloroquina a peça central da resposta à pandemia, apesar do consenso médico de que o remédio é ineficaz e pode até ser perigoso. A agência americana Food and Drug Administration desencorajou, em abril, o uso da hidroxicloroquina para tratar a covid-19. "Um mês depois, Trump anunciou que os EUA enviariam ao Brasil dois milhões de doses".

“Em seu zelo para se livrar dos médicos cubanos, o governo Trump puniu todos os países do hemisfério e, sem dúvida, isso significou mais casos de covid e mais mortes”, disse Mark L. Schneider, ex-chefe de estratégia planejamento para a Organização Pan-Americana da Saúde, que foi funcionário do Departamento de Estado no governo Clinton. 

“Ninguém da Organização Pan-Americana da Saúde estava aqui e sentimos sua ausência”, lamentou Washington Alemán, especialista sênior em doenças infecciosas e ex-vice-ministro da saúde do Equador, que diagnosticou o primeiro caso confirmado de covid no país. “O suporte não foi como nos anos anteriores". 

“A OPAS não tinha as ferramentas e não tinha o dinheiro”, disse Henrique Mandetta, o ex-ministro da saúde brasileiro que trabalhou com Bolsonaro para expulsar os cubanos. “A OPAS não pôde expandir da maneira que precisava, e no Equador, na Bolívia, havia pessoas morrendo em suas casas e corpos deixados nas ruas por falta de assistência.”

Redação, O Estado de S.Paulo, 27 de outubro de 2020 | 09h28

 

País tem 157.528 óbitos registrados e 5.415.671 diagnósticos de Covid-19

O Brasil tem 157.528 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta terça-feira (27), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Desde o balanço das 20h de segunda-feira (26), 8 estados atualizaram seus dados: BA, CE, GO, MG, MS, RN, RR e TO.

Veja os números consolidados:


157.528 mortes confirmadas

5.415.671 casos confirmados

Às 8h, o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 157.451 mortes e 5.411.932 casos.

Na segunda-feira, às 20h, o balanço indicou: 157.451 mortes confirmadas, 288 em 24 horas. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 461, a menor marca desde o dia 7 de maio, quando estava em 460. A variação foi de -8% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de estabilidade nas mortes por Covid-19, ou seja, quando não houve aumento ou queda significativa no período.

Em casos confirmados, desde o começo da pandemia 5.411.550 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 17.791 desses confirmados no último dia. A média móvel de novos casos nos últimos 7 dias foi de 22.918 por dia, uma variação de +12% em relação aos casos registrados em 14 dias. Ou seja, também indicando estabilidade.

Brasil, 26 de outubro

Oito estados apresentam indicativo de alta de mortes, entre eles os três que integram a região Sul: Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, Acre, Amazonas, Amapá, Ceará e Pernambuco. A última vez em que tantos estados apresentaram tendência de alta ocorreu em 24 de setembro. Outros nove estados têm curvas que apontam queda.

Vale ressaltar que há estados em que o baixo número médio de óbitos pode levar a grandes variações percentuais. No AC, por exemplo, a média estava em 1 permaneceu em 1 no período de duas semanas, resultando em uma variação de +43%. É similar ao que ocorre no AP, que teve a média também mantida em 1 e variação de +17%.

No AM, que teve a maior variação (+80%), o número saltou de 9 para 16 mortes por dia. Os dados de médias móveis são, em geral, em números decimais e arredondados para facilitar a apresentação dos dados.

Estados

Subindo (8 estados): PR, RS, SC, AC, AM, AP, CE e PE

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (10 estados): ES, RJ, SP, PA, RR, TO, MA, PB, PI e SE

Em queda (8 estados + o DF): MG, DF, GO, MS, MT, RO, AL, BA e RN

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Fonte G1

As novas ameaças e o Brasil

País deve acompanhar a evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial.

Grande parte das facilidades da nossa vida no planeta Terra depende, para seu funcionamento diário, de objetos baseados no espaço. Sistemas de comunicação, transporte aéreo, comércio marítimo, serviços financeiros, monitoramento de clima e defesa dependem da infraestrutura espacial, incluindo satélites, estações terrestres e movimentação de dados em âmbito nacional, regional e internacional. Essa dependência apresenta sérios – e frequentemente pouco percebidos – problemas de segurança para empresas provedoras e para os governos.

