quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

O porta-voz do nazismo

"Se não queres ouvir o pior, espera, então, que o pior caia sobre a tua cabeça". A advertência é de Shakespeare. Há ainda aquela outra - "Quem se recusa a ler as lições da história é condenado a repeti-las". 

O mundo agora com as novas gerações sedentas por mudanças parece ignorar as encenações perigosas do começo do século XX, quando a Europa mal saída da hecatombe da Primeira Grande Guerra Mundial  se dividiu entre o populismo das esperanças indefinidas e os medos crescentes que os radicais da esquerda e da direita ejaculavam sobre corações e mentes fragilizados.

Alemanha nazista com Hitler, Itália  fascista com Mussolini. 

O Brasil, naquele tempo, por muitos intelectuais, empresários e líderes entre o operariado, também compartilhou com as mesmas loucuras. Para se dizer o mínimo.

Agora, o Brasil novamente assiste, e nem se assusta, com essas nuvens cinzas que nem zepelins sobrevoam preguiçosamente sobre o mundo livre. Macaqueia.

As novas gerações às quais as elites dominantes sonegam o conhecimento da história  nua e crua do totalitarismo a partir da Primeira Guerra Mundial, pelo menos, parecem até meio perdidas nos labirintos da ignorância que a desinformação, a mentira, a maldade, o desmonte cotidiano dos valores civilizatórios que os déspotas de todos os matizes estão ensaiando mundo afora. 

No Brasil, inclusive.


Vamos agradecer a Jair Bolsonaro pelo sinal de alerta que acendeu ao nomear para Ministro da Cultura um nazista enrustido e demiti-lo de pronto ao primeiro sinal explicito da sua convicção ideológica. Se é que a condição humana pode atribuir alguma ideologia a depravados dessa espécie 

Cada vez mais se reveste da maior importância rever o principio, o meio e o fim dessa história de comunismo na Russia e nazi-fascismo na Alemanha e Itália. Urge aprender os métodos da enganação popular, como chegaram ao Poder e as atrocidades em que tudo se deu e resultou.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

O dia em que me perguntaram se deveriam me saudar com um gesto nazista

"No meu bairro, todos se conhecem. Ou quase. Um lugar pacato. Para alguns, um lugar chato. No correio ou no açougue, perguntam como vai a família, se meu pai já se recuperou ou se acho que Neymar voltará ao Barcelona. À beira dos Alpes suíços e na fronteira com a França, fala-se também da perspectiva de neve, de histórias nem sempre verdadeiras sobre vizinhos ou dos planos para o ano.

Mas, neste fim de semana, algo diferente ocorreu. Ao entrar na mesma padaria de sempre e chegar ao caixa, a senhora que ali trabalha há anos me sorriu de forma irônica e, antes que eu dissesse qualquer coisa, perguntou: "temos de saudar um brasileiro agora com gesto nazista"?

A pergunta que fere era apenas uma brincadeira de uma velha conhecida e que passa seus dias tentando agradar meus filhos distribuindo chocolate. Mantive o bom humor. Mas, além da baguette debaixo do braço, deixei o local com a alma pesada.

O presidente Jair Bolsonaro acompanhado dos secretários Jorge Seif (Pesca) e Roberto Alvim (Cultura) - Reprodução/Facebook
O presidente Jair Bolsonaro acompanhado dos secretários Jorge Seif (Pesca) e Roberto Alvim (Cultura) Imagem: Reprodução/Facebook.

A notícia sobre o deslize nazista do ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim, havia repercutido na imprensa internacional. CNN, BBC, The Guardian e tantos outros apresentaram o mais novo escândalo nacional dentro de um contexto de um governo repleto de deslizes. O que eu não esperava era a reação que se acumularia entre os estrangeiros sobre um fato aparentemente doméstico.

Desde sexta-feira e ao longo do fim de semana, amigos, jornalistas estrangeiros, diplomatas e conhecidos se revezaram em mandar mensagens demonstrando choque, ironia ou alerta sobre o que tinham escutado sobre o nosso fascismo tropical. "Is this true? (Isso é verdade?)", perguntou um deles por WhatsApp, com um link de uma matéria do New York Times.

De sua mesa num grande banco suíço, um gestor de fortunas me mandou ainda foto de seu terminal da Bloomberg, com o alerta sobre Alvim. E mais uma ironia: "vocês têm algum limite?".

Ao entrar no carro, uma das principais rádios de notícias na França transmitia uma reportagem especial sobre Bolsonaro, seus ataques de raiva contra a imprensa, suas respostas atravessadas e, claro, sobre a descoberta que referências nazistas encontravam lugar no seio de um governo.

Pela noite, num jantar, dois alemães me bombardeavam com perguntas sobre o que tinham lido sobre Alvim, inconformados. "E pensar que houve uma época em que todos nós queríamos ser brasileiros", lamentou um operador do sistema financeiro, sentado na outra ponta da mesa.

A realidade é que, depois de um dos maiores escândalos de corrupção, do caos político, da Amazônia, da situação dos indígenas, da violência dos policiais, dos elogios ao general Pinochet, agora é o fascismo que contribui para desmanchar uma imagem cultivada pelo Brasil no exterior por décadas.

A sensação é de que deixamos de ser um "país simpático" ou uma referência de tolerância, uma imagem certamente construída com base numa ilusão.

Claro que a Bolsa de Valores continuará a bater recorde enquanto a equipe econômica der provas ao mundo de que está aberta ao capitalismo mundial. Claro que Paulo Guedes será recebido com aplausos em Davos nesta semana.

Mas o descompasso entre a percepção do setor financeiro sobre o Brasil e a imagem pública internacional do país não poderia ser maior.

Na mesma sexta-feira em que o Brasil descobria o que significava colocar Wagner numa trilha sonora de um vídeo com estética nazista, em Lausanne mais de 10 mil estudantes se aglomeravam numa praça pública para lutar pelo clima. No instante em que a palavra "Brasil" foi mencionada por um dos líderes do protesto, o que ecoou foi uma estrondosa e longa vaia.

O mal-estar vai além e o próprio Alvim experimentou isso na pele em novembro de 2019. Numa reunião na Unesco, ele criticou os artistas brasileiros. Instantes depois, foi o ministro da Cultura da Suíça - um país tradicionalmente neutro e que não entra em polêmicas - quem pegou o microfone para responder ao brasileiro. Segundo o suíço, os artistas brasileiros estavam entre os maiores e mais bem-sucedidos embaixadores da imagem que o país construiu ao longo das últimas décadas.

Os institutos de pesquisa também confirmam como a "Marca Brasil" vem sofrendo, ainda que a queda já tenha começado antes. Num levantamento publicado em meados de 2019 que avalia os "brands" de nações, o Brasil caiu quatro posições em comparação ao último informe realizado pela FutureBrand, em 2014.

Hoje, estamos apenas no 47o lugar, entre 75 países. Pelo ranking, ficamos abaixo do Panamá - um paraíso fiscal - e apenas uma posição acima dos comunistas de Cuba. Mianmar, com todos seus problemas de direitos humanos, não está longe, na 49a posição.

"O brasileiro Jair Bolsonaro dividiu a nação após sua recente eleição, e a agitação continua a envolver a nação, o que pode influenciar o desempenho futuro do país no Índice (de marcas", declarou a FutureBrand, em meados de 2019.

Em 2016, o Brasil era o 20o colocado no ranking dos "Melhores Países". A classificação havia sido criada pela BAV Consulting e a Wharton School para "entender as dimensões da imagem de uma nação e descobrir a relação entre essa imagem e os resultados econômicos".

O ranking, portanto, "classifica as nações nas percepções públicas sobre as suas características inerentes". 16,2 mil pessoas foram consultadas. "Usamos essas percepções para entender as dimensões únicas de cada país, resumidas no que pode ser chamado de "marca" do país", explicou.

Um ano antes, o estudo indicava que "os brasileiros desfrutam da boa vontade de um mundo que os considera as pessoas mais amigáveis e sensuais do planeta, ocupando um belo ambiente".

"O país deles tem uma longa distância para cair antes que pareça um lugar tão ruim para diversão e prazer", constatou.

Nos anos seguintes, porém, a queda foi constante, colocando o Brasil na 28a colocação.

Há quem acredite que uma nação é mais forte que seu líder e que sua exposição no mundo não depende da política. Há também quem insista que não se pode generalizar, já que o Brasil não é só Bolsonaro. Mas pesquisas revelam que existe sim uma relação entre o comando de um país e a percepção do mundo sobre a nação.

Em 2017, um levantamento da Pew Research Center em 37 países revelou que a visão positiva que cidadãos do mundo tinham sobre os EUA despencou com a eleição de Trump. Nos últimos meses da presidência de Obama, 64% daqueles que responderam à pesquisa indicaram que tinham uma visão "positiva" sobre os Estados Unidos. Depois de alguns meses de Trump na Casa Branca, a taxa caiu para 49%.

Na Alemanha, 92% das pessoas consultadas sob a administração Obama diziam ter confiança no presidente dos EUA. Sob o governo Trump, o índice de confiança era de apenas 11%.

Não é apenas um líder que pode destruir a imagem de um país. Em 2006, o filme Borat criou sérias dificuldades no exterior para o Cazaquistão, com o governo tendo de responder com uma campanha internacional milionária para conter o impacto daquela comédia.

Bolsonaro rapidamente demitiu seu secretário. Mas a notícia divulgada pelo mundo sobre caráter fascista de um alto funcionário do governo apenas contribuiu para aprofundar um sentimento de falência moral.

No caso brasileiro, temos uma enorme vantagem: não precisarmos criar o nosso Borat."

Jamil Chade é Colunista do UOL. Este texto foi publicado originalmente no no https://noticias.uol.com.br/colunas/ em 20/01/2020 às 04h:00. O UOL não endossa necessariamente a opinião pessoal dos seus colunistas.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com um "causo" engraçado nas terras da Bahia

Bucéfalo

Maetinga, no centro-sul da Bahia, a 609 quilômetros de Salvador, tinha, em 2000, segundo o IBGE, 13.686 habitantes. Já o censo de 2010 apurou 7.038 moradores, redução de 48,58%. O caso abriu imensa polêmica entre os vereadores. Mané de Zacarias dissera que os pesquisadores do IBGE erraram na contagem.

Chicão gostava de pronunciar palavras difíceis para deixar o interlocutor em maus lençóis. E pede um aparte.

Chicão pede a palavra:

- Vossa excelência me dá um aparte?

- Pois não, mas seja rapidinho. Não venha enrolar.

Chicão:

- Ninguém pode negar a sabedoria irreprochável do pesquisador do IBGE. Vossa Excelência é um bucéfalo.

Pego de surpresa, Mané retrucou:

– Queria saber de Vossa Excelência que diabo significa isso? Se o termo for adulativo, muito obrigado a Vossa Excelência, meus cumprimentos à sua mãe e aos irmãos; agora, se for atacativo, vá para a p.... seu fdp......

O barulho tomou conta do plenário. Interrompendo a sessão, o presidente mandou buscar um dicionário.

Lá estava: "Bucéfalo - indivíduo ignorante, rude, pouco inteligente, malcriado, agressivo, estúpido".

Era atacativo.

Os dois se atracaram no plenário. Quase saiu tiro. A palavra bucéfalo foi eliminada do dicionário de Maetinga.

O ano eleitoral

Comecemos com a observação de que o país caminhará este ano na trilha eleitoral, com desfecho no pleito que terá o 1º turno em 4 de outubro e o 2º turno em 25 de outubro. Será, portanto, um ano de intensa sensibilidade. Significa que:

- a esfera política será instada a votar no Congresso de maneira alinhada com as demandas do povo;

- o presidente terá mais cuidado em sua peroração diária, na porta do Palácio da Alvorada, evitando expressões que possam desagradar núcleos eleitorais;

- reformas de alta complexidade, como a reforma administrativa, que, no fundo, será a reforma do Estado brasileiro, não passarão facilmente pelo crivo parlamentar. A reforma tributária, de alto impacto, estará também na linha de fogo;

- as eleições municipais, ante o clima de polarização que impregna o país, tenderão a ser federalizadas, ou seja, o tom nacional baixará sobre os territórios municipais.

A reforma administrativa

Querem ver quão complexa será a reforma administrativa? Vejamos. Há, na órbita da administração pública, cerca de 11,4 milhões de pessoas com vínculo formal. Desse contingente, 57,3% estão nas prefeituras, 32,3% na administração dos Estados e 10,4% na área federal. Urge implantar critérios que redundem em maior igualdade entre funções e salários. A disparidade é enorme. Urge concentrar setores, com processos racionais, evitando dispersão e improdutividade.

