quarta-feira, 1 de abril de 2020

Brasil ruma para a "tempestade perfeita" em meio a pandemia

Sobrecarregado, SUS deve ter que enfrentar não apenas o coronavírus, mas também outros dois inimigos imediatos: as epidemias da dengue e da gripe, alerta secretário. 

Enquanto isso, Bolsonaro segue minimizando a covid-19.

Abril teria sido um mês ocupado para os hospitais brasileiros, de qualquer modo: enquanto a população ainda enfrenta o vírus da dengue, a estação da gripe vai começar a se manifestar. Em 2020, porém, o sistema de saúde nacional promete encarar uma "tempestade perfeita", de acordo com o secretário nacional de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira.

"Vamos ter o coronavírus, que é novo, vamos ter a influenza [nome científico da gripe], que é rotina todo ano, e também vamos ter o pico da dengue", declarou à imprensa no fim de março. O Ministério da Saúde identificou mais de 5.700 infecções com o novo coronavírus e pelo menos 201 mortes até a tarde desta terça-feira (31/03), o número mais alto da América Latina.

A pandemia coincide com 440 mil novos casos de suspeita de dengue, quase o dobro do que viu o Brasil no mesmo período em 2019. Embora a moléstia causada por um vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti não seja tão fatal quanto a covid-19, ela é muito difundida em áreas tropicais e requer cuidados médicos consideráveis.

Segundo Gulnar Azevedo e Silva, epidemiologista e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), "o maior desafio é tratar esses casos crescentes [de coronavírus], além dos velhos problemas, num sistema que já está sobrecarregado devido ao corte progressivo de financiamento".

Com o coronavírus se alastrando pelo país, os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) estão se tornando cada vez mais escassos. Mesmo nos estágios iniciais, alguns profissionais de saúde já se queixavam de não ter acesso a sabão, toalhas de papel ou máscaras. Os hospitais estatais talvez tenham que tomar emprestadas camas de unidades de tratamento intensivo do setor privado para cobrir a demanda, à medida que o vírus avança, aponta Azevedo e Silva.

O Ministério da Saúde calcula que o SUS precisará de 10 bilhões de reais adicionais para enfrentar a pandemia. "É de importância máxima garantirmos o isolamento social agora", apela o epidemiologista. "Porque aí teremos menos casos necessitando de atendimento hospitalar, e estaremos mais equipados para cuidar deles."

Bolsonaro nega

O problema é que o próprio presidente Jair Bolsonaro tem pregado continuamente contra as medidas de isolamento social, contradizendo não só a Organização Mundial da Saúde (OMS), mas também seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e governadores.

Os comentários do presidente têm encorajado cidadãos a reabrirem seus negócios a fim de manter viva a debilitada economia nacional. "A fome mata mais do que o vírus", declarou a repórteres nesta terça-feira (30/03). Mesmo depois de a pandemia atingir o Brasil, ele se misturou a multidões de seus adeptos, e continuou a fazê-lo até quando deveria estar de quarentena, aguardando os resultados de seu teste de covid-19.

Quando os estados começaram a fechar negócios não essenciais, Bolsonaro minimizou o vírus letal como "gripezinha" e quis encenar uma campanha para levar os brasileiros de volta à vida pública, até que um tribunal federal bloqueou a tentativa.

"Bolsonaro está apostando em que, à medida que os cidadãos vão perdendo o emprego, o discurso dele realmente chegue até eles", avalia Marco Antônio Teixeira, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. "É mais uma aposta do que uma preocupação pelas vidas das pessoas."

Embora as declarações do presidente sigam ressoando junto a sua base de fãs incondicionais, elas afastaram seus apoiadores moderados, além de criar rachas com aliados políticos.

Os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e São Paulo, João Dória, passaram de endossar suas políticas de extrema direita a bater de frente com o presidente. Os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Economia, Paulo Guedes, ambos pesos-pesados da política brasileira, puseram-se do lado de Mandetta em sua defesa das medidas de isolamento.

Para controlar a narrativa, o governo Bolsonaro decidiu que precisa aprovar todos os comunicados de imprensa ministeriais sobre o coronavírus. Na primeira coletiva de imprensa conjunta sobre a pandemia, na segunda-feira, o ministro Mandetta foi o último a ter a palavra.

"Nunca vi uma crise política tão aguda desde que o Brasil foi redemocratizado", ou seja, desde o fim da ditadura militar, comenta Teixeira. Contudo o isolamento político pode estar começando a fazer efeito: nesta terça-feira Bolsonaro falou à nação em discurso televisado, e pela primeira vez não criticou o isolamento social.

O tom original, contudo, permaneceu: "Repito: os efeitos colaterais de combate ao coronavírus não podem ser pior [sic] do que própria doença", disse, enquanto, por todo o país, cidadãos em massa promoviam mais um "panelaço" em sinal de protesto.

Nesta quarta-feira, Bolsonaro voltou a se opor a governadores ao compartilhar um vídeo em que um um homem, que não se identifica e afirma estar na Ceasa de Belo Horizonte, aponta um suposto desabastecimento causado pelo isolamento social, enquanto culpa governadores e diz que Bolsonaro defende uma "paralisação responsável". Após a imprensa apontar que o relato sobre o suposto desabastecimento era falso, o presidente apagou o vídeo de suas redes sociais.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas. 

Cloroquina, o perigo! França alerta contra a medicação

Hospitais na França relataram até 30 efeitos colaterais que teriam sido causados por medicamentos usados contra covid-19. Hidroxicloroquina estaria relacionada a cinco casos com efeitos colaterais - três deles fatais. 
   
Trump e Bolsonaro vêm propagandeando hidroxicloroquina, mas ainda faltam estudos para comprovar eficácia

Todos os tratamentos que estão sendo testados para curar a covid-19, doença causada pelo coronavírus Sars-Cov-2, só podem ser realizados em hospitais, alertou na segunda-feira (30/03) a Agência Nacional de Segurança do Medicamento e dos Produtos de Saúde (ANSM) da França. 

Medicamentos "que não tiveram eficácia comprovada formalmente no tratamento ou na prevenção da covid-19" só devem ser aplicados no âmbito "de testes clínicos em curso". "Os tratamentos testados para curar os pacientes de covid-19 só podem ser utilizados no hospital", diz comunicado da agência. 

"Em caso algum esses medicamentos devem ser utilizados para automedicação, prescrição de um médico da cidade ou autoprescrição de um médico", insiste o texto.

Segundo Dominique Martin, diretor-geral da ANSM, hospitais na França teriam constatado até 30 efeitos colaterais relacionados a medicamentos utilizados para tratar a covid-19. Esses medicamentos estão sendo testados por pesquisadores europeus. "Os [efeitos colaterais] mais numerosos dizem respeito ao medicamento Kaletra (associação dos princípios ativos lopinavir e ritonavir, normalmente usados para tratar pacientes com HIV)", diz o comunicado da agência. 

"A hidroxicloroquina, sozinha ou associada a outro produto, está relacionada a cinco casos [suspeitos de efeitos colaterais], três deles fatais. As observações estão sendo analisadas por um centro regional de farmacovigilância", disse Martin. Por outro lado, nesse momento, não há como garantir que a hidroxicloroquina causa efeitos cardíacos em pacientes de covid-19, acrescentou. 

Em hospitais franceses, aplicou-se o medicamento Plaquenil, cujo princípio ativo é a hidroxicloroquina, a pacientes infectados com o coronavírus Sars-Cov-2.

Martin disse ainda que é "normal" aplicar métodos experimentais no tratamento de doenças como a covid-19 por causa da sua rápida disseminação. Porém, esses tratamentos precisam ser acompanhados atentamente por especialistas – uma regra que vale especialmente para a combinação entre hidroxicloroquina e o antibiótico azitromicina.

Administrar esses dois medicamentos ao mesmo tempo, segundo Martin, "potencializa o risco" de taquicardia que poderia levar a um enfarte. Por isso, especialmente pacientes de covid-19 precisam de atenção especial. 

O presidente americano, Donald Trump, elogiou a combinação entre hidroxicloroquina e azitromicina na semana passada, pelo Twitter. Segundo Trump, "tomados juntos, [esses medicamentos] têm uma chance real de virar o jogo na história da medicina. A FDA [agência americana de controle de medicamentos e segurança alimentar] moveu montanhas – obrigado! Espero que os DOIS (...) sejam usados IMEDIATAMENTE", escreveu o presidente americano.

O presidente Jair Bolsonaro também vem propagandeando uma suposta eficácia da hidroxicloroquina, contrariando o seu próprio ministro da Saúde, que afirmou que o medicamento não é uma "panaceia” e que advertiu para os riscos da automedicação.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas.

terça-feira, 31 de março de 2020

Miguel Reale: ‘Não tenho dúvida de que o presidente cometeu crimes’

Para o jurista responsável pelos pedidos de impeachment de Collor e Dilma, no entanto, não é momento de iniciar essa discussão

O jurista Miguel Reale Júnior foi co-autor dos dois pedidos de impeachment que resultaram na queda dos presidentes Fernando Collor de Mello, em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016. Atualmente, Reale vem recebendo consultas “verbais e informais” de interessados em pedir um novo impedimento, o de Jair Bolsonaro. “Não tenho a menor dúvida de que, juridicamente, ele cometeu crime de responsabilidade e crime comum”, afirmou a VEJA o jurista, de sua casa em Canela, no Rio Grande do Sul. Segundo ele, no entanto, essa medida não deve ser considerada nesse momento. Além de o processo demorar muito, não se pode desperdiçar forças no combate à epidemia do coronavírus. “Bolsonaro usaria politicamente a ação, diria que é vítima de um golpe e colocaria suas tropas virtuais e reais na rua para dizer que só queriam o cargo dele”.