Nesse cenário, começam a ser examinadas novas ameaças de ataques aos satélites em órbita que podem afetar todos os serviços e facilidades mencionados. Essas ameaças devem estar sendo avaliadas pelo governo brasileiro. Além disso, a utilização do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, tornada possível depois de décadas de decisões equivocadas, representa um grande desafio para o governo e as empresas brasileiras. Não só pela necessidade de melhoria na infraestrutura da região e do próprio centro, mas também na legislação interna, sobre uma lei do espaço (que defina as atividades comerciais no espaço, como a utilização de detritos espaciais), sobre o órgão responsável pela negociação com empresas interessadas na utilização do CLA, a definição do contrato de licenciamento de lançamento, a ser assinado com a autoridade nacional e o comércio de tecnologia espacial.

Como qualquer outra infraestrutura digitalizada, satélites e outros objetos baseados no espaço são vulneráveis, em especial, a ameaças cibernéticas. As vulnerabilidades cibernéticas apresentam riscos muito sérios não só para esses objetos, mas também para infraestruturas essenciais terrestres. Se não forem contidas, essas ameaças poderão interferir no desenvolvimento econômico global e, por extensão, na segurança internacional. Cabe registrar que essas preocupações não são meramente hipotéticas. Na última década mais países e atores privados conseguiram adquirir e empregar meios para afetar esses objetos espaciais críticos com aplicações inovadoras que começam a representar uma ameaça real ao seu funcionamento.

A ideia da guerra espacial não é nova, começou com os foguetes V-2 da Alemanha. A eventual atividade bélica no espaço hoje se concentra nos instrumentos utilizados para as guerras na Terra. Os satélites são utilizados nas operações militares para identificar alvos e responder a questões estratégicas, além de localizar as forças militares e bombas e obter informações nos teatros de guerra. Isso torna os satélites alvos atrativos para mísseis terrestres. EUA, China e Índia estão desenvolvendo armamentos destrutivos de objetos no espaço, visando a impedir os sinais para a Terra dos satélites militares com lasers ou mesmo os explodindo, fazendo detritos se espalharem pelo cosmo. Estão também tornando suas Forças Armadas voltadas para o espaço. Em 2019 foi criada pelo governo dos EUA a Força Espacial, serviço militar independente cujos doutrina, treinamento e capacidade estão sendo definidos pelo Pentágono.

Para tentar evitar uma lei da selva espacial começa a ser discutido algum tipo de regime multilateral. No momento não há leis nem normas específicas para uma eventual guerra espacial. O Tratado sobre o Espaço Exterior, de 1967, proíbe a utilização de armas de destruição em massa no espaço, mas não trata de armas convencionais. Se dois satélites, por exemplo, ficam muito próximos de maneira ameaçadora, não há respostas adequadas. Em 2008 a União Europeia propôs um código de conduta voluntário para promover “comportamento responsável” nessa área. No mesmo ano, para se contrapor a essa iniciativa, China e Rússia propuseram um tratado que proibiria armas no espaço. O tratado não visava armas antissatélites, mas armas antimísseis baseadas no espaço. A oposição à iniciativa europeia, além da Rússia e da China, veio da América Latina e da África. Apesar de apoiar a desmilitarização do espaço, os países dessas regiões não aceitaram que os países com objetos no espaço pudessem ter o direito de usar a força para defendê-los. Nenhuma das duas iniciativas prosperou, mas experimentos militares com fins ofensivos continuam a ser feitos visando à eventual destruição de satélites que poderão ter efeitos devastadores para a defesa e as comunicações globais.

O governo brasileiro não poderá perder de vista as transformações positivas que ocorrerão na área aeroespacial pela redução de custos, por novas tecnologias e, sobretudo, pelo aparecimento de uma nova geração de empresários privados operando ao lado dos governos. Turismo para os ricos e mais avançada rede de comunicações para todos, exploração mineral e transporte de massa passarão a ter um impacto nos negócios e tornarão o espaço uma verdadeira extensão da Terra. Com visão de futuro, o Brasil, que passará a ter interesses concretos nesse campo, deveria fazer o acompanhamento da evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial.

