sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Confirmação de que Trump está com covid gera reviravolta em corrida eleitoral

Contaminação do presidente a 32 dias da eleição irá mudar de imediato o ritmo da campanha, com consequências políticas ainda imprevisíveis

 O anúncio feito pelo presidente Donald Trump  por volta da 1h da manhã desta sexta-feira, 2, que está com covid-19 gera uma reviravolta na corrida eleitoral. A contaminação do presidente pelo coronavírus a 32 dias da eleição irá mudar de imediato o ritmo da campanha, com consequências políticas ainda imprevisíveis para o resultado de uma eleição já tumultuada

Trump, que vinha fazendo comícios eleitorais e eventos de arrecadação de fundos para a campanha em ambientes fechados, iniciou a quarentena na madrugada de hoje. Se ele tiver um ciclo normal de recuperação da doença, de 14 dias após a infecção, pode ficar quase metade do tempo restante até as eleições afastado do contato com o público. Os comícios são considerados um dos maiores ativos políticos do presidente, conhecido por ser um "showman" com alta capacidade de energizar seus eleitores em discursos. Trump viajaria para a Flórida nesta sexta-feira e para o Wisconsin no final de semana, dois Estados-pêndulo cruciais para as eleições.



Donald Trump e primeira-dama Melania testam positivo para o novo coronavírus

A infecção por covid-19 também coloca em xeque a realização dos próximos dois debates com o democrata Joe Biden. O próximo encontro entre os dois candidatos está agendado para o dia 15 de outubro. A imprensa americana já discute também o que acontecerá em um cenário mais grave, caso Trump sofra com complicações da doença e esteja com a saúde ameaçada no dia da eleição, em 3 de novembro.

Um rastreamento de contágio entre o alto escalão do governo americano que esteve com Trump nos últimos dias deve acontecer hoje. Ainda não há informação da campanha do democrata Joe Biden, que esteve com Trump na terça-feira durante debate eleitoral, se ele será testado.

Com os comícios dos últimos meses, Trump tentou não apenas retomar o contato com o eleitorado, mas também mostrar que os Estados Unidos estavam voltando à vida normal apesar do coronavírus. Parte da mensagem política do presidente consiste em mostrar que ele colocou os EUA no caminho da recuperação econômica, de saúde e que conseguirá anunciar uma vacina em tempo recorde.

Tonight, @FLOTUS and I tested positive for COVID-19. We will begin our quarantine and recovery process immediately. We will get through this TOGETHER! — Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 2, 2020

Considerado o favorito para ganhar a disputa eleitoral no início do ano, o republicano perdeu apoio desde o início da pandemia. A maioria da população reprova a resposta dada pelo presidente à crise de saúde. Os EUA têm o maior número de casos (7,2 milhões) e de mortos (207 mil) por covid-19 no mundo.

Trump negou a gravidade do coronavírus no início do ano. Quando a situação já havia saído do controle em Nova York, na metade de março, ele endossou a necessidade de adotar medidas de isolamento, mas apenas por um breve período. Em abril, diante da explosão no número de desempregados no país e já em queda nas pesquisas de opinião, o presidente passou a pressionar governadores para reabrir a economia antes do considerado seguro por especialistas.

Desde março, o republicano entrou sucessivas vezes em choque com o corpo de infectologistas que orienta a Casa Branca, abraçou teorias de cura não comprovada, resistiu a defender o uso de máscaras e quebrou regras de distanciamento. No debate com Biden na última terça-feira, ele ironizou o fato de o democrata fazer eventos de campanha para pouquíssimas pessoas. "Ele faz círculos com três pessoas", disse Trump. "Se você conseguisse ter as multidões, você faria o mesmo (comícios)", completou o republicano, que também zombou do fato de Biden sempre aparecer de máscara em público -- algo que ele já disse que "não é muito presidencial".

Saiba como funcionam bipartidarismo, prévias, escolha dos vices, colégio eleitoral, votos, apuração e pesquisas na disputa presidencial dos Estados Unidos

iden respondeu com a acusação de que Trump tem sido "totalmente irresponsável na forma como ele lida com distanciamento social, o uso de máscaras -- basicamente encorajando as pessoas a não usarem". "Ele é um idiota nisso", disse o democrata. Considerado uma das principais formas de prevenção, o uso de máscara foi politizado nos EUA. Apoiadores do presidente resistem a usar máscaras em muitas partes do país.

A confirmação de que Trump está com covid-19 não apenas tira o republicano da campanha, como também joga para o centro do debate público e eleitoral o tema que mais o prejudica: a pandemia. Nos últimos meses, Trump tentou mudar o foco da discussão eleitoral e centrar sua mensagem em narrativas que têm apelo entre o eleitorado republicano.

Em junho, Trump adotou o discurso de defesa da lei e da ordem diante dos protestos antirracismo e contra violência policial que se espalharam pelo país após o assassinato de George Floyd em Mineápolis. Em agosto, com novos protestos em Kenosha, no Wisconsin, Trump renovou o mesmo discurso e apelou para o medo, ao dizer que os subúrbios seriam destruídos por protestantes e anarquistas se os democratas fossem eleitos. Nas últimas duas semanas, o foco do republicano foi a indicação de uma nova juíza para a Suprema Corte, um assunto caro à base conservadora. Em todas as ocasiões, Joe Biden tentava puxar o debate novamente para questões sobre acesso à saúde em meio e a pandemia, uma fragilidade na campanha de Trump.

O impacto eleitoral ainda é imprevisível. O jornalista e âncora da CNN americana Anderson Cooper citou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, na cobertura dessa madrugada ao dizer que Trump pode reforçar seu discurso de que a doença não é grave caso se recupere brevemente. Bolsonaro, Trump e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson são considerados por analistas internacionais como símbolos de líderes que minimizaram a gravidade do vírus. Os três foram infectados.

A confirmação de que Trump está com coronavírus também coloca em questão o esquema de segurança da Casa Branca. O presidente alegava que pode circular e interagir sem máscara durante eventos porque todas as pessoas que o cercam são testadas diariamente. Com frequência, os eventos realizados pela presidência ou pela campanha ignoraram protocolos de segurança defendidos por médicos e autoridades do país. 

Beatriz Bulla, correspondente de O Estado de S.Paulo em Washington, DC. Publicado originamente em 02.10.2020, às 07h02.

O presidente Donald Trump anunciou na madrugada desta sexta-feira, 2, que ele e a primeira-dama Melania testaram positivo para o novo coronavírus. Em uma publicação no Twitter, Trump disse que vai começar a quarentena "imediatamente". Os dois fizeram exames para a covid-19 após a conselheira próxima do presidente, Hope Hicks, ser diagnosticada com o novo coronavírus. 

O médico do presidente, Sean Conley, disse em comunicado que Trump vai continuar a cumprir seus deveres “sem interrupções”. Segundo ele, o presidente e a primeira-dama passam bem e “planejam continuar em casa durante a recuperação”.

Mesmo após serem notificados dos sintomas de Hope Hicks, Trump e sua comitiva viajaram até Nova Jersey para participar de um evento de arrecadação de fundos para a campanha. O presidente entrou em contato direto com dezenas de outras pessoas, incluindo apoiadores.

Aos 74 anos, Donald Trump é um paciente de alto risco para o novo coronavírus por conta da idade e por ser considerado "acima do peso". Ele demonstrou ter boa saúde durante os últimos anos na Casa Branca, mas não costuma se exercitar com frequência ou seguir uma dieta saudável.  

Trump cancelou os planos de participar de um evento de campanha na Flórida nesta sexta-feira, mas manteve na agenda uma ligação telefônica ao meio-dia sobre “apoio a idosos vulneráveis durante a covid-19”.  

Presidente anunciou diagnóstico positivo na madrugada desta sexta-feira e disse que irá começar a quarentena "imediatamente" Foto: Carlos Barria/REUTERS

Hicks viajou com o presidente americano a bordo do Air Force One diversas vezes nesta semana e esteve com ele no debate, em Cleveland. Com a quarentena de Trump, a agenda de campanha muda radicalmente. 

Trump, que sempre minimizou os efeitos da covid, vinha fazendo comícios com grande público. O presidente disse a Sean Hannity, âncora da Fox News, durante uma entrevista ao vivo na noite desta quinta-feira, que ele e a primeira-dama, Melania Trump, foram testados depois de saberem sobre Hicks e estavam aguardando os resultados. 

Hicks, de 31 anos, foi porta-voz da campanha de Trump em 2016 e, em seguida, se tornou diretora de comunicações da Casa Branca. Em 2018, deixou o governo para ocupar um cargo na Fox News. Ela voltou à Casa Branca em fevereiro no papel de conselheira do presidente. Nos últimos dias, Hicks viajou com Trump para Pensilvânia, Ohio e Minnesota.

A conselheira foi fotografada sem máscara no comício da Pensilvânia, batendo palmas ao som de YMCA, da banda Village People, com outros assessores de Trump. Ela também não usava proteção em Cleveland (Ohio), onde foi realizado o primeiro debate da campanha presidencial na terça-feira.  

Trump, que não usa máscara nem promove distanciamento social, costuma ser visto próximo a sua comitiva, que também não segue as recomendações de especialistas em saúde pública. 

“O presidente leva muito a sério sua saúde e segurança, assim como a de todos que trabalham em seu apoio e do povo americano”, disse Judd Deere, porta-voz da Casa Branca. “O Departamento de Operações da Casa Branca colabora para garantir que todos os planos e procedimentos incorporem as orientações e as melhores práticas do CDC para limitar ao máximo possível a exposição à covid-19.”

Biden

Histórias falsas sobre a saúde do democrata Joe Biden se espalharam nas redes sociais dois dias após o primeiro debate presidencial. Parte das informações falsas vem de anúncios enganosos no Facebook promovidos pela campanha de Trump, além de vídeos virais no TikTok. Uma história falsa sobre Biden usando um fone de ouvido durante o debate com Trump surgiu na terça-feira e continuou a ganhar força no Facebook após o evento. 

O anúncio promovido pela campanha de Trump, que incentiva as pessoas a “verificarem os ouvidos de Joe” e perguntava “por que Sleepy Joe (Joe Dorminhoco, em tradução livre) não se compromete com a inspeção do fone de ouvido?”, foi visto entre 200 mil a 250 mil vezes.  

Uma parcela grande das visualizações foi de pessoas com mais de 55 anos no Texas e na Flórida. O anúncio, cujo conteúdo se originou de um tuíte de um repórter do New York Post, que citou uma única fonte anônima, diz que Biden usou o fone para que alguém lhe passasse informações.  

Na plataforma TikTok, quatro vídeos que diziam que Biden estava usando um fio para “trapacear” durante o debate acumularam mais de meio milhão de visualizações, segundo uma pesquisa do grupo de vigilância de mídia Media Matters.  

