terça-feira, 1 de setembro de 2020

Entre o vírus e a reeleição

Os problemas das contas públicas tornam fundamental a retomada da consolidação fiscal, mas Jair Bolsonaro parece estar concentrado na reeleição

Com um buraco de R$ 505,38 bilhões até julho, o governo central já contabilizou quatro vezes o déficit primário inicialmente previsto para o ano, de R$ 124,10 bilhões. A crise do coronavírus derrubou a arrecadação e forçou gastos excepcionais para combater a pandemia e seus efeitos econômicos e sociais. Um orçamento de guerra autorizado pelo Congresso valerá até dezembro. Estará próximo de R$ 800 bilhões, no fim do ano, o rombo primário do poder central, segundo o Ministério da Economia. Essa projeção será superada, se o Tesouro tiver de atender ministros gastadores, aliados fisiológicos e aos objetivos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro.

Esgotado o orçamento de guerra, os estragos causados pela pandemia – mesmo sem gastança irresponsável – ainda afetarão as finanças públicas por vários anos. Para começar, o governo terá de cuidar de um desajuste primário, isto é, sem juros, muito maior que o programado antes da covid-19. Isso limitará fortemente o manejo do Orçamento. Essa limitação poderá durar vários anos. Em segundo lugar, a equipe econômica precisará administrar uma dívida bem superior à planejada antes da emergência deste ano.

Na pior hipótese, a dívida bruta do governo geral deveria equivaler a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim deste ano. Em julho essa dívida chegou a R$ 6,21 trilhões, soma correspondente a 86,5% do PIB, com aumento de um ponto porcentual em relação ao nível de junho, segundo o Banco Central (BC). Pelas projeções correntes no governo e no mercado, a proporção estará muito próxima de 100% em dezembro. O resultado será pior, também nesse caso, se o governo gastar neste segundo semestre mais que o previsto. Algum gasto extra já ocorrerá pela simples prorrogação do auxílio emergencial aos mais vulneráveis.

Chegou a R$ 483,77 bilhões, em sete meses, o déficit primário do setor público, formado pelo governo central, pelas administrações de Estados e municípios e pela maior parte das estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. O saldo positivo acumulado por Estados e estatais compensou em parte o resultado negativo do governo central.

Somados os juros vencidos, o saldo final do setor público, também chamado resultado nominal, foi um déficit de US$ 663,22 bilhões, valor correspondente a 16,30% do PIB calculado para janeiro-julho. Em 12 meses o rombo fiscal do setor público chegou a R$ 875,26 bilhões, ou 12,19% do PIB estimado para o período.

Parece pequena a diferença entre os déficits acumulados neste ano e entre agosto de 2019 e julho de 2020. Mas efeitos fiscais da crise só foram contabilizados a partir de abril. O estrago mostrado nesse relatório reflete as perdas de abril a julho.

Prejuízos ficam bem claros no relatório do Ministério da Economia. Pelo critério do Tesouro, o governo central teve déficit primário de R$ 505,20 bilhões em sete meses. Descontada a inflação, a receita líquida acumulada até julho encolheu 18,90%, enquanto a despesa aumentou 41%. Nesses cálculos se considera apenas a diferença entre a arrecadação e o gasto. No relatório do BC o saldo negativo das contas públicas corresponde à necessidade de financiamento.

A publicação do Tesouro foi acompanhada de importante alerta. O grande esforço fiscal deste ano e os problemas estruturais das contas públicas tornam fundamental a retomada da consolidação fiscal, abandonada na crise. Sem isso, avisam os técnicos, haverá o risco de aumento de juros, com efeitos negativos para as contas públicas e para o crescimento econômico.

Juros baixos são essenciais para o investimento produtivo e para o fortalecimento da economia. Um aumento de 1 ponto porcentual nos juros pode reduzir o PIB entre R$ 52 bilhões e R$ 92 bilhões em um ano, segundo a advertência. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, também lembrou há poucos dias o risco de alta de juros, se o mercado perder a confiança na política fiscal. O próprio mercado tem recordado esse alerta, mas com frequência o presidente Jair Bolsonaro parece desprezar o aviso, concentrado na reeleição.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
01 de setembro de 2020 | 03h00

Quem pode afastar um governador

Esta é uma medida drástica demais para que seja decidida monocraticamente

Para garantir a aplicação da lei penal, preservar a investigação ou evitar a prática de infrações penais, o Código de Processo Penal autoriza que o juiz aplique algumas medidas cautelares. A Lei 12.403/2011 definiu nove medidas diversas da prisão; por exemplo, a monitoração eletrônica, a proibição de contato com alguma pessoa determinada ou mesmo a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais” (art. 319, VI do Código de Processo Penal).

Tendo por base esse dispositivo, no dia 28 de agosto, o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou o afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), do cargo por 180 dias, em razão de supostos desvios de dinheiro público destinados à área da saúde. Segundo o ministro, “os fatos não só são contemporâneos como estão ocorrendo e, revelando especial gravidade e reprovabilidade, a abalar severamente a ordem pública, o grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em pleno pandemia da covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade”. Na decisão, Benedito Gonçalves proibiu ainda o acesso de Wilson Witzel às dependências do governo do Estado, a sua comunicação com funcionários e a utilização dos serviços próprios do cargo.

A decisão do ministro Benedito Gonçalves relevou, no entanto, dado significativo. Wilson Witzel não ocupa uma função pública qualquer. Ele é o chefe do Poder Executivo estadual, havendo todo um conjunto de prerrogativas relativas ao cargo que não devem ser flexibilizadas, sob pena de enfraquecer o próprio regime democrático. O Estado deve ser eficiente para obstar a prática de crimes, mas deve seguir parâmetros precisos para que seu poder não seja usado em perseguições políticas. São gravíssimas, não há dúvida, as suspeitas contra o governador Wilson Witzel, mas precisamente por força da gravidade dos fatos a investigação deve-se dar dentro da lei, e não à margem.

“Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”, diz a Carta de 1988. No caso do Rio de Janeiro, a Constituição Estadual é bastante clara. “O Governador ficará suspenso de suas funções (i) nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo STJ e (ii) nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pela Assembleia Legislativa” (art. 147, § 1o). No caso, o afastamento de Wilson Witzel foi decretado em fase investigativa, no âmbito da Operação Tris in Idem. Não houve ainda instauração de ação penal contra o governador Wilson Witzel. Ele ainda não é réu.

Além disso, segundo a lei processual, o juiz deve decretar a medida cautelar depois de ouvir a parte contrária, “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida”. O governador não foi ouvido antes do seu afastamento. Trata-se de uma medida drástica demais, com efeitos sobre toda a população e o funcionamento do Estado, para que seja decidida monocraticamente e sem possibilidade de defesa prévia.

A Constituição do Estado do Rio de Janeiro define, por exemplo, que é competência privativa da Assembleia Legislativa autorizar o governador a ausentar-se do Estado por mais de 15 dias consecutivos. Não parece razoável que um magistrado possa sozinho decidir, no âmbito de uma investigação criminal, o afastamento desse mesmo governador por 180 dias.

Investigações envolvendo governadores devem, como é lógico, respeitar integralmente a lei processual penal. Mas devem respeitar igualmente o pacto federativo e as prerrogativas funcionais dos cargos políticos. Nesse sentido, a Justiça deve ter especial cuidado na condução dessas investigações, tanto para o cabal esclarecimento das suspeitas como para impedir que o poder investigativo do Estado seja usado para fins políticos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
01 de setembro de 2020 | 03h00

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Direito de defesa: erro judiciário não é questão apenas de estatística, mas também de neurociência

"Como a palavra da testemunha ou da vítima em um reconhecimento de imagem acaba funcionando como fator único para justificar uma condenação ou pelo menos para definir a prisão preventiva, e com toda a carga de presunção de culpa que vem com essa prisão, lá na frente acaba-se redundando em uma injustiça. [Em] uma condenação com base em uma prova que não é confrontada com os demais elementos do processo."

A frase é de Dora Cavalcanti, uma das fundadoras do Innocence Project Brasil, em entrevista à ConJur feita em 19 de agosto. Para os mais céticos — ou simplesmente conformados com o estado de coisas do sistema de justiça criminal brasileiro —, declarações do tipo podem soar abstratas, exageradas ou destoantes da realidade.

Reportagem da ConJur / Consulor Jurídico publicada neste domingo (29/8), no entanto, é mais um exemplo de que Dora fez um diagnóstico preciso da máquina estatal que investiga, julga e prende — não necessariamente nessa ordem.

No Paraná, um homem ficou quase quatro anos no cárcere, condenado por estupro. Mas em maio deste ano, quando passou a ser assistido pela Defensoria do estado, enfim foi feito o óbvio: como o sêmen do estuprador havia sido colhido e armazenado, procedeu-se à comparação entre o material genético guardado e o do homem até então esquecido no calabouço. Resultado: ele não é o autor do crime e, em revisão criminal, foi posto em liberdade. A palavra da vítima, que serviu de norte a todo o caso — da primeira abordagem policial à condenação definitiva —, mostrou que a bússola do sistema de Justiça precisa ser calibrada.

Um dos debates que o Innocence Project Brasil quer fomentar, aliás, diz respeito ao estudo da neurociência nas condenações. Para os fundadores do projeto, a problemática do reconhecimento, num futuro próximo, pode ser melhorada com a implementação de medidas baratas e simples, que diminuem essa incidência de reconhecimentos equivocados. O tema das falsas memórias é científico. As pessoas têm dificuldade de enxergar no outro uma diferença, explicam os criminalistas.

A versão brasileira do Innocence Project Brasil foi fundada por Dora em parceria com os advogados Rafael Tuchermann e Flávia Rahal. Desdobramento do projeto norte-americano, a iniciativa tem convivido com dificuldades típicas de nossa realidade, como a coleta e o armazenamento precário de vestígios de crimes — o caso do Paraná, no qual foi possível análise de material armazenado, é uma exceção.

Tuchermann lembra que essa dificuldade talvez tenha sido o primeiro grande desafio do projeto. "Nos Estados Unidos, o primeiro projeto até hoje só trabalha com casos que podem ser solucionados com provas de DNA. Isso no Brasil seria impossível, dada a fragilidade absurda na coleta de vestígios de crime e na manutenção adequada desses vestígios."

Fundado em 2016, o projeto brasileiro integra o Innocence Network, rede que conta com 57 organizações espalhadas pelos Estados Unidos e outras 14 ao redor do mundo, e que, desde 1992, já conseguiu reverter a condenação de 350 inocentes. E foi vencedor do Prêmio Innovare 2019 na categoria "advocacia".

Além de fomentar o debate sobre o erro judiciário, uma das bandeiras do projeto é normalizar a indenização a inocentes encarcerados. Para Flávia, esse é um debate em que todos os operadores de Justiça terão que enfrentar. "No Brasil temos ainda uma visão muito reativa a essa ideia, e esse é um obstáculo que teremos que enfrentar. É fundamental se falar em indenização, e o Estado olhar para dentro dele mesmo e entender que esses erros são comuns e cotidianos."