Estado pesado

Veja-se, por exemplo, o tamanho da máquina. Só na área da Saúde há 1.358 organismos com poderes na execução da política setorial. Só no sistema de Transportes, 1.024 instâncias; no território da Educação, 1.036 instâncias, enquanto na Segurança Pública esse número vai para 2.375 segmentos operacionais. Vocês, leitores, já pensaram nas pressões de servidores das três esferas administrativas para evitar o dedo racional em seus domínios? Um servidor público ganha, em média, 36% a mais do que um assalariado do setor privado. Os parlamentares aguentarão o rolo compressor dos servidores públicos? Só vendo para crer. Mas o ministro Paulo Guedes é muito otimista. Prometeu que em fevereiro mandará ao Congresso as propostas de reforma administrativa e reforma partidária.

2º ano de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro dá constantes sinais de que tentará a reeleição em 2022. Pois bem, o pleito municipal, com a escolha de 5.570 prefeitos e cerca de 57 mil vereadores, é a base do edifício político. O jogo do dominó, portanto, começa com o time de vereadores, que custam ao Estado cerca de R$ 10 bilhões anuais. O vereador empurra o prefeito, que empurra os deputados estaduais, federais e senadores, que empurram o governador e cada um destes também dá seu empurrão para a eleição do presidente da República e seu vice. Assim, o capitão terá de se esforçar muito para puxar o apoio de governadores, senadores, deputados e prefeitos. Quanto maior sua fonte, mais água eleitoral entrará nas urnas.

A questão

O maior empreendimento e legado que Bolsonaro deixaria ao país seria uma reforma administrativa. Mas o vereador, o prefeito, os deputados, os senadores e os governadores, mesmo sob o convencimento de que essa reforma se faz absolutamente necessária, certamente estarão com os ouvidos acesos para a pressão dos servidores. Que até poderá ganhar um contraponto com o clamor social a favor das reformas. A questão é que em ano eleitoral é muito difícil contornar as pressões contrárias.

Mais dificuldades

Outras dificuldades deverão surgir: o partido que o presidente quer criar para chamar de seu, o Aliança pelo Brasil, será criado até maio? Muito difícil. A economia crescerá em ritmo mais acelerado de forma a chegar em outubro em ótimas condições e, deste modo, produzir aplausos para o presidente? Os parlamentares estarão satisfeitos com o atendimento de suas demandas e, nesse caso, dispostos a sacramentar a agenda do Executivo?

O ano do executivo

2020 será um ano decisivo para o governo. Até este momento, a impressão que se tem é que o governo tateia na escuridão. Está à procura de um rumo. Navega com o piloto automático. Mas é oportuno esclarecer que um sentimento de moralidade permeia a administração federal. E que a equipe econômica, muito bem avaliada pelo mercado, trabalha para colocar a locomotiva nos eixos. Se o Executivo, por meio de alguns perfis, incluindo o do próprio presidente, tivesse evitado metade da polêmica criada por expressões e estocadas dadas em adversários e antipatizantes, a polarização seria menor. Sob um clima de harmonia, o país estaria melhor posicionado para avançar.

O ano do legislativo

Na esfera do Legislativo, 2020, como já sinalizamos nas notas anteriores, deverá ser um ano de cobranças. As demandas parlamentares não foram plenamente atendidas ou não foram implementadas no devido tempo. E essa situação deixa o Parlamento mais recuado, desconfiado, atento ao jogo de cena. A pauta do Executivo junto ao Legislativo fica ainda na dependência dos próximos presidentes das casas congressuais. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre até poderiam encarar mais um pleito se houver mudanças no regimento da Câmara e do Senado. Rodrigo faz objeções, mas a decisão fica sob o clima – positivo ou negativo -, dentro de pouco mais de duas semanas.

O ano do Judiciário

2020 será um ano de mudanças no Judiciário. Na Suprema Corte, o ministro Luiz Fux entrará no lugar de Dias Toffoli e, em novembro, o ministro Celso de Mello se aposentará. Toffoli está bem desgastado com críticas que ainda o vinculam ao seu passado na advocacia. Tem sido alvo de bombardeio, ele e o ministro Gilmar Mendes, nas redes sociais. Fux, por sua vez, tem dado no STF um voto contrário ao voto de Toffoli. Nos termos da entrevista dada pelo ministro Gilmar Mendes ao Poder 360, comandado pelo jornalista Fernando Rodrigues, neste ano o STF se dedicará a temas ligados à economia, direito tributário e direito processual penal. No ar, expande-se a polêmica sobre a constitucionalidade do juiz de garantias, a par da crítica de que não há recursos para bancar essa figura. Mesmo em São Paulo, tomado como exemplo de sucesso, a situação do juiz de garantias, por falta de orçamento, é precária.

A frente partidária

No arquipélago partidário, a contenda se voltará este ano para o pleito municipal, sob a hipótese de que cada ente se esforçará para fazer uma grande bancada de prefeitos e vereadores. A solidez de um partido começa com as estacas fincadas no território municipal. Fazer apenas uma forte bancada federal nem sempre gera resultados no médio e longo prazo. Veja-se a bancada de 54 parlamentares eleitos pelo PSL, ex-partido de Bolsonaro. Hoje, o PSL está rachado. O PT quer aumentar a sua cota de prefeitos. E, para tanto, tentará se aproximar dos evangélicos. O MDB, por muitos anos, tem a maior bancada de prefeitos e vereadores, lutará para continuar forte nas bases. Terá dificuldades. O DEM também objetiva crescer na base municipal.

União de partidos

O pleito deste ano poderá abrir campo para uma fusão de partidos. O clima de polarização, que puxará as correntes bolsonaristas e oposicionistas (PT, PSOL, PDT, PC do B), será fator de alavancagem entre siglas que estarão nessas duas bandas. Mas é possível que outras tentem se agregar, após os resultados do pleito, visando, sobretudo, um bom desempenho em 2022. O DEM, por exemplo, é a noiva com quem o PSDB gostaria de casar. Para onde irão siglas como PP, PRB, Solidariedade, Cidadania, Podemos e outras? Todas essas perguntas permanecerão no ar até se saber quem serão os protagonistas presidenciais de 2022.

Temáticas de 2020

Quais são os eixos do discurso neste ano eleitoral?

Alinhemos alguns:

- Demandas da micropolítica municipal (saúde, educação, transportes/infraestrutura urbana, alimentação, habitação, bolsas/subsídios, etc). Cuidado com a mesmice, a de recitar soluções genéricas para as demandas da população. Urge trabalhar com pontos concretos.

- Grandes cidades e metrópoles – A par das demandas da micropolítica, meio ambiente, limpeza urbana/lixo, segurança, emprego, lazer, cultura, esportes.

Fatores de credibilidade

A análise sobre as razões que jogam políticos no poço da descrença é a chave para reencontrar o tempo perdido. As situações descritas podem aumentar a credibilidade dos políticos:

Promessas - Não se deve prometer o que não se poderá cumprir.

Identidade - Um político deve ter identidade, personalidade, eixo. Uma coluna vertebral torta gera desconfiança. Coluna vertebral reta incorpora as costelas da lealdade, da coerência, da sinceridade, da honestidade pessoal e do senso do dever.

Representação - Representar o povo significa escolher as melhores alternativas para seu bem-estar. Político sério se preocupa com rumos permanentes.

Organização e controle - O cidadão quer ver para onde vão os recursos dos orçamentos.

Autoridade –As pessoas querem ordem, disciplina, o atendimento a seus direitos fundamentais. Essa demanda converge para o perfil da autoridade, presente na figura do pai protetor da família.

Experiência - Para se contrapor ao improviso, ao imprevisível e ao inusitado, exige-se experiência, estilo bem sucedido.

Inovação – Há grande espaço para novatos, principalmente perfis com posturas não comprometidas com a velha política. Perfis novos, com discursos claros e objetivos.

Equilíbrio - Pessoas destemperadas, que ameaçam virar a mesa, amedrontam.

Despojamento – Valor desse ciclo de grandes carências.

Objetividade, clareza - Nada de embromação, enrolação, promessas mirabolantes.

Jovialidade - O eleitorado quer ser atraído pela jovialidade, disposição para enfrentar os desafios.

Coragem - Os desafios estão a exigir posturas corajosas, fortes, determinadas, capazes de vencer as intempéries.

Brilho - O carisma é um dom escasso. Mas quem tem brilho carismático aumentará o cacife.

Sapiência - Sapiência não significa vivacidade. Sabedoria é mistura de aprendizagem, compromisso, equilíbrio, administração de conflitos, busca de conhecimentos, capacidade de convivência e decisão racional.

Junto ao povo – Estar junto ao povo para apurar suas demandas mais urgentes. O povo sabe quem está ao seu lado.

Discurso - O discurso que vinga é um conjunto de propostas concretas, viáveis, simples e de metas temporais.

Simplicidade e modéstia - Um homem público não precisa se vestir com a roupagem divina. Simplicidade é o ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas e maquiagens. O marketing da atualidade se inspira na verdade.

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

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segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Violar as prerrogativas ou os direitos do advogado é crime!

Na última sexta-feira (03), entrou em vigor a Lei 13.869/19, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade e altera a legislação sobre o tema. A referida norma tipifica as condutas abusivas praticadas por agente público, servidor ou não, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las que vise a prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, que por mero capricho ou satisfação pessoal.

O novel diploma prescreve importantes modificações em relação ao abuso de autoridade, que chegam em boa hora, em um contexto em que práticas abusivas cometidas por agentes públicos tem sido cada vez mais recorrentes, em especial sob pretexto de “dar cabo” a impunidade, alguns destes agentes, que deveriam garantir e proteger, tem violado, de forma irresponsável, direitos e garantias fundamentais do ser humano. A referida lei mais parece uma resposta do Poder Legislativo, legítimo representante do povo, aos demais poderes da República após várias usurpações de sua função e violação das normas emanadas por ele, por parte destes.

A Lei 13.869/19 define 45 condutas que poderão ser penalizadas, dentre elas as de: decretar condução coercitiva de testemunha ou investigado antes de intimação judicial; promover escuta ou quebrar segredo de justiça sem autorização judicial; divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir; continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado; interrogar à noite quando não é flagrante; e procrastinar investigação sem justificativa além da que será debatida neste texto, qual seja a de violar alguns dos direitos e prerrogativas do advogado.

Apesar da tipificação de tais condutas, diante do contexto atual, ser motivo de comemoração, por outro lado é triste pensar que foi necessário o legislador criminalizar condutas, que já deveriam ser barradas pelo próprio espírito de nossas normas constitucionais e seus princípios, que poderiam ser sanadas apenas na seara administrativa e civil, porém em face do desrespeito a nossa Carta Magna o Legislativo se viu obrigado a invocar a ultima ratio, o Direito Penal para conter os abusos estatais frente ao indivíduo.

Dentre os novos tipos penais, um dos mais relevantes é o previsto no artigo 43 da lei de “abuso de autoridade” que inseriu o artigo 7°-B no Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) com a seguinte redação:

Art. 7º-B  Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Dispõe os incisos mencionados na lei:

Art. 7º São direitos do advogado:

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;

III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;

V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB e, na sua falta, em prisão domiciliar.

A tipificação supracitada é uma vitória da advocacia, apesar de que. como já mencionado. é lamentável a necessidade de criminalização para fazer com que as autoridades públicas cumpram a lei.

Sem dúvidas, será um avanço na luta em defesa dos direitos e garantias. Afinal, não é apenas uma vitória da advocacia, mas principalmente da sociedade, pois o pleno exercício da advocacia é essencial para efetivação de um Estado Democrático de Direito.

Diante da relevância do pleno exercício da advocacia, foram concedidos aos advogados prerrogativas, que são resguardadas em lei. São garantia à sociedade para concretização de seus direitos, mas tais prerrogativas são diariamente violadas.

Os links abaixo são exemplos claros de violação das prerrogativas conferidas aos advogados, que demonstram o tamanho desrespeito dos agentes públicos a lei e que justificam a tipificação da conduta trazida na lei 13.869/19. Cenas lamentáveis e não raras nos ambientes forenses, delegacias e etc.

Postado no Youtube, no canal Papo de Criminalista, o advogado Mário de Oliveira Filho denuncia um ataque de fúria de uma Juíza em razão do defensor ter feito uso da sua prerrogativa de interferência “pela ordem”:



Neste outro, postado pelo canal Processo em Revista, o advogado é impedido de permanecer em sala de audiência e tentam o prender sem o representante da OAB




Este trata-se de uma reportagem do canal Migalhas que relata uma covarde agressão feita por um membro do Ministério Público a um advogado de 84 anos em plena sessão de júri:

O cenário atual é crítico para advocacia. Frequentemente a imagem do advogado é deturpada, injusto este que muitas vezes é veiculado pelas grandes mídias. Há quase que uma criminalização da figura do advogado, em especial o criminalista, que muitas vezes é vinculado com o réu que defende, quando não com o crime praticado. É taxado de “inimigo da justiça” apenas pelo correto manejo dos recursos previstos em lei.