A palavra impeachment era praticamente proibida, principalmente entre parlamentares e membros do Judiciário, mas começou a ser pronunciada nas últimas semanas, diante do comportamento do presidente Jair Bolsonaro na crise do novo coronavírus. Existem elementos para fundamentar um pedido de impedimento? 

Não tenho a menor dúvida de que juridicamente está caracterizada a afronta ao decoro, porque decoro engloba conduta, uma forma de comportamento que respeite as leis, que respeite o direito dos outros, que não deixe prevalecer os interesses pessoais de vaidade ou políticos sobre o interesse geral; decoro envolve compostura, ponderação. Há vários atos do presidente, ao longo do tempo, que ofenderam o decoro, como os insultos a jornalistas. Tudo isso configura quebra de decoro, mas o comportamento que ele vem tendo ao longo do mês de março, em relação à pandemia, é o mais grave de todos. O que ele fez nesse final de semana foi uma loucura. Aliás, eu já disse que o caso do Bolsonaro não é um problema de impeachment, mas de interdição (em que o Ministério Público pede que o presidente se afaste e seja submetido a um exame de sanidade mental). É um processo paranoico.

Mas quais são os fundamentos jurídicos para um pedido de impeachment?

É preciso lembrar que decoro é também a análise de um comportamento ao longo do tempo. Em primeiro lugar, ele está infringindo todo um arcabouço jurídico criado para conter a epidemia. Existe uma declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), dizendo que o isolamento é a medida mais correta (para se tentar controla a pandemia). Em função dessa declaração da OMS, feita em janeiro, o Congresso fez rapidamente uma lei, a 13.979, que estabelece medidas a serem adotadas no país na luta contra o vírus. Ela prevê, entre outras medidas, a quarentena, a internação etc. Estamos falando de uma lei feita pelo Congresso e sancionada pelo próprio presidente. Depois, foi editada uma portaria do Ministério da Saúde, outorgando a estados e municípios a possibilidade de decretação de isolamento. Houve, ainda, uma portaria interministerial dos ministros da Saúde e da Justiça estabelecendo que quem desrespeitasse as normas de contenção da epidemia, praticaria o crime do artigo 268 do Código Penal, que é o de crime contra a saúde pública. A portaria interministerial define também que quem agir dessa forma está cometendo crime de desobediência. Ou seja, há todo um aparato legal estabelecido no sentido de se adotar medidas urgentíssimas e severas para proteger a saúde da população, e ele vai na contramão disso tudo por interesse pessoal?

O senhor acredita que seja por interesse pessoal?

Sim! Vou lhe dar o exemplo de onde se extrai isso. Aquele dia em que ele foi ao Palácio da Alvorada cumprimentar as pessoas no domingo (15 de março, em que houve manifestações em apoio ao governo e contra o Congresso), ele disse uma frase que indica tudo: “Isso não tem preço”, referindo-se ao apoio da população que foi saudá-lo na frente do Palácio. Ele está na vanglória! Acha que o mito não pode ter vírus. Aí ele começa a minimizar aquilo que tinha sido considerado objeto de uma lei que estabeleceu quarentena. Ele está desrespeitando a lei. Isso é falta de decoro. E mais: está colocando a saúde da população em risco para a sua vanglória. Ele quer ser cumprimentado, ser abraçado, tirar selfie! Por outro lado, ele sabe que vem uma crise econômica por aí. Ele quer dar um jeito de jogar a culpa da crise econômica para cima dos governadores e prefeitos, mesmo ao preço de

Mas isso pode ser visto como oportunismo, não acha?

É oportunismo! É muito fácil dizer para as pessoas saírem para a rua. Ele está se aproveitando de uma população que é em grande parte sofrida, que está trancada em casa, apertada em pequenos cômodos, com as crianças, preocupada com o emprego, com as contas para pagar. É claro que as pessoas querem voltar à vida normal, querem garantir o dinheiro do mercado, do aluguel. É lógico que ele vai ser festejado pela população que quer liberdade. Quem não tem a capacidade de analisar a gravidade da situação e vê o presidente falando que é uma gripinha, pensa que estão exagerando. Isso é criminoso. Ele prefere jogar com esse tipo de comportamento, colocando em risco a saúde das pessoas, para salvaguardar o seu prestígio. Isso, evidentemente, lá na frente, pode também acabar com o cartaz dele, se começar a ter mortes e mais mortes. Mas ele não está preocupado com isso. Ele já disse que “morte vai ter”. Isso é a maior falta de sensibilidade com o seu povo. É falta de decoro mais profundo. Então, não há dúvida nenhuma do que está caracterizado, seja no Código Penal, no artigo 268, seja o crime de responsabilidade.

O senhor acredita que há ambiente para a abertura de um processo de impeachment? 

Tenho falado com muitas pessoas da classe política, e acho que a pergunta é outra: convém abrir um processo desse tipo? Creio que não. Eu recomendei a uma entidade profissional o caminho de representar ao procurador-geral da República para que ele avaliasse o crime do artigo 268, com o pedido de interdição, já que parece que é um caso de paranoia. Aparentemente, o PGR não vai aceitar nada relacionado a isso. Acho que o presidente se aproveitaria politicamente de um pedido de impeachment.

Como ele se aproveitaria? 

Ele vai dizer que ninguém estava preocupado com a epidemia, que os governadores queriam apenas tirá-lo do cargo. Ele vai colocar suas tropas virtuais e reais na rua para dizer que querem o cargo dele, que ele é vítima de golpe. Ou seja, vai politizar a questão, em vez de enfrentá-la como deve ser enfrentada, com seriedade, com base na ciência, com base na ponderação. Aliás, como fizeram outros líderes mundiais, que chamaram para si a responsabilidade pela crise de saúde pública e a crise econômica, que todo mundo vai passar. O fato é que estamos em uma sinuca de bico. Por isso, acho que todo mundo tem de se manifestar contra os atos dele, porque, afinal de contas, são crimes contra a saúde pública, são crimes de responsabilidade, mas não é hora de discutir isso (a saída do presidente)

Por que não discutir isso? 

Porque nesse instante temos uma guerra fundamental a travar: a guerra contra o vírus. Abriríamos uma nova frente de luta política, que tiraria o foco do combate à epidemia. Se quiserem tirá-lo, tirem depois. Se fizermos isso, ele vai colocar suas tropas virtuais e reais na rua para dizer que só queriam o cargo dele, que ele é vítima de um golpe, que não deixaram ele governar. Em suma, vai politizar a questão, em vez de enfrentá-la com seriedade, com base na ciência, com base na ponderação.

O que deve ser feito na sua opinião?

Olha, acho que com louco deve se fazer o seguinte: deixe o maluco no seu universo paralelo. É a única forma de levar adiante o trabalho no meio dessa situação séria. Deixe ele fazer as palhaçadas dele. Deixe que ele vá à padaria, à Ceilândia, deixe ele combinar uma coisa com o ministro da Saúde de manhã e fazer outra à tarde. O único jeito de não desviar a atenção para o combate à pandemia é esse. Ao mesmo tempo, as entidades da sociedade civil têm de denunciar, sejam as da área médica, seja a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cientistas, todos têm de denunciar que existe um crime, mas pensando que não é a hora de desperdiçar esforços com outra causa, a não ser o combate à epidemia, que ainda está no começo, infelizmente. 

O senhor, então, não escreveria um pedido de impeachment do presidente Bolsonaro? 

Eu escreveria, tecnicamente falando, mas diria que não é a hora de fazer isso. Sabe quando tempo demora para iniciar o processo e afastar o presidente? Pelo menos três meses. Daqui a três meses acabou a pandemia, espera-se.

Por Roberta Paduan - Atualizado em 31 mar 2020, 19h21 - Publicado em 31 mar 2020, 17h00 - https://veja.abril.com.br/

Marginália II


Da série - Para um bom entendedor

Marginália II
Letra de Torquato Neto, Música de Gilberto Gil
Arranjos e Regência de Rogério Duprat

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Aqui, o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascatas, palmeiras
Araçás e bananeiras
Ao canto da juriti

Aqui, meu pânico e glória
Aqui, meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte
Olelê, lalá

A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
Até pra dar e vender
Olelê, lalá

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Jornalistas abandonam coletiva de Bolsonaro

Ação ocorreu após presidente insuflar claque de apoiadores em frente ao Alvorada a hostilizar repórteres. Bolsonaro havia se irritado com pergunta sobre recomendações do ministro da Saúde.    

Jornalistas que acompanhavam uma fala do presidente Jair Bolsonaro na saída do Palácio da Alvorada nesta terça-feira (31/03) deixaram o local da entrevista após o presidente mais uma vez estimular seus apoiadores a hostilizarem e xingarem os repórteres.

Segundo a agência Reuters, a reação ocorreu após jornalistas questionarem o presidente sobre a postura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem contrariado várias declarações de Bolsonaro sobre a pandemia de coronavírus. Na segunda-feira, por exemplo, Mandetta disse que a população deve seguir as orientações dos governos estaduais. No sábado, ele já havia reforçado a importância do isolamento social.

As falas vão na contramão de ideias defendidas por Bolsonaro, que vem atacando a respostas dos estados à pandemia e minimizado os riscos do coronavírus.

Bolsonaro reagiu à pergunta sobre Mandetta insuflando a claque de apoiadores que marca presença diariamente em frente ao Palácio da Alvorada. Segundo a Reuters, um dos apoiadores começou a gritar que a imprensa "colocava o povo contra o presidente".

Bolsonaro passou a incentivar o apoiador a falar e mandou que os jornalistas ficassem quietos.

"É ele que vai falar, não é vocês não", disse Bolsonaro.