Em entrevista à ConJur, o triunvirato que encabeça o Innocence Project Brasil falou das conquistas da iniciativa até aqui, da realidade do nosso sistema de Justiça e da necessidade de dar nome, sobrenome e visibilidade aos invisíveis. Enfim, trabalhar para que os inocentes não sejam apenas mais um número do sistema punitivo estatal.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Como surgiu a ideia de trazer o projeto para o Brasil

Dora Cavalcanti — O interesse pelo projeto surgiu em 2008. Eu namorei esse projeto nos Estados Unidos por um longo período. Em 2013 eu tive oportunidade de passar um ano como visitante no Innocence Project de San Diego. Foi assim que pude vivenciar o trabalho que eles fazem e entender como essa temática do erro judiciário da condenação de inocentes é trabalhada em mais de 55 projetos voltados ao tema nos EUA. Me familiarizei com os processos e passei a imaginar como poderíamos montar algo nesse sentido aqui no Brasil. O interesse do projeto surgiu da premissa de quando analisamos as garantias do processo penal, os regramentos, a importância da ampla defesa... Enfim, tudo isso que sempre defendemos na nossa advocacia e no Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) da perspectiva do inocente. Daqueles casos em que, por uma série de fatores, o sistema falhou e um inocente foi condenado, você enxerga de uma maneira muito clara a importância de as regras serem respeitadas. E essa temática é muito pouco debatida aqui no Brasil. Ainda é. Nós temos três anos de estrada e muita coisa já mudou, mas acreditamos que esse tema e todas as questões que possam ser aprimoradas no Sistema de Justiça Criminal merece uma luz própria. Por isso fundamos o Innocence Project aqui no Brasil.

Rafael Tuchermann — A Elizabeth Loftus, que é uma das maiores especialistas em falsas memórias do mundo, costuma dizer que, após um acidente de avião, se faz uma investigação minuciosa para saber quais as razões desse acidente. E no caso do erro judiciário na condenação de um inocente deve ser feito a mesma coisa.  É preciso rever do começo ao fim do processo. Essa visão sistemática, nós entendemos que faltava. Não existia uma organização com foco no erro judiciário. Nas causas do erro e de como preveni-los. Sempre atuamos com isso, mas de uma forma mais empírica, caso a caso, e não com uma visão temática e estrutural. Esse é o nosso desafio. Criarmos essa visão e difundirmos para todo o sistema, para que ele tenha mais meios de prevenir a ocorrência de erros.

ConJur — Quantos casos são tocados pela instituição atualmente? Quais os critérios para a entidade pegar um?

Rafael — Já recebemos por volta de 1.600 questionários. Desses, já ganhamos dois casos em definitivo. Em outros dois, já conseguimos soltar o condenado ainda sem uma decisão definitiva. E já atuamos também em mais dois casos e estudamos mais uma série.

Flávia Rahal — Escolhemos os casos via de regra pelo preenchimento do questionário disponível em nosso site. Uma pessoa em nome daquele que está preso preenche o questionário e fornece uma série de informações para gente ter um primeiro olhar daquela história. Recebemos alguns pedidos por cartas e por e-mails, mas o canal oficial é o nosso site. Não estamos ainda no momento como no projeto dos EUA, de visitar unidades prisionais para falar sobre o projeto, porque aí esse número iria crescer em progressão geométrica.

Mesmo estando em um movimento silencioso, já temos esse número grande de pedidos de ajuda. E acrescentando ao que a Dora e o Rafael já falaram, vale dizer que o que nos move é atender essas pessoas que estão desesperadas e enxergam no projeto a última alternativa dela e assim ajudar a aprimorar todo o sistema de Justiça. Cada caso que aceitamos tem toda uma história por trás de muita angústia. De alguém que se vê injustiçado e oprimido.

ConJur — Quais são as similaridades dos erros do Judiciário norte-americano e brasileiro? E quais as particularidades de cada sistema?

Dora Cavalcanti — Quando olhamos para os sistemas de fora, a sensação que se tem é que os erros teriam razões muito distintas. Na verdade, o erro judiciário é quase sempre um fenômeno multicausal, em que muitos fatores contribuem para que um inocente seja condenado em definitivo ao final de um processo. Só que nós temos notado uma semelhança muito grande nas principais causas. A primeira delas — e essa questão que aparece cada vez de forma mais presente — é o reconhecimento equivocado. Como a palavra da testemunha ou da vítima em um reconhecimento de imagem acaba funcionando como fator único para justificar uma condenação ou pelo menos para definir a prisão preventiva, e toda a carga de presunção de culpa que vem com essa prisão, lá na frente acaba-se redundando em uma injustiça. Uma condenação com base em uma prova que não é confrontada com os demais elementos do processo.

Outra razão de erro é o que se chama de "má conduta dos operadores de Direito". É um termo bem vago em que temos que trabalhar ainda. Precisamos conversar sobre essa terminologia, mas a verdade é que no projeto da Califórnia você enxergava uma pessoa tão invisível como um brasileiro esquecido em uma cadeia pública nossa, e que pode estar lá por uma ação violenta da polícia ou por um olhar enviesado do Ministério Público, que partiu da figura do suspeito e só colocou no processo o que reforçava a tese condenatória. Outro fator que contribui para o erro é a falsa confissão ou testemunho. Desse, estamos um pouco mais distantes porque a figura do informante ainda não está tão presente na realidade forense do Brasil.

Também temos o trabalho de defesa mal feito. A defesa às vezes atua de forma acomodada, participa da audiência e não faz o resto do trabalho. Isso também acontece nos EUA. A figura do réu vulnerável diante do funcionamento massacrante do aparelho punitivo estatal aproxima as realidades do Brasil e dos Estados Unidos. E, por fim, temos também falhas em questões periciais.

Um objetivo nosso muito importante é tentar produzir dados do Brasil em parceria com as defensorias e com o CNJ para que tenhamos informações que reflitam a nossa realidade.

Rafael — A primeira diferença é a atuação da defesa ainda na fase de investigação. No Brasil isso ainda é muito incipiente. No geral — e temos muitas exceções louváveis — ,o advogado brasileiro fica mais passivo nessa parte, e a investigação é feita pela polícia com o MP presente. Reparamos que muitas vezes que, se um advogado mais diligente ou com um arsenal técnico mais desenvolvido fosse atrás no começo do caso, o suspeito não iria sequer ser processado e muitos menos acabar condenado. Essa proatividade na investigação, que até pelo sistema adversarial norte-americano é muito mais comum que aqui, ainda engatinha e causa muitos danos. E a própria cultura da descoberta da inocência como algo que tem que ser prestigiado. Lá nos EUA o Ministério Público respeita muito isso. Até mais que aqui.

Flávia — Tem também a questão do tamanho de pena, que nos Estados Unidos é uma coisa muito assustadora. Pessoas que ficaram presas 35, 20, 18 anos por um crime que não cometeram. No Brasil, temos isso em escala muito menor porque as nossas penas não chegam a esses absurdos, o que não exclui o fato de termos pessoas que já estão presas no Brasil há seis anos por crimes que não cometeram. Três anos... Qualquer tempo é suficiente para ser um divisor de águas não só na vida, mas em quem é aquela pessoa. Já percebemos que qualquer pessoa que passa por uma experiência dessa não sai a mesma pessoa de quando ela entrou, independentemente do tempo de prisão que ela tenha tido.

Outro ponto importante que nos diferencia dos EUA é a consciência da necessidade de indenização. No Brasil temos ainda uma visão muito reativa a essa ideia. E esse é um obstáculo que teremos que enfrentar. É fundamental se falar em indenização e o Estado olhar para dentro dele mesmo e entender que esses erros são comuns e cotidianos.

Rafael — Eu só gostaria de complementar com outro ponto importante que é a questão do DNA. Nos EUA, o primeiro projeto até hoje só trabalha com casos que podem ser solucionados com provas de DNA. Isso no Brasil seria impossível, dada a fragilidade absurda na coleta de vestígios de crime e na manutenção adequada desses vestígios. Só no projeto de Nova York já estamos chegando a 400 casos de inocência comprovada por DNA.

Flávia — Estamos com um caso atual em que a prova principal é o DNA e, para além do fato de que em muitos casos não houve coleta de material possível de ser analisada, ou até houve a coleta, mas ela não está devidamente condicionada para produzir uma contraprova, o que acontece é que a defesa aqui no Brasil, diferentemente dos EUA, não pode ter iniciativa de produzir essa prova e levar para o juiz por conta dela. Isso no Brasil necessariamente tem que ser por vias oficiais. Ao contrário dos EUA, no Brasil dependemos da iniciativa do magistrado, do MP ou da própria polícia para produzir essa prova. Temos uma limitação probatória gigantesca que tem a ver com a falta de cultura e de aceitação da defesa como proativa na fase investigativa.

ConJur — Dados do Depen de 2019 apontam que 65% dos presos brasileiros é formada por negros e pardos. Nosso sistema penal é influenciado pelo racismo estrutural?
Dora — Sem sobra de dúvida. Quando pensamos nos casos que nos chegam, o perfil dessas pessoas que estão ali em uma fila de esquecidos. Sem nenhuma chance porque o caso recebeu esse carimbo de trânsito em julgado. São pessoas que têm características muito próximas. São jovens negros e pardos muito parecidos e muito sujeitos a uma presunção de culpa. Por isso é tão importante dar rosto, nome e sobrenome a essas pessoas. Mostrar seus parentes, falar dos amigos que gostam dessa pessoa... Se não, será só mais um. E isso se reflete no erro judiciário, não apenas nas estatísticas, mas também em aspectos de neurociência.

Temos estudado bastante essa problemática do reconhecimento e estou muito confiante que no futuro próximo poderemos implementar mudanças baratas e simples que diminuam essa incidência de reconhecimentos equivocados. Esse tema das falsas memórias é científico. De como as pessoas têm dificuldade de enxergar no outro uma diferença.

Se a gente for pensar na nossa magistratura como majoritariamente branca e ainda egressa das faculdades de elite e confrontar isso com o perfil padrão do sujeito jovem, pardo, negro que está de boné, que usa brinco e tem tatuagem no corpo todo. E que é apresentado em um cenário induzido, são pessoas que ficam perdidas e não existe diferenciação.

Quando pensamos em como o racismo estrutural influencia no erro judiciário, enxergamos várias cargas de preconceito quando revisamos um projeto de trás para frente. Temos visto muitas vezes o tratamento desrespeitoso às testemunhas de defesa. E, novamente, se você tem um réu com algumas características, as testemunhas de defesa fazem parte daquela realidade que a pessoa vive. É o seu amigo, o seu vizinho, o seu patrão ou o seu colega de trabalho. Esse é um fenômeno muito triste. Essa percepção que essa pessoa poderia ir prestar depoimento apenas para tentar forjar um álibi ou contar uma mentira. As testemunhas de defesa são ameaçadas de falso testemunho e processadas mesmo que estejam contando a verdade. Dou exemplos: testemunhas tendo que explicar por que estavam na rua naquela hora da madrugada, por que foi para balada quando é noiva ou porque voltou a pé e não esperou o ônibus. Essa carga toda por trás do imaginário do olhar estatal sobre aquela realidade mostra uma diferenciação total da palavra do policial, do empresário ou de um expert para a o testemunho de uma pessoa normal que foi lá contar o que ela sabia. Isso está conectado com a forma como a nossa sociedade foi forjada e resulta em uma balança distorcida entre prova de defesa e prova de acusação, colaborando para ocorrência do erro.