Um deles mostra uma foto de Biden com a mão dentro do terno, enquanto outro sobrepõe uma flecha sobre a gravata de Biden, mas nenhum dos vídeos mostra qualquer evidência visual do uso de dispositivo eletrônico. 

Antes do debate, os executivos do Twitter e do Facebook revisaram hashtags, tendências e outras contas que podem violar as regras das empresas usando uma combinação de software e revisão humana.

Fonte: The Washington Post e The New York Time. Publicado no Brasil por O Estado de São Paulo, edição de 02.10.2020.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O Brasil tem 144.103 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta quinta-feira (1°),

É o que revela levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Desde o balanço das 20h de quarta-feira (30), 7 estados atualizaram seus dados: BA, CE, GO, MG, MS, PE e RR.

Veja os números consolidados:


144.103 mortes confirmadas

4.820.116 casos confirmados

Às 8h, o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 143.910 mortes e 4.813.989 casos.

Na quarta-feira, às 20h, o balanço indicou: 143.886 mortes confirmadas, 876 em 24 horas. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 689, uma variação de -12% em relação aos dados registrados em 14 dias.

É o 8º dia seguido que o país apresenta média móvel abaixo de 700. Uma sequência tão grande com o número abaixo dessa marca só ocorreu antes em meados de maio.

Desde o dia 14 de setembro a tendência na média móvel de mortes segue em estabilidade, ou seja, o número não apresentou alta nem queda representativa em comparação com os 14 dias anteriores. Antes disso, o país passou por um período de uma semana seguida com tendência de queda no registro de mortes por Covid.

Em casos confirmados, eram 4.813.586 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus desde o começo da pandemia, com 33.269 desses confirmados no último dia. A média móvel de novos casos foi de 26.544 por dia, uma variação de -15% em relação aos casos registrados em 14 dias.

Brasil, 30 de setembro

No total, 2 estados apresentam alta de mortes: Roraima e Rio Grande do Norte.

Vale ressaltar que há estados em que o baixo número médio de óbitos pode levar a grandes variações percentuais. Em Roraima, por exemplo, a média saltou de 0 para 5 no intervalo de 14 dias, o que levou a uma variação de 700%; e, no Rio Grande do Norte, a média passou de 4 para 5, que representou variação de 16% em relação a duas semanas antes. A média é, em geral, em números decimais e arredondada para facilitar a apresentação dos dados.

Estados

Subindo (2 estados): RR e RN

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (14 estados): SC, ES, MG, RJ, GO, MS, AM, AP, BA, CE, MA, PB, PE e SE

Em queda (10 estados + DF): PR, RS, SP, DF, MT, AC, PA, RO, TO, AL e PI

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Publicado originalmente por G1


A inflação do Alvorada

As palavras, decisões e atitudes irresponsáveis de Jair Bolsonaro espantam investidores, afetam o câmbio e inflam os preços

O presidente Jair Bolsonaro é hoje a fonte de inflação mais perigosa. Suas palavras, decisões e atitudes irresponsáveis assustam o mercado, espantam investidores, afetam o câmbio e acabam inflando os preços com a alta do dólar. Em outros países se pode conter a inflação com aumento de juros, principal instrumento de aperto monetário. Não há, no entanto, meios de controlar o presidente brasileiro, fazê-lo medir suas palavras e tentar criar um ambiente político e econômico saudável e previsível.

Um novo susto derrubou a bolsa de valores na segunda-feira e levou o dólar a R$ 5,67, a maior taxa desde 21 de maio, quando a cotação chegou a R$ 5,70. O fato assustador, desta vez, foi o anúncio de mais uma gororoba fiscal para financiar a Renda Cidadã, estandarte da campanha pela reeleição. A fórmula anunciada inclui uma redução de pagamentos de precatórios, algo com cheiro de calote, e uma apropriação muito polêmica de recursos do Fundeb. De novo o Banco Central (BC) precisou intervir no mercado, vendendo moeda americana, para derrubar a cotação até R$ 5,63, uma taxa ainda muito elevada.

Dólar muito caro, muitas vezes superando por 40% a cotação do início do ano, tem pressionado os preços por atacado. Os aumentos são em parte explicáveis pelas exportações do agronegócio, principalmente para a China, e em parte também pelo câmbio. Dólar mais caro estimula também as vendas de produtos de menor peso na balança comercial, como o arroz, mas muito importantes para o mercado interno. Além disso, preços domésticos tendem a acompanhar os externos, especialmente quando há aumento de custos.

A inflação do atacado é bem visível no Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Esse indicador subiu 4,34% em setembro, 14,40% neste ano e 17,94% em 12 meses. Mas convém traduzir esse aranzel de letras e números. O IGP-M é formado por três componentes. Os preços ao produtor (atacado) têm peso de 60%. Os preços ao consumidor correspondem a 30% do conjunto. O índice nacional do custo da construção representa 10% do indicador total.

Os preços por atacado, os mais sensíveis ao mercado internacional e ao câmbio, subiram 5,92% em setembro, 20,14% em 2020 e 25,26% em 12 meses. As maiores altas foram as dos produtos agropecuários: 9,41% no mês passado, 28,82% no ano e 45,52% em 12 meses. Mas, com o isolamento, a perda de renda e a insegurança de milhões de famílias, o consumo foi refreado. Por isso, a maior parte da alta de preços ficou represada no atacado. Houve pouco repasse ao varejo e ao comprador final.

Por isso, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) aumentou apenas 0,64% no último mês, 2,03% em 2020 e 3,04% nos 12 meses até setembro. Mas isso é um número médio. O custo da alimentação, um dos principais componentes do IPC, subiu bem mais que os outros preços pagos pelas famílias, com altas de 1,30%, 7% e 9,08% nos períodos considerados. Em setembro o arroz ficou 11,08% mais caro e virou o novo terror inflacionário.

“O câmbio médio dos próximos 30 dias poderá determinar o futuro de curto prazo do IGP-M”, disse o coordenador de índices de preços da FGV, André Braz, ao apresentar os novos dados. Dólar na faixa de R$ 5,50 a R$ 5,60 poderá, segundo ele, impedir a desaceleração dos preços.

Não se pode rejeitar a possibilidade de um IGP-M com 20% de alta em 2020, embora o cenário básico seja outro, comentou o economista. Com a volta da China e de outras grandes economias à normalidade, as commodities se valorizam “e a incerteza doméstica cria uma desvalorização cambial que, se for perpetuada, poderá criar uma pressão em direção a esse cenário”, acrescentou.

A incerteza doméstica, refletida no dólar, também é fator inflacionário. É palavra de especialista, confirmada no dia a dia dos mercados. Faltou dizer de onde vem a incerteza. Vem, é claro, do desgoverno, principal fonte de insegurança fiscal e econômica. Exemplo: a lambança orçamentária discutida na segunda-feira. Endereço: Palácio da Alvorada. Mas as emas são inocentes.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 01.10.2020

A democracia na América

Donald Trump não respeita o adversário político, o próprio partido e o eleitor

O primeiro debate das eleições americanas assustou os telespectadores. Foram 90 minutos de injúrias, insultos e demasiadas interrupções. “Ninguém jamais viu um debate presidencial como o festival de gritos e agressões de terça à noite entre o presidente Donald Trump e o ex-vice-presidente Joe Biden”, resumiu Dan Balz, do Washington Post.

Desde o início, o presidente americano impôs o tom do debate, com falas agressivas e contínuas interrupções. Sem sucesso, o moderador Chris Wallace fez vários apelos a Donald Trump para que respeitasse a ordem do debate. Tal incivilidade impediu uma discussão efetiva sobre os reais problemas do país. No entanto, por mais constrangedores que tenham sido os maus modos de Trump, eles não foram o aspecto mais assustador do debate – e do que se tem visto até agora da campanha eleitoral nos Estados Unidos.

Atrás nas pesquisas de opinião, Donald Trump tem colocado em dúvida a lisura do sistema eleitoral americano, sem trazer qualquer fato que apoie sua acusação. Como escreveu Thomas L. Friedman no New York Times, “o presidente disse-nos de inúmeras maneiras que ou será reeleito ou deslegitimará o voto, alegando que todas as cédulas por correio – uma tradição consagrada que conduziu republicanos e democratas ao cargo e foi usada pelo próprio Trump – são inválidas”.

Perversa, a tática de Trump, lançando suspeitas infundadas sobre a contagem dos votos, causa enormes estragos na confiança na democracia. Caso não vença no Colégio Eleitoral, o candidato republicano dá sinais de querer criar uma enorme confusão, levando o resultado das urnas para avaliação da Suprema Corte ou do Senado.

Esse descarado desrespeito às regras do jogo tem causado apreensão. “Nossa democracia está em terrível perigo”, escreveu Thomas L. Friedman. Segundo o colunista do New York Times, um perigo como esse não era visto “desde a Guerra Civil; mais perigo do que depois de Pearl Harbor, mais perigo do que na crise dos mísseis cubanos e mais perigo do que durante Watergate”. Não deixa de ser estranho que esse perigo se dê precisamente no país que tem sido o paradigma de democracia.

Essa dramática situação é resultado de uma tática usada há anos por Donald Trump, com a conivência de não poucas pessoas. O candidato republicano não respeita o adversário político, não respeita o próprio partido e não respeita o eleitor.

Pesquisa realizada pela CNN apontou que Joe Biden venceu o debate da noite de terça-feira contra Donald Trump por 60% a 28%. Num cenário tão dramático, é um alívio constatar que o bom senso parece ainda prevalecer minimamente. Mas, como disse o cientista político Hussein Kalout, “foi um dos piores debates da história das eleições americanas. Um debate caótico e desprovido de conteúdo e de propostas estruturais. O confronto se deu de forma rasteira e é impossível auferir a vitória a um dos lados. O eleitor americano foi o maior perdedor”.

O quadro é extremamente preocupante. A confusão que Donald Trump se esforça para armar pode trazer grandes prejuízos não apenas para os Estados Unidos, mas para todo o mundo. No caso do Brasil, há ainda um aspecto especialmente constrangedor. Mesmo diante do comportamento de Donald Trump, o governo de Jair Bolsonaro insiste em ser submisso, de um jeito nunca visto na diplomacia brasileira, ao candidato republicano e a seus interesses eleitorais.