Com o aval do presidente, os apoiadores começaram a ofender os jornalistas, que acabaram se retirando do local. De acordo com a Reuters, o presidente ficou inicialmente surpreso com a reação dos repórteres, mas também aproveitou para ironizá-los.

"Mas vão abandonar o povo? Nunca vi isso, a imprensa que não gosta do povo", gritou Bolsonaro aos jornalistas que se mantinham afastados.

Antes mesmo de assumir a Presidência, Bolsonaro já estimulava atitudes hostis contra a imprensa. Na posse, os organizadores do evento criaram uma série de dificuldades ao trabalho dos jornalistas, limitando sua locomoção entre os diferentes prédios públicos de Brasília.

Ao longo do primeiro ano de governo, Bolsonaro ainda pediu o boicote de publicações críticas ao seu governo. Redes de apoio ligadas à sua família também promovem regularmente ataques e disseminam mentiras sobre jornalistas. Há pouco mais de três semanas, no mesmo dia em que o crescimento tímido do PIB de 2019 foi anunciado, Bolsonaro escalou um humorista para distribuir bananas para os jornalistas em frente ao Alvorada.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas. 

Bolsonaro distorce fala do chefe da OMS para atacar isolamento social

Presidente alega que Tedros Adhanom defendeu retorno ao trabalho em discurso, enquanto, na verdade, ele cobrava governos a agirem pelos mais pobres. Diretor-geral da organização vai ao Twitter explicar sua posição.

A OMS recomenda o isolamento social como uma das medidas para combater o novo coronavírus
O presidente Jair Bolsonaro distorceu nesta terça-feira (31/03) um discurso do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para afirmar que a entidade "se associa" à sua postura contrária ao isolamento social e a favor do retorno ao trabalho.

Em mensagens publicadas no Twitter mais tarde, Tedros explicou sua posição sobre o tema, contrariando um alinhamento de pensamento com Bolsonaro, mas sem mencionar o líder brasileiro pelo nome. Em resposta à TV Globo, a OMS também negou ser contrária a medidas de isolamento social, como pregou o presidente.

Em discurso na segunda-feira, Tedros disse estar preocupado com as muitas pessoas que ainda "precisam trabalhar para ganhar o pão de cada dia". "Se estamos limitando os movimentos, o que vai acontecer com essas pessoas que precisam trabalhar diariamente?", questionou.

O chefe da OMS emendou a fala afirmando que "cada país deve responder a essa questão", cobrando então dos governos que adotem medidas para garantir assistência à população mais pobre durante a crise do coronavírus.


Tedros Adhanom Ghebreyesus

@DrTedros
People without regular incomes or any financial cushion deserve social policies that ensure dignity and enable them to comply with #COVID19 public health measures advised by national health authorities and @WHO. #coronavirus

"Os governos precisam garantir o bem-estar das pessoas que perderam a fonte de renda e que estão necessitando desesperadamente de alimentos, saneamento, e outros serviços essenciais", disse, reiterando que as ações governamentais precisam assistir às pessoas mais vulneráveis. "Porque cada indivíduo importa."

Ao citar e elogiar o discurso de Tedros nesta terça-feira, Bolsonaro se referiu à primeira parte da fala, mas omitiu a segunda, sugerindo que o diretor-geral da organização tivesse defendido o retorno da população ao trabalho.

A OMS, porém, segue recomendando o isolamento social como uma das principais medidas para combater a propagação do coronavírus Sars-Cov-2. Tedros também costuma mencionar a importância de medida em seus pronunciamentos diários.

"Vocês viram o presidente da OMS ontem?", questionou Bolsonaro ao falar com jornalistas e apoiadores na manhã desta terça-feira. "O que ele disse, praticamente... em especial, com os informais, [é que eles] têm que trabalhar. O que acontece? Nós temos dois problemas: o vírus e o desemprego. Não podem ser dissociados, temos que atacar juntos."

Segundo o presidente, Tedros estava "um pouco constrangido" ao abordar o assunto, "mas falou a verdade". "Eu achei excepcional a palavra dele, e meus parabéns: OMS se associa a Jair Bolsonaro", alegou, arrancando aplausos de apoiadores.

Na noite de segunda, Bolsonaro já havia compartilhado no Facebook um vídeo com um trecho do discurso de Tedros, mas sem a parte em que ele cobra os governos. "Algo mudou na OMS? Agora se preocupam com os informais? Jair Bolsonaro sempre esteve certo?", diz a legenda na rede social.

Mais tarde nesta terça-feira, o diretor-geral da OMS foi ao Twitter defender sua posição de que os governos precisam agir em prol da população mais necessitada.

"Pessoas sem fonte de renda regular ou sem qualquer reserva financeira merecem políticas sociais que garantam a dignidade e permitam que elas cumpram as medidas de saúde pública para a covid-19 recomendadas pelas autoridades nacionais de saúde e pela OMS", escreveu.

"Eu cresci pobre e entendo essa realidade. Convoco os países a desenvolverem políticas que forneçam proteção econômica para as pessoas que não podem receber ou trabalhar em meio à pandemia da covid-19. Solidariedade!", completou Tedros, que é nascido na Etiópia.

A TV Globo questionou a OMS sobre a alegação de Bolsonaro nesta terça-feira, perguntando se as declarações de Tedros na véspera justificam a afirmação de que "os informais têm que trabalhar", como pregou o líder brasileiro.

Segundo o portal G1, a organização respondeu à emissora que Tedros não afirmou ser contra medidas de isolamento social, e sim disse que as pessoas que perderam renda por causa da crise do coronavírus precisam receber apoio de seus governantes.

Bolsonaro tem minimizado a pandemia

Nos últimos dias, Bolsonaro tem pedido para que a população volte ao trabalho e defendido uma forma de quarentena parcial, isolando apenas idosos e doentes crônicos. O presidente também minimizou repetidas vezes a pandemia, classificando a covid-19 como uma "gripezinha", inclusive num pronunciamento polêmico que gerou ondas de condenação.

Na semana passada, redes do Planalto chegaram a publicar uma propagando com o slogan "O Brasil não pode parar", alinhado com as ideias do presidente sobre a pandemia. No entanto, a campanha foi barrada por ordem da Justiça. O governo apagou as publicações e depois declarou que a campanha "nunca existiu", apesar de o material ter ficado disponível por três dias.

No último domingo, Bolsonaro passeou por estabelecimentos comerciais na região de Brasília, provocando aglomerações e desafiando as restrições impostas pelo governo do Distrito Federal para conter a circulação de pessoas. O presidente ainda publicou vídeos das visitas em suas redes sociais.

Neles, era possível ouvir comerciantes e camelôs falando que "querem trabalhar" – falas afinadas com o discurso de Bolsonaro, que vem defendendo uma "volta à normalidade" e atacando medidas amplas de isolamento impostas por governadores.

O material acabou sendo deletado pelo próprio Twitter, numa rara ação contra um chefe de Estado, por violar as regras da plataforma.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas. 

segunda-feira, 30 de março de 2020

Brasil tem 159 mortes por coronavírus, segundo Ministério da Saúde

O Brasil registrou hoje, em atualização da plataforma do Ministério da Saúde, 4.579 casos confirmados da covid-19, transmitida pelo novo coronavírus. 

O número corresponde a 323 novas confirmações em relação à última atualização, feita domingo, dos dados da pandemia no País.  

As mortes pela doença chegam a 159 , com aumento de 23 óbitos em relação à ultima contagem. A taxa de mortalidade da doença passou de 3,2% para 3,5%.

Todos os Estados da Federação já são afetados pela doença. O Estado que registra mais casos até agora é São Paulo (1.517), seguido por Rio de Janeiro (657), Ceará (372), Distrito Federal (312), Minas Gerais (261) e Rio Grande do Sul (241). A região com mais casos confirmados é o Sudeste, que concentra 55% do total de casos no país.

Para conter o avanço da pandemia no país, o Ministério da Saúde orienta que a população siga em isolamento social. Contrariando a pasta, o presidente Jair Bolsonaro foi às ruas na manhã de domingo, 29. Bolsonaro visitou vários comércios locais ainda abertos em Brasília e cumprimentou populares. Houve aglomerações para tirar selfies com o presidente. "O que eu tenho conversado com o povo, eles querem trabalhar. É o que eu tenho falado desde o começo. Vamos tomar cuidado, a partir dos 65 fica em casa...", disse Bolsonaro, que completou 65 anos no último dia 21.

Em reunião no sábado, como revelou a colunista do Estado Eliane Cantanhêde, Mandetta já havia alertado o presidente e os demais ministros:  “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas? Com transmissão ao vivo pela internet?” Em outro momento, Mandetta deixou claro que, se o presidente insistisse em ir às ruas, seria obrigado a criticá-lo. E Bolsonaro rebateu que, nesse caso, iria demiti-lo. Mais tarde, em entrevista coletiva, o ministro da Saúde foi incisivo e condenou atos pela abertura do comércio e disse que "os mesmos que fazem carreata vão ficar em casa daqui a duas semanas".

Fonte: André Borges e Emilly Behnke, O Estado de S.Paulo

Mandetta diz para população seguir recomendações dos Estados sobre coronavírus

Ministro da Saúde contraria discurso que tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e defende isolamento social

Mandetta a Bolsonaro: ‘Estamos preparados para ver caminhões do Exército transportando corpos?’

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse nesta segunda-feira, 30, que a população tem que seguir as orientações dos Estados na condução das ações de combate ao coronavírus. A afirmação do ministro contraria frontalmente o discurso que tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, que não tem poupado críticas duras aos Estados, por causa de suas quarentenas.

“Tenho dialogado com os secretários municipais e estaduais dentro do que é técnico, dentro do que é científico, dentro do planejamento. O que (conversamos) é o que a gente precisa ter na saúde nesta semana, e nas outras semanas, para que a gente possa imaginar qualquer tipo de movimentação que não seja esta que a gente está”, disse Mandetta.