Sem descurar das novas ameaças que começam a ser discutidas agora e poderão afetar as facilidades terrestres de que dispomos, o Brasil deveria participar dessas conversações, quando retomadas.

O autor deste artigo, Rubens Barbosa, foi Embaixador do Brasil em Washington (USA).Atualmente preside o Centro de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN). Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 27.10.2020.

Espírito monárquico

Mais uma vez, o presidente trata o aparato do Estado como extensão da sua casa.
 
O presidente Jair Bolsonaro participou de uma reunião com duas advogadas de seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, para discutir supostas irregularidades em relatórios produzidos por órgãos federais de fiscalização a respeito do parlamentar, enrolado no escândalo das rachadinhas. Estiveram no encontro o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem.

Mais uma vez, o presidente Bolsonaro trata a Presidência da República e o aparato institucional do Estado como uma extensão de sua casa, usando-os como instrumentos para resolver problemas particulares. 

Nunca é demais lembrar: o artigo 37 da Constituição, que o sr. Bolsonaro jurou respeitar e fazer respeitar, diz que o presidente da República, bem como qualquer outro integrante da administração pública, deve se pautar pelo princípio da impessoalidade. Isto é, nenhum funcionário público pode usar o cargo para fins privados – especialmente o presidente da República, por razões óbvias.

O mesmo artigo constitucional diz que outro princípio fundamental da administração pública é o da publicidade, exigência igualmente ignorada pelo presidente Bolsonaro. A reunião com as advogadas do filho Flávio Bolsonaro, realizada no dia 25 de agosto, não constava da agenda oficial nem do presidente nem de seu ministro do GSI. 

Não fosse o trabalho da imprensa, portanto, os cidadãos brasileiros seriam privados da informação segundo a qual o presidente da República se reuniu de maneira inapropriada com as advogadas de seu filho e envolveu os chefes do GSI e da Abin, para tratar de assuntos de exclusivo interesse de sua família.

Assim, pouco importa do que foram se queixar as advogadas de Flávio Bolsonaro ao pai deste – que vem a ser o chefe formal dos órgãos federais cujo trabalho é verificar se os cidadãos, como o citado senador, não estão burlando o Fisco. O que interessa é que o presidente as recebeu em sigilo e, segundo o que se sabe, usou seu poder para verificar a possibilidade de atender ao pleito da defesa do filho, envolvendo inclusive o serviço de inteligência federal, sabe-se lá com que propósitos obscuros.

Não é de hoje que o presidente Bolsonaro encara suas questões particulares como se fossem de Estado. No caso mais rumoroso, corre no Supremo Tribunal Federal um inquérito para apurar se Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal para favorecer sua encrencada família, segundo acusou o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Também não é de hoje que o senador Flávio Bolsonaro não se defende objetivamente das acusações que sofre, limitando-se a lançar mão de chicanas e manobras protelatórias que tão bem caracterizaram a defesa de muitos dos réus do mensalão e do petrolão, escândalos de triste memória.

Primeiro, o senador moveu montanhas para manter o foro por prerrogativa de função, que não cabia nesse caso. Depois, alegou que o Ministério Público não podia fazer acusações com base em dados oriundos de suposta quebra de sigilo bancário. Agora, sua defesa pretende colocar sob suspeita a produção de relatórios de órgãos de fiscalização que podem comprometê-lo.

Em seu esforço para procrastinar o acerto de contas com a Justiça, o senador Flávio Bolsonaro parece de fato contar com a prestimosa ajuda do pai, que nunca escondeu que seus filhos precedem o interesse público. “Pretendo beneficiar filho meu sim”, já disse o presidente, em outra ocasião, sobre sua disposição de usar o cargo para dar uma forcinha à prole. 

E o mais espantoso é que ninguém no entorno de Bolsonaro expressa desconforto com isso. Ao contrário, parece considerar realmente que o Estado que Bolsonaro chefia temporariamente deve estar a serviço dos integrantes da “família presidencial”, expressão que não por acaso consta tanto da nota do ministro Augusto Heleno como da nota do senador a respeito da reunião sobre as supostas irregularidades na Receita – e que é muito mais apropriada a uma monarquia do que a uma república.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado em 27.10.2010

Não é o arroz, presidente

Executivo precisa informar com urgência – e de forma crível – como pretende manter a recuperação e arrumar suas contas a partir de janeiro.