ConJur — O que mudou de positivo do começo do projeto até aqui?

Flávia — O fato de o tema do erro judiciário estar na pauta. Isso tem aparecido como algo que é de interesse dos operadores de Direito. Assim como o reconhecimento das falhas do nosso sistema criminal ter mais espaço no debate público. Temas como falsas memórias. Temos um número de voluntários muito acima do que imaginamos. Com o envolvimento de nossos alunos, que é muito forte. Esse é um grande passo que estamos dando e que nos incentiva a seguir esse caminho.

Dora — A temática do erro judiciário precisa ser trabalhada com o engajamento de todos os operadores de Direito. Nos poucos casos em que tivemos sucesso ou que está em via de ter soluções finais positivas, tivemos posições marcantes como a de um promotor público que reconheceu a inocência de um réu e se colocou à disposição para trabalhar pela liberdade do réu. Para tentar repensar o que aconteceu e reconhecer o próprio erro. Hoje estou falando com um investigador que está me ajudando a entender o contexto maior que fez com que o nosso cliente fosse confundido com um assaltante. Um momento muito marcante para mim foi o depoimento de um desembargador que disse que a partir de um julgamento de um caso nosso passou a olhar com outros olhos para os casos que estavam em seu gabinete. Essa mobilização é fundamental e fica clara na perspectiva da própria imprensa, que tem dado voz à luta das famílias de pessoas que estão presas e são inocentes.

Flávia — Tivemos um caso em que o pedido de ajuda veio de um promotor. Ele pediu para que a gente fizesse uma revisão de um caso em que ele tinha trabalhado. Também temos tido muito apoio de peritos.

Rafael — Eu me atrevo a dizer que, se um promotor ou juiz que se sente impactado, a ponto para pedir a revisão de um processo em que ele atuou, nunca mais vai acusar ou julgar da mesma forma. Essa semente em cada um desses atores — inclusive advogados — é o ponto mais importante. Essa pessoa que percebe que qualquer um é suscetível a um erro irá passar essa lição para colegas e amigos. Nosso sentimento é que aparentemente o Judiciário estava esperando uma iniciativas como essa para fazer movimentos como a revitalização da revisão criminal e fazer com que ela seja encarada com o status que ela merece.

Rafa Santos, a autora do texto, é repórter da revista Consultor Jurídico.Publicado originalmente na edição de 30 de agosto de 2020, 8h44.

domingo, 30 de agosto de 2020

O mestre Kleber Moreira

Por José Sarney

Meu companheiro do jornal O Imparcial e meu professor na Faculdade de Direito, Fernando Perdigão, grande talento e advogado, disse-me um dia que envelhecer era chegar ao cemitério, percorrer as alamedas, ler as lápides e verificar que quase todos os nomes que ali repousam foram contemporâneos, amigos ou conhecidos na paisagem da cidade.

Jorge Amado disse-me que, ao encontrar-se com Pablo Neruda, futuro Prêmio Nobel de Literatura, seu amigo do tempo de exílio, começou a perguntar por amigos da vida inteira e ouviu como resposta: “Jorge, não me perguntes por ninguém. Todos já morreram.”

Este é um dos desgostos de envelhecer: o sofrimento da perda dos amigos, pesando mais aqueles que nos foram mais próximos, de maior convivência. E eu disse, num dos 122 livros que escrevi, que “a palavra felicidade tem como sinônimo a infância”, quando começam as grandes amizades, que são a melhor coisa da vida. Dentro dela estão o amor, a ternura, a estima, a solidariedade, o gosto da convivência, o perdão e a fé. Daí o provérbio universal “quem tem um amigo tem duas almas”.

Estou na fase dolorosa e sofrida de constantemente sentir escorrerem lágrimas e chorar com a garganta pela perda de velhos amigos.

Foi com a alma em frangalhos que acompanhei a morte de Kleber Moreira. Só um ano a mais me separava dele, mas me amarravam a irmandade da alma desde os tempos do ginasial, passando pela política estudantil, pelas rusgas afetuosas que só faziam consolidar esse relacionamento.

Gostava de contar histórias e conhecia como ninguém as pessoas e a vida cotidiana do Maranhão. Ultimamente vivíamos horas e horas revisando histórias passadas.

As marcas maiores de sua personalidade eram o seu caráter, a sua correção, a sua franqueza, a sua obsessão pela precisão dos detalhes e pela integridade dos episódios.

Culto, estudioso, detalhista, conhecia como ninguém a ciência do direito, a jurisprudência e a missão do advogado. Não conhecia o lado da exaltação nem o da chicana. Seguia os ensinamentos de Rui Barbosa sobre a conduta profissional: “Não fazer da banca balcão ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis.” Ganhou prestígio, respeito de sua classe, reverência da sociedade e era considerado um dos grandes advogados do Brasil.

Junto em minha dor a da perda de tantos outros amigos, Milson Coutinho, grande historiador, extraordinária figura humana; Sálvio Dino, companheiro de tantas lutas; José Maria Cabral Marques, um dos maiores educadores do Maranhão, meu colaborador e construtor da equipe do Maranhão Novo; e Waldemiro Viana, intelectual consagrado, confrade ilustre e filho do grande poeta Fernando Viana.

A todas as famílias a minha solidariedade neste momento de tristeza.

E que Kleber Moreira leve para a eternidade a certeza de minha eterna saudade e da falta que ele vai fazer com sua sabedoria, seus conselhos e seus exemplos. Com tantos talentos perdidos o Maranhão está menor, deixando no mármore da imortalidade aqueles que constroem nossa glória.

José Sarney foi Presidente do Grêmio Liceista e da República Federativa do Brasil. 

Coronavírus: Brasil tem 17 mil casos e 376 mortes em 24 horas

País acumula mais de 3,86 milhões de infectados pelo coronavírus e 120,8 mil mortos, segundo autoridades de saúde. Estado brasileiro mais atingido, São Paulo já registra casos em todos os seus 645 municípios.

    Homem de máscara observa favela de Paraisópolis, em São Paulo
Homem de máscara observa favela de Paraisópolis, em São Paulo

O Brasil registrou neste domingo (30/08) 17.504 casos confirmados de covid-19 e 376 mortes ligadas à doença, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O balanço eleva o total de infecções para 3.862.311, enquanto os óbitos chegam a 120.828.

Os números diários divulgados pelo Ministério da Saúde, por sua vez, foram ligeiramente mais baixos. A pasta reportou 16.158 novos casos e 366 mortes, mas informa o mesmo total acumulado que o Conass, provavelmente devido a divergências nos números do dia anterior.

Ao todo, 3.031.559 pessoas se recuperaram da doença, e 709.924 estão em acompanhamento, segundo o ministério. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. As cifras reportadas no fim de semana também costumam ser mais baixas, já que equipes responsáveis pela notificação funcionam em escala reduzida.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 803.404 casos e 29.978 mortes. O total de infectados no território paulista supera os registrados em praticamente todos os países do mundo, exceto Estados Unidos (5,9 milhões), Índia (3,5 milhões) e Rússia (987 mil).

A Secretaria de Saúde do estado informou neste domingo que, com a confirmação de um caso da doença no município de Santa Mercedes, a covid-19 chegou agora a todas as 645 cidades paulistas. Mortes foram registradas em pelo menos 531 municípios.

A Bahia é o segundo estado brasileiro com maior número de casos, somando 256.062, seguida do Rio de Janeiro, com 223.302 infecções, e de Minas Gerais, com 215.050. O Ceará vem em quinto, com 214.457 ocorrências positivas.

Em número de mortos, o Rio é o segundo estado com mais vítimas, somando 16.027 óbitos. Em seguida vêm Ceará (8.384), Pernambuco (7.574), Pará (6.115) e Bahia (5.344).

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes é atualmente de 57,5 no Brasil – cifra bem acima da registrada em países vizinhos como a Argentina (18,77) e o Uruguai (1,28), considerados exemplos no combate à pandemia. O número brasileiro também supera o dos Estados Unidos, o país mais atingido do mundo, que tem taxa de mortalidade de 55,86.

Por outro lado, nações europeias duramente atingidas, como o Reino Unido (62,54) e a Bélgica (86,6), ainda aparecem bem à frente do país. Mas esses países começaram a registrar seus primeiros casos antes do Brasil, e o número de óbitos diários está atualmente na faixa das dezenas, com o pico tendo sido registrado em abril e maio.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes por coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos, que já acumulam mais de 5,9 milhões de casos e mais de 182 mil óbitos.

A Índia, que chegou a impor uma das maiores quarentenas do mundo no início da pandemia, agora é o terceiro país mais afetado, com 3,5 milhões de casos e 63 mil mortes.

Neste domingo, o país asiático bateu um recorde mundial de infecções diárias, ao registrar 78.761 casos em apenas 24 horas. Até então, o número mais alto registrado num único dia havia sido reportado pelos EUA em meados de julho, com 77.299 casos.

O aumento na Índia, onde vivem 1,3 bilhão de pessoas, ocorre após o governo reduzir ainda mais as medidas restritivas, a fim de ajudar a aliviar a pressão sobre a economia em crise.

Com o recorde indiano deste domingo, o mundo superou a marca de 25 milhões de infectados pelo novo coronavírus. Ao todo, mais de 844 mil pessoas morreram em decorrência da doença.

Publicado originalmente por  Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. e Jornalismo independente em 30 idiomas.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Como Bolsonaro vem atuando para facilitar o acesso a armas

Presidente já editou mais de 20 atos alterando regras sobre armamentos, o mais recente autorizando cada pessoa a registrar até quatro armas. Novos registros saltaram de 3 mil em 2004 para 54 mil em 2019.

Bolsonaro ao lado de parlamentares durante assinatura de decreto sobre porte de armas em maio de 2019
   
Bolsonaro ao lado de parlamentares durante assinatura de decreto sobre porte de armas em maio de 2019

O gesto de arma com a mão, usado por Jair Bolsonaro como símbolo da campanha ao Planalto, tem tomado a forma de objeto de aço e pólvora em cada vez mais lares brasileiros. No primeiro semestre deste ano, a Polícia Federal (PF) concedeu 58 mil novos registros de armas de fogo para defesa pessoal, quatro mil a mais do que em todo o ano passado.

A ampliação do acesso às armas se explica, em parte, pela maior facilidade para sua aquisição e registro, perseguida pelo atual governo federal. A medida mais recente nesse sentido é uma instrução normativa da PF publicada na quinta-feira passada (20/08), que autoriza cada pessoa a registrar até quatro armas em seu nome e reduz a burocracia do processo.

A permissão para que cada pessoa física registrasse até quatro armas, contra duas da norma anterior, havia sido estabelecida em decreto de janeiro de 2019 de Bolsonaro, mas até a semana passada era de difícil efetivação devido à falta de regulamentação pela PF.

Com 37 páginas, a instrução normativa também facilita a obtenção do porte de arma. Ao contrário da posse, que autoriza o dono da arma a mantê-la somente dentro de sua casa, o porte permite que ele ande com a arma pelas ruas.