Mandetta diz para população seguir recomendações dos Estados sobre coronavírus

E complementou: “Por enquanto mantenham a recomendação dos Estados, porque essa é no momento a medida mais recomendável, já que nós temos muitas fragilidades no sistema de saúde, que são típicas não de falta do ministério da saúde ou do governo.”

O presidente Bolsonaro aproveitou o último domingo para ir às ruas de Brasília, visitar comércios locais e cumprimentar populares, contrariando orientações do governo do Distrito Federal e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Bolsonaro chegou a recomendar que “todos os políticos” saiam às ruas para, em sua avaliação, entender a realidade do País.

Como revelou a colunista do Estado Eliane Cantanhêde, em reunião no sábado, Mandetta fez um alerta ao presidente e aos demais ministros: “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas?” Em outro momento, Mandetta deixou claro que, se o presidente insistisse em ir às ruas, seria obrigado a criticá-lo. E Bolsonaro rebateu que, nesse caso, iria demiti-lo.

A entrevista foi encerrada antes que Mandetta pudesse responder sobre a visita de Bolsonaro a comerciantes. Antes de os demais ministros deixarem o titular da Saúde sozinho na sala, o ministro da Casa Civil cochichou no ouvido dele. Mandetta então não respondeu mais e começou a falar dos números da doença.

Casa Civil nega possibilidade de demissão de Mandetta

Mandetta foi questionado sobre a possibilidade de demissão, por causa das diferenças de opiniões e postura com Bolsonaro. Quando foi responder sobre o assunto, o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, se antecipou e disse: “Não existe possibilidade, por enquanto”.

O ministro da Saúde respondeu que, “em política, quando se fala que não existe possibilidade...” Mandetta afirmou que, no momento permanece. “Enquanto eu estiver nominado, vou trabalhar com ciência, técnica e planejamento.”

Mandetta não negou que tem enfrentado atritos com o governo, mas evitou mencionar o nome de Bolsonaro e disse que é “natural” haver tensões e discussões dentro da cúpula de ministros.

“O importante é no sentido de todos de tentar ajudarem. O que a gente vem procurando é uma unicidade. Todos nós estamos tentando fazer o melhor pelo povo brasileiro, e o presidente, também. As tensões são normais, pelo tamanho dessa crise”, comentou. “Seria muito pequeno da minha parte achar que isso (atritos) é um grande problema. O foco é um vírus corona novo, que derrubou o sistema mundial de saúde, mais dramático que as duas guerras mundiais.”

O ministro voltou a dizer que distanciamento social não é isolamento absoluto. “Agora, o máximo possível que você puder, não exponha sua família, seu idoso.

Fonte: André Borges, Daniel Weterman, Emily Behnke, Jussara Soares e Eduardo Rodrigues, O Estado de S.Paulo

A sensatez de Angela Merkel na crise do coronavírus

Reações exageradas ou ignorantes caracterizam o combate ao coronavírus em muitos países. Não na Alemanha: Angela Merkel é, provavelmente, a melhor gestora de crises que um país poderia desejar. 

    Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha

Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha.
Pedir em vez de ameaçar, calma em vez de agitação: pontos fortes da governante alemã

Na América Latina, as reações ao novo coronavírus variam de quarentena e isolamento, como na Argentina e no Chile, à luta dos governadores contra a ignorância de seu próprio presidente, como no Brasil.

Na Alemanha, a chanceler federal Angela Merkel continua a governar com calma e prudência. E, de acordo com as pesquisas de opinião, ela conta com grande aprovação entre os alemães. Obviamente, ainda não está claro quanto tempo isso ainda vai continuar correndo bem, como também não se sabe quanto tempo essa crise ainda vai durar. Mas a personalidade da chefe de governo e as vivências dos alemães com seu país sugerem que a situação não deverá ficar fora de controle.

Angela Merkel lidera estrategicamente, não taticamente – mas, se as circunstâncias mudam de forma drástica, ela é capaz de adaptar rapidamente sua estratégia. Carisma não é o seu forte, mas ela sabe quando é necessária uma reação clara. A reviravolta na política energética após o desastre nuclear de Fukushima em 2011 é um exemplo disso; o tratamento da crise de refugiados em 2015 é outro.

Nos dois casos, sua aprovação entre a população foi mais certa do que dentro do próprio partido. No entanto, não se trata de exemplos de como ela adapta sua opinião ao clima do país, pelo contrário. Merkel sempre pensa a partir do final; certamente, ela estava ciente de que ambas as decisões causariam dificuldades a longo prazo.

Liderança significa seguir na direção certa. A transição energética foi cientificamente correta, a política de refugiados foi humanamente e, a longo prazo, também economicamente correta. Angela Merkel é formada em física e foi criada num ambiente familiar protestante, com um pai pastor. Esses antecedentes lhe proporcionam um norte confiável para muitas decisões.

Construir a partir de fatos e tratar os outros de forma humana também ajudam numa crise na qual ainda é impossível saber a direção certa. Pois liderança significa então "guiar com a visão", ter cuidado, ser capaz de fazer correções de curso. Isso só funciona com grande abertura, pois cria confiança nos líderes. É por isso que o governo alemão está gradualmente adaptando sua gestão de crises aos desenvolvimentos, razão pela qual Merkel pede à população que respeite as restrições de circulação em vez de tomar medidas draconianas diretas.

Pedir em vez de ameaçar, objetividade em vez de norma, calma em vez de agitação. Isso combina com Merkel e traz calma a uma situação predestinada ao pânico. A chanceler federal sabe que, em última análise, nada pode ser bem-sucedido sem o apoio da população. Portanto, explicações e apelos em vez de promessas de salvação ou medidas coercitivas desnecessárias. Os direitos fundamentais na Alemanha já estão mais restritos do que nunca em tempos democráticos, e é possível que um toque de recolher acabe se tornando necessário. Mas na Alemanha isso se discute objetivamente e se decide democraticamente.

A confiança de que as restrições serão relaxadas o mais rápido possível e acirradas somente em último caso se baseia, por um lado, na confiabilidade do Estado de direito e de suas instituições. Por outro lado, é claro, também tem a ver com a confiança na equipe de liderança. Uma chanceler que cresceu atrás da Cortina de Ferro sabe o quanto significa a liberdade.

Obviamente, também é de importância o fato de a Alemanha ser economicamente forte e contar com um sistema de saúde muito bom. Mas essas são conquistas que a maioria dos alemães até o momento considerava normais. E somente agora muitos deles percebem como é boa sua situação.

Texto de Uta Thofern para a Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas. 

Premiê da Hungria consegue poderes quase ilimitados

Parlamento concede ao ultraconservador Viktor Orbán poder de governar por decreto por tempo indefinido em meio à pandemia de coronavírus. Críticos afirmam que medida vai erodir ainda mais a democracia húngara.

Orbán é considerado ideologicamente próximo do presidente Jair Bolsonaro. O húngaro compareceu à posse do brasileiro no ano passado. Bolsonaro também pretendia visitar a Hungria no fim de abril, mas a viagem foi suspensa por causa da pandemia.

Orbán está no poder desde 2010 e há anos vem sendo acusado de minar a democracia da Hungria

O Parlamento da Hungria aprovou nesta segunda-feira (30/03) uma medida que autoriza o ultraconservador primeiro-ministro do país, Viktor Orbán, a governar por decreto sem o aval do Legislativo por tempo indeterminado.

Segundo os defensores do texto, a medida é necessária para combater a pandemia de coronavírus, mas críticos acusam o premiê de se aproveitar da crise para minar ainda mais a democracia húngara.

De acordo com o texto, Orbán poderá decidir até mesmo quando encerrar o período de emergência que justificou a emenda. A medida vai permitir que o primeiro-ministro, no poder desde 2010, não só governe por decreto, mas também suspenda leis e sessões do Parlamento.

O texto ainda prevê penas de prisão de até cinco anos para quem "espalhar informações que causem perturbação ou inquietação" sobre a pandemia e até oito anos para quem interferir nos esforços do governo para conter a doença, como violação de eventuais quarentenas.

Em tese, a Corte Constitucional do país permanece como único freio remanescente para fiscalizar as ações do premiê, mas o tribunal foi aparelhado por aliados de Orbán nos últimos anos.

"Mudar nossas vidas agora é inevitável", disse Orbán aos deputados na semana passada, quando defendeu o projeto. "Todo mundo precisa sair de sua zona de conforto. Esta lei dá ao governo o poder e os meios para defender a Hungria."

Durante a votação desta segunda-feira, ele prometeu que vai revogar a medida quando a crise passar. "Quando essa emergência terminar, devolveremos todos os poderes, sem exceção", disse.

O país já estava sofrendo os efeitos de um decreto de estado de emergência desde a metade de março, mas ele só previa uma duração de 15 dias.

A proposta foi apoiada por um total de 137 deputados, com votos do partido governante, Fidesz, e da legenda de extrema direita Nossa Pátria. Eram necessários 133 votos. Na oposição, 53 deputados que participaram da sessão votaram contra. Orbán já havia tentado aprovar o estado de emergência na semana passada, mas ainda não tinha obtido os dois terços dos votos necessários no Parlamento.

A emenda se baseia num artigo da Constituição que permite dar ao governo poderes extraordinários em caso de "situação de perigo".

Quando a proposta foi originalmente apresentada há pouco mais de uma semana, críticos do premiê – que há anos é acusado de governar de forma autoritária – acusaram imediatamente Orbán de tentar consolidar uma ditadura.