Conforme a própria Constituição Federal prevê, o advogado é indispensável à administração da justiça e é através dele que os cidadãos garantem seu direito de ampla defesa. Portanto, o advogado não defende apenas a lei, mas o Direito e a democracia. Ele possui a árdua missão de zelar pela legalidade e não se acovardar frente os abusos e arbitrariedades do Estado.

Esperamos que a Lei 13.869/19 de fato tenha aplicabilidade, não seja apenas mais uma das tantas normas que “não pegaram” e contribua para a mudança do presente cenário. A advocacia precisa conquistar seu merecido reconhecimento e respeito. Abusos e cenas como as acima demostradas não podem voltar a se repetir.

(Fonte: canalciênciascriminais.com.br)

Rainha concorda com 'período de transição' que permite a Harry e Meghan passar tempo no Canadá

A rainha britânica Elizabeth 2ª concordou, nesta segunda-feira (13/1), com um "período de transição" em que Harry e Meghan (formalmente, o duque e a duquesa de Sussex) vão dividir seu tempo entre o Reino Unido e o Canadá.

Em comunicado, a rainha afirmou "apoiar plenamente" o desejo do casal por um novo papel, embora "preferisse que eles continuassem sendo membros em tempo integral trabalhando pela família real".

Por enquanto, há poucas informações sobre como será essa divisão de tempo e quais serão as atribuições de Harry e Meghan. Segundo o comunicado da rainha, haverá ainda discussões sobre "assuntos complexos" envolvendo o tema.
Meghan, Harry e Archie

Meghan e Harry (com o filho Archie) anunciaram que pretendiam deixar de ser 'membros seniores' da família real britânica. (Reuters).

"Minha família e eu apoiamos plenamente o desejo de Harry e Meghan de criar uma nova vida como uma jovem família", diz o texto divulgado pela rainha. "São assuntos complexos para a minha família resolver, e ainda temos trabalho a fazer, mas pedi que as decisões finais (a respeito) sejam tomadas nos próximos dias."

As discussões em torno do papel a ser desempenhado por Harry e Meghan ocorreram em uma reunião emergencial nesta segunda-feira, depois de o casal surpreender o mundo — e a família real — anunciando que eles pretendem deixar de ser "membros seniores" da família real britânica e "trabalhar para se tornarem financeiramente independentes", dividindo seu tempo entre o Reino Unido e a América do Norte.

Em comunicado publicado no Instagram na semana passada, o casal anunciou que planeja "construir gradualmente um novo papel dentro desta instituição" e que quer trabalhar para tornar-se "financeiramente independente".

Também nesta segunda-feira, os príncipes Harry e William negaram, em comunicado conjunto, as informações citadas por uma reportagem do jornal The Times, que dizia que Harry e Meghan se sentiam excluídos da família e eram "constantemente alvo de bullying" por parte do irmão mais velho, William.

Os irmãos disseram que isso é "falso" e "ofensivo".

"Para irmãos que se preocupam tanto com questões relacionadas à saúde mental, o uso de linguagem inflamatória desse modo é ofensivo e potencialmente danoso", dizia o comunicado.

(Fonte: BBC, de Londres).

Os cuidados contra a corrupção nas eleições na antiga Grécia

Relevo mostra a democracia coroando Demos, o povo de Atenas
Em Atenas, a intenção era garantir que os órgãos importantes de seu sistema democrático não fossem contaminados pela corrupção.

Quando se fala em democracia, esse sistema em que o povo é soberano, logo pensamos em eleições, já que em muitos países elas são a única ocasião em que sentimos que podemos participar das decisões.

Curiosamente, no berço da democracia, a Atenas antiga — onde o sistema nasceu e se desenvolveu por quase 200 anos —, as eleições eram consideradas antidemocráticas.

Para os atenienses clássicos, as eleições sempre privilegiavam as diferenças entre os candidatos, fossem eles riqueza, família ou a educação.

Isso não significa que eles nunca usaram o voto: foi por meio dele que escolheram aqueles que assumiram postos para os quais eram necessários especialistas, como generais do Exército, e que tomaram outras decisões importantes, como condenar Sócrates à morte — um dos grandes opositores da democracia.

Eles evitaram, no entanto, utilizar as eleições para escolher funcionários do governo ou juízes.

A ideia era que a de Atenas fosse "a administração de muitos e não de poucos; é por isso que se chama democracia", como Péricles disse em sua Oração Fúnebre, segundo o historiador do século 5º a.C. Tucídides.

Para os atenienses, a melhor maneira de selecionar aqueles que assumiriam posições de autoridade ou de poder era uma espécie de sorteio, pois isso assegurava que todos os candidatos estariam em condições de igualdade.

Tudo no mesmo saco. Esse sistema de sorteio foi usado para eleger a maioria dos magistrados — como para administrar o tesouro —, para seus comitês governamentais e para cargos de juízes.

O acaso, portanto, foi um dos elementos da democracia em Atenas, e todos os cidadãos teriam a mesma oportunidade de participar.

E, para garantir a aleatoriedade absoluta na atribuição de posições cívicas particularmente importantes, eles tinham uma máquina chamada kleroterion.

A máquina que zelava por democracia ‘justa’ em Atenas

Direito de imagemGETTY IMAGES
parte de uma kleroterion, uma pedra com diversos buracos no formato de linhas verticais
Parte da kleroterion, a máquina usada para os sorteios

Essa máquina era composta por uma pedra com buracos no formato de linhas verticais, um tubo de madeira e algumas bolas.

Assim, os cidadãos elegíveis que se apresentavam para assumir determinadas posições entregavam fichas de bronze nos quais seus nomes estavam inscritos.

Essas fichas eram inseridas nos espaços da pedra. E, quando estavam todos preenchidos, as bolas pretas e brancas eram introduzidas no tubo, que terminava com um dispositivo acionado por uma manivela.

Toda vez que a manivela dava uma volta, uma bola saía. Se fosse preta, a primeira fila de cartões era retirada, o que significava que os cidadãos cujos nomes apareciam nelas não participariam naquela ocasião.

Se a bola era branca, a fila de fichas permanecia no lugar, e assim era selecionado o primeiro grupo de eleitos.

E então a seleção continuava.

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Fichas para a seleção

Estas são algumas das fichas usadas ​​para escolher um grupo de magistrados responsáveis ​​por administrar certas punições e supervisionar a prisão, que serviam durante um ano

Antes de os eleitos assumirem posições de poder, eram submetidos a um exame para evitar que pessoas incompetentes assumissem os cargos.

'O poder corrompe'.

O princípio fundamental por trás desse processo de classificação teve origem na crença de que "o poder corrompe".

Os cargos estatais representavam um alto grau de responsabilidade e eram designados apenas por um período limitado, para minimizar abusos e corrupção.

A kleroterion evitava as práticas usadas pelos oligarcas para comprar seu acesso a posições importantes e proporcionou aos atenienses uma maneira de garantir que os órgãos importantes de seu sistema democrático não fossem contaminados pela corrupção.

A máquina, combinada ao fato de a maioria dos conselhos de juízes ser composta por 500 pessoas, tornou o suborno uma impossibilidade de antemão, ajudando a tranquilizar os cidadãos de Atenas. Assim, eles sabiam que, quando uma decisão era tomada, ela era tomada exclusivamente com a força dos argumentos.

Entretanto, por mais democrática que a prática de sorteio pudesse ser, é importante lembrar que o conceito de cidadania em Atenas era bastante restrititvo: à época, só eram considerados cidadãos atenienses (e, portanto, aptos a concorrer a cargos públicos) homens de mais de 18 anos, nascidos na cidade e filhos de pai e mãe atenienses. Mulheres, escravos e estrangeiros não tinham direitos políticos.

(Fonte: BBC, de Londres).

domingo, 12 de janeiro de 2020

Pondé e as Portas dos Fundos


Luiz Felipe Pondé, um dos mais destacados filósofos da atualidade, entra na polêmica sobre o especial de Natal produzido para a TV pelo grupo Portas dos Fundos.

Queda de avião no Irã: Manifestantes cobram saída de autoridades após país admitir ter atingido aeronave por engano

Centenas de manifestantes saíram às ruas na capital iraniana, Teerã, para protestar neste sábado (11) contra autoridades do país que "mentiram", segundo eles, ao negarem inicialmente que derrubaram um avião com 176 pessoas a bordo na semana passada, nos arredores da cidade.

Os atos ocorreram perto de duas universidades, e há relatos de uso de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes — parte cobrou a saída do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.

Após dias de negativas, o Irã admitiu neste sábado (11) que derrubou com um míssil por engano o avião da Ukraine International Airlines, em meio à escalada da tensão entre EUA e Irã, provocada pelo assassinato (pelos americanos) do general iraniano Qassam Suleimani.

O presidente americano, Donald Trump, publicou uma mensagem no Twitter em apoio aos protestos em inglês e em farsi: "Ao bravo e sofrido povo iraniano: Eu estou por vocês desde o início da minha Presidência, e meu governo vai continuar a apoiá-los. Estamos acompanhando os protestos de perto. Sua coragem é inspiradora."

O mandatário americano cobrou que não haja "outro massacre de manifestantes pacíficos ou bloqueio da internet". "O mundo está de olho", disse.

A indignada promessa de vingança do Irã após morte do general Qasem Soleimani em ataque dos EUA

Bases aéreas americanas no Iraque são alvo de mísseis

EUA estão 'prontos para tudo', mas Irã está 'se acalmando', diz Trump

Trump provavelmente fazia referência à repressão violenta do governo contra uma onda de protestos não pacíficos em novembro contra a alta dos preços dos combustíveis, que deixou mais de 100 mortos. O país de 80 milhões de habitantes teve a internet bloqueada pelo governo "em prol do interesse público".

Neste sábado, o embaixador britânico em Teerã, Rob Macaire, acabou preso após participar de uma vígilia pelos mortos na tragédia na quarta-feira (8), sem ligação com os protestos liderados por estudantes universitários. Ele ficou detido por três horas, apesar de a Convenção de Viena proibir a detenção de diplomatas.

"O governo iraniano está num momento-chave. Pode continuar a seguir em direção ao status de pária, com todo isolamento político-econômico que isso acarreta, ou tomar medidas para desescalar as tensões e seguir a via diplomática", afirmou o chanceler britânico, Dominic Raab.

O que aconteceu nos protestos?

Protesta do lado de foa da universidade Amir Kabir

Estudantes se reuniram do lado de fora de ao menos duas universidades, Sharif e Amir Kabir, inicialmente em um ato em memória das vítimas. À noite, os protestos acabaram em violência.

A agência de notícias semioficial Fars publicou um raro relato do ocorrido, afirmando que mais de mil pessoas — parte gritou palavras de ordem contra líderes iranianos e destruiu imagens do general Soleimani, assassinado pelos EUA.

Os manifestantes cobraram a responsabilização dos envolvidos na derrubada do avião e daqueles que eles acusam de ter tentado acobertar a ação.

Palavras de ordem incluíram o pedido de renúncia do "comandante-em-chefe", no caso o aiatolá Ali Khamenei, e "morte aos mentirosos".

Segundo a agência Fars, a polícia dispersou os manifestantes, que haviam bloqueado ruas na região. Há registros em redes sociais do uso de gás lacrimogêneo.

Os protestos do sábado foram, por ora, bem menores que os atos em apoio a Qasem Soleimaini que reuniram multidões ao redor do Irã.

O líder supremo ocupa o teto da estrutura de poder político do Irã. Até agora, apenas duas pessoas ocuparam este posto: Ruhollah Khomeini e o aiatolá Ali Khamenei, que ocupa essa posição desde 1989.

Foi Khamenei que, após o assassinato de Soleimani pelos Estados Unidos, prometeu uma "grande vingança". Na quarta (8), o Irã bombardeou bases que abrigam tropas americanas no Iraque, ação que o aiatolá classificou como "um tapa na cara" dos EUA.

O líder supremo é o chefe de Estado e a máxima autoridade política e religiosa do país. E o cargo é vitalício.

No Irã, a Constituição descreve o presidente como a segunda maior autoridade do país. Na prática, porém, os poderes do chefe do Poder Executivo são limitados pelos clérigos e conservadores na estrutura de poder do Irã e pela autoridade do líder supremo.

Já as Forças Armadas iranianas se dividem em duas: as regulares e a Guarda Revolucionária.

Essa segunda nasceu pouco depois da revolução de 1979 para defender o sistema de governo islâmico que o país acabara de adotar. O seu papel, conforme a Constituição, é de defesa das fronteiras e manutenção da ordem interna para os outros militares. Subordinada ao líder supremo, possui cerca de 150 mil membros ativos.

Como se deu a admissão de culpa do Irã?

O Irã vinha negando acusações de que teria sido responsável pela queda do avião, mas passou a ser alvo de intensa pressão internacional por causa de evidências divulgadas por autoridades de inteligência ocidentais.