Os interessados no porte devem comprovar que têm "efetiva necessidade" de carregar a arma, por exercerem atividade profissional de risco ou estarem sob ameaça à integridade física. A nova regra os dispensa de apresentar documentos que justifiquem essa necessidade em caso de "fatos públicos e notórios".

Felippe Angeli, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, afirma à DW Brasil que esse item deixa uma "preocupante" margem para interpretação. "O que seria fato público e notório? Um boato, uma nota na imprensa, uma mensagem de WhatsApp?", questiona.

"Há suspeita de interferência política na PF. O [ex-ministro da Justiça Sérgio] Moro fez essa acusação ao sair do governo, objeto de inquérito presidido pelo ministro Celso de Mello no Supremo. Esse nível de subjetividade, em um tema prioritário para o presidente, me causa preocupação", diz.

A pesquisadora Isabel Figueiredo, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, critica outro item da nova norma. Algumas categorias do funcionalismo público, como magistrados, membros do Ministério Público e auditores fiscais, têm direito ao porte de arma. Esses servidores foram dispensados de apresentar laudos de capacidade técnica e aptidão psicológica para manusear as armas, que poderão ser atestadas pelas próprias instituições às quais pertencem.

"Já tínhamos pouca informação sobre como se avaliava a capacidade técnica e a aptidão psicológica, quem era aprovado ou reprovado. Era algo nebuloso, e agora a PF ainda abriu mão de um controle que era seu", diz.

Registro de novas armas

O Brasil tinha em janeiro 1.056.670 armas de fogo registradas pela PF, e a maioria delas – 35,2% – pertencia a cidadãos que as usam para sua defesa pessoal, segundo dados fornecidos pela PF e compilados pelo Instituto Sou da Paz.

O número de registros de armas concedidos a cidadãos por ano saltou de 3 mil em 2004 para 54 mil em 2019. Mantido o ritmo de novos registros, o volume pode superar os 100 mil neste ano – nos primeiros seis meses de 2020, foram quase 58 mil novos registros.

Esses números não incluem os registros concedidos para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), cuja competência é do Exército e que são regidos por normas diferentes. A idade mínima para pedir um registro de CAC é de 18 anos, enquanto a para posse de arma para defesa pessoal é de 25 anos.

As regras para a aquisição de armas por caçadores, atiradores e colecionadores foram alteradas em junho de 2019 e hoje permitem inclusive a compra de dois tipos de fuzis, calibres 556 e 762.

O volume anual de novos registros CAC passou de cerca de 9 mil em 2014 para 148 mil em 2019. Nos seis primeiros meses de 2020, foram concedidos pelo Exército 75 mil registros do tipo, segundo dados também compilados pelo Sou da Paz.

"O registro via CACs virou um subterfúgio para pessoas que querem ter acesso às armas. Há clubes de tiro que oferecem até serviço de despachante para pedir o registro. Isso tem sido utilizado como uma forma de burlar a lei", diz Angeli.

Infográfico sobre registro de armas no Brasil

Infográfico sobre registro de armas no Brasil

A estratégia de Bolsonaro

O principal marco legal sobre armas de fogo no Brasil é o Estatuto do Desarmamento, que entrou em vigor em 2003 e estabelece que o acesso às armas deve ser restrito a casos específicos e que o poder público deve controlar o comércio de armas e munições.

Bolsonaro é crítico ao estatuto, mas não tem apoio suficiente no Congresso para alterar a lei. Para agradar à sua base radical, que deseja mais acesso a armas, e atender à bancada da bala, que representa os interesses da indústria armamentista, o presidente optou por fazer mudanças por meio de atos do Executivo, como portarias, decretos e instruções normativas. Desde o início do governo, já foram mais de 20 atos sobre o tema.

"O governo tem lidado com esse tema de uma forma muito ruim, editando uma profusão de atos normativos para gerar dúvidas. Na ponta da linha, o policial que apreendeu uma arma não tem mais a clareza que tinha antes se ela está dentro da lei ou não", diz Figueiredo, que também critica a falta de evidências científicas para embasar as decisões do Planalto. "Quando você pede os estudos técnicos, eles não os têm. Mas há uma coincidência entre reuniões do governo com empresários do setor de armas e a publicação dos decretos", afirma.

O primeiro desses atos normativos foi o decreto de 15 de janeiro de 2019, que entre outros pontos facilitou a posse de arma. Bolsonaro estabeleceu que moradores de zonas rurais, donos de comércio ou indústrias e moradores de zonas urbanas em estados com mais de dez homicídios por 100 mil habitantes, segundo dados de 2016, estariam dispensados de comprovar "efetiva necessidade" para comprar uma arma e registrar sua posse. Na prática, porém, moradores de todas as unidades da federação do país cumpriam esses requisitos.

Em maio de 2019, o presidente editou um decreto autorizando o porte de arma para 20 categorias profissionais, como caminhoneiros, advogados, detentores de mandato eletivo e conselheiros tutelares. O texto se chocava com o Estatuto do Desarmamento e foi derrubado pelo Senado. Quando estava prestes a também ser derrubado pela Câmara, Bolsonaro revogou o próprio decreto e enviou a proposta de ampliação do porte ao Congresso como projeto de lei.

Em janeiro de 2020, uma portaria interministerial elevou de 50 para 200 o número anual de munições por arma de fogo que poderiam ser compradas por pessoas físicas. Em abril, outra portaria elevou o número a 600 por ano por arma, e acabou suspensa em junho por decisão liminar da Justiça Federal de São Paulo, a pedido de ação popular protocolada pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP). A portaria segue suspensa, com liminar confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Em abril deste ano, o presidente revogou três portarias do Exército que estabeleciam novas regras e a modernização de sistemas para marcação, controle e rastreamento de armas e munições, essencial para investigações sobre desvios de material comprado por órgãos públicos e crimes. Tramitam na Câmara propostas de decretos legislativos que teriam o poder de anular a revogação de Bolsonaro, ainda sob análise dos deputados.

O apelo do discurso armamentista

O discurso pró-armas de Bolsonaro se conecta a três fatores, segundo Angeli, do Sou da Paz. O alto índice de violência no Brasil, que faz algumas pessoas almejarem ter armas de fogo como uma solução aparentemente fácil, os interesses econômicos da indústria armamentista, que fazem lobby para vender mais e ampliar seus lucros, e a polarização política, que vinculou a defesa das armas a valores conservadores e de direita, não só no Brasil, mas em outros países, como os Estados Unidos.

Ele destaca, porém, que a maior parte da população brasileira é contra flexibilizar o porte e a posse de armas. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em julho de 2019 mostrou que 66% da população era contra liberar o porte de armas, e um levantamento realizado pelo mesmo instituto em maio de 2020 apontou que 72% da população discordava de uma afirmação feita pelo presidente em uma reunião ministerial, na qual ele disse que "quer todo mundo armado, pois o povo armado não é escravizado".

Segundo Angeli, as evidências científicas apontam para uma relação entre o aumento da circulação das armas de fogo e o aumento da violência letal. "O próprio presidente foi assaltado e teve sua arma roubada, que pode ter sido usada em outros crimes", lembra, citando um episódio ocorrido em 1995 com Bolsonaro.

Uma pesquisa realizada em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado ao governo federal, estimou que o aumento de 1% de armas de fogo em circulação elevaria em até 2% a taxa de homicídio no país.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

Brasil passa dos 117 mil mortos e 3,7 milhões de infectados por covid-19


O Brasil registrou 1.085 mortes e 47.161 casos novos de covid-19 nas últimas 24 horas, segundo o boletim do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) de quarta-feira (26/08).

Com isso, o país chegou a 117.665 óbitos e 3.717.156 infecções causadas pelo novo coronavírus desde o início da pandemia.

O Estado com o maior número de óbitos é São Paulo (29.194), seguido pelo Rio de Janeiro (15.700) e Ceará (8.351).

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O Brasil ultrapassou a marca de 100 mil mortes por covid-19 no dia 8 de agosto e continua como o segundo país do mundo com maior número de casos e mortes na pandemia do novo coronavírus, depois apenas dos Estados Unidos, que tem mais de 5,8 milhões de casos e 179 mil mortes pela covid-19, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

BBC News Brasil

Palavrões e desrazão

Que esperar de suposto estadista que fala na língua das quadrilhas de traficantes...? Na atual conjuntura, eis aqui mais uma pergunta que não quer calar. Tema do Jornalista, também Professor da USP, Eugênio Bucci em artigo publicado hoje n'O Estado de São Paulo.

A contragosto, voltemos a isso. Voltemos porque o falastrão voltou a atacar. Nesta semana, como que regressando à ativa, o presidente da República restabeleceu sua velha forma prosódica e deu de insultar gente honesta com termos chulos. No domingo, a um repórter do jornal O Globo que lhe perguntou sobre os R$ 89 mil depositados na conta da primeira-dama, respondeu com um bodoque vocabular: “Vontade de encher sua boca de porrada”.

Tente imaginar, por alguns segundos, que tipo de ser humano se expressa nesse léxico. É chocante. Em mau português, essas palavras materializam o soco na cara do interlocutor. O simples enunciado já fere, já tira sangue da honra do outro. O ato violento é a própria fala, que nem precisa se traduzir em gesto físico para machucar. Sete palavras que ofendem e, acima disso, enxovalham um cargo público de alto a baixo. Mais uma vez. Voltemos a isso, então.

Na segunda-feira, mais barbaridades. Ao defender publicamente o emprego de substâncias exóticas para tratar a covid-19, a mesma autoridade voltou a se gabar do alegado “histórico de atleta” e se vangloriou de não ter desenvolvido sintomas graves da doença.

Aproveitou e disse que, quando o paciente é um jornalista, o quadro é pior. Mas ele não disse isso assim, com essa reles e preconceituosa falta de educação. Ele foi além. Abusou da vulgaridade. Ao se referir a um jornalista genérico – um jornalista qualquer que venha a ser acometido pelo vírus –, o autoproclamado atleta imune preferiu dizê-lo de modo mais torpe: “Quando pega num bundão de vocês a chance de sobreviver é bem menor”.

Diante de tal postulado podemos dizer que, segundo o presidencial juízo, aqui escreve um “bundão”. Todos os que exercem o ofício de jornalista acabam de ser tachados com esse qualificativo por ninguém menos que o governante do nosso país. Como reagir? Devolver o xingamento resolve? Falar na mesma frequência ajuda? Anula o dano? Difícil saber.

O que sabemos com segurança é que o palavrão foi alçado à condição de norma linguística da alta administração pública federal. A nova norma inculta alcançou o apogeu na reunião ministerial de 22 de abril – aquela que teve sua gravação em vídeo divulgada por força de decisão judicial –, quando presidente interpelou os seus subordinados aos berros, desfiando, um a um, todos os vocábulos de baixo calão disponíveis no dicionário.

O Brasil inteiro viu o ritual de baixezas exclamatórias na televisão e na internet. Uns ficaram aturdidos porque o chefe de governo declarou que queria armar a população (como vem armando, mas só a população que gosta de se armar). Outros se espantaram com o despudor de um ministro da Educação (parece que era isso) afirmando que os ministros do Supremo Tribunal Federal deveriam ser encarcerados. Mas o mais aterrador de tudo, o mais aviltante, não eram as atrocidades que aqueles seres pronunciavam, mas as palavras que eles usavam para pronunciá-las. O mais apocalíptico de tudo era a linguagem.