O debate de terça-feira à noite, com a atuação absolutamente incivilizada do candidato republicano, evidencia o grau de cegueira deliberada de Jair Bolsonaro e de parte de seu governo, em especial da chamada ala ideológica. Vale lembrar, por exemplo, a análise do chanceler Ernesto Araújo, publicada em artigo, na qual dizia que Donald Trump era o único que talvez pudesse ainda salvar o Ocidente. Mais realista parece ser a constatação de Thomas L. Friedman sobre o candidato republicano: é “a pessoa mais desonesta, perigosa, mesquinha, divisiva e corrupta que já ocupou o Salão Oval”.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 01.10.2020

Queimadas no Pantanal batem recorde em 9 meses e são as maiores em 23 anos

Total de focos entre 1º de janeiro e 30 de setembro foi de 18.259, alta de 82% em relação ao observado em 2019, e é o maior do registro histórico para um ano inteiro; Amazônia também teve alta de queimadas

 Ao contrário do discurso recente, e errado, do governo Bolsonaro minimizando o número de queimadas no Brasil, os dois biomas mais preservados do País fecharam o mês de setembro com altas expressivas no número de focos. 

O Pantanal – maior planície úmida do mundo, que se estende pelos Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul – apresentou a sétima alta mensal consecutiva e bateu o recorde do registro histórico para setembro, com 8.106 focos de calor, alta de 180% em relação ao mesmo mês do ano anterior, que teve 2.887 focos. Somente na quarta-feira, 30, os satélites captaram 682 focos ativos. Em apenas nove meses, o bioma também bateu o recorde anual. 

                                

                            Queimadas no Pantanal Matogrossense Foto: Dida Sampaio/Estadão

De acordo com dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 1º de janeiro e 30 de setembro, o total de pontos de fogo no Pantanal – 18.259 – já supera em 82% o total de queimadas observado ao longo de todo o ano passado no bioma (10.025). E é o maior valor observado para o período de um ano desde o início dos registros do Inpe, em 1998. O maior valor até então era o de 2005, com 12.536 focos para 12 mese

Em área, as queimadas já consumiram neste ano cerca de 23% do bioma, segundo estimativas do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da UFRJ, compiladas até 27 de setembro. O cálculo aponta que o fogo atingiu até domingo 34.610 km². 

O Instituto Centro de Vida (ICV), organização sediada em Mato Grosso e que tem acompanhado de perto as queimadas no bioma, relatou no início da semana que mesmo as primeiras chuvas de setembro ainda não foram capazes de controlar o alastramento dos incêndios no Estado.

Segundo o ICV, o fogo segue avançando pelo Parque Estadual Encontro das Águas, maior reduto de onças pintadas do mundo e que já teve 93% de sua área atingida. Outra unidade de conservação afetada foi a Estação Ecológica Taiamã, com 27% da área queimada.

Cinza, lama e fogo predominam sobre o verde e criam a nova paisagem no Parque Encontro das Águas. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Fogo na Amazônia

Na Amazônia, foram 32.017 focos, alta de 60,6% em relação ao mesmo mês do ano passado, que teve 19.925 focos em setembro. É o maior valor desde 2017 para este mês no bioma.

Em agosto, tinha ocorrido uma leve queda dos focos na Amazônia em comparação com os números do mesmo mês no ano passado (29.307 ante 30.900). As queimas em agosto do ano passado eram as piores desde 2010 e deram início às críticas estrangeiras sobre a falta de atenção do governo federal à região. Foi também quando ocorreu o chamado "Dia do Fogo", em que proprietários de terra do Pará, de modo coordenado, colocaram fogo em várias regiões simultaneamente, segundo as investigações

De acordo com o IBGE, maior perda de área natural ocorreu na Amazônia

Amazônia teve 32.017 focos de incêndio em setembro deste ano, alta de 60,6% em relação ao mesmo mês de 2019. É o maior valor desde 2017 para este mês no bioma. Foto: Christian Braga / Greenpeace

A queda registrada neste ano, porém, pode estar subestimada. O Inpe informou que os valores estão menores em razão de uma “indisponibilidade global de dados” na segunda quinzena de agosto do sensor de um dos satélites da Nasa usados para medir as queimadas. Com isso, a expectativa é que o total de focos de calor na Amazônia tenha sido maior que o registrado em agosto, mas as informações ainda não foram atualizadas.

Giovana Girardi, de O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 01.10.2020



quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Separando fatos de ficção no debate entre Trump e Biden

Confronto entre presidente americano e oponente democrata foi marcado por interrupções, insultos pessoais e retórica confusa. Algumas afirmações ficaram longe da realidade. A DW checou os pontos mais controversos.

Cena de duelo televisivo entre Biden e Trump: 

Duelo televisivo entre Biden e Trump: acusações, ofensas e inverdades

O presidente Donald Trump e seu rival democrata, Joe Biden, travaram o primeiro debate da atual corrida à Casa Branca nesta terça-feira (29/09). O duelo caótico foi marcado por insultos e interrupções, e o moderador Chris Wallace, jornalista da Fox News, teve dificuldades de controlar a situação.

No geral, o debate foi ralo no contexto factual e provavelmente de pouca ajuda para os eleitores indecisos. A julgar pelas reações de especialistas políticos e comentários em plataformas de mídia social, o sentimento predominante parece ser uma mistura de incredulidade e exasperação.

Confira a checagem da DW sobre alguns dos pontos mais controversos:

Biden afirmou que "um em cada mil afro-americanos morreu por causa do coronavírus". "E se ele [Trump] não fizer algo rapidamente, no final do ano, um em cada 500 afro-americanos terá morrido."

A afirmação está parcialmente correta

Os negros, de fato, sofrem proporcionalmente mais que a parcela branca da população americana: um em cada 1.020 negros americanos morreu em razão do coronavírus, o que corresponde a 98 mortes por 100 mil pessoas, enquanto um em 2.150 americanos brancos morreu de covid-19, o que corresponde a cerca de 47 mortes por 100 mil pessoas.

Os negros americanos têm, portanto, duas vezes mais chances de morrer de covid-19 em comparação com os brancos, apesar de, em números absolutos, mais pessoas brancas morrerem devido ao coronavírus, segundo apontam os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.

Entretanto, não é possível se dizer se a previsão de Biden sobre a taxa de um a cada 500 afro-americanos mortos está correta.

Fraude eleitoral

Trump disse mais uma vez que a votação por correio deixa a porta aberta para fraudes. "Há fraude. Eles encontraram nos riachos. Eles encontraram algumas (cédulas de votação) com o nome Trump outro dia em uma cesta de lixo. Elas estão sendo enviadas para todos os lugares. Eles enviaram mil cédulas duplicadas numa região democrata. Todos têm duas cédulas. Isso vai ser uma fraude como você nunca viu. (...) Veja a Virgínia Ocidental, lá um carteiro vendeu cédulas de votação."

De fato, houve irregularidades isoladas, conforme destacado pelo serviço postal dos EUA. Uma bandeja com cédulas foi encontrada em uma vala no estado de Wisconsin. Mas não está claro quantas ou se já tinham sido preenchidas. No estado da Pensilvânia foram encontradas nove cédulas de votação no lixo, como informado pelo Departamento de Justiça dos EUA.

No estado de Virgínia Ocidental, em maio, um funcionário dos correios foi acusado – e depois admitiu – de tentativa de fraude eleitoral ao alterar solicitações para votos por correio. Em Virgínia, até mil pessoas teriam recebido cédulas duplas. Entretanto, essas pessoas não conseguiriam votar duas vezes, segundo autoridades eleitorais. 

O fato é, entretanto, que Trump não forneceu qualquer evidência de irregularidades generalizadas. Não há evidências de fraude generalizada.

Mão coloca carta numa caixa de correio

O número de votos pelo correio deve aumentar devido à pandemia de coronavírus

Economia

Segundo Trump, em decorrência da pandemia, ele "teve que fechar a maior economia da história do nosso país". "E, a propósito, agora está sendo reconstruída", disse.

Incorreto. A economia sob Trump não teve um desempenho tão bom quanto sob os presidentes Dwight D. Eisenhower, Lyndon B. Johnson e Bill Clinton.

O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a uma taxa anual de 2,3% em 2019, ante 2,9% em 2018 e 2,4% em 2017. Para comparação: em 1997, 1998 e 1999, o PIB anual cresceu 4,5%, 4,5% e 4,7%, respectivamente.

Um retrospecto ainda maior mostra números ainda mais evidentes. O crescimento entre 1962 e 1966 variou de 4,4% a 6,6%. Nos anos do pós-guerra 1950 e 1951, o crescimento anual foi de 8,7% e 8%, respectivamente.

A taxa de desemprego atingiu um mínimo de 3,5% sob Trump. Em 1953, era de apenas 2,5%.

Biden, por sua vez, criticou a marca do governo Trump relativa ao desemprego, afirmando que "Trump será o primeiro (presidente) na história americana" a deixar o cargo com maior número de desempregados do que quando assumiu.

Incorreto. Se Trump perder a reeleição, ele não seria o primeiro presidente na história dos Estados Unidos a deixar o cargo com taxa de desemprego maior do que quando iniciou o mandato. Isso aconteceu no governo de Herbert Hoover, que perdeu a eleição de 1932 para Franklin D. Roosevelt, quando a Grande Depressão causou perdas massivas de empregos.

Os registros oficiais de empregos remontam a 1939. Desde então, nenhum presidente terminou seu mandato com mais desempregados do que quando começou. No entanto, os sinais são de que o registro do primeiro mandato de Trump pode mostrar que ele perdeu empregos. Isso o tornaria o primeiro a fazê-lo desde Herbert Hoover, que atuou como presidente de 1929 a 1933.


Mulher negra de máscara com criança coberta por pano no colo

População negra é proporcionalmente mais atingida pelo coronavírus nos EUA

Declarações de imposto de renda

Quando questionado sobre quanto havia pagado em imposto de renda federal em 2016 e 2017, Trump disse: "Milhões de dólares, e você poderá ver."

Recentemente o jornal The New York Times publicou uma reportagem mostrando que o presidente pagou 750 dólares em imposto de renda federal em 2016 e 2017. Como comparação, as famílias de renda média em 2016 pagaram uma média de 2,2 mil dólares em imposto de renda, de acordo com o Departamento de Orçamento do Congresso.

Dos 18 anos que o New York Times analisou com base em documentos, Trump não teria pagado o imposto de renda federal em 11 deles. O ponto aqui é que Trump provavelmente pagou outros impostos - e é a isso que se referiu em sua resposta no debate -, mas não o imposto de renda federal. 

Meio ambiente

"Quero água e ar cristalinos. Quero ar lindamente limpo. Temos o carbono mais baixo. Se você olhar para nossos números, somos fenomenais", disse Trump.

Essa declaração é ao menos enganosa. O governo de Trump não é conhecido por colocar o meio ambiente em primeiro lugar. Os EUA abandonaram o Acordo Climático de Paris em 2019. O governo de Trump redefiniu ou está prestes a redefinir cem regras ambientais. Trump diz que quer ar puro. Ele enfraqueceu algumas regulamentações da Lei do Ar Limpo.