O diretor de comunicações da seção europeia da ONG Human Rights Watch (HRW), Andrew Stroehlein, foi um dos críticos:

"O partido governista Fidesz, que vem erodindo a democracia há anos, está usando a crise do coronavírus para dar os últimos passos em seu projeto de longo prazo: a ditadura", escreveu no Twitter na semana passada. Nesta segunda-feira, ele afirmou: "Qualquer que seja o problema, a ditadura nunca é a solução."

O item que prevê punições para "quem divulgar informações que causem perturbação ou inquietação" também veio na esteira da publicação de uma série de críticas por parte da mídia independente e de grupos de oposição, que acusam o governo de ocultar detalhes sobre a pandemia e de agir de maneira inconsistente na gestão da crise. O texto que prevê penas de prisão também levantou temores entre jornalistas independentes no país.

A oposição também criticou a falta de prazo para que o governo comande o país sem controle parlamentar, e pediram que esse período fosse limitado a 90 dias. O governo rechaçou essa proposta, argumentando que não se sabe até quando durará a pandemia.

ONGs como Anistia Internacional e International Helsinki Federation for Human Rights também denunciaram que "o poder ilimitado não é um remédio" para o coronavírus, e pediram que o projeto seja alterado e que o estado de emergência só possa ser declarado pelo Parlamento e "por períodos determinados".

A expectativa é que tanto o presidente do Parlamento como o presidente da República assinem ainda nesta segunda-feira a emenda, que pode entrar em vigor na terça.

Nesta segunda-feira, antes da aprovação da lei, o porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, disse que o braço Executivo da UE não tinha a intenção de "proibir nenhum Estado-membro de tomar as medidas que julgam mais adequadas a seus cidadãos, mas está vigilante para que todos sigam as regras da União Europeia".

A Hungria tem atualmente 447 casos confirmados de coronavírus, e registra 15 mortes causadas pela covid-19.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas.

O pandemônio da pandemia

Enquanto resto do mundo se une externa e internamente para combater contágio rápido do coronavírus, presidente insiste em dar prioridade à guerra eleitoral pela reeleição que disputará em dois anos e sete meses

 
Veja o comentário de José Nêumanne

O prefeito de Milão, Giuseppe Sala, do Partido Democrático, de esquerda, reconheceu seu erro em participar da campanha "Milão Não Fecha". E hoje Bolsonaro lança campanha de marketing contra o isolamento social para combater a velocidade do contágio do coronavírus. Enquanto o mundo inteiro evita repetir o que aconteceu na Lombardia, o Brasil prioriza a arenga político-eleitoral.

Bolsonaro já não governa

Jair Bolsonaro não faz a menor ideia do que seja o Imperial College of London, uma instituição britânica fundada em 1907 com foco em ciência, engenharia e medicina e respeitada no mundo inteiro. Se soubesse, não ligaria, como não liga para esse troço chamado de museu, espaço de velharias. Ou para galerias de arte com quadros sem graça e esculturas muitas vezes deformadas.

Livros? Queixa-se de que têm muitas letrinhas. Nem o livro de memórias do coronel torturador Brilhante Ulstra ele leu, embora um exemplar repouse intocado na mesinha de cabeceira do seu quarto de dormir no Palácio da Alvorada. Não é o lugar onde Bolsonaro sente-se mais à vontade, como já disse. Prefere o closet onde Michelle, sua mulher, guarda vestidos e sapatos.

Mas foram estudos do Imperial College of London os responsáveis pela conversão à realidade de Boris Johnson, o primeiro-ministro do Reino Unido que teimava em ignorar a ameaça do coronavírus. Por sinal, Johnson pegou a doença, assim como seu ministro da Saúde e o príncipe Charles, herdeiro do trono inglês. A Rainha passa bem, refugiada em um castelo distante de Londres.

O Imperial College calcula que haveria em pouco tempo até 1 milhão de mortos se o isolamento social rigoroso decretado pelos governadores fosse trocado pelo isolamento social a meia bomba para idosos e infectados proposto por Bolsonaro. O que previsão tão catastrófica como essa significa para o presidente mais preocupado com a Economia do que com a vida das pessoas?

Nada. Infelizmente, nada, a julgar pelo que ele disse, ontem, em linha com declarações feitas em outras ocasiões. Disse: “Alguns vão morrer? Vão morrer, ué. Lamento. Essa é a vida, é a realidade”. E lembrou que não se para a fabricação de carros só porque eles matam 60 mil pessoas por ano. O mesmo raciocínio se aplicaria às armas, florestas queimadas, meio ambiente degradado.

A reação ao comportamento de Bolsonaro como exterminador do futuro está sendo de tal maneira forte que já se pode concluir que ele perdeu mais uma batalha – essa, talvez, a que o impeça de completar o mandato ou de ser candidato à reeleição. Os ministros que o cercam estão estupefatos com tudo os que ele tem dito e feito nos últimos 15 dias, e temem seus próximos passos.

Nem eles entendem por que Bolsonaro mais uma vez atravessou a rua para pisar em uma casca de banana – e que casca! Qual o seu plano? Qual o seu objetivo? Que vantagens imagina extrair do que se assemelha a delírios de uma pessoa com medo, com muito medo e descontrolada? Bolsonaro já não governa. Governa uma coligação formada pelo Congresso e a Justiça.

É uma situação que não pode durar até 2023 quando ele teria de vestir a faixa presidencial pela segunda vez ou transferi-la ao seu sucessor. Bolsonaro voltou a falar em golpe militar quando provocado por José Luiz Datena, apresentador de programa na Bandeirantes. Datena perguntou se ele pretendia dar um golpe. Resposta: “Quem quer dar o golpe jamais vai falar que quer dar”.

O que falou Bolsonaro, até outro dia causaria celeuma, ocuparia largo espaço no noticiário e provocaria discussões intermináveis que não chegariam a lugar algum – mas agora, não. Ninguém quer mais escutá-lo. O que se escuta só confirma a opinião consolidada a seu respeito. Mais uma pesquisa, a do Instituto Ideia Big Data, apontou que a popularidade de Bolsonaro está ladeira abaixo.

A pergunta que mais se ouve em cada canto de Brasília, em cada endereço da Avenida Brigadeiro Faria Lima, o mais importante centro financeiro do país, e em cada telefonema disparado do exterior para cabeças coroadas da República é: O que vai acontecer com Bolsonaro? Ou então: Até quando ele desfrutará das miçangas do poder apesar de não mais exercê-lo de fato?

Invariavelmente, a resposta é: Não sei. De todo modo, o general Hamilton Mourão, o vice-presidente que Bolsonaro qualificou de “tosco” em conversa com Datena, engraxa suas botas de montar, põe em ordem seus ternos, cavalga para manter-se em forma e recebe visitas acompanhadas à distância por espiões da Agência Brasileira de Informação, aparelho a serviço da família Bolsonaro.

Ricardo Noblat, Jornalista,  edita o primeiro blog brasileiro com notícias e comentários diários sobre o que acontece na política. No ar desde 2004. Publicado originalmente em https://veja.abril.com.br/blog/noblat/

Estudo mostra que isolamento social leva à recuperação econômica mais rápido

Economistas brasileiros dizem que a opção de isolamento seletivo, como propõe o presidente Jair Bolsonaro, é impossível de ser praticada no Brasil e que é melhor não arriscar. 

Quanto mais rápido se controlar a epidemia, melhor para economia, avaliam.

Na gripe espanhola, produção industrial e emprego se recuperaram com mais força em cidades dos EUA que aderiram ao isolamento

Estudo recente de pesquisadores do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) mostra que a adoção de medidas restritivas é melhor para a recuperação econômica. O estudo, que teve como foco a gripe espalhola de 1918, revela que as cidades americanas que aderiram ao isolamento social se recuperaram mais rapidamente.

Intitulado "Pandemics depress the economy, public health interventions do not: evidence from the 1918 flu”, o estudo menciona as chamadas intervenções não farmacêuticas (NPIs em inglês), como o distanciamento social.

Localidades que adotaram essas medidas dez dias antes da chegada da pandemia tiveram um aumento de 5% no emprego industrial, em 1919, em relação à média analisada. As que mantiveram essas medida por mais 50 dias viram o emprego crescer 6,5% no mesmo período.

"Ao comparar a velocidade e a agressividade das NPIs, concluímos que elas não pioram o queda da economia. Ao contrário, as cidades que intervieram antes e de forma mais agressiva tiveram aumento relativo no emprego do na indústria, na produção industrial e nos ativos bancários", dizem os autores.

Quem assina o estudo são os especialistas Sergio Correia, do board do Fed; Stephan Luck, do Fed de Nova York; e Emil Verner, do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Analistas:  Recuperação econômica terá que passar por investimento em saúde, obras e renda mínima

Monica de Bolle, diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University, alerta que a contaminação vai explodir, o sistema de saúde não vai dar conta, criando um caos social, na hipótese do isolamento parcial:

- O Brasil vai parar, sobrecarregar o sistema de saúde, pessoas não vão ter atendimento. Um infartado que chegue ao SUS não vai conseguir ser atendido. Isso vai gerar um pânico na sociedade quando essa onda chegar. Olha Nova York, Espanha, Itália. Vai ser devastador para economia. Cerca de 20% dos doentes vão precisar ser internados. É muita coisa, a metade desses vai precisar de algum tipo de auxilio médico intensivo, uma UTI, é quadro de absoluto colapso do sistema de saúde se não tentar desacelerar a contaminação.

Arminio Fraga:  Se não houver isolamento, economia pode sofrer segundo baque

A economista afirma que é falsa a escolha entre salvar vidas e a economia. Não existe essa opção, na opinião dela. Não fazer a quarentena vai levar ao colapso de tudo, inclusive da própria economia. 

- De repente, os casos explodem, o SUS vai entrar em colapso, as pessoas vão ficar em pânico, haverá caos social, político e institucional. Como uma economia pode resistir a isso.