Com a grosseria habitual, o presidente Jair Bolsonaro mandou um cidadão incomodado com a alta de preços comprar arroz na Venezuela. Também de forma habitual, a reação tosca serviu para afastar um assunto desagradável e complicado. Não serviu, no entanto, para atenuar o desajuste dos preços nem para afastar uma das principais ameaças à continuação da retomada econômica. A inflação diminui o poder de compra das famílias, já afetado pela redução do auxílio emergencial e pelo desemprego recorde. O custo do arroz, tema do incidente na Feira Permanente do Cruzeiro, no Distrito Federal, é apenas um detalhe bem visível do problema diante do Executivo. Será o presidente capaz de perceber o desafio real?

Bem comportados até há pouco tempo, os preços no varejo voltaram a assombrar as famílias. A prévia da inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), bateu em 0,94%, a maior variação para um mês de outubro desde 1995. A alta acumulada no ano foi de 2,31%. Em 12 meses o IPCA-15 subiu 3,52%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sem correção da renda familiar, preços mais altos acabam resultando em menor poder de consumo.

A maior pressão, como no mês anterior, veio de alimentos e bebidas. Esse componente ficou 2,24% mais caro e, por seu peso no orçamento familiar, contribuiu com 0,45 ponto para o aumento geral de 0,94%. Carnes, óleo de soja, arroz, tomate e leite longa vida foram os produtos com maiores altas de preços, na parte alimentar.

Famílias de baixa renda são as mais prejudicadas pelo encarecimento da comida e de outros itens essenciais, como o gás de cozinha. Em setembro, houve aceleração da alta de preços para famílias de todas as faixas de renda e as mais pobres foram as mais afetadas.

A inflação por faixa de renda mensal é acompanhada regularmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As famílias são agrupadas em seis faixas. Em setembro, as taxas de inflação dos diferentes estratos variaram amplamente, desde 0,29% para a faixa de renda muito alta até 0,98% para a de renda muito baixa.

Cerca de três quartos da inflação dos muito pobres, em setembro, são explicáveis pela alta de preços da comida. Para as famílias de renda média, a alimentação mais cara produziu 0,39 ponto porcentual da inflação de 0,56%. Para os consumidores do extremo superior o item alimentação contribuiu com 0,20 ponto do total de 0,29%. A diferença, quando se observa o período de um ano, é muito grande. Nos 12 meses até setembro de 2020 a inflação da classe de renda muito baixa atingiu 4,3%, enquanto a das pessoas de renda muito alta ficou em 1,8%.

As famílias pobres foram, proporcionalmente, as mais beneficiadas pelo auxílio emergencial, diminuído a partir de setembro e com extinção prevista para o fim de ano. Essas famílias também estão, normalmente, entre as mais afetadas pelas más condições do mercado de trabalho.

No fim de setembro estavam desocupados 14 milhões de trabalhadores, 14,4% da força de trabalho, mas o número de pessoas em condições precárias (desempregadas, desalentadas e outras) passava de 30 milhões.

Empregos devem surgir neste fim de ano, mas a melhora é sazonal. Não se sabe se as contratações igualarão as de 2019 nem se a mão de obra retida pelas empresas na virada do ano, quando a maior parte é dispensada, será maior ou menor que a de períodos anteriores.

Como nem o Orçamento está definido, é difícil qualquer previsão para 2021. Além disso, o Executivo nem sequer esboçou uma estratégia para sustentação da retomada. Em setembro, o Índice de Confiança do Comércio, medido pela Fundação Getúlio Vargas, diminuiu de 99,6 para 95,8 pontos, depois de cinco altas consecutivas. O Executivo precisa informar com urgência – e de forma crível – como pretende manter a recuperação e arrumar suas contas a partir de janeiro. Sem um mínimo de segurança, será difícil planejar os negócios, o dólar continuará alto e a inflação seguirá pressionada. O problema é bem mais grave que o preço atual do arroz.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 27;10.2020