Quando se trata da afirmação sobre o carbono, não está totalmente claro a que se refere. É verdade que os Estados Unidos reduziram suas emissões de dióxido de carbono mais do que qualquer outro país, se forem considerados os números da Agência Internacional de Energia (AIE). Mas os EUA estão longe de ter as menores emissões de CO2 per capita. Segundo o Banco Mundial ou a organização científica UCS, os EUA figuram no grupo de países com as maiores emissões per capita.

Com isso em mente, falar em algo "fenomenal" parece mais uma ousadia.

Publicado por Deutsch Welle, em 30.09.2020

Desemprego sobe para 13,8% em julho, maior taxa desde 2012

País perde 7,2 milhões de postos de trabalho em apenas 3 meses e população ocupada encolheu para o menor contingente já registrado pela pesquisa.

A taxa de desemprego no Brasil subiu para 13,8% no trimestre encerrado em julho, atingindo 13,13 milhões de pessoas, com um fechamento de 7,2 milhões de postos de trabalho em apenas 3 meses. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), divulgada nesta quarta-feira (30) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Trata-se da maior taxa de desemprego da série histórica, iniciada em 2012.

O índice corresponde a um aumento de 1,2 ponto percentual em relação ao trimestre encerrado em fevereiro (12,6%) e de 2 pontos percentuais em relação ao mesmo trimestre de 2019 (11,8%).

Desemprego julho/2020 — Foto: Economia G1

Em termos de número de desempregados, o contingente registrado no trimestre encerrado em julho é o maior desde abril do ano passado, quando os desocupados somavam 13,17 milhões. O recorde histórico foi registrado em março de 2017 (14,1 milhões).

População ocupada cai para mínima histórica

A população ocupada encolheu 8,1% em 3 meses, recuando para 82 milhões, o menor contingente da série. O número representa uma redução de 7,2 milhões pessoas em relação ao trimestre anterior e de 11,6 milhões na comparação anual.

A analista da pesquisa, Adriana Beringuy, explica que as quedas no período da pandemia de Covid-19 foram determinantes para os recordes negativos deste trimestre encerrado em julho. “Os resultados das últimas cinco divulgações mostram uma retração muito grande na população ocupada. É um acúmulo de perdas que leva a esses patamares negativos”, afirma.

A Pnad Contínua é a pesquisa mais ampla sobre o mercado de trabalho no país e é usada como indicador oficial do desemprego no Brasil.

Sinais de recuperação em setembro

Com a pandemia de coronavírus, o IBGE passou a realizar também levantamentos semanais para identificar os impactos da Covid-19 no mercado de trabalho.

Na semana passada, o IBGE mostrou que a taxa de desemprego passou de 14,3% para 13,7% entre a última semana de agosto e a primeira de setembro. As pesquisas, no entanto, não são comparáveis, devido às características metodológicas, que são distintas.

Fonte: G1

Trump e Biden travam debate caótico

Xingamentos e interrupções marcam primeiro duelo direto. Trump se recusa a condenar racistas, e Biden chama presidente de palhaço e mentiroso. Democrata sinaliza que pretende retaliar Brasil por devastação ambiental.

(Opinião do editor deste blog - O que deveria ter sido um debate entre estadistas sobre questões fundamentais para o Povo norte-americano e a segurança do resto do mundo, virou um bate-boca de esquina sob a leniência de Wallace, o moderador da Fox News, a rede de TV dita conservadora, que dá total apoio a Trump, desde a última eleição presidencial). 

Donald Trump e Joe Biden em debate

Trump interrompeu Biden repetidamente durante o debate

Faltando pouco mais de um mês para a eleição presidencial dos EUA, o primeiro debate entre Donald Trump e o candidato democrata Joe Biden na noite de terça-feira (29/09) foi marcado por ataques pessoais, insultos e constantes interrupções. O moderador do duelo, o jornalista Chris Wallace teve dificuldades de controlar a situação.

O debate teve duração de 90 minutos, sem intervalos, dividido em seis blocos de 15 minutos que abordavam diferentes tópicos.

O presidente Trump, que está atrás nas pesquisas, ficou na defensiva em parte do confronto, mas também apostou em táticas diversionistas, incluindo ataques à família de Biden e constantes interrupções durante as falas do adversário. O presidente chegou a mencionar que o único filho ainda vivo de Biden, Hunter, teve problemas com drogas no passado.

Já Biden, frustrado com as constantes interrupções de Trump logo no início do debate, pediu que o rival calasse a boca. "Você vai calar a boca, cara?", disse o democrata. "É difícil falar qualquer coisa com esse palhaço", disse o democrata em outro momento do confronto. Ele também chamou Trump de mentiroso e disse que ele é "o pior presidente que os Estados Unidos já tiveram".

Biden mencionou o Brasil durante um tópico sobre os incêndios que devastam a Califórnia e afirmou que, caso eleito, pretende trabalhar com outros países e canalizar verbas para a preservação da Amazônia. Ele também sinalizou que pode retaliar o governo brasileiro caso a devastação da floresta continue.

"A floresta tropical no Brasil está sendo destruída. Parem de destruir a floresta e, se isso não acontecer, haverá consequências econômicas significativas", completou.

Racismo e "esquerdismo"

Outro momento tenso do debate ocorreu entre Trump e moderador Wallace, que pediu que o presidente condenasse publicamente grupos supremacistas brancos, especialmente um grupo extremista de direita chamado Proud Boys. Trump evitou uma condenação direita e disse apenas: "Proud Boys, recuem e fiquem em stand by." Em seguida, apelou para o diversionismo. "Mas, vou lhe dizer uma coisa, alguém tem que fazer algo sobre o Antifa e a esquerda, porque isso não é um problema de direita, é um problema de esquerda”, afirmou.

"Este é um presidente que usou tudo como um apito de cachorro para tentar gerar ódio racista, divisão racista", disse Biden um pouco antes.

O presidente ainda tentou ligar Biden à ala mais à esquerda do Partido Democrata, afirmando que seu adversário era um apoiador do "Green New Deal" defendido por estrelas da esquerda, como o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Biden rejeitou a fala, e respondeu: "Não apoio o Green New Deal. Apoio o plano Biden que apresentei."

Biden ainda rejeitou outras acusações de Trump, como a de que o democrata defende diminuir o financiamento de forças policiais. "Oponho-me totalmente. Policiais precisam de assistência", disse Biden.

Suprema Corte

A abertura recente de uma vaga na Suprema Corte dos EUA também foi um ponto de conflito entre os candidatos. Trump defendeu a nomeação a conservadora Amy Barrett para a cadeira deixada por Ruth Ginsburg a pouco mais de um mês da eleição. O momento da indicação contrasta com a posição republicana adotada em 2016, quando o partido bloqueou uma indicação de Barack Obama alegando que ela deveria ser prerrogativa do presidente que vencesse a eleição naquele ano.

"Eu não fui eleito para três anos, fui eleito para quatro anos", disse Trump.

Já Biden evitou responder a uma pergunta sobre se pretende aumentar o número de juízes na Suprema Corte, mas defendeu que a nomeação para a vaga de Ginsburg não deveria ser feita neste momento porque a eleição já está em andamento em alguns estados.

Covid-19

Em geral, os ataques e a tensão no confronto obscureceram discussões sobre políticas específicas. Biden ainda acusou Trump de ter "entrado em pânico" durante a pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 200 mil americanos.

"Muitas pessoas morreram, e muitas outras vão morrer, a menos que ele (Trump) seja mais inteligente", disse Biden.  "Ele sabia desde fevereiro quão sério isso era, sabia que era mortal. O que ele fez? Ele disse que não queria criar pânico. Ele entrou em pânico", disse Biden.

Trump defendeu a condução da crise pelo seu governo e contra-atacou Biden de maneira pessoal pelo uso da palavra "inteligente”. "Você se formou como o últimos como um dos últimos da sua turma", disse o presidente. "Nunca use a palavra inteligente comigo. Nunca use essa palavra."

Em outro momento, quando Biden acusou Trump de ofender os militares, o presidente voltou a distribuir ataques pessoais. Ele disse que Beau Hunter, um dos filhos do democrata, "foi expulso das Forças Armadas". "Ele foi expulso de forma desonrosa por usar cocaína", disse Trump. Biden respondeu: "Meu filho, assim como muitas outras pessoas, como muitas pessoas que vocês conhecem, tem um problema com drogas." Beau Biden morreu em consequência de um tumor cerebral em 2015.

Resultado

Trump também voltou a não se comprometer a aceitar o resultado das eleições em caso de derrota. Ele ainda voltou a repetir, sem apresentar provas, que a votação realizada por correio tem risco de ser fraudada, apesar de já ter sido realizada com sucesso várias vezes no passado. 

"Se for uma eleição justa, estou 100%. Mas se eu vir milhares de cédulas sendo manipuladas, não posso concordar com que... Isso significa que você tem uma eleição fraudulenta", disse.

Biden, por sua vez, acusou Trump de tentar "assustar" os eleitores para convencê-los a desistir de votar.

O democrata ainda explorou a recente revelação feita pelo jornal The New York Times de que Trump não pagou imposto de renda em 11 dos últimos 18 anos. "Mostre seu imposto de renda", rebateu Biden, que divulgou suas próprias declarações ao fisco horas antes do debate.

Uma pesquisa instantânea da CNN apontou que 60% dos espectadores do debate apontaram que Joe Biden se saiu melhor do que Trump. Pelo levantamento, 28% disseram que Trump foi o vencedor da noite.

No entanto, o debate deve ter apenas o efeito de reforçar as convicções dos eleitores. Segundo uma pesquisa Wall Street Journal/NBC News, mais de 70% dos americanos dizem que não consideram o debate muito importante para decidir o voto.

Publicado originalmente por Deutsh Welle, em 30.09.2020.

A chanchada da Renda Cidadã

O arranjo defendido por Jair Bolsonaro, por seus aliados e pelo ministro Paulo Guedes é apenas uma coleção de remendos de baixíssima qualidade

Calote, pedalada, burla, drible e contabilidade criativa foram algumas das palavras mais ouvidas, no mercado, quando se anunciou a fórmula escolhida para financiar a Renda Cidadã, a nova bandeira eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. A imprensa também registrou avaliações como “calote temporário” e “medida estarrecedora”. Conhecida a proposta, o dólar chegou a R$ 5,67, um novo recorde, revertido quando o Banco Central entrou no jogo vendendo moeda americana. A Bolsa deixou a coreografia internacional e encerrou o dia com um tombo de 2,41%.

A proposta assustadora foi anunciada depois de uma reunião do presidente, no Palácio da Alvorada, com parlamentares aliados e ministros, incluído o da Economia, Paulo Guedes. O apoio de Guedes ao esquema demonstra a função real, no atual governo, de um Ministério para assuntos econômicos: cumprir ordens, sem levar em conta prioridade, conveniência econômica e financeira e até critérios de responsabilidade fiscal.