No sábado, a TV estatal divulgou um comunicado militar que afirmava que o avião voava muito perto de um lugar sensível que pertence à Guarda Revolucionária do Irã e foi considerado, por engano, um míssil de cruzeiro.

Mapa mostra local do acidente

O general-brigadeiro, Amir Ali Hajizadeh, comandante aéreo da Guarda Revolucionária, assumiu total responsabilidade pelo caso. Segundo ele, um operador de míssil agiu sozinho em meio a rumores naquele momento de que mísseis de cruzeiro haviam sido disparados contra o Irã.

"Ele tinha 10 segundos para decidir. Ele poderia ter decidido atirar ou não, e sob aquelas circunstâncias ele tomou a decisão errada", afirmou Hajizadeh.

Avião ucraniano caiu logo após a decolagem.

De acordo com o comandante, o militar que efetuou o disparo era "obrigado a fazer contato e obter a verificação (da suspeita), mas aparentemente seu sistema de comunicação teve problemas".

"Eu gostaria que eu estivesse morto", admitiu Hajizadeh.

Ele disse ter informado as autoridades sobre o que aconteceu na quarta-feira, o que deu força aos questionamentos e às críticas ao governo iraniano sobre por que negou acusações e demorou tanto para admitir responsabilidade.

No dia seguinte à queda do avião, o chefe da Organização de Aviação Civil do Irã, Ali Abedzadeh, chegou a dizer que era "cientificamente impossível que um míssil tenha atingido o avião ucraniano, e esses rumores não têm lógica".

O aiatolá Khamenei falou em uma "prova de falha humana" no caso do disparo, e o presidente iraniano, Hassan Rouhani, disse que o Irã estava "profundamente arrependido daquele erro desastroso".

O chanceler do país, Javad Zarif, pediu desculpas às famílias das vítimas, mas responsabilizou também os Estados Unidos. "Uma falha humana em tempo de crise causada pela ação aventureira dos EUA levou ao desastre", afirmou.

Para Lyse Doucet, correspondente internacional chefe da BBC, a admissão de culpa por parte do Irã representa uma desescalada das tensões com os Estados Unidos.

"O Irã decidiu que deveria assumir o desastre para evitar uma nova guerra verbal com o Ocidente ou despertar a fúria de seu próprio povo, que pulam de uma calamidade para outra", escreveu Doucet.

Como o Canadá e a Ucrânia reagiram até agora?
Dentre as 176 vítimas, havia cidadãos de sete nacionalidades, entre eles 82 iranianos, 57 canadenses e 11 ucranianos.

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disseram ter conversado neste sábado com o colega iraniano, Hassan Rouhani.

Trudeau afirmou que estava "indignado e furioso" e cobrou investigação ampla e transparente. "O Canadá não vai descansar enquanto nós não tivermos contas prestadas, justiça e conclusão que as famílias merecem. Eles estão feridos, irritados e de luto, e querem respostas."

(Da BBC, de Londres.)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a primeira coluna do ano com Cabralzinho.

Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província:

– Ladrões!

A praça, apinhada de gente, levou o maior susto.

– Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração!

Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso:

– Ladrões!

Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total.

– Cambada de ladrões!

Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava:

– Espera que eu explico. Deixe eu terminar. Espera que eu explico.

Explicou. Ao médico, no hospital.

Projeção para 2020

Já dissemos nesta coluna que fazer previsão no Brasil é um exercício que requer muitos cuidados. Até porque nossa índole abarca alguns valores que prejudicam esforços de interpretação. Somos, por exemplo, uma gente que aprecia improvisar, inventar, mudar de posição. Nossa cultura política não se alimenta dos eixos que formam a identidade de populações de países com sólidas instituições. Os anglo-saxões, a título de comparação, respondem sim ou não diante de questões que exigem uma das duas opções. Nós preferimos o talvez. Sob essa condição, farei hoje uma tentativa de interpretar 2020, a partir da análise do comportamento de 13 protagonistas.

1. O Poder Executivo – o presidente

O presidente Jair Bolsonaro até será orientado a mudar de postura, aliviando suas declarações e ataques, como este último que fez à imprensa: "vocês, jornalistas, são uma raça em extinção. Ler jornais envenena". Mas a índole de escorpião de Bolsonaro não permitirá mudanças. Continuará a "picar" adversários que encontre no meio do caminho. Daí a inferência: momentos de tensão continuarão a cercar os Palácios da Alvorada e do Planalto. A depender de quem seja o alvo (o Congresso, por exemplo), poderá haver retaliação.

2. O Poder Executivo – ministros e assessores

Há de distinguir ministros de perfil essencialmente técnico, com bom nível de desempenho, como o ministro da Infraestrutura, Tarcisio Gomes de Freitas, e ministros de perfil polêmico, como o da Educação, Abraham Weintraub. A elevação do deboche, se for o caso, expandirá as tensões, sendo bastante prováveis mudanças na Esplanada dos Ministérios. Alguns perdem muito tempo com a produção de falas polêmicas e que acabam impactando sua própria imagem. A tendência aponta para o arrefecimento dos conflitos e maior foco no trabalho. Ademais, o presidente deverá cobrar resultados.

3. O Poder Executivo - os militares

A ala do entorno presidencial, particularmente os generais, já foi mais forte no início do governo. O general Augusto Heleno, que responde pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência, parecia o perfil mais forte do entorno presidencial. Ostentava a flâmula de poder moderador. Hoje, alinha-se completamente à linguagem do presidente, inclusive nos ataques a certas figuras da imprensa. Militares que saíram passaram a ser críticos. Ou seja, transparece certa divisão na frente de apoios.

4. Congresso

Os parlamentares, já afeitos ao estilo rompante do presidente, cobrarão com mais força as demandas feitas junto ao articulador, ministro Luís Eduardo Ramos, e mesmo ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O orçamento impositivo será, nesse sentido, uma ferramenta de pressão. O que está dentro do Orçamento terá de ser cumprido. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, mexerão no regimento para tentar se reeleger? Alcolumbre topa, Maia é mais precavido. Em caso de novos dirigentes, a perspectiva é de que estejam mais alinhados ao discurso de autonomia e independência do Parlamento. Tempos de valorizar os conjuntos parlamentares e evitar que o Judiciário invada a esfera parlamentar.

5. Poder Judiciário

Continuará sendo alvo da mídia e de parcela da esfera política, não conformada com suas decisões no âmbito da Lava Jato. Expande-se a sensação de que alguns ministros agem de maneira parcial e sob viés político. A substituição no final do ano do ministro Celso de Mello, decano do STF, abrirá o leque de especulações. Quem seria o perfil "terrivelmente evangélico" para entrar em seu lugar, conforme há tempos ao substituto se referiu o capitão presidente? O atual advogado-Geral da União, André Luiz Mendonça?

6. Mídia massiva

Os meios de comunicação deverão fazer cobranças mais duras do Executivo, ante a insistência do presidente Bolsonaro de fustigá-los. O teor crítico deverá se expandir não apenas no que concerne ao Poder Executivo, nas três instâncias da Federação, mas em relação aos Poderes Legislativo e Judiciário. O espírito eleitoral de 2020 abrirá os espaços de investigação da mídia, que deverá aumentar o teor de denúncias. O TSE será muito demandado. Partidos em formação farão pressão por seus interesses junto ao Tribunal Eleitoral.

7. Mídias sociais

Na arena das redes sociais, deverão acontecer batalhas sangrentas. De todos os lados, o embate será ferrenho, com denúncias, fake news, especulações, pesquisas encomendadas, processos acusatórios. As lutas deverão ser travadas no campo Federal, com aliados e simpatizantes de Bolsonaro e adversários; no campo estadual, onde se repetirá o destampatório; e na área municipal, onde as contendas locais ganharão um tom Federal. As mídias sociais puxarão para os municípios os cenários desenhados no plano Federal.

8. O povo

Difícil inferir sobre o comportamento do povo, pela complexidade do conceito. Afinal, povo abarca as massas carentes e periféricas, que habitam na base da pirâmide; os setores médios, incluindo o expressivo contingente de profissionais liberais, as camadas e níveis gerenciais do comércio e da indústria, pequenos e médios proprietários e outros segmentos de vulto. Os setores médios farão o papel de pedra jogada no meio do lago: as marolas formadas correrão até as margens. O fato é que as massas das margens avançam em suas posturas, não mais sendo engolfadas pela mistificação política. O voto sai do coração para subir à cabeça. Por isso mesmo, é forte a possibilidade de vermos o povo, em suas diversas roupagens, engrossando as mobilizações de rua. Sinal de tempos de democracia participativa.

9. Igrejas, credos

Nos últimos tempos, as igrejas e credos religiosos têm frequentado com mais disposição os palcos e espaços da política. Há igrejas evangélicas, como a Universal do Reino de Deus, que explicita publicamente seu interesse na política. Até um bispo da IURD, Marcelo Crivella, dirige uma importante prefeitura, a do Rio de Janeiro. E há quem aponte nela interesse maior: eleger um dos seus para governar o país. Os católicos, por sua vez, estão de olho nesse processo. Por tudo isso, pode-se aferir que os credos agirão como cabos eleitorais. O Estado laico, aos poucos, cede espaço ao Estado religioso.

10. As organizações sociais

Um dos mais significativos fenômenos da atualidade brasileira é a organicidade social. Dando as costas aos políticos, que não têm dado respostas satisfatórias às suas demandas, cidadãos e cidadãs recolhem-se em entidades intermediárias – associações, sindicatos, federações, grupos, núcleos, movimentos. Há cerca de 500 mil ONGs formais no Brasil e outro tanto de entidades informais. O povo vê essas entidades como a ferramenta para abrir portas e oferecer resultados. Esse imenso arquipélago tende a movimentar as ruas e praças. E a servir de suporte de candidaturas nesse ano eleitoral.

11. Os partidos políticos

São 33 os partidos políticos em condições de operar no Brasil. E há mais 70 em estágio de organização. Servem, hoje, apenas como abrigo formal de candidatos. Cedem a legenda para candidatos e os grandes partidos ajudarão alguns nomes com recursos do Fundo Partidário, que deve ser de R$ 2 bilhões. A meta de algumas siglas é fazer uma grande floresta de prefeitos. PT, PSL, MDB, PSDB, DEM, PPB, PP, PTB, Solidariedade, Cidadania, Podemos, PSOL estão no rol dos mais competitivos.

12. Governadores

Os governadores agirão, este ano, como os maiores cabos eleitorais. Afinal, a eleição municipal é o campo de decolagem do pleito de 2022. Daí a meta de eleger um grande número de prefeitos. Ocorre que os Estados estão de cofres vazios. Alguns em situação pré-falimentar. Mas o esforço dos governadores deve incluir uma bacia de promessas. Muitos desejarão se reeleger em 2022. Não se pode esquecer que, por estas plagas, há muito respeito e consideração para quem tem o poder da caneta. Claro, caneta com muita tinta atrai mais apoios.

13. Prefeitos

Por último, a prefeitada. Este ano serão eleitos 5.570 prefeitos. Este será o maior exército de cabos eleitorais de 2022. Haja mão de obra. Prefeitos farão gigantesco esforço para se reeleger ou eleger um correligionário. As prefeituras estão praticamente quebradas, mas há sempre por parte do eleitor a expectativa de poder, de um dia ganhar um bom cargo ou bom "adjutório". Quem apitou bem na orquestra formada em 2016 tem condições de continuar a ser maestro. Quem saiu do tom e não cumpriu suas promessas se candidata a receber um passaporte para suas casas.

Sucesso

Este consultor político deseja muito sucesso a todos os protagonistas alinhados nesta coluna.

Pequena ajuda

Notas para ajudar o planejamento de campanhas

Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse é um resumido escopo de planejamento.

Marketing: os 5 eixos

Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral:1) pesquisa; 2) formação do discurso (propostas), 3) comunicação (bateria de meios impressos – jornalísticos e publicitários – e eletrônicos), mídias sociais; 4) articulação política e social e 5) mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. Já a articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado.

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Harry e Meghan: o que há por trás da decisão sem precedentes do casal de se distanciar da família real

O anúncio do príncipe Harry e de sua mulher, Meghan Markle, de se afastarem de seus deveres como parte da família real britânica surpreendeu muita gente, mas a decisão foi precedida por diversos sinais — alguns deles públicos. É o que revela hoje, 09.01.2020, a BBC de Londres, em sua revista eletrônica.

Como foi divulgado ontem, quarta-feira, (08/01), eles anunciaram que deixarão de ser membros seniores da realeza britânica.

"Depois de muitos meses de reflexão e discussões internas, nós decidimos fazer uma transição neste ano, começando a desempenhar um novo papel progressivo dentro desta instituição."

O casal afirmou num comunicado à imprensa que  pretende agora "trabalhar a fim de ser financeiramente independente" e que pretende dividir o seu tempo entre o Reino Unido e a América do Norte, leia-se, Canadá.