Tasso Jereissati:   ‘Falta comando do governo’ contra pandemia do coronavírus'

O economista Marcelo Medeiros, professor visitante da Universidade de Princeton, diz que, quanto mais rápido assegurar o isolamento, controlando a epidemia, menos perdas econômicas vão acontecer. Ele vive atualmente em Nova York, local que reúne o maior número de casos dos Estados Unidos.

- Se deixar a epidemia se espalhar, perde-se o controle e depois vai ter que isolar todo mundo por muito mais tempo. A economia vai ficar muito mais tempo parada.

Gripe espanhola

Ele cita o estudo do Fed que mostra que as cidades que controlaram mais rapidamente a gripe espanhola em 1918 se recuperaram da recessão antes.

- Poderemos ver isso na Alemanha, que está investindo tudo para controlar a epidemia. Ela vai se recuperar antes e ter uma vantagem competitiva no cenário global por razões óbvias. Quem está vendo o controle da epidemia como investimento, como a França e a Alemanha, vão se recuperar mais rápido.

Guilherme Benchimol:‘O governo não vai resolver tudo sozinho. É ele e a sociedade’

Quem optar por um discurso mais político, como Donald Trump e o presidente Jair Bolsonaro, vai ser culpado lá na frente:

- O Trump já até mudou de posição.  Vai ser um baque quando a sociedade começar a perder talentos da ciência, das artes,  da politica.

O controle necessário para fazer o isolamento vertical no Brasil, um país de dimensões continentais, não é simples, de difícil operação, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, 

- Sociedades centralizadas como a coreana conseguem fazer, mas países do tamanho e complexidade do Brasil, acho muito difícil. Também precisaria haver testagem maciça da sociedade, o que não parece acontecer no momento. Assim, é melhor permanecer o confinamento horizontal.

Paul Romer:  Vencedor do Nobel propõe testagem em massa contra o coronavírus por ser `mais barato do que destruir a economia’

Margarida Gutierrez também não vê como será possível pôr em operação um processo de isolamento seletivo, em comunidades carentes como as dos Rio de Janeiro, um dos epicentros da doença no Brasil:

- O Rio de Janeiro é cercado de comunidades. Na classe média, ainda dá para fazer esse distanciamento (dos mais vulneráveis como idosos e doentes crônicos). Vai ficando mais difícil nas casas de classe média baixa e nas comunidades, não dá. Vão tirar os mais vulneráveis de onde estão_ pergunta.

É uma escolha moral muito mais que econômica, diz Armando Castelar, da Fundação Getulio Vargas (FGV)

- O custo no número de vidas é pesadíssimo. Reino Unido (que cogitou adotar o isolamento vertical) voltou atrás depois que o número de casos explodiu. Dependendo do tamanho da crise, pode significar uma bagunça (na economia) ainda maior (que o isolamento total). Na Itália, estão escolhendo os pacientes por chance de sobrevivência.  Atrasar tem a vantagem de se dar tempo para descobrir a vacina.

Marcos Lisboa, presidente do Insper, diz que é hora de ouvir os técnicos, os cientistas. 

- A hora é de dados, de evidência, de ciência, para que a política possa tomar decisões. Não se pode tomar decisões com base em palpite. O risco é de quem não faz parte do grupo de risco adoecer e ter congestionamento nos hospitais. Nossa capacidade hospitalar é muito limitada. É uma parte vai precisar de cuidado.

Estudo mostra que isolamento social leva à recuperação econômica mais rápido

Na gripe espanhola, produção industrial e emprego se recuperaram com mais força em cidades dos EUA que aderiram à medida

A alternativa de manter somente as pessoas idosas e com doenças crônicas em casa, o chamado isolamento vertical, suspendendo a quarentena para todo mundo, pode ter efeito mais danoso à economia do que a recessão causada pelo distanciamento total, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Estudo recente de pesquisadores do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) mostra que a adoção de medidas restritivas é melhor para a recuperação econômica. O estudo, que teve como foco a gripe espalhola de 1918, revela que as cidades americanas que aderiram ao isolamento social se recuperaram mais rapidamente.

Intitulado "Pandemics depress the economy, public health interventions do not: evidence from the 1918 flu”, o estudo menciona as chamadas intervenções não farmacêuticas (NPIs em inglês), como o distanciamento social.

Localidades que adotaram essas medidas dez dias antes da chegada da pandemia tiveram um aumento de 5% no emprego industrial, em 1919, em relação à média analisada. As que mantiveram essas medida por mais 50 dias viram o emprego crescer 6,5% no mesmo período.

"Ao comparar a velocidade e a agressividade das NPIs, concluímos que elas não pioram o queda da economia. Ao contrário, as cidades que intervieram antes e de forma mais agressiva tiveram aumento relativo no emprego do na indústria, na produção industrial e nos ativos bancários", dizem os autores.

Quem assina o estudo são os especialistas Sergio Correia, do board do Fed; Stephan Luck, do Fed de Nova York; e Emil Verner, do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Fonte: Cássia Almeida, de O GLOBO.

Ministros do Supremo dizem que vão barrar medida de Bolsonaro para furar isolamento contra o vírus

 Bolsonaro diz que é preciso 'enfrentar vírus como homem e não como moleque'

Segundo apurado pelo jornal O Estado de São Paulo, o Supremo Tribunal Federal não vai autorizar nenhuma ação que confronte as recomendações das autoridades de saúde do Brasil e do mundo com relação ao combate do novo coronavírus; a principal delas é o isolamento social

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) dizem em conversas reservadas que se o presidente Jair Bolsonaro levar adiante sua ideia de reabrir o comércio a medida será barrada pela Corte. O Estado apurou que o Supremo não vai autorizar nenhuma ação que confronte as recomendações das autoridades de saúde do Brasil e do mundo com relação ao combate do novo coronavírus. A principal delas é o isolamento social.

Ajeitando a máscara (Foto - reprodução de VEJA.)

Conforme informou nesta segunda-feira a Coluna do Estadão, governadores estão confiantes de que o STF deve frear qualquer iniciativa de Bolsonaro nesse sentido, como forma de respeitar o princípio federativo. No entorno do presidente, auxiliares alertam que uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello garantiu que governos estaduais e municipais adotem medidas de isolamento e restrição de circulação sem invadir a competência do governo federal. Ou seja, uma ofensiva de Bolsonaro poderia levar ao descumprimento de uma decisão judicial.

Ontem, ao circular por regiões comerciais de Brasília e cidades satélites, o presidente afirmou que “estava pensando” em incluir mais categorias de trabalhadores na lista de serviços essenciais, autorizando mais pessoas a voltar para as ruas. Na semana passada, ele liberou o funcionamento de igrejas e lotéricas desta forma. A iniciativa, porém, foi barrada pela Justiça do Rio de Janeiro.

“Eu estou com vontade, não sei se vou fazer, mas estou com vontade de baixar um decreto amanhã: toda e qualquer profissão legalmente existente, ou aquela voltada para a informalidade, mas que for necessária para o sustento dos seus filhos, para levar o leite para os seus filhos, levar arroz e feijão para a sua casa vai poder trabalhar”, afirmou ao chegar no Palácio da Alvorada neste domingo, 29.

Nesta segunda-feira, 30, questionado sobre o assunto, Bolsonaro afirmou estar avaliando. “Se o Brasil continuar tendo seus empregos destruídos, vocês vão ver a desgraça que vai se abater sobre o País”, disse. “Nenhum tribunal vai subscrever nada que viole as prescrições da área de saúde”, afirmou um ministro do Supremo ao Estado. Um outro ministro consultado endossou o entendimento. Como o tema chegará a Corte, esse magistrado pediu anonimato.

Bolsonaro realizou uma série de reuniões no fim de semana. Uma delas foi com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em que foi alertado de que acabar com medidas preventivas poderia lhe custar a imagem de caminhões do Exército levando corpos. O presidente também recebeu o ministro Gilmar Mendes, do STF, como revelou o Estado. Na conversa, Bolsonaro foi alertado de que se não afinar o discurso com Estados e municípios vai presenciar uma guerra de liminares como a que invalidou sua decisão sobre lotéricas e igrejas e suas decisões vão virar pó.

O presidente tem sido orientado a tomar decisões em conjunto, em uma espécie de comitê de crise com a participação dos gestores locais. Um dos argumentos para montar o colegiado é o fato de que as legislações nas áreas mais afetadas pela crise – saúde, transporte e comércio – passam pelas três esferas de poder – federal, estadual e municipal. Segundo o Estado apurou, ao menos por enquanto, a possibilidade de se montar um comitê deste tipo está fora dos planos.

Rafael Moraes Moura, de Brasília, para O Estado de São Paulo.

Bolsonaro nas ruas foi forma de provocar a queda do Ministro da Saúde

Mas Mandetta não caiu na armadilha, e enviou à equipe poema de  Carlos Drummond de Andrade" -  ‘No meio do caminho, tinha uma pedra’.

O presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para exercitar sua birra contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que na véspera alertou: “Se o sr. for para metrô ou ônibus em São Paulo (como chegou a dizer em entrevista), vou ser obrigado a criticá-lo”. Ao que o presidente rebateu: “E eu vou ter que te demitir”.

Como não havia logística para ir a São Paulo ontem, Bolsonaro decidiu fazer o teste no Distrito Federal mesmo, indo a padarias, mercadinhos, fazendo até fotos com criança. Evidentemente, uma forma de provocar a queda do ministro, mas Mandetta não caiu na armadilha.

A atitude do presidente foi considerada “óbvia”, um pretexto para a exoneração – que, aliás, provocaria um efeito dominó no Ministério da Saúde. Assim, Mandetta se recolheu, pedindo paciência à equipe com um poema de Carlos Drummond de Andrade: No Meio do Caminho. Resta saber o que o ministro dirá na coletiva de hoje à tarde, além de pedir desculpas à mídia. Na guerra contra o coronavírus e a morte, ela é a sua grande aliada.