Que espírito de justiça, que sentimento de solidariedade, que elevação moral, que virtude humanitária, que cultura e que inteligência podem existir numa cúpula de Estado que se comunica nessa base? O que esperar de um suposto estadista que fala na língua das quadrilhas de traficantes com a desenvoltura dos capangas encapuzados em esquadrões da morte? O que ver de positivo num Ministério que se sujeita a ser tratado com o que pode haver de mais vil e de mais ultrajante no vernáculo?

O resultado é que estamos aí com essa persona investida de poder dedicada a nos xingar, e xingar de novo, todos os dias, com suas palavras e com seus silêncios. Fomos condenados a nos acostumarmos com isso aí, pois muita gente apoia isso aí. Entre outros setores, boa (má) parte da elite financeira do Brasil apoia. É inacreditável. Uns até fingem que é normal.

Tempos atrás, o endinheirado conformismo pátrio se resignava na base do “rouba, mas faz”. Agora, as mesmas forças (fracas) se rendem a coisa pior: “Xinga, mas diz que vai fazer as ‘reformas”. Essa turma deu de apoiar qualquer coisa em troca de umas promessas de “reformas” – promessas capengas, entremeadas de infâmias, não importa. Os dependentes químicos do substantivo “reformas” apoiam xingamentos, intimidações, apoiam latidos. Não cessam de incensar aquele que diz que vai fazer “as reformas” e não faz, aquele que cultiva e profere absurdos inomináveis.

Sim, absurdos inomináveis – absurdos às toneladas. Pense bem o improvável leitor: que tipo de batatada vai na cabeça de quem se jacta aos brados de não ter tido sintomas graves de uma doença que já matou 120 mil brasileiros? Na desordem mental da pessoa que diz tais coisas, a doença só derruba os mais fracos, os que não têm “histórico de atleta”, os pesos mortos. Logo, ela esnoba a enfermidade, que chama de “gripezinha” ou de “chuva”. A tal pessoa não se compadece da dor alheia, não conhece a empatia e, o que mais constrange, não alcança a razão. O palavrão estulto nos governa.

Os muitos efeitos de uma nulidade

Lula ficha-limpa seria o melhor presente que o STF poderia dar a Jair Bolsonaro

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou sentença condenatória contra o doleiro Paulo Roberto Krug por crimes financeiros no caso Banestado. Houve empate no julgamento – o ministro Celso de Mello está em licença médica –, prevalecendo, assim, a posição favorável ao réu. Segundo essa orientação, o então juiz Sérgio Moro teria quebrado o dever de imparcialidade ao ter participado da produção da prova na fase investigativa.

A decisão da 2.ª Turma refere-se apenas à sentença contra Krug, e está alicerçada em circunstâncias específicas ocorridas naquele processo. A rigor, o Supremo não criou nenhuma jurisprudência. Simplesmente, dois ministros do STF entenderam que, no caso concreto, houve descumprimento do art. 252 do Código de Processo Penal. Na celebração do acordo de delação premiada, o juiz Sérgio Moro teria ultrapassado as funções de magistrado.

Não se pode ignorar, no entanto, a existência de outros recursos no Supremo questionando a imparcialidade de Sérgio Moro no julgamento de processos da Operação Lava Jato. Em especial, o próximo recurso a ser analisado pelo STF, que diz respeito à sentença condenatória do sr. Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Não cabe ao Supremo, como guardião da Constituição, ser indiferente às muitas consequências de eventual nulidade dessa sentença. O papel do Judiciário é aplicar o Direito ao caso concreto, sem simplismos ou irresponsabilidades.

O País inteiro assistiu a muitas horas de julgamento, em diversas instâncias e pelos mais variados motivos, sobre o caso do triplex do Guarujá. O próprio Supremo já se deteve discutindo, em mais de uma sessão, os efeitos do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, que confirmou a sentença de Sérgio Moro condenando o sr. Luiz Inácio por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Não se tem, portanto, um processo novo, até aqui desconhecido, cujos detalhes e circunstâncias teriam eventualmente passado despercebidos dos muitos controles recursais.

No caso do triplex do Guarujá, o que se deu foi justamente o oposto. Tudo foi visto, analisado e discutido muitas e muitas vezes, por várias instâncias. Não parece minimamente razoável afirmar agora que todo esse imenso processo deve ser anulado em razão de algo ocorrido lá na primeira instância, que ninguém até agora teria percebido – exceto os ministros do Supremo, em 2020. Deve-se reconhecer desde já, portanto, que, por mais teses jurídicas que possam ser apresentadas para favorecer o réu Lula – a criatividade humana não tem limites –, eventual declaração de nulidade da sentença de Sérgio Moro teria sempre o sabor de uma mudança de regra no meio do caminho. Não é plausível que todas as cortes, incluindo o Supremo, não tenham visto até agora essa tal nulidade.

É importante ressaltar que eventual anulação da sentença do caso do triplex do Guarujá teria o efeito imediato de transformar Luiz Inácio Lula da Silva em ficha-limpa. Tudo aquilo que recaía contra o líder petista, como num passe de mágica, desapareceria. Seria realmente uma hipótese estranha e absolutamente incompreensível – anos e anos de processo judicial serem postos por terra, em razão de uma questão só agora detectada.

A mensagem à população não poderia ser mais deletéria. Seria o Supremo dizendo que não se deve confiar nas instituições, que não se deve buscar razoabilidade na aplicação das leis, que não se deve acompanhar os processos judiciais – tudo, de uma hora para outra, pode ser anulado. De condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Luiz Inácio Lula da Silva estaria, por decisão suprema, livre e solto para fazer sua política.

Por paradoxal que pareça, este seria o maior presente que o STF poderia dar a Jair Bolsonaro. Com Lula como adversário nas próximas eleições, o ex-capitão poderia voltar a hastear sua bandeira antipetista. E seria criar a pior confusão possível para a população, num cenário já desolador, com pandemia e crise social e econômica. Basta de sofrimento.

Editorial / Notas & informações, O Estado de S.Paulo
27 de agosto de 2020 | 03h00

Perdido no espaço

O Brasil não precisa de “big bang”. Precisa de governo que atue para mitigar a crise, promova reformas e demonstre racionalidade

O “big bang” que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu para a terça-feira passada não aconteceu. A julgar pelo nome que o ministro deu à iniciativa, esperava-se uma apoteose de medidas destinadas a relançar a economia no pós-pandemia e colocar o País no rumo da modernidade que o presidente Jair Bolsonaro anunciou na campanha eleitoral. Nada disso aconteceu, como se sabe. Restou somente a sensação de que, do “big bang” cósmico, o governo consegue entregar apenas o caos.

Segundo consta, Bolsonaro achou muito baixo o valor médio de R$ 247 proposto pelo Ministério da Economia para ser pago aos beneficiários do Renda Brasil, um dos principais programas do tal “big bang”. Das duas, uma: ou o presidente havia concordado com tudo o que fora proposto pelo seu ministro da Economia e na última hora mudou de ideia ou o ministro da Economia não combinou com o chefe antes de soltar foguetes a respeito de um plano tão ambicioso que prometia uma revolução copernicana na economia nacional. Seja qual for a hipótese correta, o fato é que estamos diante de um governo perdido no espaço.

De cocriador do universo, Paulo Guedes passou a ministro desautorizado por Bolsonaro em questão de horas. “Ontem (terça-feira) discutimos a possível proposta do Renda Brasil. E eu falei que está suspenso, vamos voltar a conversar”, informou o presidente. Segundo Bolsonaro, a proposta da equipe econômica “não será enviada ao Parlamento”. E explicou: “Não posso tirar de pobres e dar a paupérrimos. Não podemos fazer isso aí”. Era uma referência à engenharia apresentada por Paulo Guedes para financiar o Renda Brasil no montante desejado pelo presidente. Segundo o ministro da Economia, seria preciso acabar com programas sociais considerados “ineficientes” pela equipe econômica, como o abono salarial e o Farmácia Popular.

Compreende-se a reprimenda de Bolsonaro. O presidente quer mais, e não menos, benefícios sociais. Pegou gosto pela popularidade amealhada em razão do auxílio emergencial e enxerga na ampliação do Bolsa Família e em outras iniciativas do gênero um ativo eleitoral que pode ser decisivo. Movido por esse espírito, em que o único horizonte é o das eleições de 2022, Bolsonaro não parece preocupado nem com as restrições orçamentárias nem com a necessidade de discutir melhor os programas sociais que pretende implementar.

Não se cria um programa social bem-sucedido sem um criterioso planejamento, em que se debatem não apenas as fontes de financiamento, mas, sobretudo, os objetivos de longo prazo. O Renda Brasil, ao que consta, não tem nem uma coisa nem outra. É apenas uma forma de obliterar o Bolsa Família lulopetista da memória nacional e em seu lugar fincar uma bandeira social bolsonarista.

O mesmo se verifica com o Casa Verde Amarela, que substituirá o Minha Casa Minha Vida. Por ora, o Casa Verde Amarela se apresenta como pilar do programa Pró-Brasil, destinado a alavancar a economia depois da pandemia. Os nomes patrióticos mal escondem o fato de que se trata de uma demão de tinta auriverde em programas da era petista, sem diferenças significativas. Assim como acontece no Pró-Brasil, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de Dilma Rousseff, era sustentado pelo programa de habitação popular, que rendeu muitos votos, mas não acelerou o crescimento.

Da perspectiva de Bolsonaro, contudo, nada disso importa. Ele determinou a seu ministro da Economia que encontre a quadratura do círculo, isto é, que faça suas demandas demagógicas caberem num Orçamento cada vez mais apertado, pois assim entende que ganhará o apoio popular de que necessita para atravessar a crise, enfrentar questionamentos sobre milícias, cheques e rachadinhas e tentar tomar o lugar de seu antípoda Lula da Silva como generoso pai dos pobres.

O Brasil não precisa de “big bang”. Precisa somente de um governo que atue decisivamente para mitigar a crise, promova reformas e demonstre racionalidade econômica – e não de um governo que anuncia hipérboles e entrega somente o velho populismo de sempre.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
27 de agosto de 2020 | 03h00

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com um "causo" que me foi enviado do Paraná. Com minhas escusas se alguma leitora ou algum leitor achar a historinha politicamente incorreta. Como estamos em ano eleitoral, cai bem.

Promessas de campanha

Candidatos de duas famílias disputavam a prefeitura de pequena cidade. Final de campanha. Combinou-se que os dois candidatos e seus familiares teriam de ir ao mesmo palanque. Discursou, primeiro, o candidato com 70% de preferência dos votos:

- Povo da minha amada terra, povo ordeiro, trabalhador, religioso e cumpridor de suas obrigações. Eleito, irei resolver o problema de falta de água e de coleta de esgoto. Farei das nossas escolas as melhores da região, educação em tempo integral. Vou construir uma escola técnica do município...

E arrematou:

- E tem mais, meus amigos, ordeiros, religiosos e cumpridores de seus deveres morais, vocês não devem votar no meu adversário. Ele não respeita nossa gente, nossas famílias, nossos costumes! Ele desrespeita nossa igreja. Ele nem se dá ao respeito. Vocês não devem votar nele. Porque ele tem duas mulheres.

O adversário, com 20% de intenção de voto, quase enfartou quando viu a mulher, ao seu lado, cair no palanque. Ela não aguentara ouvir a denúncia do adversário de que o marido tinha uma amante. A desordem ganhou o palanque. A multidão aplaudia o candidato favorito e vaiava o adversário. Cabos eleitorais começaram a se engalfinhar. Passado o susto, com muita dificuldade, o estonteado candidato acusado de ter duas mulheres começa seu discurso, depois de constatar que a esposa estava melhor:

- Meu amado povo, de bons costumes e moral ilibada, religioso e cumpridor de seus deveres morais, éticos e religiosos. Quero dizer aos senhores e senhoras aqui presentes, que, se agraciado com seus votos me tornar o prefeito desta cidade, farei uma mudança de verdade. Não só resolverei o problema da falta de água, como farei também o tratamento de todo o esgoto do município, construirei uma escola técnica e um novo hospital!

A massa caçoava do coitado e de sua mulher. Foi em frente:

- Vou melhorar o salário dos professores, a merenda das crianças e ainda vou instituir o Bolsa Cidadão. Agora, prestem bem atenção. Se os amigos acharem que não podem votar em mim porque tenho duas mulheres, votem no meu adversário. Mas saibam que a mulher dele tem dois maridos.

A galera veio abaixo. O pau comeu. Brigalhada geral. Urnas abertas. O candidato chamado de corno perdeu feio para o adúltero.

Tomando o pulso

Cada semana, esta coluna tenta tomar o pulso do país: os índices do clima político, a temperatura social, os graus da governabilidade, coisas que dependem, frequentemente, dos humores do mandatário-mor. Pois bem. A esfera política se apresenta cercada de dúvidas. Particularmente no que se refere à construção e consolidação da base governista, a escalada que começa em direção à nova presidência da Câmara, as probabilidades que cercam a reforma tributária, ainda este ano, os números que recuam e avançam mostrando que a pandemia não está domada. Portanto, estamos ainda sem rumo e prumo. Para complicar, o ponto morto que o presidente Bolsonaro colocou em sua engrenagem expressiva voltou à marcha de corrida. E o destempero voltou com força com a declaração de que gostaria de "encher de porrada" a boca de um repórter de O Globo que lhe fizera uma pergunta sobre recursos destinados à sua mulher.

A pandemia ainda dá o tom

Apesar de certo alívio registrado nas áreas produtivas do país, em início de reabertura de negócios, o clima geral ainda é fruto da barreira imposta pela pandemia. Teme-se que os ainda não contaminados, de maneira gradual e sucessiva, sejam apanhados pela Covid-19, que já começa a dar sinais de poder reinfectar uma pessoa já infectada e curada. Portanto, muito cuidado com o andor. O alívio que se espraia por Estados e municípios pode dar lugar à angústia. Cuidado.

Esfera política

Começo com aplausos ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que surpreende com o bom senso externado. Virou guia eficiente nesse momento de tantos desvarios. Decidiu bloquear qualquer projeto voltado para aumento dos planos de saúde, que almejavam aumentos de mais de 20%. Seria mais um peso no bolso da já empobrecida classe média. Rodrigo merece também reconhecimento pela maneira como segura os passos de candidatos à presidência da Casa, a partir de fevereiro do próximo ano. Arthur Lira anda rápido, mas pode queimar suas chances. Seria o nome ideal para comandar uma Câmara tão dividida?

Estados quebrados

Os Estados estão de pires na mão. Por isso, o dilema é o de esperar por uma reforma tributária que lhes dê alívio, minorando a calamidade financeira. SP, MG, RS e PR projetam rombo de cerca de 40 bilhões, um dado ainda muito preliminar. Suspensão de reajustes a servidores, eliminação de empresas, redução de incentivos fiscais e elevação de impostos estão na pauta de 2021. A economia ainda estará em compasso de espera, sendo um imenso desafio equilibrar receitas e despesas.

Índice Hauly

Na torcida pelo desfecho da reforma tributária, vejo o meu amigo Luís Carlos Hauly, em torno do qual giram os seguintes índices: 316 palestras; mais de 700 reuniões técnicas; 77.700 páginas no Google "Hauly Tributária" e no Hauly 245 mil páginas. Um craque.

Reeleição nas duas Casas?

Davi Alcolumbre sonha de olhos acordados com decisão do STF que permita concorrer à reeleição no Senado. Já não é caso de Rodrigo Maia, que já manifestou não pleitear mudança regimental. Ocorre que Luiz Fux, que toma posse como presidente do Supremo em 10 de setembro, não gostaria que esse abacaxi caísse em suas mãos. Gostaria que o tema seja decidido pelo STF ainda no mandato de Dias Toffoli, que se encerra daqui a pouco mais de duas semanas. Há quem defenda ser essa uma questão "interna corporis", a ser resolvida, portanto, pelos próprios corpos parlamentares do Senado e Câmara. E há quem defenda que a reeleição poderia valer para o Senado, não para a Câmara, eis que o mandato de senador é de oito anos.

Bolha, bolha, bolha

O alerta vem de grandes investidores. Calma lá com essa euforia nas Bolsas. Warren Buffett, um dos maiores, está se voltando para o ouro. O presidente do Bank of America no Brasil, Eduardo Alcalay, teme que os investidores mais afoitos sejam "machucados".

A campanha eleitoral I

A essa altura, tem muito candidato a prefeito querendo descobrir como fazer sua campanha. Que discurso, o que querem ouvir os eleitores, que meios usar, qual o timing para avançar etc. Pequenos conselhos: 1. Não prometer coisas que não possa fazer; 2. Escolher muito bem os eixos da identidade que precisa ser reconhecida pelo eleitor; 3. Considerar que o discurso será feito em ambiente e audiências ainda tocadas e sob o medo da pandemia; 4. Conhecer muito bem as demandas de setores, categorias profissionais e classes.

A campanha eleitoral II

5. Quando houver condições visitar bairros e regiões, sempre acompanhados de pessoas e candidatos a vereador que conheçam o bairro como a palma de sua mão; 6. Ter muito cuidado com abraços, beijos e movimentos que possam gerar contaminação; 7. Sempre que possível, fazer-se acompanhar por profissionais de saúde; 8. Deixar com o eleitor um programa de trabalho objetivo, claro, com ideias centrais fortes, e não em grande número; 9. Aproveitar bem o dia, acordar cedo, ver a agenda, reunir-se com a equipe, distribuir tarefas, conversar com candidatos a vereador, mapear lideranças e entidades com força nas regiões e gastar muita sola se sapato; 10. Usar de maneira interativa as redes sociais, evitando autoelogios.

Bolsonaro vai e vem

Pergunta recorrente: a melhoria na avaliação da imagem de Bolsonaro veio para ficar? A que se deve? Vamos à análise. O gráfico que aponta a avaliação de um perfil obedece a estes fluxos: 1. Lançamento do nome – índice alto, eis que passa a ganhar visibilidade logo após a eleição; 2. Crescimento – com a elevação gradual da visibilidade – meta que ocorre durante cerca de seis meses; 3. Consolidação, meta a ser alcançada entre segundo e terceiro anos de governo; 4. Clímax – quando o governo alcança seus melhores índices de avaliação – quando o governo vai chegando ao fim e tem um vasto e denso programa de obras e ações a mostrar e 5. Declínio – ocorre para muitos após o mandato, mas, para outros, em momentos tensos do governo. Na minha percepção, a avaliação de Bolsonaro obedece à ciclotimia. Vai e vem.

Auxílio emergencial

O auxílio emergencial é o fator mais forte para elevação da taxa positiva de Bolsonaro, principalmente na região Nordeste, onde recebeu menor número de votos na campanha de 2018. Lula, a essa altura, perde grandes contingentes eleitorais na região, pois o auxílio emergencial, futuro Renda Brasil, mesmo se baixar hoje para R$ 300,00, canibalizará o Bolsa Família. Ou seja, o programa de Bolsonaro comerá o de Lula.

Estilo popular


Por outro lado, Bolsonaro, a cada dia, veste mais a roupa do brasileiro comum. Cai nos braços do povo, põe chapéu de couro, monta em cavalo, abraça crianças, beija bebês e as toma no colo, come o que lhe dão. Ora, torna-se uma pessoa como Joaquim, Pedro, João, Mané. E sob o grito de mito, mito, mito, vai puxando a multidão para perto, mexendo com o psiquismo das massas, ativando reflexos condicionados, avolumando os contatos grupais e interpessoais. O estilo é o homem, como ensina a teoria da mistificação das massas. Abriga, ainda, uma linguagem estrambótica, agressiva, que cai bem no sistema cognitivo do eleitorado, que se identifica com ele no verbo do carão, da agressão, da porrada. Particularmente as margens. Já setores do meio da pirâmide tendem a criticá-lo.

A economia

A respeito da continuidade das avaliações positivas, costumo lembrar sempre sobre o Produto Nacional Bruto da Felicidade, o PNBF, que resulta de um ar mais tranquilo nas margens e no centro da sociedade, menos violência nas grandes e médias cidades e o bolso contendo grana suficiente para abastecer a geladeira e "encher o bucho". Tudo isso dependerá da economia, a locomotiva do Trem Brasil. As perguntas que se fazem a Bolsonaro sobre recursos que teriam sido fornecidos à primeira-dama Michele continuarão a promover querelas entre alas. E troca de disparos nas redes sociais. Mas os danos poderão ser minorados pelos efeitos eventualmente positivos da economia. A conferir.

E a pandemia?

Se a evolução da pandemia entrar em curva descendente e, mais adiante, se a vacina contra a Covid 19 chegar no fim do ano ou no início de 2021, com vacinação em massa da população, a gestão da crise, considerada desastrosa, acabará sendo canibalizada pelo fato mais recente, a vacinação. Uso muito o termo canibalização para significar um processo de amortecimento/enfraquecimento de uma situação anterior (negativa) pelo fato mais recente (positivo). O aplauso de hoje acaba fazendo esquecer a vaia de ontem. Só os setores mais racionais – classes médias – é que sabem distinguir o certo do errado, o bem do mal, a ruindade da bondade.

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Juiz deve receber advogado independentemente de hora marcada, diz Gilmar

É dever dos magistrados receber advogados a qualquer momento. A questão já foi objeto de análise do Conselho Nacional de Justiça, que pacificou o tema. Por esse motivo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou ação que questionava a garantia.

Gilmar cita entendimento do CNJ, que definiu que negativa do magistrado a receber advogado pode gerar responsabilização administrativa

O Plenário do CNJ entendeu que o magistrado é obrigado a receber os advogados em seu gabinete de trabalho a qualquer momento do expediente forense. Isso independe da urgência do assunto ou do magistrado estar em meio à elaboração de despacho, decisão ou até mesmo uma reunião de trabalho.

De acordo com o CNJ, a obrigação constitui um dever funcional previsto na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e sua negativa pode gerar responsabilização administrativa.

A ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) em 2009. A entidade questiona o artigo 7º, inciso VIII, da Lei 8.906/94, que dá aos advogados o direito de dirigir-se diretamente aos magistrados, independente de pedido prévio.

Para a entidade de classe, essa garantia ofende os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Além disso, sustenta que não é possível criar obrigações para os magistrados através de lei ordinária. "Todas as obrigações devem constar de Lei Complementar, como é o caso da LC 35/79, que dispõe sobre a Loman", argumenta.

Ao analisar o pedido, Gilmar apontou que a Anamages não tem legitimidade ativa para propor ações de controle abstrato de constitucionalidade. O ministro explicou o entendimento da corte é pacifico no sentido de que essa associação só pode manifestar em casos que alcancem magistrados de determinado estado — no caso concreto, porém, abrange a magistratura nacional.

A OAB atuou no processo como amicus curiae. Para Alberto Simonetti, coordenador de comissões da OAB e secretário-geral, a decisão “consolida uma relevante conquista da advocacia, em sua essencial prerrogativa de ser recebida em audiência por magistrado, com ou sem agendamento”.

A decisão é de 20 de agosto e foi publicada nesta terça-feira (25/8).

Por Fernanda Valente do Consultor Jurídico.

O doloroso saldo do coronavírus após seis meses no Brasil

Somada à falta de testes e à desigualdade, resposta de Bolsonaro à covid-19 contribuiu para que o país se tornasse o segundo mais afetado pela pandemia. Perspectiva é que número de mortes siga elevado nos próximos meses.

Túmulos colocados pela ONG Rio de Paz em Copacabana em junho simbolizaram vítimas da covid-19
 
Em ato em Copacabana, ONG Rio de Paz chamou atenção para as mortes em decorrência da covid-19

Seis meses após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil, em 26 de fevereiro, o país acumula mais de 3,6 milhões de infecções e 116 mil mortes em decorrência do novo coronavírus – números que devem ser ainda maiores devido à falta de testes e à subnotificação. Há cerca de dois meses e meio, o Brasil registra cerca de mil mortes diárias em decorrência da doença e é o segundo país em número de óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos.

O desempenho do Brasil no enfrentamento da pandemia é considerado um dos piores do mundo e resulta tanto de decisões políticas equivocadas quanto de dificuldades estruturais, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil.

Nesse diagnóstico, destaca-se o papel do presidente Jair Bolsonaro. O cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas, aponta que as ações e decisões do presidente são o "primeiro problema” enfrentado pelo país na pandemia. Bolsonaro negou a gravidade da doença, se opôs a protocolos científicos para frear sua disseminação, minou a capacidade de o Ministério da Saúde liderar o combate ao coronavírus e gerou descoordenação entre os entes federativos, afirma.

"Ele disse que era uma ‘gripezinha', se negou a evitar aglomerações e usar máscara, difundiu a história da cloroquina [como remédio eficaz, apesar de não haver comprovação científica]. O que vemos na experiência internacional é que a liderança maior do país é um exemplo para a população”, diz.

A decisão de trocar duas vezes o ministro da Saúde durante a pandemia deixou o Sistema Único de Saúde (SUS) sem rumo, quebrou a continuidade de políticas públicas e fez o país perder um tempo de que não dispunha, avalia a cientista política Lorena Barberia, coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária – iniciativa que reúne pesquisadores de diversas instituições para produzir pesquisas sobre a pandemia.

Luiz Henrique Mandetta, que havia assumido o Ministério da Saúde no início do governo Bolsonaro, acabou demitido em 16 de abril, após se notabilizar como defensor do isolamento social e das recomendações científicas relativas à doença, em contraste com a posição de Bolsonaro. Na época, a covid-19 havia provocado 2 mil mortes no país.

Seu sucessor, Nelson Teich, ficou pouco menos de um mês no cargo. Ele defendia o isolamento social e pediu demissão após se recusar a mudar o protocolo sobre uso amplo da cloroquina no tratamento da doença. Em seu lugar, assumiu o comando da pasta, como interino, o general do Exército Eduardo Pazuello, então secretário-executivo do ministério e homem de confiança de Bolsonaro, que logo liberou a cloroquina para os contaminados. Nesta segunda-feira (24/07), Pazuello completou 100 dias de interinidade no cargo.

Segundo Barberia, as trocas de ministros criaram "momentos de insegurança” sobre quais diretrizes deveriam ser aplicadas e quais compras deveriam ser feitas em meio à pandemia. "Isso nos custou semanas, quando já estávamos em uma situação muito grave”, diz. Além disso, um ministro interino não tem a mesma autonomia e estabilidade que um efetivo, diz. Ela ressalta, porém, que a reação inicial do Brasil já havia sido lenta, e que o país desperdiçou a chance de se preparar melhor enquanto acompanhava a evolução da pandemia na Ásia e na Europa.

Falta de coordenação

O Brasil adota o sistema federativo de governo, no qual as atribuições são divididas entre municípios, estados e governo federal. Para funcionar bem, esse modelo requer coordenação e parcerias entre os diversos níveis. Desde que foi eleito, Bolsonaro tem como estratégia o enfraquecimento dessa relação, com impacto no combate à pandemia, diz Abrucio.

"O federalismo bolsonarista persegue a desresponsabilização da União e não aposta no sistema coordenado de políticas públicas. Isso já vinha sendo construído pelo presidente antes da pandemia, na educação, no meio ambiente e na assistência social. Mas ganhou dimensão maior na saúde”, afirma.

Em pesquisa realizada com outros professores da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Federal do ABC, Abrucio mapeou iniciativas do governo Bolsonaro em relação ao federalismo e notou que, em diversos momentos, o presidente agiu para transferir responsabilidades a municípios e estados e reduzir o papel do governo federal no financiamento e apoio a redução de desigualdades regionais. Ao mesmo tempo, adotou uma estratégia de confronto institucional e luta constante contra adversários "reais ou imaginários” para mobilizar sua base e seu discurso antissistema, e tratou prefeitos e governadores como alvos.

"O confronto e a descoordenação intergovernamental, provocados pela falta de liderança do governo federal, levou a desperdício de recursos, sobreposição de iniciativas, redução de ganhos de escala que decorrem da coordenação federativa e prejuízos na garantia de direitos sociais que haviam sido conquistados […] Esse desarranjo federativo foi uma das principais causas dos resultados terríveis no número de pessoas que ficaram doentes e morreram”, diz a pesquisa.

O conflito entre governo federal e os estados foi uma das causas da redução da adesão ao isolamento social, diz Barberia. "Encontramos evidências de que, desde o início, o presidente tentou ampliar o que os estados estabeleciam como serviço essencial [que poderiam funcionar no isolamento]. Isso gerou uma mensagem contraditória”, afirma.

Testagem e desigualdade

Em 16 de março, quando a pandemia ainda estava no início no Brasil, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que tinha uma mensagem simples para todos os países: "Teste, teste, teste”.

A orientação era de que, a partir da testagem em massa da população e do rastreamento e isolamento de quem teve contato com infectados, seria possível controlar a contaminação pela covid-19.

O Brasil não conseguiu seguir essa orientação, diz Barberia. "Demoramos muito para ter capacidade de testagem e, ainda hoje, está difícil. Em muitos estados houve uma disseminação silenciosa da doença por uma capacidade de testagem muito limitada”, diz.

A Rede de Pesquisa Solidária calcula que, no início de agosto, o Brasil havia realizado 13 testes a cada mil habitantes, enquanto na Alemanha eram 102 e nos Estados Unidos, 171, segundo dados compilados pelo jornal Folha de S.Paulo.

"A testagem foi muito insuficiente no Brasil, não se deu prioridade”, afirma Antônio Augusto Moura Da Silva, professor de epidemiologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Outro aspecto que contribuiu para o alto número de mortes é a desigualdade extrema no país, afirma Da Silva. "A pobreza é muito grande. Isso impediu que muitas pessoas seguissem normas de distanciamento social. Tem gente que acorda e não tem o que comer, e essa ajuda [renda básica emergencial] demorou para chegar a algumas pessoas”, diz.

Ele lembra que inquéritos sorológicos realizados em diversos estados mostram que o percentual de infectados pela covid-19 é mais alto entre os pretos e pardos e entre os mais pobres e com menor escolaridade – a incidência chega a ser quatro vezes maior em bairros pobres do que em áreas ricas do Ceará, diz.

Daqui para frente

Há no país apostas em três vacinas como forma de imunizar a população contra a covid-19. As principais são a elaborada pela universidade de Oxford, no Reino Unido, em parceria com o laboratório AstraZeneca, escolhida pelo governo federal com a participação da Fiocruz, e a criada pela chinesa Sinovac, que tem o governo de São Paulo e o Instituto Butantan como parceiros, ambas na fase 3 de testes.

O governo do Paraná também anunciou um acordo para produzir a vacina russa, que é questionada pela OMS por falta de dados públicos sobre sua eficácia.

Para Barberia, esse cenário indica que o país segue adotando uma resposta fragmentada e poderá repetir erros do início da pandemia. "Cada uma dessas vacinas é uma aposta arriscada, e da mesma forma que ocorreu com a testagem, pode ser que a vacina chegue a alguns lugares e não a outros”, diz.

Antes de centrar forças na vacina como solução para a pandemia, ela defende que o Brasil precisa aprender "fazer o básico”: rastrear e isolar os contaminados. "Já chegamos às 100 mil mortes e precisamos mudar para não alcançarmos as 200 mil. O risco segue elevado e não é hora de baixar a guarda”, diz.

Abrucio não vê boas perspectivas para que o país melhore sua gestão da pandemia nos próximos meses. Para isso, o Brasil precisaria apostar na coordenação sob o comando do governo federal, que ele considera improvável sob Bolsonaro. Além disso, a população não aguentaria mais seguir em isolamento rigoroso.

"O Brasil já está num platô há dois meses e meio e parte do erro é irrecuperável. Vamos ter ainda um grande número de mortes por um tempo, até que uma hora vai cair, vamos ter uma imunidade coletiva forçada. É uma tristeza, um dos experimentos mundiais mais dolorosos já feitos”, diz.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Com qual roupa?

Discute-se no entorno do presidente se ele deve largar de lado a fantasia que usou nos meses recentes e reassumir seu verdadeiro eu, agressivo e desbocado, ou se deve continuar calado, sem se manifestar, como se fosse uma pessoa sensata que pensa antes de falar. 

Leia aqui o artigo de Merval Pereira, publicado originalmente  em O Globo, hoje.

A cautela que manteve desde a prisão de Fabrício Queiroz, recomendada pela imprevisibilidade das consequências, trouxe dividendos para sua melhora de popularidade, ou ela deveu-se apenas ao auxílio emergencial para a Covid-19?

As bravatas pessoais são características dos populistas. Collor já disse que tinha “aquilo roxo”, Trump se vangloria de suas proezas sexuais, Bolsonaro diz que não toma “aditivo” para fazer sexo, Putin aparece a cavalo, com o torso nu, para mostrar o físico de atleta, do qual se orgulha também Bolsonaro - Maçaranduba, que promete “porrada” e chama os críticos de “bundões”.

Cada um lida ou lidou com suas circunstâncias, mas nenhum tentou ser outra pessoa. A personagem “Lulinha, Paz e Amor” foi criada pelo marqueteiro Duda Mendonça para permitir a entrada do candidato do PT nas classes média e alta, que ele não atingia.

Acabou virando verdade, na aparência. Lula confessou certa vez que nascera para vestir bons ternos, se sentia mais à vontade neles do que com o macacão de metalúrgico. Mas Lula estava em campanha desde 1989, e a imagem que vendeu nas disputas que perdeu era seu perfil real, o “sapo barbudo”.

Quando se reinventou, em 2002, ganhou a eleição, para só retornar ao “sapo barbudo” no segundo mandato. Bolsonaro ainda está no primeiro estágio, comendo pão com leite condensado, vestindo camisa de time de futebol, usando sandália Rider, falando uma língua parecida com o português, naquele tom militar que o define.
 Não precisou se reinventar para vencer a eleição, mas encontrou ambiente propício para suas bravatas, que já não existe mais. Mesmo levando-se em conta que Bolsonaro melhorou sua popularidade, ele só vence Collor nas pesquisas realizadas no mesmo período do mandato. Lula já teve 85% de popularidade, e os petistas costumavam gozar os 15% contrários: “Vivem em que mundo?”.

Hoje são mais de 60% com visão crítica de Bolsonaro. Como ele vem acelerando o processo, menos cauteloso do que a política recomenda, pode ser que apresse também seu fim. Nada indica que o caso do Queiroz vá terminar em pizza, tamanhas são as evidências.

Se comprovadas, as ilegalidades cometidas antes de assumir a presidência não poderão ser julgadas durante seu mandato. Mas ele pode ser investigado, e terá que explicar, por exemplo, por que a primeira-dama recebeu R$ 89 mil de Queiroz em sua conta bancária. Politicamente estará fragilizado, ainda mais que os filhos também estão envolvidos nessa investigação da “rachadinha”.

O senador Flavio Bolsonaro luta para garantir seu foro privilegiado, mas a jurisprudência atual do STF vai de encontro ao seu pleito, pois o caso teria ocorrido quando era deputado estadual, e o Supremo hoje entende que o foro é do cargo, não da pessoa que o ocupa.

Outro acólito metido em trapalhadas é o advogado Frederick Wassef, que pode envolver o presidente em casos atuais, ocorridos no decorrer desses primeiros meses de mandato. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já identificou pagamentos de serviços médicos para Queiroz feitos por Wassef, que o abrigava em uma casa em Atibaia, e depósitos de milhões de reais em sua conta de uma empresa de sua ex-mulher que tem contratos com o governo federal.

Bolsonaro pessoalmente usou seu prestígio, também chamado crime de “advocacia administrativa”, para que Wassef fosse recebido na Procuradoria-Geral da República para defender os interesses da empresa JBS, dos irmãos Batista. Wassef recebeu deles R$ 9 milhões por serviços prestados, mas não há esclarecimentos de que serviços seriam esses.

São casos graves no caminho de Bolsonaro para a sonhada reeleição em 2022. Ele vai ter que avaliar qual a melhor fantasia para tentar superar os obstáculos.

Merval Pereira. o autor deste artigo, é Jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras.

Parlamentares e dois ministérios disputam R$ 5 bi em recursos do Orçamento



Deputados e senadores, além da Infraestrutura e Desenvolvimento Regional, lutam por mais espaço nas despesas deste ano para bancar obras públicas antes das eleições municipais

Governo avalia como ter acesso a recursos do abono salarial para o Renda Brasil

A divisão de R$ 5 bilhões em recursos do Orçamento acertados pelo presidente Jair Bolsonaro para bancar obras públicas no Pró-Brasil, programa de infraestrutura para tentar impulsionar a retomada dos investimentos no pós-pandemia, deflagrou uma disputa nos bastidores para ver quem consegue uma fatia maior do bolo. Parlamentares e os ministérios do Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura travam uma batalha silenciosa por mais espaço nas despesas, que serão realizadas ainda em 2020 – ano de eleições municipais.

Uma proposta que destinava metade do crédito (R$ 2,5 bilhões) aos parlamentares foi levada ontem ao presidente Jair Bolsonaro em reunião com ministros. Outro R$ 1,5 bilhão iria para o Ministério da Infraestrutura, enquanto o MDR ficaria com R$ 1 bilhão.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o presidente não concordou com a divisão e pediu a seus auxiliares uma repactuação. O MDR também é contra essa distribuição dos recursos porque ficaria com a menor fatia, enquanto o chefe da pasta, ministro Rogério Marinho, assumiu o desgaste público de brigar por uma verba pública para ampliar investimentos em 2020. Marinho tem viajado para d
iferentes regiões do País junto a Bolsonaro para inaugurar obras.

A ideia, de acordo com fontes que participam das discussões, é tentar reduzir o espaço que será destinado aos parlamentares no crédito de R$ 5 bilhões. A tarefa é considerada delicada, pois pode azedar o clima com o Congresso Nacional, sobretudo com o Senado, que já tem mostrado descontentamento com declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que os senadores cometeram “um crime contra o País” ao derrubar um veto à concessão de reajustes para servidores. A proibição foi depois mantida pela Câmara dos Deputados.

Obras

Nas discussões iniciais, os parlamentares poderiam indicar R$ 1,3 bilhão em obras. Depois, um novo desenho previa que o Congresso ficaria com R$ 2 bilhões, o MDR com R$ 1,7 bilhão e a Infraestrutura com R$ 1,3 bilhão. Em nova rodada de negociação, a cifra dos congressistas voltou a subir, mas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tem pedido R$ 3 bilhões para os parlamentares, um valor até maior que o levado nesta terça a Bolsonaro.

A verba que será destinada à indicação de deputados e senadores é diferente das chamadas emendas parlamentares impositivas. Trata-se de dinheiro no Orçamento dos próprios ministérios que é direcionado para ações patrocinadas por esses parlamentares.

O argumento de quem defende a divisão pró-Congresso é que as pastas, inclusive o MDR, continuarão sendo contempladas. O problema, de acordo com uma fonte que participa dessas discussões, é que as ações patrocinadas pelos parlamentares atendem a “interesses paroquiais” e acabam deixando de fora projetos estruturantes.

Nas últimas semanas, os congressistas já vinham sendo consultados sobre quais obras querem beneficiar. Segundo apurou a reportagem, há obras de interesse parlamentar nos ministérios da Cidadania, Turismo, Desenvolvimento Regional, Agricultura, Defesa e Infraestrutura.

No MDR, parte do dinheiro deve ser destinada à pavimentação em municípios e à compra de máquinas. Uma das ações deve beneficiar municípios do Amapá – um aceno direto a Alcolumbre, eleito pelo Estado.

Após a polêmica em torno do instrumento a ser usado para abrir espaço no Orçamento, o mais provável é que os recursos sejam obtidos por meio de remanejamento de verbas. Inicialmente, como antecipou o Estadão/Broadcast, o governo cogitou abrir um crédito extraordinário (fora do teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação) para bancar as obras, mas o drible foi mal visto por investidores.

Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo
26 de agosto de 2020 | 05h00

Falta oposição

Não se vislumbra uma atuação política da oposição que alcance de fato o cidadão

Não se ganha o jogo político protocolando petições no Supremo.

A melhora da aprovação popular do presidente Jair Bolsonaro, registrada por pesquisa recente do Datafolha, evidenciou não apenas uma preocupante indiferença de parte da população com valores fundamentais – a vida, a democracia e a lei. Ela escancarou uma vez mais a ausência de oposição no País. Há um presidente da República que despreza a lei e os fatos, que debocha da civilidade e do bom senso, que contraria solenemente suas promessas de campanha e, mesmo com tudo isso, a oposição simplesmente não se apresenta.

Certamente, é possível observar, em várias esferas da sociedade, uma atividade de crítica e oposição ao governo de Jair Bolsonaro. Mas não se vislumbra – eis a grande carência – uma atuação política da oposição, em especial no Congresso e a partir do Congresso, que alcance de fato o cidadão. Com isso, o presidente da República desfruta de uma situação peculiar. São cada vez mais evidentes a inépcia e o desinteresse de Jair Bolsonaro pela arte de governar. No entanto, a despeito de tudo isso, cresce o apoio popular a ele.

A omissão da oposição se dá de diversos modos. Por exemplo, vários partidos têm se dedicado a contrapor-se ao governo federal por meio de demandas judiciais. Desde o início de 2019, cresceu significativamente o número de ações no Supremo Tribunal Federal (STF) contra políticas do Palácio do Planalto.

Cabe ao Poder Judiciário, não há dúvida, exercer o controle de constitucionalidade e legalidade dos atos do Poder Executivo. De forma recorrente, o STF tem lembrado ao presidente Jair Bolsonaro os limites do poder presidencial. No entanto, tais demandas estão no âmbito jurídico. Não se ganha o jogo político protocolando petições no Supremo.

Na verdade, a tática da judicialização da política envolve sérios riscos. Um deles é achar que as derrotas do governo no Supremo são sinônimo de seu enfraquecimento político. Pode-se muito bem perder nos tribunais e ganhar nas ruas. Acórdãos absolutamente certeiros, como o que reconheceu a competência compartilhada da União, Estados e municípios em temas de saúde pública, não dispensam os partidos e políticos de realizarem seu trabalho político. Por mais que se protocolem novos processos judiciais, não há política sem articulação de propostas. Não há política sem convencimento da população.

Além disso, quem escolhe o caminho da judicialização da política corre o risco de se distanciar ainda mais do cidadão. A política não é feita nos tribunais. A depender do trabalho político que se faz, uma derrota judicial pode se converter numa vitória política muito mais decisiva. Não é preciso ir longe. Afinal, Jair Bolsonaro não chegou ao Palácio do Planalto em razão da consistência jurídica de suas propostas e promessas.

Numa democracia de massa, ganhar processos judiciais contra o governo pode gerar algum ruído, mas é insuficiente para o que realmente importa na dinâmica do poder. O Judiciário impõe limites e lembra competências, mas a rigor ele não atribui poder político a quem quer que seja. No regime democrático, o poder emana do povo – emana do exercício prático da política. E é aqui que se constata o vazio deixado pela oposição.

Quais são as propostas concretas que a oposição tem apresentado? Quem tem, no âmbito político, cobrado a enorme incongruência entre o governo de Jair Bolsonaro e o que ele prometeu na campanha de 2018? Há um presidente que pratica a olhos vistos verdadeiro estelionato eleitoral – ganhou votos prometendo fazer uma coisa e, uma vez na cadeira presidencial, faz o oposto – e não se vê um único partido político denunciar a manobra de forma clara.

Há um urgente trabalho a ser feito no Congresso por uma oposição fiel à Constituição. É preciso articular propostas alternativas às do governo – se é que existem – e dialogar de verdade com a população. Não bastam manifestações de crítica ao governo em alguns âmbitos sociais. Essa atividade de reflexão e conscientização por parte da população é necessária, mas a política continua sendo imprescindível. Para que exista uma oposição – e por conseguinte a alternância no poder – é preciso que a oposição se apresente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
26 de agosto de 2020 | 03h00