Além disso, disseram que dividirão seu tempo entre o Reino Unido e a América do Norte.

"Esse equilíbrio geográfico nos permitirá criar nosso filho com apreço pela tradição real na qual ele nasceu, mas também dará à nossa família o espaço necessário para nos concentrarmos em nossos próximos passos, incluindo o lançamento de uma nova entidade beneficente."

Mas o que há por trás dessa decisão? Indaga-se, especialmente, no Reino Unido.

Segundo a BBC, estas são algumas peças da medida praticamente sem precedentes da história da realeza britânica.

A decisão do duque e da duquesa de Sussex foi tomada, como disseram, depois de meses de reflexão e debate dentro da família.

Mas só em outubro passado o público britânico teve informações sobre o pensamento do casal, por meio de um documentário da rede ITV produzido durante um tour deles pela África.

No filme, Meghan afirma que a adaptação da vida real havia sido muito "difícil" e que não estava preparada para o nível de escrutínio intenso da mídia, apesar dos alertas dados por seus amigos britânicos de que os periódicos poderiam "destruir" sua vida.

Perguntada sobre como Harry lidava com a situação, Meghan afirmou: "Eu digo há muito tempo a H — é que o chamo —, que não é suficiente apenas sobreviver a algo, esse não é o objetivo da vida. Você tem que evoluir."

O príncipe Harry também descreve o estado de sua saúde mental e a maneira como lida com as pressões de sua vida como uma questão que exige "cuidados constantes".

"Eu pensei que estava fora de perigo e, de repente, tudo voltou, e isso é algo que tenho de gerenciar. Parte desse trabalho significa ter de manter a compostura, mas, para mim e minha mulher, há muitas coisas (divulgadas pela mídia) que machucam, especialmente quando a maior parte não é verdadeira."

Questionado sobre relatos da mídia sobre uma briga entre ele e o irmão, o duque de Sussex disse que "inevitavelmente, coisas acontecem" como resultado da "pressão sob a qual a família vive".

"Somos irmãos. Sempre seremos irmãos. Estamos certamente trilhando caminhos diferentes no momento, mas eu sempre o apoiarei, porque sei que ele sempre me apoiará."

O repórter da BBC para assuntos da realeza Jonny Dymond, afirmou que por trás da decisão do casal de se afastar havia "grande parte" do trabalho da família real que o casal "simplesmente não suportava".

Segundo Dymond, "ambos pareciam ganhar vida no encontro com as multidões, mas Harry odiava as câmeras e ficava claramente entediado pelos cerimoniais".

Perto do fim do ano passado, o príncipe afirmou que ele e Meghan processariam o tabloide The Mail On Sunday, acusado de publicar ilegalmente uma carta escrita pela duquesa — o veículo manteve sua decisão de publicar o material.

Ele acusou ainda o tabloide de enganar leitores ao publicar uma carta pessoal, omitindo estrategicamente parágrafos, frases e palavras específicas "para mascarar as mentiras que eles contaram por mais de um ano".

"Perdi minha mãe e agora vejo minha esposa sendo vítima das mesmas forças poderosas", declarou Harry à época.

Ao falar da morte inesperada de sua mãe, a princesa Diana, em 1997, ele disse: "Já vi o que acontece quando alguém que amo é tão mercantilizado ao ponto de não ser tratado ou visto como uma pessoa de verdade".

Foi uma decisão em família?

A resposta mais provável a esta pergunta é "não".

A BBC apurou que nenhum outro membro da realeza foi consultado sobre a decisão, nem mesmo a rainha Elizabeth 2ª ou o irmão, príncipe William, antes da divulgação do comunicado na quarta-feira.

Um porta-voz do palácio real afirmou à BBC que a família estava "decepcionada".

Segundo ele, as discussões com o casal estão agora em um estágio inicial: "Entendemos seu desejo de adotar uma abordagem diferente, mas esses são problemas complicados que levarão tempo para serem resolvidos".

Fontes próximas à família real afirmam que rainha Elizabeth 2ª não foi consultada sobre decisão
Para Jonny Dymond, da BBC, a ausência de consulta prévia provavelmente causará estragos.

"Há claramente um abismo relevante entre Harry e Meghan, por um lado, e o resto da família real, por outro", afirmou o jornalista.

Esta foi uma decisão sem precedentes?

Dickie Arbiter, ex-funcionário de comunicação do Palácio de Buckingham, comparou a decisão do casal à abdicação de Eduardo 8º em 1936, que deixou a coroa para se casar com a americana Wallis Simpson, que já havia se divorciado duas vezes.

"Esse é o único outro precedente, mas não havia nada como isso na história recente", afirmou.

Para ele, a decisão mostra que o príncipe Harry está deixando "a emoção comandar a razão" e que o "massacre" da imprensa no nascimento do filho do casal pode ter tido papel importante na decisão.

Rei Eduardo 8º, tio avô de Harry, abdicou do trono para se casar com a americana Wallis Simpson, que havia se divorciado duas vezes.

Até agora, a publicação da decisão na conta de Instagram oficial do casal já recebeu mais de 1,4 milhão de likes e 80 mil comentários, divididos entre mensagens de apoio e críticas.

O apresentador de TV Piers Morgan culpou Meghan pela separação da família real e pelo afastamento entre Harry e o irmão William.

"As pessoas dizem que sou crítico demais com Meghan Markle, mas ela abandonou sua família, abandonou seu pai, abandonou a maioria de seus velhos amigos, separou Harry de William e agora o separou da família real. Não há mais nada a dizer", escreveu Morgan.

A escritora e jornalista Caitlin Moran afirmou no Twitter: "É absolutamente justo que Meghan e Harry tenham decidido sair da arena, ganhar seu próprio dinheiro e se libertar do trabalho miseravelmente indefinido de 'ser realeza'. Que outra decisão sensata eles poderiam ter tomado depois do ano passado?".

"Harry já havia sido muito claro de que não queria trono, títulos, nada disso. Muito antes de Meghan aparecer em cena. E agora ele está suficientemente longe da linha sucessória para ir", escreveu o escritor americano Mikki Kendall.

Harry é o sexto na linha de sucessão do trono britânico, depois do pai (príncipe Charles), do irmão (príncipe William) e dos três sobrinhos, filhos de William.

O que acontece agora?

O casal disse que dividiria seu tempo entre Reino Unido e a América do Norte, e também anunciou o lançamento de uma nova instituição de caridade. Mas o local e o objetivo da nova entidade não estão claros.

Durante o Natal, o casal se afastou temporariamente de suas funções reais para passar algum tempo no Canadá com seu filho, Archie, nascido em maio.

Após retornar ao Reino Unido, nesta terça (7), Harry, 35, e Meghan, 38, visitaram o Alto Comissariado do Canadá em Londres para agradecer ao país por recebê-los e afirmaram que o carinho e a hospitalidade com que foram recebidos foram "inacreditáveis".

Casal deve passar parte do tempo no Canadá, onde Meghan viveu quando era atriz
Quando atuava na série de TV americana Suits, Meghan morou e trabalhou em Toronto. É também o lar de seus amigos, Jessica e Ben Mulroney, descritos como um casal poderoso na cidade pela revista Toronto Life.

É provável que o Harry, Meghan e Archie passem um tempo também na terra natal dela — sua mãe, Doria Ragland, mora na Califórnia.

Em termos de carreira, o duque concentrou-se nos últimos anos nos esforços de conservação na África e na organização dos Jogos Invictus para membros das Forças Armadas que se feriram ou ficaram doentes.

Meghan, por sua vez, passou pelo Teatro Nacional britânico e pela organização beneficente Smart Works.

O casal afirmou que continuaria usando redes sociais — a conta do Instagram tem 10 milhões de seguidores — para compartilhar "momentos de suas vidas diretamente com o público", sem intermediação da mídia que cobre oficialmente a família real.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Alinhado aos EUA, Brasil pode deixar de vender US$ 1 bi ao Irã este ano

O Brasil corre o risco de perder cerca de US$ 1 bilhão em exportações para o Irã este ano, por ter apoiado publicamente os Estados Unidos na crise causada pelo assassinato, no Iraque, do general iraniano Qassem Soleimani. A estimativa é de  Romana Dovganyuk, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Irã.

Segundo ela, com o aumento das encomendas de produtos como milho, soja, carne bovina, café e outras commodities agrícolas, a balança comercial brasileira registraria um superávit recorde acima de US$ 3 bilhões em 2020. Isso significa que, ao contrário do que disse esta semana o presidente Jair Bolsonaro, que iria manter o comércio com o Irã, haverá perdas econômico-comerciais por motivos políticos.

- Vamos perder mercado por causa de uma decisão política. Se o lado americano é mais confortável, o governo brasileiro deveria ser neutro nessa questão, e não tomar partido - afirmou Romana ao GLOBO.

Ela alertou que os importadores iranianos têm como mercados alternativos a Ucrânia, a Rússia e o Cazaquistão. São países fornecedores de alimentos que poderiam substituir o Brasil.
Segundo técnicos do governo brasileiro, o desapontamento de Teerã com a posição de Bolsonaro - divulgada em uma nota do Itamaraty na última sexta-feira - pode tornar o intercâmbio comercial mais complicado do que já é.

Um exemplo de dificuldade ocorreu no ano passado, quando dois navios iranianos carregados de milho ficaram dias atracados no porto de Paranaguá (PR), impedidos de zarpar pela Petrobras. A petroleira se negou a fornecer o combustível às embarcações, sob a justificativa de que elas estariam em uma lista de sanções dos EUA.

Dados do Ministério da Economia mostram que, de janeiro a novembro de 2019,  o Brasil exportou US$ 2,1 bilhões para o Irã e importou US$ 88 milhões. A maior parte das compras do Irã é ureia - insumo importante para a fabricação de fertilizantes agrícolas. O Irã é o maior importador de milho brasileiro e o quinto de soja.

De acordo com Marcos Jank, professor e pesquisador sênior de agronegócio global no Insper, de forma global, o Irã é o quinto mercado de destino de produtos agropecuários do Brasil. Fica atrás apenas de China, União Europeia, EUA e Hong Kong.

- O Brasil vem ganhando cada vez mais importância como fornecedor. Tornou-se o maior exportador de milho e soja do mundo, devido à redução nas safras americanas - afirmou.
Jank enfatizou que o Iraque também é um mercado importante. Do total de US$ 9 bilhões exportados pelo Brasil para o Oriente Médio, US$ 2,5 bilhões foram comprados por iranianos e iraquianos.

- Temos que ter prudência neste momento. São mercados importantes.

Um estudo concluído nesta quarta-feira pelo Insper mostra que, ao longo desta década, o Oriente Médio importou entre US$ 90 bilhões e US$ 100 bilhões por ano. Os principais compradores foram Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Turquia, Irã, Iraque e Israel. O Brasil foi o principal fornecedor para a região, seguido por Índia, EUA, Rússia e Ucrânia.

(Texto de Eliane Oliveira, repórter de O Globo, em Brasília. Publicado originalmente em oglobo.globo.com às 15:26  horas e atualizado às 17:11 de hoje, 08.01.2010).

Harry e Meghan renunciam a privilégios e anunciam mudança para o Canadá

O príncipe Harry e sua mulher, Meghan Markle, anunciaram, nesta quarta-feira, em seu perfil no Instagram, que eles se dividirão entre Reino Unido e a América do Norte em 2020. O anúncio vem depois de especulações da imprensa britânica de que o casal abdicaria de seus títulos reais e se mudaria definitivamente para o Canadá por estarem sendo deixados de lado pela família real.

No comunicado, Harry e Meghan afirmam que serão financeiramente independentes e não mais "membros seniores" da família. A decisão, garantiram, foi tomada após meses de reflexão. "Pretendemos dar um passo atrás como membros "seniores" da família real e trabalhar para nos tornar financeiramente independentes, enquanto continuamos a apoiar totalmente Sua Majestade a Rainha", afirmaram no comunicado. Na prática, os dois abrirão mão do protocolo real, ou seja, de acompanhar a rainha Elizabeth II em eventos oficiais.

O duque e a duquesa em seu primeiro compromisso oficial do ano Foto: Chris Jackson / Getty Images
O Duque e a Duquesa em seu primeiro compromisso oficial 
do ano. (Foto: Chis Jackson/ Getty Imagens).

Aos 35 anos, Harry é o sexto na linha de sucessão ao trono, atrás de seu pai, o príncipe Charles, seu irmão, William, e dos sobrinhos, George, Charlotte e Louis. O príncipe é casado com Meghan Markle desde maio de 2018 e eles têm um filho, Archie Harrison, que nasceu um ano depois. O menino, no entanto, não usa nenhum título por desejo expresso dos pais.

Imprensa britânica especula que casal possa até desistir dos títulos.

Sobre dividirem-se entre os dois países, declararam:"Esse equilíbrio geográfico nos permitirá apreciar nosso filho com a tradição real em que ele nasceu, além de proporcionar à nossa família o espaço para se concentrar no próximo capítulo, incluindo o lançamento de nossa nova entidade beneficente"

O casal tinha acabado de voltar de uma temporada de descanso no Canadá quando surgiram boatos de que eles pudessem se mudar definitivamente para o país. O jornal britânico The Sun garante que amigos do casal apoiam a mudança. Tom Bradby, que rodou o documentário "Harry & Meghan: Uma Jornada Africana" disse que o príncipe e Meghan estavam "considerando opções". Ao programa Morning Britain desta quarta, ele afirmou: "Não é um grande segredo para os amigos que eles estejam considerando suas opções no futuro".

Meghan Markle morou no Canadá por sete anos antes de conhecer o príncipe e se sente em casa no país. Um amigo afirmou ao The Sun que "eles gostaram muito do Natal e do Ano Novo lá, quando não foram fotografados nenhuma vez e foram deixados em paz".

Em entrevistas para o documentário, que foi ao ar em outubro, o casal já havia falado da dificuldade de viver sob intenso escrutínio da imprensa. Semanas antes, os dois entraram com uma série de ações judiciais contra as táticas invasivas dos jornalistas britânicos.

(Publicado originalmente em O Globo, às 14 horas e atualizado às 17:10 de hoje, 08.01.2010).

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

'Governo Bolsonaro se afastou do combate à corrupção', afirma Santos Cruz

Após deixar ministério, Santos Cruz voltou a atuar junto à ONU, tachada de 'globalista' pelo governo atual

Demitido do governo em junho, o ex-ministro da Secretaria de Governo general Carlos Alberto dos Santos Cruz hoje quer distância do presidente Jair Bolsonaro.

O militar da reserva pensa em se filiar a um partido político e disputar eleição no futuro - ainda não sabe por qual sigla e para qual cargo, mas tem certeza que não fará isso ao lado do seu antigo chefe.

Para ele, Bolsonaro deixou o PSL para criar uma nova sigla, a Aliança pelo Brasil, não por divergência ideológica, mas devido a disputas para controlar dinheiro dos fundos partidário e eleitoral.

"Eu não entraria em um partido hoje do presidente Bolsonaro de jeito nenhum. Ele tem valores que não coincidem com os meus; ele tem atitudes que eu acho que não têm cabimento", disse, em entrevista à BBC News Brasil.

Santos Cruz deixou o governo após sofrer uma onda de ataques nas redes sociais que teria sido orquestrada por um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). A campanha de difamação incluiu uma imagem, falsa segundo o general, de uma conversa dele com ataques ao governo.

Bolsonaro e Santos Cruz sentados à mesa diante de laptop em reunião

"Uns criminosos vagabundos de baixo nível fazem aquilo, entregam para o presidente (a imagem forjada), incrivelmente ele acredita naquilo e incrivelmente ele até hoje se nega a dizer quem levou aquilo para ele. São coisas que não se pode esperar de uma autoridade que tem essa responsabilidade", afirma.

Desde então, o general retomou uma intensa agenda de viagens pelo Brasil e o exterior. Prestigiado internacionalmente após ter comandado a maior missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), chefiando mais de 23 mil capacetes azuis na República Democrática do Congo entre 2013 e 2015, ele voltou a atuar junto à instituição que hoje é tachada de "globalista" pelo governo brasileiro.

O general conta que a política externa de Bolsonaro, marcada por uma "alinhamento automático" aos Estados Unidos, tem causado surpresa entre atores internacionais.

"É completamente ideológica (a política externa). Desde o discurso de posse do ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo), quase transformando a Bíblia num plano de governo", critica.

Ao fazer um balanço do primeiro ano de Bolsonaro, Santos Cruz aponta incoerências com o discurso de campanha, marcado pela bandeira anticorrupção.

'Não entraria em um partido hoje do presidente Bolsonaro de jeito nenhum', disse ex-ministro Santos Cruz em entrevista à BBC News Brasil.

Na sua avaliação, o governo trouxe "desilusão para muita gente" nessa área, citando como exemplo pressões sobre o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e o enfraquecimento do Coaf - órgão que foi rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira e teve sua atuação limitada por quatro meses após o STF atender um recurso de outro filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Sem partido-RJ), investigado por suposto desvio de verba do seu antigo gabinete de deputado estadual.

O ex-ministro mostra mais otimismo com o governo na área econômica, mas diz que é preciso "prestar atenção pra não ficar só na matemática financeira", sem chegar nos mais desfavorecidos.

Questionado pela BBC News Brasil sobre declarações do presidente e seus filhos em apoio à Ditadura Militar (1964-1985), Santos Cruz diz que "é o tipo de manifestação completamente deslocada no tempo, infeliz". Ao contrário de Bolsonaro, ele não comemora a tortura e assassinatos políticos praticados pelo regime militar (são 434 entre mortos e desaparecidos), mas evita apontar os erros dos governos desse período e equipara os crimes de agentes do Estado aos dos grupos armados que militavam contra a ditadura.

"Essas deformações dos dois lados não podem acontecer de novo. Então, seja do Brilhante Ustra (coronel que comandou torturas) ou seja dos criminosos da esquerda, isso não pode acontecer novamente", rechaça.

"Não adianta ficar trazendo e discutindo coisas (do passado) pra um Brasil que hoje tem 12,5% de desempregados, que tem que fazer uma conciliação, que tem que parar com a divisão social, com os grupos extremistas que nós temos aí hoje", reforça.

Confira a seguir a entrevista concedida em 27 de dezembro, de sua residência, em Brasília.

BBC News Brasil - O senhor tem viajado muito desde que deixou o governo. Já esteve em Nova York, na Coreia do Sul, acaba de voltar do Congo, e em janeiro estará nos Estados Unidos novamente. Que trabalhos tem realizado nesses países?

Carlos Alberto dos Santos Cruz - Eu tenho participado de alguns eventos da Organização das Nações Unidas (ONU). Na Coreia do Sul, por exemplo, foi um curso para civis e militares para exercer as funções mais altas nas operações de paz da ONU. Em Nova York, foi um treinamento específico para pessoas que já estão em função, como por exemplo nas Colinas de Golã, em Abyei (região disputada por Sudão e Sudão do Sul), no Western Sahara (Saara Ocidental, território entre Marrocos, Mauritânia e Argélia). E agora fui liderar uma equipe de cinco pessoas, contando comigo, para fazer uma avaliação da violência ali na região leste do Congo, na fronteira com Uganda. Tem vários outros trabalhos também, dentro do Brasil (tenho feito) muitas viagens. Já era uma rotina que eu tinha interrompido para trabalhar no governo por um tempo.

BBC News Brasil - Nas viagens ao exterior, as pessoas perguntam sua avaliação sobre o governo? Qual a impressão que elas têm da gestão Bolsonaro?

Santos Cruz - As pessoas com as quais eu tenho contato, que se interessam mais por política internacional e acompanham o Brasil, elas realmente ficaram um pouco surpresas com algumas posições do governo, mas veem a eleição do presidente como uma eleição absolutamente normal. Algumas posições é que chamam atenção.

BBC News Brasil - Por exemplo?

Santos Cruz - A política externa do Brasil chama muita atenção. Alguns posicionamentos como foi o caso da eleição na Argentina, algumas ideias como trocar a embaixada nossa (em Israel) de Tel Aviv para Jerusalém, o nosso voto na ONU agora em relação ao embargo de Cuba (pela primeira vez o Brasil votou contra a resolução que condena o embargo americano a Cuba; apenas Israel também ficou ao lado dos EUA).

BBC News Brasil - No caso da Argentina, o senhor se refere ao apoio do presidente Bolsonaro à reeleição do Mauricio Macri, que acabou derrotado pelo Alberto Fernández?

Santos Cruz - Não é bem o apoio à reeleição do Macri, uma coisa até que já se sabia que seria o posicionamento dele, mas em dizer que a Argentina iria fazer uma péssima opção (com a eleição de Fernández), quando é um problema absolutamente argentino.

BBC News Brasil - Em mensagem de Natal transmitida em cadeia nacional de televisão, o presidente Bolsonaro afirma que seu governo acabou com a ideologia na política externa. Isso aconteceu?

Santos Cruz - Acho que não, acho que é completamente ideológica. Desde o discurso de posse do ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo), quase transformando a Bíblia num plano de governo, e outras como a parte de mudar nossa embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, a maneira como se aproximou dos Estados Unidos. (Quero dizer,) Não se aproximou, porque nós somos próximos dos Estados Unidos, mas a maneira como mostrou essa prioridade sem nenhum cuidado.

BBC News Brasil - Um alinhamento?

Santos Cruz - Um alinhamento automático. Isso é absolutamente ideológico. Depois, houve um retrocesso (no viés ideológico) do próprio discurso de campanha quando (Bolsonaro) dizia que a China ia comprar o Brasil, que isso não ia ser permitido, etc, (e em outubro) acabou viajando para a China. Então você pode considerar até que deu para trás ideologicamente por uma questão de necessidade. O restante foi absolutamente ideológico.

General fala em 'alinhamento automático' do Brasil aos EUA ao comentar a política externa de Bolsonaro

BBC News Brasil - O senhor considera que isso está afetando a imagem do Brasil e a forma como os outros países se relacionam conosco?

Santos Cruz - Sem dúvida nenhuma. Você vê que o presidente Bolsonaro não pôde ir à Nova York receber um prêmio (da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos em maio). Nova York é um lugar internacional que todo mundo vai. O presidente do Brasil não pôde ir por que? Por causa de condutas ideológicas que prejudicaram a imagem dele.

BBC News Brasil - Nessa mensagem de Natal, o presidente começa agradecendo "em especial a grande parte da população brasileira que me deu a missão de ser presidente dessa nação". Chama atenção ele se direcionar especialmente ao eleitorado dele. Na sua avaliação, o presidente está governando para todos os brasileiros ou está muito focado em sua base eleitoral?

Santos Cruz - Já passou tanto tempo, um ano depois, não sei se é o caso mais (de agradecer aos eleitores). É a mesma coisa que eu dar parabéns pra você pelo aniversário do ano passado. Eu não vi o discurso, mas o presidente tem que ser presidente para todo mundo. Estamos tendo um problema no Brasil que é o perdedor não reconhecer que perdeu e o vencedor parece que não vê que tem que governar para todo mundo. Logo após a eleição é normal você agradecer seus eleitores. Um ano depois não sei nem se é conveniente. Agora, também tem o lado oposto. Nós estamos vivendo essa polarização, tem dois extremos, tem o extremo ideológico atual e o extremo ideológico dos governos anteriores, basicamente de esquerda.

BBC News Brasil - O presidente demitiu ministros próximos, como o senhor e o Gustavo Bebianno. Além disso, o partido que o elegeu, o PSL, hoje está totalmente fragmentado no Congresso. Na sua leitura, por que o presidente briga com seus próprios aliados? Falta capacidade de dialogar e lidar com as diferenças nesse governo?

Santos Cruz fala ao microfone diante de plateia

Santos Cruz - O que eu vejo é que o partido que elegeu o presidente saiu de 2 para 55 deputados (com a eleição de 2018), sem estrutura, sem liderança firmada, sem ter uma tradição de partido. Então, esse é um primeiro problema, é possível uma fragmentação caso não fosse feito um trabalho de liderança que eu acho que faltou. Outra coisa é que essa fragmentação não é por uma questão ideológica. Não vejo ideologia nessa fragmentação. Eu vejo uma disputa de liderança principalmente por controle de recursos, o fundo partidário é muito forte no Brasil e no ano que vem o fundo eleitoral é outro valor grande (serão R$ 2 bilhões, dos quais cerca de R$ 185 milhões devem ir para o PSL). Então, eu vejo essa divisão, essa briga toda, mais vinculada a controle de recursos de fundo partidário, de fundo eleitoral, do que de discordância em filosofia. Não tem discordância em filosofia, tem briga política por controle (de recursos), por poder, só isso.

BBC News Brasil - Em entrevista recente ao jornalista Pedro Bial, o senhor descartou totalmente participar da criação do Aliança pelo Brasil.

Santos Cruz - Tem alguns partidos que eu não entraria de jeito nenhum, esse é um deles

BBC News Brasil - Qual é a sua discordância tão forte, por que o senhor não se vê nesse partido?

Santos Cruz - Em primeiro lugar, eu não entraria em um partido hoje do presidente Bolsonaro de jeito nenhum. Até por uma questão de conduta, não é pela filosofia do partido, não. Ele tem valores que não coincidem com os meus, ele tem atitudes que eu acho que não têm cabimento. Então eu não entraria de jeito nenhum para esse partido, assim como não entraria para o PT, para o PSOL, para outros de esquerda.

BBC News Brasil - Quais valores o senhor vê de tão diferente entre o senhor e o presidente?

Santos Cruz - Em primeiro lugar, a maneira como se conduz as coisas. A maneira de se tratar dos problemas, a maneira de você ser honesto nos seus propósitos e como você lida com as pessoas. A influência familiar, por exemplo, eu acho que não é boa, a sociedade brasileira não aceita. Ela votou no presidente Bolsonaro, ela não votou na família Bolsonaro. Na sociedade brasileira, a gente não gosta nem que parente se meta na vida particular da gente, muito menos num ambiente nacional. O presidente tem uma responsabilidade muito grande e todas essas interferências acabam trazendo desgaste para ele mesmo, eu acredito. É uma coisa que os assessores precisam alertar muitas vezes. São momentos até um pouco mais... não constrangedores, mas mais delicados para os assessores, mas eles têm que assessorar, né?

BBC News Brasil - O senhor tentou alertar o presidente sobre isso?

Santos Cruz - Não só isso, eu acho que no nosso sistema ali você tem dentro do Palácio quatro ministros: Segurança Institucional (general Augusto Heleno), a Secretaria-Geral (Jorge Antônio Oliveira), a Casa Civil (Onyx Lorenzoni) e a Secretaria de Governo (general Luiz Eduardo Ramos). Esses quatro (cujos gabinetes ficam) ali dentro do Planalto naturalmente são mais próximos, os outros já são mais espalhados na Esplanada, o contato físico é até um pouco menor. Então, quando percebe alguma coisa tem que exercer sua função, dizer com honestidade. Com educação, mas com honestidade.

E claro que têm coisas que não são do inteiro agrado da autoridade, mas o meu caso, por exemplo, eu era um assessor que não dependia daquilo como emprego. E por minha característica pessoal também não dependia daquilo emocionalmente, (é) uma coisa que não me faz falta nenhuma. Pelo contrário, eu deixei de fazer coisas que eu gostava e até mais rendosa (mais bem remunerada) para tentar ajudar dentro de um projeto porque eu acreditava que o presidente Bolsonaro foi a melhor opção na eleição, não tenho dúvida nenhuma. Naquele momento, ele era a melhor opção e, naquilo que ele falava, eu fui lá para tentar ajudar.

Agora, é normal o presidente também (trocar ministros). Eu acho que não existe nenhum governo no mundo que começa e acaba com os mesmos ministros. O que não é normal é o que está acontecendo aqui quando você vê a interferência (dos filhos), familiares se metendo no Twitter, dando opinião sobre conduta de ministro. E coisa falsa sendo entregue para o presidente, mas o presidente não quer dizer quem é que entregou a falsidade para ele. Então, esse tipo de atitude são coisas que saem da normalidade.

BBC News Brasil - O senhor está se referindo a um diálogo forjado envolvendo o senhor que foi dado ao presidente?

Santos Cruz - Lógico, isso aí depõe contra meus 40 anos de vida militar aonde você cultua exatamente a honestidade. Então, uns criminosos vagabundos de baixo nível fazem aquilo, entregam para o presidente, incrivelmente ele acredita naquilo e incrivelmente ele até hoje se nega a dizer quem levou aquilo para ele. Então, são coisas que não se pode esperar de uma autoridade que tem essa responsabilidade.

[Nota da redação: em maio, circulou nas redes sociais a imagem uma suposta conversa por WhatsApp em que Santos Cruz teria criticado Jair Bolsonaro e seu filho Carlos no dia 6 daquele mês; o ex-ministro diz que a imagem é falsa e que estava em uma viagem de avião no horário da suposta conversa.]

BBC News Brasil - Outro militar que deixou o governo foi o general Maynard Santa Rosa que se demitiu em novembro da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Em entrevista ao UOL, ele disse que o presidente Bolsonaro se cercou de "um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos que fazem uma espécie de cordão magnético em torno e filtram o acesso". O presidente se isolou num em torno de jovens mais radicais no Planalto?

Santos Cruz - Em primeiro lugar, eu acho que ele tem todo o direito de escolher quem ele quer. No meu caso, por exemplo, que eu saia do governo está absolutamente dentro de uma prerrogativa do presidente. Não tem nada de anormal. Eu conheço muita gente de 25, 30 anos que é extremamente competente. Eu acho que quando o general Santa Rosa disse isso ele estava se referindo a um pequeno (grupo), alguns que trabalham diretamente dentro do gabinete do presidente que não tem experiência nenhuma para ser um assessor presidencial. Acredito que ele se referiu a essas pessoas. Eu não tenho restrição de idade. Se você olhar aí para a relação de pessoas que foram presas na Lava Jato você não vai encontrar muita gente jovem. Então, idade não tem muito a ver não, o que tem a ver é a experiência e a função da pessoa.

BBC News Brasil - Um desses jovens assessores é o Felipe Martins, que atua principalmente na política externa. Como avalia sua atuação?

Santos Cruz - Eu acho que não tem a mínima condição de ser um assessor de nível presidencial em assuntos internacionais. Isso é o que eu acho, agora, o presidente não acha. Você tem o Itamaraty com uma grande quantidade de pessoas com experiência, mas o presidente tem o direito de escolher quem ele quiser. É uma questão que não envolve nenhum erro. É uma opção do presidente e ele que carregue o peso dessa escolha.

BBC News Brasil - Nessa entrevista, o Santa Rosa também falou sobre sua saída do governo. Segundo ele, isso teve relação com o controle das verbas da Secretaria de Comunicação, pois o Carlos Bolsonaro queria direcioná-las para algum grupo e o senhor teria se oposto. O senhor confirma que seria esse o motivo?

Santos Cruz - Olha, se (Carlos Bolsonaro) queria ou não, eu não sei, porque comigo isso não iria acontecer sem dúvida. Jamais o Carlos Bolsonaro falou comigo sobre isso, também não adiantaria falar porque se fosse isso eu não iria concordar, porque, em primeiro lugar, ele não tem função nenhuma no governo. Segundo, se ele tem capacidade para gerenciar isso daí, eu digo: põe a chuteira, a camiseta, aquece, entra em campo e vai trabalhar, né? Ficar na posição confortável de crítica também não é o caso. Mas jamais teve esse tipo de proposta para mim. Eu não aceitaria isso. Acho que comunicação de governo não pode ser usada como instrumento de poder, não pode ser usada como instrumento de ideologia. Se não a gente vai cair no erro dos governos anteriores, vamos voltar lá para o PT. A comunicação de governo tem que ser esclarecedora e não pode ser uma área que você utiliza para a manutenção do poder.

Santos Cruz deixou governo após sofrer uma onda de ataques que teria sido orquestrada por um dos filhos do presidente, vereador Carlos Bolsonaro (na foto, à esquerda)
BBC News Brasil - Por exemplo, direcionando recursos para pessoas aliadas, blogueiros?

Santos Cruz - Não (pode), se não nós vamos voltar para o mesmo problema anterior.

BBC News Brasil - Fala-se na existência de um gabinete de ódio que operaria dentro do Palácio do Planalto, orquestrando ataques a supostos adversários. O senhor se sente vítima disso?

Santos Cruz - Olha, pode ter sido. Isso é um caso policial, isso não é um caso de filosofia, ou de método de governo. Isso é simplesmente um caso policial, é pegar os casos produzidos de falsidade de informação, de injúria, de difamação, tratar disso daí de maneira policial. É fácil você chegar nos autores através de tecnologia existente e processar na forma da lei essas pessoas. Se elas estiverem dentro do Palácio, que sejam processadas, não interessa quem, não tem ninguém acima da lei, nem que trabalhe dentro de um palácio em todas as funções. Então, se existe esse tal gabinete de ódio, acho que existe essa possibilidade de você identificar tecnicamente e mover ação judicial.

BBC News Brasil - Em relação ao que o presidente prometeu fazer na campanha eleitoral e frente ao que aconteceu neste primeiro, qual o saldo que o senhor tira do governo?

Santos Cruz - Em termos de resultado, é um governo que acertou em algumas coisas, errou em outras, como é normal em qualquer governo, nada de excepcional. A parte econômica, que sempre foi um problema bastante crítico, teve um crescimento do PIB no mesmo patamar do governo (de Michel) Temer, que tinha 5% de aprovação (contra 30% de Bolsonaro, segundo o Datafolha). Então, não vejo problema nenhum.

Em relação à campanha, houve algumas mudanças. A primeira delas: a reeleição. Ele dizia que não iria continuar com a reeleição etc, com quatro meses estava aberta a campanha de reeleição. Outra coisa: o combate à corrupção, que foi o carro-chefe, digamos assim, junto com o antipetismo, o combate à corrupção não ficou tão caracterizado e acho até que em alguns pontos se afastou, se afastou disso aí. E isso aí eu acho que trouxe desilusão para muita gente.

A parte política, o destaque acho que ficou para o Congresso que trabalhou. O Congresso foi a grande estrela da política nesse ano.

BBC News Brasil - Ofuscou o papel do Bolsonaro?

Santos Cruz - Não, não ofuscou o presidente porque o presidente se manteve na mídia, mas por outras razões. O presidente se manteve na mídia até por característica de comportamento, não é bem por desempenho político. Então, eu vejo um ano que chama atenção o grupo ideológico, a seita ideológica foi muito ativa e monopolizou muito a atenção da mídia. Para mídia, isso é bom, brigas e acusações e xingamentos e coisa de baixo nível. Então, no total, foi um governo com algumas coisas boas outras coisas não, mas acho que tem alguma expectativa de algumas coisas boas à frente.

BBC News Brasil - Por exemplo, o que o senhor está esperando de positivo?

Santos Cruz - A parte de econômica normalmente é uma área que demora a dar resultado. Vamos ver se a área econômica, mais um ano, mais seis meses, oito meses, ela começa dar frutos. Você tem áreas muito boas como é o caso da agricultura com a ministra Tereza Cristina. A parte da infraestrutura é uma parte técnica, né? O Brasil é tão ineficiente em infraestrutura que você pode fechar os olhos e colocar o dedo no mapa e fazer alguma coisa. E o ministro (Tarcísio de Freitas) é bom. A área econômica é boa, eu tenho algumas restrições como cidadão, mas a área é boa. A restrição é que tem que prestar atenção pra não ficar só na matemática financeira, tem que chegar nos mais desfavorecidos.

BBC News Brasil - A última pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que a avaliação positiva do presidente é de 30% na população de forma geral e cai para 22% entre os mais pobres. A que o senhor atribui essa insatisfação maior dos mais pobres? Será que tem a ver com a área econômica?

Santos Cruz - Olha, as pessoas mais pobres foram por longo tempo manipuladas pelo governo com diversos benefícios. Benefícios que você tem que dar para os mais desfavorecidos, não tem saída. Não pode deixar sofrendo, tem que ajudar. Mas você não pode fazer disso daí uma exploração política, se não se torna uma coisa desumana. Eu dou sempre como exemplo o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) na beira das estradas por 15, 20 anos, sem ninguém resolver o problema. Isso aí caracteriza que aquela massa ali tem que continuar daquela maneira. É o caso (da pobreza) do Nordeste: você tem que dar o benefício, mas também tem que resolver o problema. Então, é um público muito sensível, porque tem muita necessidade. A queda (da aprovação entre os mais pobres) que você está dizendo do governo (é) porque o governo está com muitas medidas econômicas, até bastante eufóricas, como 'ah, a bolsa de valores chegou a 116 mil pontos', mas o que que isso aí significa lá para o elemento que está necessitado? Não significa nada por enquanto, pode ser (que signifique) na frente.

'Ah, mas agora a taxa Selic está 4,5%'. Sim, esse juro é bom pra quem? É para o mais pobre? Pode ser para o classe média e baixa que está comprando casa etc, mas para aquele bem necessitado não, isso aí não chegou nele. Então, você tem várias razões para a pessoa necessitada, os mais pobres, terem sempre restrições.

O juro caiu para 4,5%, mas a pessoa mais pobre que usa o cartão de crédito como empréstimo paga 300%, é uma coisa absurda. Eu não pago porque normalmente eu tenho dinheiro no final do mês para pagar tudo que eu usei no cartão de crédito, mas aquele que usa como empréstimo está num nível muito forte de exploração.

Sobre política econômica do governo, ex-ministro diz que 'tem que prestar atenção pra não ficar só na matemática financeira, tem que chegar nos mais desfavorecidos'

BBC News Brasil - Falta um pouco de sensibilidade para o atual governo ao lidar com esse grupo? Por exemplo, eles anunciaram um programa para combater o desemprego em que os recursos vêm da taxação do seguro desemprego.

Santos Cruz - Você tem que ter muito cuidado, é uma massa muito sensível. Por exemplo, até para as pessoas que não são as mais necessitadas, mas tem algum limite pequeno no cheque especial, (tem que) pagar um percentual para o banco mesmo que não utilize aquele limite. São coisas assim... A área bancária no Brasil é uma das áreas mais bem remuneradas e favorecidas. São poucos bancos que dominam tudo, que tem bilhões de lucros. Então, vejo (a Economia) como uma área muito boa mas a gente não pode nunca esquecer que não é só grandes resultados de matemática financeira, isso aí tem que chegar no pessoal mais pobre.

BBC News Brasil - No caso da corrupção, o senhor me pareceu que se frustrou ou viu uma incoerência na atuação do governo em relação ao discurso de campanha. O que o senhor vê de errado nesse campo nesse governo?

Santos Cruz - (O combate à) Corrupção, da maneira que estava estruturada no momento da eleição, você tinha operação Lava Jato, na realidade a Polícia Federal, Ministério Público trabalhando nisso, você tinha o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, hoje renomeado Unidade de Inteligência Financeira). São os instrumentos (com) que você combate corrupção, controlando lavagem de dinheiro. Esses mecanismos sofreram um pouco de desgaste. O Coaf, quando foi para o Banco Central (por escolha do governo Bolsonaro), muitos percebem que ele trocou de nome e reduziu atividade.

A própria operação Lava Jato passou, passa por diversos desgastes também. A própria Polícia Federal, teve um período ali de muita pressão sobre o diretor para ser trocado ou não (em setembro, o presidente disse que a PF precisava de uma "arejada" e que Moro podia trocar o diretor Maurício Valeixo, o que não se concretizou). Essas coisas atrapalham.

Agora, foi criada uma nova figura de juiz de garantia, tem que ver como é que vai ser. A prisão em segundo instância (foi proibida pelo STF), tudo isso, todo esse conjunto de coisas trouxe um pouco de sensação de que o combate à corrupção está se tornando cada dia mais difícil.

BBC News Brasil - No caso do juiz de garantia, por exemplo, o senhor acha que o presidente deveria ter vetado esse ponto do pacote anticrime como várias pessoas têm criticado ele nas redes sociais?

Santos Cruz - Ao menos, a ideia geral é essa. Se era uma coisa importante, teria que ter sido até mais discutida. Hoje em dia você tem mecanismos para esclarecer a população com rapidez, e foi uma coisa quase surpresa para o público. Talvez não para o parlamentar, mas para o público.

BBC News Brasil - Quem veio para o governo com o propósito de fortalecer o combate à corrupção é o ministro Sérgio Moro. O senhor acha que o ministro está enfraquecido, sem todas as condições de trabalhar?

Santos Cruz - Acho que ninguém trabalha nas condições ideais, né? E eu acho que ele também não trabalha nas condições ideais. O juiz Sérgio Moro é uma pessoa que tem um histórico que garante ele por um longo tempo. Ele tem um fundo de garantia muito alto, mas sempre é um desgaste.

BBC News Brasil - Temos visto várias revelações de uso de funcionários fantasmas, não só no gabinete do Flávio Bolsonaro, que está sendo investigado pelo que poderia ser um esquema de 'rachadinha' (prática em que parlamentares se apropriam de parte dos salários dos funcionários), mas há também denúncias de que o vereador Carlos Bolsonaro pode ter tido funcionários fantasmas, e, mesmo no gabinete do presidente Jair Bolsonaro quando ele era deputado, reportagens revelaram que havia muitos funcionários que eram parentes da família de uma das ex-mulheres do presidente, pessoas que não apareciam, que não davam expediente. O senhor confia na integridade dessa família ou vê sinais de possíveis desvios de recursos ou de condutas que não são corretas?

Santos Cruz - Eu vejo o seguinte, no momento que você é eleito Presidente da República, um filho é senador, o outro deputado, outro vereador, todos da mesma família, a atenção vai toda em cima, ainda mais quando sua retórica é uma retórica muito forte. Então, é natural que mergulhem a fundo nessas investigações todas. Eu gostaria que todos os parlamentares que têm essa prática sofressem o mesmo grau de investigação. É claro que isso não acontece no mesmo nível para todo mundo, porque aqueles que se destacam mais, como é o caso da família do presidente, sofrem mais esse tipo de pesquisa. Agora, a partir da hora que se incorre nesse erro que seja cumprida a lei. Não acho que são cidadãos acima da lei.

BBC News Brasil - Mas o que perguntei é se o senhor confia na integridade deles?

Santos Cruz - Olha, daí você tirar uma conclusão genérica eu acho problemático. Agora, nesses casos específicos que sejam investigados e cada um pague sua conta.

BBC News Brasil - Gostaria de falar sobre as manifestações do presidente Bolsonaro, de seus filhos e também de ministros do governo relacionadas à ditadura militar (1964 a 1985). Esse ano nós tivemos declarações do Eduardo Bolsonaro e do Paulo Guedes citando a possibilidade de um novo AI-5 (Ato Institucional nº5, de 1968, que deu poderes ainda mais autoritários ao governo militar), caso houvesse uma radicalização da esquerda. Como vê esse tipo de declaração?

Santos Cruz - Esse aí é o tipo da declaração infeliz, desconectada da realidade. O que acontece? Você está comparando a situação atual com 1968, cinquenta anos atrás. No mínimo, você está desatualizado. Se você tiver que (lidar com extremismos, pode) endurecer às vezes uma legislação, o Judiciário (pode) endurecer uma conduta no período de crise, o governo (pode) solicitar ao Congresso alguma coisa, nós estamos vivendo outra época. Não dá nem pra comparar com aquela época, são 50 anos de diferença. Então, acho esse tipo de manifestação completamente deslocada no tempo, infeliz, falta de noção de momento.

Santos Cruz fala em 'revolução de 1964' ao dizer que comparar regime militar com contexto atual é algo 'deslocado no tempo'

BBC News Brasil - Como é o sentimento dentro das Forças Armadas com relação a essas declarações? É um tema que os militares preferem não mexer, incomoda que o presidente traga à tona?

Santos Cruz - Olha, eu não posso falar pelas Forças Armadas. Eu estou fora do Exército (na reserva) já faz algum tempo. Eu também não vejo o motivo pelo qual o governo se refere ao período de governo militar. Naquela época, quando houve a revolução de 1964 (movimento que depôs o presidente João Goulart, considerado um golpe por historiadores), eu tinha 12 anos, Bolsonaro acho que tinha nove, não teve participação nenhuma. Depois, a gente teve participação já na adolescência, na fase adulta, quando a gente pegou o Brasil em pleno desenvolvimento. Então, pegamos uma fase em que o Brasil tinha planejamento, desenvolvimento, etc. Voltar agora com comparações, eu acho uma coisa completamente deslocado no tempo. Eu acho que temos que ver a realidade hoje do Brasil, resolver os problemas atuais. Se teve coisa errada, você não repete. Se teve coisa boa, você repete.

BBC News Brasil - O que teve de errado?

Santos Cruz - Se teve, todo governo tem coisas... Por exemplo, até aí tem que voltar no tempo... É normal qualquer governo ter coisas ruins ou coisas boas. Uma coisa boa, por exemplo, que existia era o planejamento né? Existia mais planejamento.

BBC News Brasil - O senhor acha que o regime militar errou, por exemplo, em não realizar eleições diretas, em cassar congressistas?

Santos Cruz - Tem que ver o contexto daquele momento, é questão de contexto. Por exemplo, outros países não têm o nosso sistema de eleição direta, então, tem que ver qual é o nosso costume. A nossa tradição é o voto direto. Ali foi quebrado por uma questão de período de exceção, era um período excepcional. Depois voltou (para eleição direta). Você não vai voltar agora para eleição indireta.

A parte de anistia (lei que em 1979 perdoou os crimes de agentes do governo e de militantes opositores do regime), por exemplo, foi uma coisa boa. O Brasil tem tradição de passar a borracha e todo mundo voltou à vida normal. Até aqueles que hoje se caracterizaram como criminosos em vários setores da administração pública (durante a ditadura) foram anistiados, voltaram à vida normal. Teve gente que participou de guerrilha, matou gente inocente, etc, foi anistiado. Então, tem coisa que você tem que analisar e ver o que que não foi bom e o que deu certo. E aquilo que não foi bom tem que trabalhar para que não aconteça de novo.

BBC News Brasil - O presidente também considera um herói o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (um dos que comandou sessões de tortura). Como o senhor vê essa figura histórica? Qual a sua leitura do Ustra?

Santos Cruz - Ele escreveu um livro, né? Bastante conhecido até, mas eu não li. Ele é acusado de tortura e etc.

BBC News Brasil - Há relatos muito fortes de torturas muito violentas comandadas por ele contra presos políticos.

Santos Cruz - Isso aí (a tortura) é uma coisa que independente da profundidade do relato, ou do trauma do relato, ou dos acontecimentos, é uma coisa que você não pode trazer como exemplo para ações futuras. Assim como você naquela época teve também assassinatos por pessoas de esquerda e que se chamavam de justiçamento. Não era justiçamento, era assassinato. Num período daqueles, você tem várias deformações dos dois lados. Essas deformações dos dois lados não podem acontecer de novo. Então, seja do Brilhante Ustra ou seja dos criminosos da esquerda, isso não pode acontecer novamente.

BBC News Brasil - Muitas pessoas que defendem a ditadura militar, que consideram que não era uma ditadura, mas um regime excepcional, justificam o assassinato e a tortura de presos políticos dizendo que havia o terrorismo de grupos de oposição ao regime. Mas essas ações de alguns grupos extremistas justificam que o Estado tenha torturado pessoas?

Santos Cruz - O que acontece naquele tipo de ambiente é exatamente isso, um lado tenta se justificar com o que o outro faz. Ou aqueles que são acusados de tortura, ou que torturaram, acusam que estão fazendo aquilo por causa dos crimes que o outro está fazendo, e o outro diz que está cometendo aqueles crimes porque o outro está torturando. O Brasil não está vivendo esse período hoje, e é bom que aquele período não volte com nenhum dos dois lados com a mesma atitude. Esse é o problema. Tem gente que está querendo agora ficar analisando o que passou há 50 anos. Era outro ambiente onde os dois lados cometeram coisas erradas, e um tentando justificar por conta do que o outro fazia. Isso aí tem que parar.

Eu vi outro dia, no ano passado (2018), alguém comentou: "ah, as Forças Armadas têm que pedir desculpa". E o pessoal (da oposição ao regime militar) não tem que pedir desculpa também pelos assassinatos que fez? Por que nunca propuseram, então, "vamos fazer todo mundo junto"? Não adianta ficar trazendo e discutindo coisas (do passado) pra um Brasil que hoje tem 12,5% de desempregados, que tem que fazer uma conciliação, que tem que parar com a divisão social, com os grupos extremistas que nós temos aí hoje. Tem muita coisa pra fazer que eu acho que o que vale do passado e trazer a lição, não é o julgamento.

'Eu não sou encantado com política não, agora, tenho recebido convite para entrar em partido político etc', diz Santos Cruz

BBC News Brasil - O senhor já indicou em entrevista que pensa em um dia concorrer a algum cargo político, se filiar algum partido. O que passa na sua cabeça nesse sentido?

Santos Cruz - Eu acho que as pessoas que reclamam da política precisam participar de alguma forma, seja como eleitores, seja como candidato, seja como filiado a partido político ou não. Se você não estiver filiado, você não pode competir em eleições, mas você pode ser um bom eleitor. Há pessoas que não são filiadas a nada e que dão divulgadoras de ideias, mobilizam um grupo de pessoas. Acho que todo mundo tem que procurar participar para melhorar o nível (da política), se não a gente só reclama.

E você tem um país que tem uma desigualdade social absurda. A desigualdade social no Brasil é simplesmente inadmissível, você tem do mesmo cofre público gente que ganha salário mínimo, e gente que ganha 30 mil, 50 mil. Gente que no contracheque ganha mais de 100 mil. Então, você tem imoralidades que foram legalizadas. Para desmanchar isso aí, é difícil, mas o grande objetivo tem que ser a redução da desigualdade social. E isso aí você só consegue com uma participação mais ativa em todo o processo (político). Eu não sou encantado com política não, agora, tenho recebido convite para entrar em partido político etc. É uma coisa que também não consome meu tempo, eu tenho outras coisas para fazer. No momento certo, vou fazer essa avaliação.

BBC News Brasil - Aqui no Distrito Federal não tem eleição municipal no ano que vem. O senhor projeta para 2022 participar talvez da eleição?

Santos Cruz - Pode ser.

BBC News Brasil - Qual o cargo o senhor disputaria?

Santos Cruz - Olha, eu não pensei nem em filiação partidária, não fiz análise dos partidos. Tem que ver as pessoas e principalmente a filosofia partidária. Um partido é como uma forma de conduzir a vida pública, a administração pública, aquelas transformações que você imagina. Eu não me dediquei a isso ainda não.

BBC News Brasil - O convite que o senhor recebeu foi do PSDB?

Santos Cruz - Não só do PSDB como de outros. Isso só gera especulação e, pior de tudo, gera compromisso. Prefiro não tratar disso agora.

Mariana Schreiber - @marischreiber
Da BBC News Brasil em Brasília.