Outra grande expectativa hoje é se Bolsonaro vai mesmo editar um decreto para liberar todas as profissões para trabalhar em meio à pandemia ou se foi só mais uma ideia jogada ao ar, enquanto confrontava Mandetta nas ruas.

Se não sair decreto nenhum, essa história é mais uma para a longa lista de coisas que o presidente diz e ninguém leva a sério, nem lembra depois. Se sair, a coisa vai ficar muito grave. Além da crise sanitária, teremos uma crise federativa: a União contra os Estados, o presidente contra governadores e prefeitos.

Como o ministro do STF Gilmar Mendes alertou Bolsonaro no sábado, basta que São Paulo, Rio e Minas desobedeçam uma medida legal tomada pelo Planalto para essa medida virar pó, letra morta. Os três Estados reúnem quase cem milhões de pessoas e os governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ) não parecem interessados nem em quebrar a quarentena nem em cumprir decretos e maluquices de Bolsonaro numa hora de vida ou morte.

Eliane Cantanhede, de O Estado de São Paulo.

------------------------------------------------------------
                                
Ouça aqui o poema na viva voz do Autor




                                                                      









                                            
                                             EN MEDIO DEL CAMINO
                                            
                                            Carlos Drummond de Andrade
                                             

                                         En medio del camino había una piedra,
                                       había una piedra en medio del camino,
                               había una piedra 
                                        en medio del camino habia una piedra.

                                       Nunca me olvidaré de ese acontecimiento
                                        en la vida de mis retinas tan fatigadas.
                                      Nunca me olvidaré que en medio del camino
                             había una piedra,
                                     había una piedra en medio del camino
                                      en medio del camino había una piedra.

Versão en espanhol - Tradução: Gaston Figuera, 
In Poesía Brasileña Contemporanea
Montevideo, 1947

Por que isolar grupos contra o novo coronavírus não é viável no Brasil

Propagada por Bolsonaro, ideia tem encontrado eco entre empresários. Para cientistas, contexto brasileiro não possibilita isolamento apenas de grupos de risco ou modelo sul-coreano. Economistas também descartam medida.

Em alternativa à quarentena decretada em alguns estados para conter o avanço da pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro passou a defender o isolamento apenas de idosos e de grupos de risco. Já economistas e investidores falam em aplicar o modelo sul-coreano de retiro parcial e testes massivos. Apesar de estarem ganhando mais adeptos no país, infectologistas e epidemiologistas descartam a aplicação destas medidas no contexto brasileiro. 

Para justificar suas propostas, Bolsonaro, empresários e investidores alegam que o remédio receitado para combater o coronavírus – a quarentena de toda a população – pode ser pior que a própria doença. A ideia contraria, sobretudo, a recomendação da própria Organização Mundial de Saúde (OMS) e vai na contramão de medidas aplicadas em quase todo o mundo.

Os defensores desta ideia argumentam que pode haver exagero numa quarentena por mais de duas semanas, e que o abalo econômico pode ser mais amargo, além de afetar mais gente que a própria crise da saúde. Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero, é um desses críticos. Ele publicou um vídeo em que dizia: "não podemos [parar] por conta de 5 ou 7 mil pessoas que vão morrer". Depois, se desculpou.

As consequências econômicas do coronavírus são ainda imprevisíveis. Economistas falam num impacto global, no mínimo, tão grande quanto o da crise de 2008. Para o Brasil, que sofreu queda acumulada de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) na última recessão e cresce em torno de 1% nos últimos três anos, com 41% de pessoas na informalidade, certamente será crítico. Em meados deste mês, o Credit Suisse cortou a projeção de crescimento do PIB brasileiro para zero em 2020.

Mas não é só a questão humanitária que representa um problema na ideia do isolamento apenas de idosos. "Como você faz uma quarentena isolando só idosos no Brasil? Nossos idosos moram com a família, com crianças e jovens. O presidente da República, para estarrecimento de todos que prezam pela ciência, falou em reabrir escolas. As crianças vão contrair o vírus na escola e vão levar para dentro de casa para contaminar os idosos", argumenta o ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fiocruz José Gomes Temporão, que esteve à frente do combate à H1N1.

O professor titular de epidemiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Medronho tem uma opinião semelhante. "É impraticável, teríamos que colocar os idosos separados das famílias, em hotéis, em qualquer opção desse tipo. Se o idoso ficar apenas sem sair de casa, vai ser contaminado pela família."

Especialistas ouvidos pela DW Brasil também são céticos em relação à aplicação do modelo sul-coreano no país. "A Coreia conseguiu testar grande parte da população. No caso do Brasil, e da China, não há essa capacidade, por serem países de dimensões continentais. E não tem nem como comprar tantos testes no mercado internacional", afirma o professor da Universidade Federal de Pelotas e doutor em epidemiologia Bruno Nunes.

Os especialistas destacam o contexto completamente diferente do país asiático diante do Brasil. Com 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos, dimensões continentais e condições de habitação e socialização completamente diferentes das da Coreia do Sul, a comparação entre os dois países não faz sentido.

Além disso, Nunes lembra que com a contaminação atingindo áreas mais empobrecidas, onde várias pessoas dividem poucos cômodos, fica impraticável isolar grupos de risco. No Rio de Janeiro, por exemplo, um terço da população vive em comunidades.

De acordo com Temporão, o Brasil optou pelo isolamento social ainda no começo da contaminação e, se for possível manter dois meses ou mais de quarentena, o país pode ter um resultado positivo diante da crise. "Eu não conheço nenhum epidemiologista sério no Brasil que defenda esse posicionamento do presidente. Vemos uma pressão do empresariado, que não entende nada de saúde, numa situação muito delicada".

OMS recomenda isolamento social

O isolamento social é uma das recomendações da OMS para conter a pandeia, considerada inclusive a medida mais eficaz até agora. Um artigo científico publicado na revista Science sobre as restrições adotadas pela China pontua que "as medidas drásticas de controle" impostas no país asiático "atenuaram substancialmente a expansão da covid-19".

As evidências científicas mostram que o isolamento social tem o efeito de achatar a curva de infectados, isto é, fazer com que haja menos pessoas infectadas em um curto espaço de tempo, o que tenderia a sobrecarregar o sistema de saúde e elevar a letalidade. Ele foi adotado pela China, que superou a crise do novo coronavírus, e por países europeus, como França, Itália, Espanha e Alemanha.

"Se tivermos no Brasil o acúmulo de pacientes que tivemos no norte na Itália, que tivemos em Wuhan, que vamos ter em Nova York, teremos uma brutal hecatombe. Vamos ter pessoas morrendo não é nem dentro de hospital, será na rua, porque não vão conseguir nem entrar em hospital", avalia o professor de infectologia da UFRJ Celso Ramos.

Medronho explica ainda que o isolamento é importante para diminuir o chamado número de reprodução básico. Quando esse número é menor que um, a epidemia cessa. Quando está em 1,5, é considerada uma situação endêmica. "No Brasil, estudos que estamos fazendo nos mostram que está em torno de 5, outros pesquisadores, estimam 4,4", alerta, ao mostrar o alto índice de contágio do vírus no momento. 

"No nosso país, temos muita gente com doenças crônico-degenerativas e os processos epidêmicos regularmente nos atingindo, o que faz com que tenhamos uma carga de adoecimento já elevada", acrescenta.

Mesmo economicamente, medida seria ruim

Para o professor Nelson Marconi, coordenador do Núcleo de Desenvolvimento da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), nem mesmo economicamente faria sentido aliviar as restrições de forma prematura. "Vamos supor que os governos liberem ou reduzam o isolamento, a epidemia se agrava, e aí logicamente vai ter um problema social com impacto sobre o nível de atividade também. As pessoas vão se retrair de novo se aumentar o número de mortes, mas aí de forma desordenada. Não existe essa solução", diz.

Ele defende que o governo aumente o gasto público tanto para a saúde quanto para maior proteção social. Assim, age nas duas frentes necessárias para que os impactos, tanto sociais quanto econômicos, não sejam tão severos. É nesta direção que têm atuado os governos europeus, por exemplo. "O isolamento tem que acontecer, a questão é saber o que [o governo] precisa fazer para minimizar esse impacto".

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, também acredita que é mais inteligente manter o isolamento social. "Se do ponto de vista médico é pior [não fazer quarentena], do ponto de vista econômico é pior, porque vai demorar mais para superar [a epidemia no país]. A informação que eu tenho é que quem tentou outro caminho, que foi a Europa no começo, perdeu tempo, perdeu vidas, e perdeu atividade econômica".

Reino Unido voltou atrás de quarentena parcial

O fundador do Centro de Prevenção de Doenças de Yale, David Katz, é um dos críticos do isolamento total da população. Com base em dados da Coreia do Sul, ele argumenta que 99% dos infectados sentem no máximo sintomas leves e não precisam de tratamento. E sugere concentrar testes em idosos.

Temporão, no entanto, discorda desta visão. "Claro que existem polêmicas e ninguém é dono da verdade. Mas o que chama a atenção é: o mundo todo neste momento opta pelo distanciamento social radical. Vacina só daqui a um ano, um ano e meio, e medicamentos ainda não temos", diz o ex-ministro da saúde.

Na semana passada, o premiê britânico, Boris Johnson, defendia um isolamento parcial da população. Nesta terça-feira, no entanto, voltou atrás diante da pressão da opinião pública e de cientistas, e acabou determinando a quarentena para todos.

Por enquanto, além de Bolsonaro, o único outro líder mundial que acena com o fim precoce da quarentena total é o presidente americano, Donald Trump, que falou na possibilidade de encerrá-la na Páscoa.