A fórmula para acomodar o novo programa social, substituto do Bolsa Família, é uma combinação perversa de dois truques. Em primeiro lugar, pagamentos previstos de precatórios podem ser limitados, isto é, reduzidos. Em segundo, uma parcela do Fundeb poderá ser convertida em Renda Cidadã. Este componente, se aceito, pode proporcionar uma vantagem especial, por ser isento do teto de gastos. O teto limita o aumento da despesa à inflação tomada como baliza da lei orçamentária.

Calote ou ameaça de calote, a ideia de reduzir o pagamento de precatórios foi criticada pelo ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, por políticos, por investidores do mercado e por especialistas em contas públicas. Precatórios correspondem a dívidas do governo reconhecidas pela Justiça. São obrigações financeiras vinculadas a ordens judiciais. Limitar seu pagamento corresponde, em primeiro lugar, a uma escolha de quem terá prioridade no ressarcimento. Isso envolve questões de decência. Envolve também problemas de legalidade.

A questão da moralidade é evidente, mas adiar o pagamento, nesse caso, pode ser também um crime de responsabilidade, análogo às pedaladas do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, como observou o economista Carlos Kawall, diretor da Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional. No caso da presidente petista, a violação da lei motivou um processo político encerrado com impeachment, isto é, com perda do cargo.

Igualmente indefensável é o uso de recursos do Fundeb para financiar a Renda Cidadã. A tentativa de usar esse fundo para burlar o teto de gastos já havia sido rejeitada pelo Congresso. Além da manobra para romper o limite, haveria um claro desvio de finalidade de uma importante fonte de financiamento educacional. Mas a fórmula envolve outras importantes questões legais.

Para criar um gasto permanente, o poder público deve encontrar uma fonte permanente de receita ou eliminar, também de forma duradoura, alguma despesa de montante compatível com a nova necessidade. Nenhuma dessas condições se verifica. Adiar o pagamento de precatórios apenas empurra a despesa com a barriga, sem eliminá-la, como observa o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto. É fácil perceber esse fato mesmo sem o auxílio de um especialista em contas públicas.

Meter a mão no Fundeb também pode proporcionar apenas uma solução temporária, fora do padrão da Lei de Responsabilidade Fiscal. O arranjo defendido pelo presidente, por seus aliados e pelo ministro da Economia é apenas uma coleção de remendos de baixíssima qualidade, digna de malandragens das velhas chanchadas.

Chanchadas, no entanto, podiam ser divertidas, eram inofensivas e envolviam competência técnica e artística. Nenhuma dessas qualidades aparece na fórmula para financiar a bandeira eleitoral do presidente Bolsonaro. “O Brasil é um país sério”, disse o ministro Guedes, tentando defender o indefensável. Seria bom se o Executivo também mostrasse alguma seriedade ao cuidar da economia e do dinheiro público.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 30.09.2020

A vaga no Supremo

Notável saber jurídico e reputação ilibada são condições para o bom funcionamento do STF

 Em novembro, o ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal (STF) completará 75 anos, idade que dá ensejo à aposentadoria compulsória. No entanto, o decano do STF requereu aposentadoria voluntária a partir do dia 13 de outubro. “Razões estritas (e supervenientes) de ordem médica tornaram necessário, mais do que meramente recomendável, que eu antecipasse a minha aposentadoria, que requeri, formalmente, no dia 22 de setembro de 2020”, disse Celso de Mello ao Estado. Com isso, o preenchimento de sua vaga no Supremo pode ter sido antecipado em um mês.

Sempre, mas especialmente em momentos como o atual, o procedimento e as condições para a escolha de um novo ministro devem ser rigorosamente respeitados. “O STF compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, diz o art. 101 da Constituição.

Mais do que meros requisitos formais, são condições para o bom funcionamento do Supremo. Por isso, a Constituição estabelece que “os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. O Poder Executivo indica o nome e o Legislativo, por meio do Senado, faz o controle dos requisitos.

Critica-se, com frequência, o procedimento para o preenchimento das vagas do Supremo. Ao longo dos anos, foram apresentadas no Congresso muitas propostas de mudança do texto constitucional. Naturalmente, todo processo tem falhas. No entanto, como dissemos neste espaço, “esse sistema funciona bem desde que o Senado compreenda que as sabatinas não são protocolares nem devem ser feitas em clima de camaradagem e com roteiro prévio. Quando levadas a sério, são excelente antídoto para barrar a entrada numa corte suprema de indicados medíocres, sem currículo e biografia”.

O Senado pode desde já contribuir para uma escolha constitucionalmente adequada do sucessor do ministro Celso de Mello, deixando claro ao presidente Jair Bolsonaro que não aceitará uma indicação fora dos requisitos previstos. Por exemplo, de que não validará nomes que, em matéria de saber jurídico, são o que Ruy Barbosa chamava de “nulidades”.

A atuação responsável do Senado pode ajudar Jair Bolsonaro a se recordar do que ocorreu no ano passado, quando ele manifestou o desejo de nomear o filho Eduardo como embaixador do Brasil nos Estados Unidos. A competência privativa do presidente da República de indicar um nome para determinado cargo não significa autorização para agir arbitrariamente. É preciso respeitar os requisitos constitucionais de cada cargo.

As condições para ministro do Supremo estão expressas: reputação ilibada e notável saber jurídico. Os próprios adjetivos empregados pela Constituição – ilibada e notável – indicam que não deve haver nenhuma dúvida quanto ao caráter e ao conhecimento jurídico do indicado. Ou seja, o respeito à Constituição é incompatível com qualquer tipo de transigência na aferição dos dois requisitos para o preenchimento de uma vaga no Supremo.

Desde o início do governo, o presidente Bolsonaro já mostrou ter dificuldades de compreensão sobre a escolha e o papel de um ministro do Supremo. Por exemplo, em maio do ano passado, Jair Bolsonaro disse, em entrevista à Rádio Bandeirantes: “Eu fiz um compromisso com ele (Sérgio Moro), porque ele abriu mão de 22 anos de magistratura. Eu falei: a primeira vaga que tiver lá, vai estar à sua disposição”. Mais recentemente, Bolsonaro falou que indicaria um ministro “terrivelmente evangélico”. Também já manifestou o desejo de que o futuro ministro do Supremo defenda na Corte o governo.

O papel do Supremo é defender a Constituição. E o papel do Senado é defender o Supremo, garantindo a independência da Corte. Não basta ter a confiança do presidente da República. O indicado deve ter reputação ilibada e notável saber jurídico. Deve ser um cidadão respeitável e sério.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 30.09.2020

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Imbróglio ambiental

Se o Brasil está virando um pária internacional, isso se deve à política conduzida pelo governo

 A questão ambiental tornou-se uma espécie de faroeste, com mocinhos e bandidos se enfrentando. Os “mocinhos” de ocasião são os ambientalistas, por mais que suas diferenças internas sejam grandes, alguns com históricos esquerdistas, alinhados agora com banqueiros. Os “bandidos” são a agricultura, a pecuária e o agronegócio em geral, como se eles fossem os responsáveis pelo desmatamento, quando são alheios em suas atividades ao que lá acontece, embora haja irresponsáveis nesse campo. A realidade é muito mais multifacetada.

Convém lembrar que o Brasil é um dos países mais preservacionistas do planeta, com cobertura de mata nativa em torno de 64% de seu território. São dados tanto da Embrapa quanto da Nasa, algo que não deveria ser contaminado por discussões ideológicas, expondo um grau de conservação ambiental ímpar em termos mundiais. No caso da Amazônia, os proprietários rurais são obrigados, por conta própria, a preservar 80% de sua área, graças ao instituto da reserva legal, exemplo único no mundo. Qual dos países europeus, que tanto criticam o Brasil, pode ostentar tal grau de preservação? Por que não importam o instituto da reserva legal?

Além do mais, o desmatamento anterior, se é que podemos utilizar esse nome, se deve à abertura de áreas para a agricultura e a pecuária, ou seja, para a produção de alimentos. Ou a humanidade não deverá doravante se alimentar? O Brasil, graças ao investimento em ciência e tecnologia e ao empreendedorismo dos produtores rurais, tornou-se um campeão da produção mundial de alimentos. A área cultivada do País cresce muito menos do que a sua produtividade, o que faz que o mundo hoje dependa da produção nacional de alimentos. E frise-se, isso nada tem que ver com a Amazônia, a produção concentra-se no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul. O que se exporta não é cultivado na Amazônia, salvo exceções, em áreas regularizadas. 

Dito isto, a política governamental tem sido um desastre. Como disse o próprio presidente Bolsonaro, a comunicação é péssima, de onde logicamente deveria extrair a conclusão de uma mudança completa nessa área. Uma medida muito acertada foi a criação do Conselho da Amazônia, sob a coordenação do general Hamilton Mourão, pessoa inteligente e com compreensão do problema, capaz de estabelecer diálogos com ONGs e governos estrangeiros. A pauta deveria ser o diálogo. Acontece que o confronto continua a ser a regra do atual governo, embora tenha havido algum apaziguamento.

O governo tem sido, sim, omisso na questão ambiental, ora negligenciando-a, ora compactuando com garimpeiros, ora não supervisionando, ora criticando instituições científicas de monitoramento. Tampouco é de valia um ataque sistemático a governos estrangeiros e ONGs, piorando ainda mais a imagem nacional e criando obstáculos à vinda de investimentos. Se o Brasil está se tornando uma espécie de pária na cena internacional, isso se deve à política conduzida. Quando se erra, pede-se desculpa e não se persevera no erro.

Tampouco adianta os ambientalistas se oporem à regularização fundiária, quanto mais não seja pelo fato de a recusa perpetuar um status quo que é muito ruim. O Brasil dispõe de instrumentos para isso, graças ao Cadastro Ambiental Rural e ao Código Florestal, que podem ser amplamente utilizados e, se for o caso, aprimorados. O setor rural está também pronto para esse tipo de negociação, que deveria ser feito sem preconceitos e em espírito de diálogo. Fincar pé em posições intransigentes não interessa a ninguém. Se não houver regularização fundiária, não haverá responsabilização dos desmatamentos ilegais numa área superior à da Europa.

Evidentemente, não se pode fazer tudo in loco, é necessária a utilização de meios digitais. O Incra e o Ministério da Agricultura podem realizar essa tarefa. Responsabilizar implica reconhecer a propriedade, e não apenas uma posse eventual, que pode facilmente iludir a lei. 

A mobilização da sociedade civil em prol do meio ambiente é uma expressão da modernização do País, embora haja muitas pedras pelo caminho, com boas intenções podendo ser apropriadas pelo “demo”. Uma delas é a defesa repentina da questão ambiental pelos bancos. De um lado, deve ser bem-vinda por exprimir uma pauta de interesse coletivo; de outro, deixa um problema fundamental em aberto. Estabelecerão eles “critérios” ambientais para a concessão de créditos agrícolas? Quem os elaborará? ONGs com vinculações com países e governos europeus? Essa experiência já foi tentada no governo Lula – que recuou logo depois –, com o Banco do Brasil elaborando critérios “sociais” para a concessão de crédito com o apoio do MST e de entidades empresariais. Por exemplo, algumas das ONGs operando no Brasil tiveram ou têm esse tipo de relação como a Oxfam, com o MST, o Instituto Socioambiental, a National Farmers Association – a que produziu o célebre documento Farmers here, forests there – e a Salvation. E ainda com entidades indigenistas, como o Conselho Indigenista Missionário, e com a Teologia da Libertação, ala esquerdista da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 29.09.2020.

Impacto da pandemia tira até um quarto do rendimento dos trabalhadores no País

Dados do IBGE mostram que prejuízo foi maior para os empregados que não chegaram a completar o ensino médio; na média para todas as escolaridades, a perda de renda obtida pelo trabalho era de 17% até junho, antes da flexibilização da quarentena

 Mesmo os brasileiros que conseguiram manter seu trabalho durante a pandemia têm sentido no bolso o impacto causado pelo novo coronavírus na economia. E a queda no rendimento dos trabalhadores ocupados foi maior para aqueles que têm menor escolaridade, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), organizados pela consultoria IDados.

No primeiro semestre, os trabalhadores que não chegaram a completar o ensino médio tiveram quedas de até 25% em relação ao que costumavam ganhar no mês. Para calcular essa perda, o IBGE perguntou quanto o trabalhador recebia habitualmente naquele mês e quanto, de fato, entrou no seu bolso.

“É o lado sombrio de toda crise econômica: quem estudou menos é mais vulnerável no mercado de trabalho, o primeiro que teve o contrato suspenso e redução de jornada. E é ainda mais grave, ao se levar em conta que são essas pessoas que mais dependem do trabalho para sobreviver”, avalia o economista Matheus Souza, da IDados.

 Até maio, a perda de renda obtida pelo trabalho era de 18% na média de todas as escolaridades. Em junho e julho, com a retomada gradual da economia, a queda foi aliviada, primeiro para 17% e, em seguida, para 13%. 

Apesar de ter metodologia diferente, a Pnad Contínua (que é a pesquisa de referência) mostra que nesses meses nunca houve uma queda assim. “Desde o início da pesquisa, em 2012, a maior queda nesses meses foi de 3%, em 2015”, diz Souza. 

Agora, ainda que tenha melhorado, a diferença da perda de remuneração que os menos instruídos (que não completaram o ensino fundamental) tiveram em relação aos que fizeram faculdade manteve-se elevada, em oito pontos porcentuais.

Souza ressalta que os dados se referem a uma média dos trabalhadores com essas qualificações, e que a perda de rendimento considera tanto os ocupados formais quanto os informais. No caso dos informais, parte dos trabalhadores contou com o auxílio emergencial, que já foi de R$ 600 e passa a ser de R$ 300 até o final do ano. 

“Ainda que os mais pobres tenham até visto um aumento de renda, a lembrança que o brasileiro guardará da pandemia será de perda do que recebia no trabalho”, diz o economista.

Entre maio e julho, os trabalhadores sem instrução alguma ou com até o ensino fundamental incompleto chegaram a perder R$ 431 por mês. É como se tivessem deixado de receber o equivalente a 40% de um salário mínimo, de R$ 1.045. 


Sem poder trabalhar, Neomar foi obrigada a se mudar para a casa de um parente  Foto: Fábio Gonçalves/Estadão

“A gente se acostuma a viver com menos, mas nunca é fácil. Dá uma sensação de que a vida andou dez anos para trás”, conta a cuidadora de idosos Neomar Maria da Silva, de 62 anos, de Maricá (RJ). Analfabeta, ela teve de se mudar para a casa de parentes e entrou no programa de renda básica do município, em que recebe o equivalente a R$ 130 mensais. “Perdi quase tudo, menos a esperança”, afirma Neomar. 

Dia seguinte 

Com a pandemia, a estimativa é que quase um quarto dos trabalhadores formais (9,5 milhões) teve o contrato de trabalho suspenso ou a jornada reduzida, segundo dados divulgados pelo Ministério da Economia, o que afeta diretamente o rendimento de quem depende do trabalho.

Parte dessas perdas foi amortecida pela compensação que o governo deu para quem teve redução de salário. Mas, mesmo os brasileiros com ensino superior e melhores cargos tiveram baixas de renda expressivas, de 14% a 10% entre maio e julho.

Para o consultor legislativo Pedro Fernando Nery, os trabalhadores que mais perderam podem até recuperar essa perda no futuro, mas isso tende a ser um movimento mais demorado do que a volta dos empregos. “Normalmente, é um processo lento. Mesmo após a última recessão, o emprego cresceu muito mais rápido que a renda.”

Ele diz que é importante pensar no dia seguinte à pandemia, para que as perdas de rendimento, sobretudo para os mais frágeis, não se prolonguem ainda mais, apesar do cenário de desemprego em alta e ritmo de recuperação ainda incerto.

“O acesso à carteira assinada no Brasil é historicamente concentrado em homens brancos, mas a ideia de zerar os encargos sobre a folha de pagamentos, ainda que seja algo limitado a um salário mínimo, tende a ajudar na inserção dos mais vulneráveis no mercado formal.”

Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo

Trump não pagou imposto de renda por 10 anos, diz 'The New York Times'

De acordo com o jornal americano, o republicano pagou apenas US$ 750 em 2016, ano em que foi eleito presidente dos EUA. Trump nega informações.

Donald Trump fala durante comício de campanha em Middletown, no sábado (26) — Foto: Steve Ruark/AP

Reportagem do jornal "The New York Times" publicada neste domingo (27) revela que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não pagou impostos em 10 dos 15 anos anteriores à sua eleição. Além disso, o republicano pagou somente US$ 750 em 2016 e em 2017 — justamente o ano em que ele foi eleito e o primeiro ano em que ocupou a Casa Branca.

As informações foram divulgadas base em dados tributários do magnata de mais de duas décadas, colocados em sigilo durante anos — Trump nunca quis revelar seus números sobre impostos. O levantamento não inclui impostos entregues em 2018 e 2019.

Segundo a reportagem, o magnata relatou às autoridades que "perdeu muito mais dinheiro" do que ganhou naqueles anos.

Outro dado mostrado pela reportagem mostra que, em 2017, Trump pagou mais impostos a outros países onde suas empresas têm operações, como Índia e Filipinas, do que nos EUA.

Em nota enviada ao jornal americano, o advogado Alan Garten, da Trump Organization, disse que "a maioria das informações, se não todas, parecem estar imprecisas".

"Na última década, o presidente Trump pagou dezenas de milhões de dólares em impostos ao governo federal, inclusive milhões desde que anunciou sua candidatura em 2015", acrescentou.

Em coletiva de imprensa na Casa Branca neste domingo, Trump negou a informação e disse que a reportagem do "New York Times" se vale de informações falsas. Ele disse também que daria mais informações seus impostos pagos.

Disputas sobre a fortuna

Presidente dos EUA, Donald Trump, durante coletiva de imprensa na Casa Branca nesta quarta (23) — Foto: Tom Brenner/Reuters

Trump vive um imbróglio com a receita por causa de uma restituição no valor de US$ 72,9 milhões que ele pediu, e recebeu. Se perder a disputa judicial, diz a reportagem, o republicano pode perder mais de US$ 100 milhões.

Segundo a imprensa americana, Trump vinha perdendo muito dinheiro até a eleição ao cargo de presidente. Houve, inclusive, relatos em 2015 de que o magnata só anunciou a candidatura à presidência para realavancar a carreira, estagnada desde o o fim do seriado "The Apprentice". Ele acabou vencendo o pleito, no entanto.

DE MAGNATA A PRESIDENTE

Donald Trump concorre à reeleição neste ano pelo Partido Republicano contra o democrata Joe Biden. As eleições estão marcadas para 3 de novembro, mas em alguns estados eleitores puderam votar antecipadamente ou por correio.

Fonte: G1

20% dos servidores do governo federal têm funções que poderão ser feitas por máquinas, diz estudo

Dos 521,7 mil servidores civis analisados, mais de 100 mil estão em ocupações com alta propensão à automação, segundo pesquisa

Um a cada cinco funcionários públicos civis do Executivo federal têm ocupações com "elevado potencial" de terem tarefas substituídas por máquinas nas próximas décadas.

Essa conclusão é parte de uma pesquisa que está em desenvolvimento a pedido da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e teve resultados divulgados em artigo assinado pelos economistas Willian Adamczyk, Leonardo Monasterio e Adelar Fochezatto.

Eles apontam que se trata do primeiro estudo focado nos possíveis efeitos da automação para o setor público no Brasil.

Mas os resultados não implicam necessariamente na dispensa do trabalho de alguns servidores, esclarece Adamczyk à BBC News Brasil.

O pesquisador diz que identificar tarefas que podem ser substituídas por máquinas podem ajudar o governo a determinar habilidades necessárias para requalificar os servidores atuais e também para futuras contratações.

1,5 milhão de crianças sem creches e 11 milhões de analfabetos: os desafios urgentes para o Brasil 'passar de ano' na educação

Altos salários e 'regalias': por que a reforma administrativa de Bolsonaro é mais branda do que desejava Paulo Guedes

Turnos alternados? As ideias que podem mudar o ambiente de trabalho pós-coronavírus

O estudo é baseado na construção de algoritmos capazes de prever a propensão à automação de cada função e aumentar assim a produtividade e reduzir custos no serviço públic

O ponto de partida dos autores é que o setor público segue, com defasagem, as tendências de automação do setor privado.

Eles analisaram as funções de 521,7 mil servidores civis do Executivo federal. Esse é o total de funcionários do governo federal com carga horária igual ou superior a 40 horas semanais que havia em 2017, segundo os dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape).

A pesquisa constatou que mais de 100 mil estão em ocupações com alta propensão à automação — ou seja, pouco mais de 20%.

Considerando todas as cargas horárias, a quantidade de servidores civis do Executivo no fim de 2017 chegava a 634,1 mil. Hoje, com aposentadorias e menos concursos para reposição de funcionários, esse número caiu para 601,9 mil, de acordo com o Painel Estatístico de Pessoal.

Ocupações com mais chances de automação

As ocupações com mais chances de automação têm em comum menores níveis de escolaridade e remunerações mais baixas.

Por isso, a participação desse grupo na folha de pagamento é menor: representam R$ 595 milhões do total de mais de R$ 5 bilhões da folha mensal do Executivo federal referente a 2017. Isso equivale a pouco mais de 11%.

Com maior propensão à automação, aparecem nas primeiras posições técnicos de sistemas audiovisuais, além de servidores da construção civil, como armador, pedreiro, pintor e carpinteiro.

A remuneração média desses profissionais está abaixo da média de R$ 9.913 para o total de ocupações analisadas.

"No caso do  pedreiro, a automação pode se dar por inovações nos processos de construção, como o uso mais intensivo de pré-moldados, ou processos que ainda não são economicamente viáveis, como a impressão 3D em larga escala", diz Adamczyk.

A maioria dos funcionários públicos com cargo de pedreiro já está aposentada, mas hoje existem mais de 200 servidores na ativa com essa função, vinculados principalmente a universidades federais, segundo o Painel Estatístico de Pessoal.

Na outra ponta, com os menores riscos de substituição por inteligência artificial, estão as funções de pesquisadores (em engenharia, saúde, ciências sociais, educação), perito criminal, biólogo, gerente de serviços de saúde e psicólogo clínico.

A maioria dessas funções tem remunerações acima da média de R$ 9.913 para o total de ocupações analisadas.

Pesquisadores em áreas como engenharia, saúde, ciências sociais e educação estão entre as ocupações com os menores riscos de substituição por inteligência artificial

Os autores apontam que as atividades mais comuns entre esses pesquisadores são as que envolvem desenvolvimento de novos materiais, produtos, processos e métodos.

São funções que "estão na fronteira do conhecimento e longe de possibilitarem uma padronização em seus processos, dada a elevada complexidade das tarefas e necessidade de elementos de criatividade e inovação para que sejam executados."

Também aparecem com baixa propensão à automação profissionais como economistas, sociólogos, geógrafos, biólogos, psicólogos e antropólogos, além de outras funções que "desempenham atividades centrais para o desenvolvimento das próprias tecnologias de automação."

"A tendência é de substituição das tarefas mais repetitivas e que envolvem tomada de decisões mais simples. Por exemplo, calcular e devolver um troco, anotar um pedido, passar informações básicas, preencher formulários e planilhas. Ocupações de maior qualificação serão mais difíceis de automatizar por realizarem tarefas complexas abstratas, não rotineiras, que exigem criatividade, negociação, persuasão e atenção a pessoas ou equipes", diz Adamczyk.

O pesquisador pondera que uma ocupação ser propensa à automação não significa que ela necessariamente deixará de existir.

"Significa que ela poderá se aproveitar da introdução de novas tecnologias, ora para complementar e melhorar a produtividade do trabalhador, ou então para reformular completamente essa ocupação."

'Rigidez' do setor público

Entre os órgãos do Executivo, o Ministério da Educação é o que aparece com maior número de ocupações com alta propensão à automação: 78 das 272 que compõem o órgão.

Entre elas, estão assistente administrativo, auxiliar de escritório, auxiliar de biblioteca. O Ministério da Saúde aparece em segundo, com 26 de suas 129 ocupações com alta propensão à automação.

Os autores destacam que o setor público tem mais rigidez para adaptar a força de trabalho às mudanças na tecnologia e que, portanto, há uma defasagem em relação ao setor privado.

"Enquanto o setor privado tem flexibilidade para ajustar-se às mudanças tecnológicas por meio de contratações, demissões e realocação de funcionários, contando com o mecanismo de preços como sinalizador, o setor público tem possui maior rigidez para ajustar sua força de trabalho frente às mudanças tecnológicas."

Adamczyk aponta que metade dos servidores do governo federal estarão em condições de se aposentar nos próximos 20 anos e que isso representa uma saída massiva de conhecimento de difícil reposição, além de aumento dos gastos com servidores inativos.

Nesse contexto, diz ele, os resultados da pesquisa "podem fomentar a discussão sobre novas habilidades e qualificações necessárias para retreinar os servidores atuais e contratar novos servidores no futuro".

"As tecnologias de automação devem ser vistas como aliadas da sociedade brasileira para a continuidade dos serviços públicos prestados, melhoria na qualidade e redução de gastos — nessa ordem", diz o pesquisador.

Funcionário público pode ser demitido?

Congresso vai analisar a proposta de reforma administrativa enviada pelo governo Bolsonaro

É importante lembrar que os servidores públicos hoje têm estabilidade no cargo garantida pela Constituição — que prevê a perda do cargo só em situações muito específicas, como em caso de condenação sem mais possibilidade de recurso na Justiça.

Em um eventual cenário de extinção do cargo, a Constituição estabelece que o servidor recebe remuneração proporcional ao tempo de serviço até ser aproveitado em outro cargo.

As regras do funcionalismo público, no entanto, estão em discussão e podem ser alteradas pelo Congresso Nacional.

O governo do presidente Jair Bolsonaro enviou ao Legislativo a reforma administrativa, que pretende mudar regras de contratação e progressão na carreira para futuros servidores, inclusive facilitando a demissão, ao propor o fim da estabilidade para servidores que não estejam nas chamadas carreiras típicas de Estado (que ainda seriam definidas, segundo a proposta).

Laís Alegretti - @laisalegretti, da BBC News Brasil em Londres

domingo, 27 de setembro de 2020

Brasil registra mais 335 mortes ligadas à covid-19

Ao todo, mais de 141 mil pessoas morreram em decorrência da doença no país. Autoridades relatam ainda mais de 14 mil casos de coronavírus em 24 horas, elevando o total de infectados para 4,73 milhões.


Pessoas sem máscara em comércio em São Paulo

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 972.237 casos e 35.108 mortes

Mais 335 mortes ligadas à covid-19 foram registradas oficialmente no Brasil nas últimas 24 horas, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e do Ministério da Saúde divulgados neste domingo (27/09).

Com o novo balanço, o total de óbitos pela doença chega a 141.741. O país ainda reportou mais 14.318 casos de coronavírus, elevando o total de infectados para 4.732.309.

Ao todo, 4.060.088 pessoas se recuperaram da doença, segundo o ministério. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 972.237 casos e 35.108 mortes. O total de infectados no território paulista supera os registrados em praticamente todos os países do mundo, exceto Estados Unidos (7,1 milhões), Índia (5,9 milhões) e Rússia (1,1 milhão).

A Bahia é o segundo estado brasileiro com maior número de casos, somando 306.036, seguida de Minas Gerais (288.619), Rio de Janeiro (261.860), Ceará (238.935) e Pará (227.756).

Já em número de mortos, o Rio é o segundo estado com mais vítimas, somando 18.278 óbitos. Em seguida vêm Ceará (8.919), Pernambuco (8.174), Minas Gerais (7.228), Bahia (6.599) e Pará (6.546).

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 67,4 no Brasil, uma das mais altas do mundo. A cifra fica bem acima da registrada em países vizinhos como Argentina (34,93) e Uruguai (1,36), e também supera a dos EUA (62,50), nação mais atingida pela pandemia no planeta, e a do Reino Unido (63,26), país europeu com mais mortes.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam 7,1 milhões de casos, e da Índia, com 5,99 milhões.

Mas é o segundo em número de mortos, depois dos EUA, que na semana passada superaram a marca trágica de 200 mil vidas perdidas – já são agora 204,6 mil óbitos no país.

A Índia, que chegou a impor uma das maiores quarentenas do mundo no início da pandemia e depois flexibilizou as restrições, é a terceira nação com mais mortos, somando 94,5 mil.

Ao todo, o mundo já registrou mais de 32,9 milhões de pessoas infectadas pelo coronavírus e se aproxima de 1 milhão de mortes ligadas à doença, ao acumular 995 mil óbitos, segundo contagem mantida pela Universidade Johns Hopkins.

Publicado originalmente por Deutsch Welle, edição de 27.09.2020.

As caretas da censura judicial

Juiz despreza o cidadão comum. O costume de violar a Constituição perpassa o Judiciário

O Estado moderno firma-se desde os séculos 15 e 16. Contra o feudalismo o rei instaura novos modos de administração, das fronteiras aos impostos, da justiça à polícia, dos campi aos arquivos, das coleções incoerentes de livros às bibliotecas. A racionalidade, no entanto, é paga com preço alto. Nobres e clero devem ser comprados com favores, isenção de taxas, privilégios. Até a cor das roupas exibe a “superioridade” dos barões e cardeais. A “gente ordinária de veste” (expressão ainda usada na Corte carioca de João VI) usa o negro com colarinho branco. Quem não pertence à burguesia rica ostenta andrajos.

Analista do poder, o matemático e filósofo Blaise Pascal comenta as roupas e os acessórios para intimidar os “homens comuns”. Existe o costume de ver os reis seguidos de guardas, tambores, serviçais e tudo o que inclina a espinha humana pelo medo e terror. Daí a bajulação: “O caráter da divindade está impresso na face real”.

Os juízes, continua Pascal, “conhecem tal mistério. Suas vestes vermelhas, seus enfeites e arminhos, os palácios onde julgam, as flores-de-lis (nada que ver com o Brasil de hoje), todo um aparato augusto é para eles necessário. Se os médicos não tivessem sotainas e mulas e os doutores não tivessem bonés quadrados e vestes amplas (...) eles jamais teriam engambelado quem não pode resistir. Se tivessem a justiça verdadeira e os médicos a arte verdadeira de curar seriam inúteis os bonés quadrados. A majestade das ciências seria venerável o bastante. Mas eles só têm ciências imaginárias, sendo preciso que as usem tais instrumentos inúteis que ferem a imaginação, com a qual lidam e conseguem respeito”. Termina o pensador: “Os soldados não se fantasiam porque sua parte é mais essencial. Eles se impõem pela força, os demais pelas caretas”. 

Juízes, a exemplo do presidente Schreber – delirante interlocutor de Deus –, desprezam o cidadão comum. O termo usado para designar quem não é juiz é claro: “leigo”, a pessoa “ordinária de vestes” que não pode intimidar com caretas e palácios. Mas as togas se curvam – como nas ditaduras que atormentaram o Brasil – diante das fardas.

O vezo de insultar os não iniciados nos mistérios “da justiça” tem origem teológico-política. Na Igreja primitiva a hierarquia era tênue. Eram valorizados, conforme indica Max Weber, os que se moviam para recordar a iminente volta do Senhor, praticando pobreza, obediência, castidade. Quem não praticava tais virtudes à espera do Juízo Final e não imitava monges e ermitãos integrava a vida cristã conforme seu estado no mundo. Os cidadãos, na Igreja, recebem o título de Christifideles laici: povo fiel a Cristo. Com a burocracia eclesiástica, simultânea à centralização do Estado, o poder hierárquico ficou mais rígido e exclusivo. Se no Estado apenas os dirigentes têm voz, na Igreja só os sacerdotes, bispos e papa merecem acatamento.

O tratado atribuído a Dionísio, o suposto Areopagita – A Hierarquia Eclesiástica –, desenha o cosmos no qual os anjos, arcanjos, padres, nobres e reis estão próximos da Luz Divina. Os leigos, imersos na escuridão, devem calar e obedecer. Daí o costume, hoje abusado por médicos e juristas (bom Pascal!), de aplicar o nome de “leigo” a quem não é iluminado pelo saber sagrado das respectivas corporações. 

Quando o Terceiro Estado (os leigos) exigiu de um monarca francês a prestação de contas sobre as finanças públicas, o clero deu o seguinte parecer: “As finanças reais são como o Santíssimo Sacramento no altar. Só podem conhecê-las os que para tal fim são ordenados”. Com a Reforma luterana a hierarquia eclesiástica desabou, restaurando-se o sacerdócio comum dos fiéis. E como fruto vem a Revolução Puritana inglesa, que institui a accountability, obrigação de governantes, parlamentares, funcionários e... juízes prestarem contas de seus atos ao povo soberano. 

Tal princípio, criado pelos gregos antigos, medra nas Revoluções Americana e Francesa. Aqui, no entanto, dom João VI instaura um poder contra a accountability. Não por acaso, o imperador é dito irresponsável. 

A responsabilidade nos cargos públicos é ignorada no Brasil. A quem respondem os juízes do STF, do STJ e outras Cortes “excelsas”? O costume de violar a Constituição perpassa o Judiciário. O trejeito atual de nossos magistrados é censurar a imprensa, mesmo contra decisões tomadas pelo Supremo Tribunal. O caso Boi Barrica amordaçou o jornal O Estado de S. Paulo. O jornalista Luis Nassif e a Rede Globo são calados por juízes. Ganha quem deveria prestar contas ao contribuinte. Mas os contribuintes são “leigos”, “gente ordinária de vestes”.

Há um livro de jovem, mas erudito, magistrado eleitoral, Marcelo Ramos Peregrino Ferreira, com título exato: Da Democracia de Partidos à Autocracia Judicial (Habitus Ed. 2020). Ele denuncia a vontade de poder dos juízes brasileiros que mudam o sentido da Constituição, legislam usurpando prerrogativas do Congresso e, gradativamente, se imiscuem no Executivo. Haja boné quadrado e caretas!

Roberto Romano, o autor deste artigo, é Professor da Unicamp. Autor de "Razões de Estado e outros Estados da Razão". (Editora Perspectiva). Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, ediçao de 27.09.2020.

Elogio à irresponsabilidade

Por enquanto, Bolsonaro se sustenta graças a uma combinação de populismo barato com capacidade de fingir que é presidente

O governo de Jair Bolsonaro atingiu o maior patamar de aprovação desde sua posse, mostra pesquisa do Ibope recentemente divulgada. No levantamento, 40% dos entrevistados disseram considerar o governo “ótimo” ou “bom”, 11 pontos porcentuais acima do verificado em dezembro do ano passado – antes, portanto, da pandemia de covid-19. A avaliação negativa caiu de 38% para 29% no mesmo período.

Bolsonaro obviamente não atingiu esse nível de aprovação em razão do modo destrambelhado como está lidando com a pandemia. Sua gestão da crise é um desastre em todos os aspectos – e os quase 140 mil mortos falam por si. O mais provável é que, ao contrário, o presidente, ao isentar-se sistematicamente de qualquer responsabilidade no que diz respeito à doença e a seus efeitos sociais e econômicos, terceirizou a impopularidade, sentida muito mais pelo Congresso e, principalmente, por governadores e prefeitos – obrigados, estes sim, a enfrentar o desafio da pandemia, contando com escassa ajuda federal e em muitos momentos sendo hostilizados pelo próprio presidente.

Pode-se especular que, para parte significativa dos entrevistados, a covid-19 não passava mesmo de uma “gripezinha”, como a ela jocosamente se referiu Bolsonaro, que a todo momento estimulou aglomerações e a “volta à normalidade”, como se isso fosse possível. As imagens de praias lotadas mesmo diante das evidências de que o pior ainda não passou são mais eloquentes do que qualquer pesquisa.

Assim, o crescimento da popularidade de Bolsonaro, a despeito de tudo, é uma espécie de elogio à irresponsabilidade, traduzida não somente em sua infame campanha a favor do uso da cloroquina, espécie de elixir bolsonarista, mas principalmente na conclusão do presidente segundo a qual quem ficou em isolamento na pandemia é “fraco” e se “acovardou”.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro segue colhendo os frutos eleitorais do auxílio emergencial para os mais necessitados. Entre os entrevistados com renda familiar de até um salário mínimo, a popularidade presidencial saltou de 19% para 35% desde dezembro. Entre os que estudaram até a 8.ª série, a aprovação de Bolsonaro passou de 25% para 44%. Nada semelhante a isso se verificou nas faixas socioeconômicas intermediárias e superiores da população.

O governo provavelmente vai explorar a pesquisa como prova de que o presidente sempre esteve certo e o resto do mundo, errado. É preciso deixar claro, contudo, que popularidade nem sempre é sinônimo de bom governo – que o diga Dilma Rousseff, que na metade de seu primeiro mandato tinha aprovação superior a 60% e que conseguiu se reeleger em 2014 a despeito de seu desempenho calamitoso na Presidência.

Como mostra o caso de Dilma Rousseff, a propósito, nenhum governo se sustenta somente com base na mistificação e na embromação. A popularidade da presidente petista, que era de 63% em março de 2013, caiu para 31% em julho daquele ano, em meio a grandes protestos, e estava em 10% um mês antes da admissão de seu processo de impeachment pela Câmara, em abril de 2016. 

Por enquanto, Bolsonaro se sustenta graças a uma combinação de populismo barato com uma assombrosa capacidade de fingir que é presidente sem exercer o cargo. Mais cedo ou mais tarde, contudo, a ausência de um plano claro de governo, fruto da patente inaptidão de Bolsonaro para desempenhar a função para a qual foi eleito, será percebida pela população.

Até lá, a única pesquisa de opinião que realmente importa, e que projeta um futuro nada glorioso, é a que se dá entre investidores, especialmente os estrangeiros. E a opinião destes parece clara: neste ano, até agosto, US$ 15,2 bilhões deixaram o País, o maior montante no período desde 1982, quando o Banco Central começou a fazer esse levantamento.

A irresponsabilidade de Bolsonaro pode até lhe render algum apoio entre os brasileiros incapazes, por diversas razões, de enxergar além de seus estreitos horizontes pessoais. Já para aqueles que dependem de confiança e racionalidade para investir, o presidente não engana mais ninguém.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 27 de setembro de 2020 | 03h00

sábado, 26 de setembro de 2020

Artigo: Uma abordagem stalinista da ciência

Trumpismo parece inspirar um desprezo pela perícia e uma predileção por charlatães

Por Paul Krugman*

Trofim Lysenko. Quem? Lysenko foi um agrônomo soviético que decidiu que a genética moderna estava errada, que era contrária ao princípio marxista-leninista. Ele negou que os genes existissem, enquanto insistia que as opiniões há muito desacreditadas sobre evolução estavam certas

Cientistas de verdade ficaram maravilhados com sua ignorância. Mas Joseph Stalin gostava dele e os pontos de vista de Lysenko tornaram-se doutrina oficial. Os cientistas que se recusaram a endossá-los foram enviados a campos de trabalho forçado ou executados. O lysenkoismo se tornou a base de grande parte da política agrícola da URSS, contribuindo para a desastrosa fome dos anos 30. Tudo isso soa familiar?

Aqueles que estão preocupados com uma crise da democracia nos EUA comparam Donald Trump a homens fortes, como Viktor Orban, da Hungria, e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, não a Stalin. Embora ninguém acuse Trump de ser esquerdista, seu estilo político sempre me lembra o stalinismo. Como Stalin, ele vê conspirações implausíveis em todos os lugares: anarquistas controlam as cidades, esquerdistas radicais controlam Joe Biden, cabalas anti-Trump secretas em todo o governo federal. Também é notável que aqueles que trabalham para Trump, assim como os funcionários stalinistas, acabam se dando mal – embora não sejam enviados para gulags, pelo menos não ainda.

O trumpismo, como o stalinismo, parece inspirar um desprezo pela perícia e uma predileção por charlatães. Na quarta-feira, Trump disse duas coisas que mereciam manchetes. A mais alarmante é que ele se recusou a se comprometer com uma transição pacífica de poder se perder a eleição. Mas ele também indicou que pode rejeitar novas diretrizes da FDA para a aprovação de uma vacina contra o coronavírus, dizendo que essas diretrizes “soam como um movimento político”. Hã? 

Muitos observadores temem que Trump, em um esforço para influenciar a eleição, anuncie uma vacina segura e eficaz, mesmo que não tenha sido testada. No mês passado, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) divulgou uma nova orientação para que pessoas contaminadas, mas sem sintomas de covid-19, não façam o teste – ao contrário das recomendações de quase todos os epidemiologistas.

Relatórios revelaram que a orientação foi preparada por nomeados políticos e ignorou o processo de revisão científica.

Recentemente, o CDC alertou sobre a transmissão aérea do coronavírus, refletindo o que os especialistas dizem, mas voltou atrás dias depois.

Não sabemos o que aconteceu, mas é difícil não notar que a orientação deixava claro que os comícios de Trump, com multidões em ambientes fechados e sem máscaras, criavam riscos à saúde pública.

Se burocratas políticos estão dando as cartas no CDC e na FDA, seguindo a linha do partido, quem está aconselhando Trump sobre a pandemia? Entram os charlatães. O impulso desastroso de Trump, em abril, para a reabrir a economia foi influenciado pelos escritos de Richard Epstein, professor de Direito que decidiu bancar o especialista em epidemiologia.

Mas o charlatão do momento é Scott Atlas, um radiologista sem experiência em doenças infecciosas que impressionou Trump com suas aparições na Fox News. A oposição de Atlas às máscaras e sua defesa da imunidade de rebanho divergem da opinião dos epidemiologistas. No entanto, é o que Trump quer ouvir.

Isso é o que me fez pensar em Lysenko. Como Stalin, Trump intimida especialistas e recebe conselhos sobre questões científicas de pessoas que não sabem do que estão falando, mas dizem a ele o que ele quer ouvir. Sabe o que acontece quando um líder faz isso? Pessoas morrem.

* É COLUNISTA, PROFESSOR DO CITY  UNIVERSITY OF NEW YORK E VENCEDOR DO PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA EM 2008. Publicado no Brasil por O Estado de São Paulo, edição de 26.09.2020.