Fonte: Deutsche Welle - emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas.

Twitter apaga postagens de Bolsonaro sobre visita a comércio em Brasília

Plataforma afirma que vídeos postados pelo presidente violam novas regras sobre conteúdos relacionados a saúde pública. 

Nos tuítes, Bolsonaro defendeu fim do isolamento social e uso da cloroquina para covid-19.

Bolsonaro visitou estabelecimentos da região de Brasília, contrariando a recomendação do Ministério da Saúde.

A rede social Twitter bloqueou na noite deste domingo (29/03) dois vídeos publicados no perfil oficial do presidente Jair Bolsonaro sobre a visita que ele fez ao comércio da região de Brasília. No lugar das postagens, aparece a mensagem: "Este tweet não está mais disponível porque violou as Regras do Twitter."

No domingo, Bolsonaro esteve em estabelecimentos comerciais, contrariando as recomendações do próprio ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que no sábado frisou a necessidade de isolamento social para evitar o avanço da disseminação do coronavírus.

Nos dois vídeos apagados, gravados durante as visitas, o presidente defende o fim das medidas de confinamento adotadas em vários estados e o uso de hidroxicloroquina no tratamento de pessoas com covid-19, embora a eficácia do medicamento ainda não tenha sido totalmente comprovada.

Ao portal de notícias G1, o Twitter explicou que "anunciou recentemente em todo o mundo a expansão de suas regras para abranger conteúdos que forem eventualmente contra informações de saúde pública orientadas por fontes oficiais e possam colocar as pessoas em maior risco de transmitir a covid-19".

O detalhamento das novas diretrizes pode ser acessado neste link.https://blog.twitter.com/pt_br/topics/company/2019/uma-atualizacao-sobre-nossa-estrategia-continua-durante-o-covid-19.html

A rede social, porém, não especificou quais dos trechos dos vídeos infringem as novas regras.

No primeiro dos vídeos bloqueados, Bolsonaro fala com um vendedor de espetinhos. "Eu conversei com as pessoas e elas querem trabalhar. É o que eu disse desde o início. Vamos tomar cuidado, com mais de 65 [anos] deve ficar em casa", diz o presidente.

No segundo vídeo, em um supermercado, Bolsonaro provoca aglomeração, critica as medidas de isolamento e diz aos jornalistas que "o país fica imune quando 60%, 70% forem infectados" e que um remédio contra o novo coronavírus "já é uma realidade". As visitas não constavam na agenda oficial do presidente.

Na semana passada, o Twitter já havia apagado postagens do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do senador Flávio Bolsonaro, por utilizarem fora de contexto um vídeo antigo do médico Drauzio Varella, no qual ele abordava a crise provocada pelo coronavírus.

O Ministério da Saúde divulgou no domingo que o número de mortes no Brasil por covid-19 chegou a 136, 22 a mais do que no dia anterior. Os casos confirmados da doença no país aumentaram de 3.904 para 4.256.

Fonte: Deutsche Welle - emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas.

Amanhã


Para um bom entendedor

Letra e Música de Guilherme Arantes

Amanhã será um lindo dia
Da mais louca alegria
Que se possa imaginar
Amanhã, redobrada a força
Pra cima que não cessa
Há de vingar
Amanhã, mais nenhum mistério
Acima do ilusório
O astro rei vai brilhar
Amanhã a luminosidade
Alheia a qualquer vontade
Há de imperar, há de imperar
Amanhã está toda a esperança
Por menor que pareça
O que existe é pra vicejar
Amanhã, apesar de hoje
Ser a…

sexta-feira, 27 de março de 2020

Estudo prevê ao menos 44 mil mortes de covid-19 no Brasil; isolar só idosos eleva nº para 529 mil

O abrandamento da quarentena é uma das medidas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, que alega risco de colapso econômico, mas estratégia coloca muito mais gente em risco de morte

"Infelizmente algumas mortes terão. Paciência’, diz Bolsonaro ao pedir o fim do isolamento

Uma estratégia de isolamento social que só mantenha idosos em casa, como sugere o presidente Jair Bolsonaro, ainda poderia levar à morte mais de 529 mil pessoas no Brasil em decorrência da covid-19. A taxa é um pouco menos da metade da que poderia ocorrer se nada fosse feito no País para conter a dispersão do novo coronavírus. Mas é muito mais alta do que os resultados que poderiam ser conseguidos com uma estratégia rápida e ampla de isolamento social.

Os números fazem parte da nova pesquisa do Grupo de Resposta à Covid-19 do Imperial College de Londres, instituição que vem fazendo quase em tempo real projeções matemáticas do crescimento da pandemia e avaliações das ações em andamento. Foi um trabalho dessa equipe com projeções para os Estados Unidos e o Reino Unido, que fez o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, recuar sobre a ideia de adotar um isolamento vertical. Johnson foi diagnosticado com coronavírus nesta sexta-feira, 27.

Coronavírus em São Paulo

Quarentena no Estado de São Paulo fez com que baixasse o movimento no Metrô de São Paulo

Bolsonaro voltou a defender o fim do isolamento social nesta sexta. ‘Infelizmente algumas mortes terão. Paciência’, disse, à BandTV. “O brasileiro quer trabalhar. Esse negócio de confinamento aí tem de acabar, temos de voltar às nossas rotinas. Deixem os pais, os velhinhos, os avós em casa e vamos trabalhar."

O trabalho mais recente do Imperial College, divulgado nessa quinta-feira, 26, expandiu a modelagem para 202 países. Os cientistas, liderados por Neil Ferguson, comparam os possíveis impactos sobre a mortalidade em vários cenários: ausência de intervenções, com distanciamento social mais brando, que eles chamam de mitigação, ou mais restrito, que é a chamada supressão.

As estimativas foram feitas com base nos dados da China e de países de alta renda, o que pode significar que para as nações de baixa renda a realidade possa ser ainda mais grave que a apontada no trabalho. Os pesquisadores consideram que se houvesse no Brasil uma restrição mais ampla de isolamento, e feita de modo rápido, os resultados seriam bem menos dramáticos. Mas ainda haveria cerca de 44 mil mortes.

A eficácia do isolamento mais amplo se aplicaria em todo o mundo, de acordo com os pesquisadores. Eles estimam que na ausência de intervenções, a covid-19 resultaria em 7 bilhões de infecções e 40 milhões de mortes em todo o mundo este ano – 1,15 milhão é o estimado para o Brasil se nada fosse feito.

“Estratégias de mitigação focadas na blindagem de idosos (redução de 60% nos contatos sociais) e desaceleração, mas não interrupção da transmissão (redução de 40% nos contatos sociais para uma população mais ampla) poderia reduzir esse ônus pela metade, salvando 20 milhões de vidas, mas prevemos que, mesmo nesse cenário, os sistemas de saúde em todos os países será rapidamente sobrecarregado”, escrevem os cientistas.

“É provável que esse efeito seja mais grave em contextos de baixa renda onde a capacidade é mais baixa. Como resultado, prevemos que o verdadeiro ônus em ambientes de baixa renda que buscam estratégias de mitigação podem ser substancialmente mais altos do que refletido nessas estimativas”, continuam os pesquisadores.

Sobrecarga do sistema de saúde
Os pesquisadores apontam ainda que a demanda por assistência médica só ficará em níveis manejáveis com uma rápida adoção de medidas de saúde pública para suprimir a transmissão, semelhantes às adotadas, por exemplo, na China e na Coreia do Sul. Eles listam os testes em massa, o isolamento de casos e medidas mais amplas de distanciamento social.

“Se uma estratégia de supressão for implementada precocemente (com 0,2 mortes por 100 mil habitantes por semana) e sustentada, então 38,7 milhões de vidas podem ser salvas. Se for iniciada quando o número de óbitos for maior (1,6 óbitos por 100 mil habitantes por semana), então só 30,7 milhões de vidas poderiam ser salvas”, escrevem. “Atrasos na implementação de estratégias para suprimir a transmissão levará a piores resultados e menos vidas salvas.”

Eles ponderam que não consideraram nos cálculos os impactos sociais e econômicos mais amplos da supressão e reconhecem que eles serão altos e podem ser desproporcionais em ambientes de baixa renda. Reforçam também, como já tinham dito nos estudos anteriores, que as estratégias de supressão teriam de ser mantidas, com breves interrupções, até que vacinas ou tratamentos eficazes se tornem disponíveis.

“Nossa análise destaca as decisões desafiadoras enfrentadas por todos os governos nas próximas semanas e meses, mas demonstra como uma ação rápida, decisiva e coletiva agora poderia salvar milhões de vidas”, resumem.

Cenários

Ação zero: No cenário em que nenhuma providência é tomada para frear o avanço do novo coronavírus, os pesquisadores preveem cerca de 1,15 milhão de mortes no Brasil.

Mitigação com distanciamento social leve: No cenário com regras menos rígidas de isolamento, a previsão é de cerca de 627 mil óbitos.

Mitigação com foco no distanciamento de idosos: Nesse cenário, o modelo dos cientistas prevê que cidadãos com mais de 70 anos vão reduzir seus contatos sociais em 60%. Nessa perspectiva, são projetadas 529 mil mortes. O presidente Bolsonaro defende isolamento só de alguns grupos, como dos mais velhos e de risco, para prejudicar menos a economia.

Supressão: Esse é o cenário de distanciamento social intensivo em larga escala, com redução de 75% nas taxas de contato interpessoal, para suprimir rapidamente a transmissão e minimizar casos e mortes a curto prazo. Seu objetivo também é evitar que os pacientes mais graves cheguem ao mesmo tempo nos hospitais. Com a adoção dessa medida, o total de mortes previstas varia de 44 mil para 206 mil, a depender da data em que a estratégia é iniciada.

Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo