quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Os fins e os começos

Por Edson Vidigal

Começou uma nova legislatura no Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado da República. Uma nova legislatura também nas Assembleias dos Estados e Câmara do Distrito Federal.

São muitos legisladores num País de um Povo que vive farto de tantas leis. As leis que pegam, as leis que não pegam. Fala-se, e muito, ultimamente, também nas leis que pagam e nas que não pagaram.

Afora as leis que não chegaram ao papel, as leis dos costumes, portanto, ignoradas pelos Juízes em seus tribunais, e aí já são outros quinhentos.

Para os eleitos e também para os reeleitos, já são começos ou recomeços. Começos de algum fim. Provisório ou definitivo fim.

Não vem ao caso lembrar as circunstancias dos começos, quase todos muito difíceis, até porque não é o acaso o grande feitor das coisas.

Como tudo na vida, as coisas se fazem com começo, meio e fim. As coisas boas têm fim, as coisas ruins têm fim. A vida, enfim, com tudo de bom e de ruim, tem fim.

Só o amor, porque vem antes da vida e transcende à vida, não acaba, não pode ter fim.

Muita gente, muita gente mesmo, padece de uma dificuldade em compreender que esse espaço de tempo entre uma coisa e outra, um dia acaba.

Quantos não estão agora nestas vésperas se lembrando do quanto foram mimados em incontáveis votos de boas festas, votos sólidos, alguns robustos, muitos engarrafados, todos parecendo se destinar apenas à urna da amizade imorredoura na cabine indevassável de um inoxidável afeto.

Só os tolos, aqueles que logo se embriagam no primeiro gole do poder, podem acreditar que os mimos todos com que são cercados antes das festas, durante as festas e depois das festas, mas só enquanto estiverem em seu naco de poder, são mesmo por causa deles, da inteligência deles, da beleza deles, das qualidades deles.

Estar no poder, há quem acredite, faz até a feiosa parecer bonita, o baixinho pançudo parecer elegante, o chato pedante parecer filosofo, o idiota incapaz capaz de tudo, o truculento verbal parecer diplomata, o velho meliante parecer uma vestal, o poder, enfim, definia Kissinger, é até afrodisíaco.

Estar por um longo tempo no poder esquecendo-se todo o dia de se lembrar que um dia haverá a véspera do dia seguinte é se imaginar capaz de parar o sol a qualquer momento da sua trajetória diária em suas alvoradas e crepúsculos.

Não se preparar com muita antecedência para o desembarque do dia seguinte, preparação essa que, aliás, deve começar desde o primeiro dia de exercício do poder, é se achar o imortal poeta de tudo quanto é marimbondo e, assim, não se achar o mais tolo dentre todos os tolos encontráveis até mesmo nos Evangelhos do Velho Testamento.

Não agir como um tolo é saber distinguir-se entre a pessoa que você sempre foi se esforçando todo dia para ser uma pessoa melhor e a pessoa no poder que você de fato não é porque exercendo o poder você é não é mais que um dos encarregados de mover com a força da autoridade que lhe deram as engrenagens para as coisas acontecerem.

Dependendo de como você exerce a sua autoridade, as coisas podem acontecer em resultados bons, ruins ou maus, sobrando, assim, para todo mundo.

Então os mimos com que cercam a pessoa investida no poder da autoridade, e até mesmo os seus parentes e amigos também são cercados, nada disso tem a ver com as pessoas no que elas são desde o antes e no que elas voltarão a ser completamente a partir da véspera do depois.

Por isso, o bom é quando depois de tanto tempo fora do poder a presença que se registra continua sendo aquela dos velhos amigos, os mesmos de muito antes e também dos poucos que no enquanto surgiram e que souberam manter-se no durante, todos eles para todo o sempre.

O problema é que muitos no poder ainda confundem o ser com o ter. Acabam misturando a essência do que são ou poderão ser como pessoa com as fuligens do poder que imaginam ser coisas suas, pessoais, e não são.

Olha, gente, isso tudo é tão passageiro. Algumas vezes até demora, mas um dia passa. E acaba.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com Minas Gerais vista pelo grande poeta Carlos Drummond de Andrade.

Em 1984, publicou no jornal Cometa Itabirano o poema "Lira Itabirana". O poema faz uma denúncia que, passados todos estes anos, permanece atual. Drummond já descrevia o conflito entre a mineradora e a vida do Rio Doce.

"O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
A dívida interna
A dívida externa
A dívida eterna
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?"

A poesia de Drummond foi, é e continuará sendo um grito pela salvação do ex-bucólico Estado de Minas Gerais.

O vale da morte

Tudo (ou quase) o que se disser aqui sobre uma das maiores tragédias ocorridas no país já foi objeto de comentários, análises ou mesmo locuções e interlocuções de desespero e desabafo. Portanto, traço essas linhas com a convicção de que não serei original. Apenas um a mais na soma das expressões que jorram de leigos e especialistas na análise da tragédia de Brumadinho. Começo com um título de jornal que considero apropriado para resumir o monumental acidente: O Vale da Morte. A Vale, que por anos a fio desfilou no ranking das empresas mais fortes e admiradas do Brasil, faz jus à manchete jornalística.

A lama, nunca mais?

O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, que passou a dirigir o conglomerado após a tragédia de Mariana, até produziu o slogan que iria pavimentar seu caminho: "Mariana nunca mais". O mar de lama se repetiu, agora puxando uma fila bem maior de mortos. Óbvia conclusão: a gestão de risco foi subavaliada. O presidente Fábio foi pego por visão errática, excesso de otimismo ou simplesmente pela banalização de promessas que costumam embasar perorações grandiloquentes de gestores em início de suas administrações. A lama correu forte do empreendimento que estava simplesmente desativado. A atividade mineradora ali se fazia a seco.

Estado mais presente

Tragédias como essa de Brumadinho são previsíveis em um território que ainda faz aflorar sementes de barbárie. As lindas montanhas de Minas Gerais, um espaço rico de minérios, têm sido cortadas e recortadas pela lâmina da ganância, que devasta o meio ambiente, desnatura paisagens, carrega para longe as riquezas e planta nos vazios profundos raízes de miséria. No ciclo de chuvas, as tragédias são crônicas anunciadas de desolação e morte. Na região serrana do Rio de Janeiro, não é o que se presencia quando os temporais fazem desabar serras e morros? E por que isso ocorre? Pela ausência do Estado, que falha na prevenção. Que falha no controle. Que é leniente com as ambições desmesuradas dos conglomerados. Que zomba daqueles que enxergam a natureza assolada pela invasão da barbárie.

O facilitador

Aos fatos. O secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Luiz Gomes Vieira, assinou em dezembro de 2017 norma que alterou os critérios de risco de algumas barragens, o que permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no Estado. A medida possibilitou à Vale acelerar o licenciamento para alterações na barragem da mina de Córrego do Feijão, que produziu a tragédia de Brumadinho. A norma permite rebaixar o potencial de risco das barragens.

Zema explica?

Apesar de ter sido nomeado pelo ex-governador petista Fernando Pimentel, Vieira foi o único secretário a se manter no cargo desde a posse de Romeu Zema (Novo). A manutenção no cargo foi celebrada por representantes da indústria pelo fato de Vieira ter dado mais agilidade ao processo de licenciamento ambiental.

Acidente ou crime?

Aos fatos. Quarenta milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro soterraram o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, em Minas Gerais, e percorreram quilômetros até o mar. A tragédia, em novembro de 2015, matou 19 pessoas, contaminou o Rio Doce, mudando a vida de 500 mil habitantes das mais de 40 cidades mineiras e capixabas atingidas pelo vazamento no até então maior desastre ambiental da história do país. Dona da barragem, a Samarco e suas controladoras - a Vale e a BHP Billiton - trataram o rompimento como acidente. O Ministério Público, como crime.

68 multas, uma sendo paga

Aos fatos. Três anos depois, ninguém foi preso. O processo envolve executivos da Samarco, Vale e BHP Billiton e tramita na vara Federal de Ponte Nova, ainda sem data para julgamento. Das 68 multas aplicadas por órgãos ambientais, apenas uma está sendo paga (em 59 parcelas). O impacto ambiental permanece, com a contaminação do Rio Doce. Embora tenham obtido na Justiça estadual benefícios como o aluguel de residência, auxílio financeiro mensal e assessoria técnica para começar a refazer a vida, as vítimas ainda lutam por indenização.

A tragédia da boate Kiss

Aos fatos. Outra das maiores tragédias do Brasil completou no domingo, dia 27, seis anos. Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, centenas de pessoas entre familiares e amigos lembraram as 242 pessoas que morreram no incêndio da boate Kiss.

Júri Popular?

Aos fatos. Até o presente momento não se sabe se os quatro acusados pelas mortes - os ex-proprietários da boate Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann e os músicos Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos - irão a júri popular ou serão julgados por um juiz único. A decisão da Justiça de Santa Maria foi a de mandar os réus a júri popular. No entanto, a defesa dos réus recorreu e o Tribunal de Justiça do Estado determinou que eles sejam julgados por um magistrado.

O pano de fundo

No momento em que a imprensa do Brasil e do Exterior discute a responsabilidade da Vale, dos governos estadual e Federal e de políticos em mais essa tragédia de Brumadinho, convém lembrar a leniência da Justiça, a brandura das leis e os lentos corredores do Judiciário. A essa camada, são acrescidos ingredientes como corrupção, incompetência, ganância e safadeza política. A contagem de mortos e feridos acaba não passando de mais uma estatística da barbárie.

Endurecimento x amaciamento

Projeto de endurecimento na área de concessões para exploração de minério está abandonado no Senado. Nos últimos tempos, o discurso que se apregoava era de amaciamento da legislação sob o argumento da desburocratização. E agora, será que a tese da flexibilização continua a prevalecer? Cautela, autoridades. O Parlamento deverá se manifestar em fevereiro.

Providências

A prisão de engenheiros e funcionários da Vale sinaliza responsabilização pelo desastre de Brumadinho. É algo a se aplaudir. Veremos se a esfera criminal chegará ao cerne do problema, identificando outros protagonistas.

À sombra da insensatez

O novo governo está prestes a completar um mês de vida. Este consultor não perdeu as esperanças de ver o país destravando amarras que o ligam ao passado, mas confessa que teme as investidas que se anunciam em algumas frentes. Nas relações com o mundo, a visão que se prega é a de fechamento, não de abertura. Trocar o multilateralismo pelo unilateralismo é regredir. É buscar o isolamento do país. Nas relações internas, há se ter cuidado com a articulação com o Congresso Nacional, cujos integrantes devem ser parceiros e copartícipes das ações governamentais. O governo errará se agir com particularismos e visão estreita. E se não trouxer o corpo legislativo para o debate nacional. É na esfera parlamentar que o país é passado a limpo. O bom senso deve ser a régua da governabilidade.

Tamanho adequado

O Estado brasileiro tem de ganhar musculatura para promover o autodesenvolvimento do território. Significa modelar sua estrutura, fundir áreas e setores usando a engrenagem da racionalização, privatizar áreas que dispensam a sombra do Estado, sem exageros. Urge dar ao Estado o tamanho adequado, nem nanico nem paquidérmico. Significa atender as demandas sociais, mas sem concessões que possam romper a harmonia e o equilíbrio entre o Estado e a sociedade. Desburocratizar, sim, mas de forma condizente com as regiões e o meio ambiente. Flexibilizar as concessões ambientais sob o argumento de simplificação e desburocratização é falácia.

Os três Poderes

A era Bolsonaro se inicia sob a impressão de que a Tríade dos Poderes está capenga. Observa-se evidente descompasso/desarmonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Este último tem assumido funções que extrapolam sua competência constitucional. O Executivo e o Legislativo passaram por momentos de alta tensão nos últimos tempos. Carecem maior entrosamento. Vamos acompanhar as tarefas do ministro Sérgio Moro, da Justiça, ele mesmo podendo se transformar em fiador de tempos de harmonia entre os Poderes.

Minas Gerais

Fecho a coluna com um tributo a Minas Gerais. Pela beleza de um trecho da descrição de seu grande filho, João Guimarães Rosa, o celebrado autor de "Grande Sertão: Veredas".

Aí está Minas: a mineiridade

"Minas é a montanha, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, a verticalidade esconsa, o esforço estático; a suspensa região - que se escala. Atrás de muralhas, caminhos retorcidos, ela começa, como um desafio de serenidade. Aguarda-nos amparada, dada em neblinas, coroada de frimas, aspada de epítetos: Alterosas, Estado montanhês, Estado mediterrâneo, Centro, Chave da Abóbada, Suíça brasileira, Coração do Brasil, Capitania do Ouro, a Heróica Província, Formosa Província.

O quanto que envaidece e intranquiliza, entidade tão vasta, feita de celebridade e lucidez, de cordilheira e História. De que jeito dizê-la? MINAS: patriazinha.

Minas - a gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas - a gente não sabe. Sei, um pouco, seu facies, a natureza física - muros montes e ultramontes, vales escorregados, os andantes belos rios, as linhas de cumeeiras, a aeroplanície ou cimos profundamente altos, azuis que já estão nos sonhos - a teoria dessa paisagem......"

P.S.

SOS: Rasgando a Serra da Piedade

A mineração está cortando também a Serra da Piedade aos pedaços. É uma das mais lindas a compor o horizonte que ainda chamam de belo, patrimônio da Humanidade enriquecido por obras de Aleijadinho. Patrimônio? Alguém respeita? Pois está virando minério de exportação ou simples rejeito em uma barragem que poderá romper e ocasionar mais um desastre.

Tenham piedade.

Torquato Gaudêncio, consultor de marketing político, é Professor Titular na USP.
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Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

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Convescote Jurídico

Sérgio Moro participa hoje de almoço no IASP. Alguns criminalistas recusaram o convite, por não concordarem com as ideias do ex-juiz. Todavia, parafraseando Machado de Assis, não é preciso ter as mesmas ideias para saborear o mesmo menu.

Bruxo do Cosme Velho

A propósito da frase original de Machado de Assis, ela está em "Esaú e Jacó". A personagem D. Cláudia queria ir ao famoso último Baile do Império, na Ilha Fiscal, menos pelo interesse em danças, e mais por ser um fato político que podia abrir ao marido as portas de algum cargo. O marido, Batista, era daquelas figuras machadianas, que não tinha convicção alguma: ora conservador, ora liberal. No que D. Cláudia, encerrando a dúvida, diz: "não é preciso ter as mesmas ideias para dançar a mesma quadrilha". #ficaadica (Migalhas.com.br - edição de 07.02.19).

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Uns fantasmas

Por Edson Vidigal

Sempre que as soluções escapam à possibilidade do natural, aparece alguém levando a mão, quase que em concha, ao canto da boca para em seguida, num sussurro de fada, ordenar um recurso ao sobrenatural.
E sobrenatural, é bom saber, inclui tudo. Desde temporadas em segredo pelos terreiros do Codó a chamamentos noturnos e incansáveis para que os ectoplasmas larguem do serviço em algum lugar e com a pressa das ambulâncias compareçam.
Não é de hoje que os fantasmas, estando onde estiverem, depois de longamente evocados, são trazidos à colação. Uns camaradas, outros nem tanto. Todos, enfim, inimigos declarados da mesmice e da tristeza.
Há no mundo do sobrenatural quem, chegando ao mundo dos comuns mortais, possa provocar mais alegrias desarrumadas do que os fantasmas ?
Aqui, os fantasmas compareceram e votaram durante décadas nas eleições majoritárias e nas proporcionais e ninguém os venceu. Enquanto não largaram do titulo de eleitor, os seus candidatos foram imbatíveis.
Mais tarde, cansados desse dever cívico de votar, votar, e nada acontecer de bom para o povo, os fantasmas resolveram se entregar a outros afazeres.
Vocês não se lembram que o PT naqueles tempos em que  perdia eleições presidenciais, uma atrás da outra, tinha sempre o seu 'Governo Fantasma' com o companheiro Lula de presidente e o companheiro Cristovam Buarque como Ministro da Educação ?
Nenhum desdouro nisso.
Os ingleses até hoje se interessam pelo seu Governo Fantasma, seja o dos trabalhistas, seja o dos conservadores. Os fantasmas atuam mostrando como as coisas seriam diferentes se eles fossem Governo.
Na eleição seguinte, quem está Governo pode não estar mais, e os fantasmas então mudam de lado. Se depender só deles estarão sempre na oposição.
Mas tem gente que morre de medo de ver fantasma. Imagino que se comparados com algumas pessoas, levando em conta o medo que elas produzem e impingem aos outros, os fantasmas não devem ser assim tão medonhos.
Consta que foi Plínio, o Jovem, em Atenas, na Grécia, no primeiro século depois de Cristo, o primeiro a ver um fantasma.
Ele voltava do ateneu onde Péricles, o tribuno gago, fizera um comício anunciando uns convênios com a prefeitura de Tróia e outras de Frigia, na Ásia Menor, quando deu de cara com um fantasma balançando correntes e assumindo aos poucos a fisionomia de um cara barbudo querendo bater com um martelo de madeira em sua cabeça.
Heródoto andou pesquisando e descobriu que, em outras encarnações, o fantasma barbudo havia freqüentado a escolinha do partidão, onde com certeza ninguém lhe ensinara a ser tão tendencioso e perverso.
Na Inglaterra, em Tedworth, por volta de 1600, um fantasma baterista atazanou a vida de muita gente batendo tambores à noite. Outra diversão sua era bater nos móveis das casas, em especial nas camas onde houvesse gente dormindo.
Um dos lordes ficou com tanto medo que despachou da Corte seguranças do Reino, ganhando diárias em libras esterlinas, para proteger da barulheira do fantasma baterista a sua casa em Tedworth.
Hoje ninguém fala mais sobre os fantasmas então atuantes na judicatura do Maranhão.
Ninguém sabe dizer ainda o que levou os tais fantasmas, outrora mais ocupados com o serviço eleitoral, a incursionarem por novas jurisdições, incluindo as cíveis e criminais, que sintetizam questões de tantos interesses e de tantos interessados.
O que se sabe é que os fantasmas gostaram tanto desse ramo de distribuir justiça – a cada um o que é seu, segundo uma igualdade – que em suas assombrações não só vestiram togas como passaram a receber salários iguais aos dos Juízes de verdade.
As coisas andam tão besuntadas de mediocridades e mesmices que pedir, a estas alturas, ao sobrenatural que nos envie mais Juízes Fantasmas ou Fantasmas Juízes pode ser, quem sabe, a grande saída nesta encruzilhada de incertezas, e de tanto desalento e introspecção. A tal da insegurança jurídica segue se achando a inarredável.
Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

Porandubas Politícas

Por Gaudêncio Torquato

Abro com duas historinhas, uma de Goiás, outra da Paraíba.

Nada mudou

Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil:

– No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados.

O coronel Miguel suspirou:

– Então não mudou nada.

Um gato

Toninho Cabral era vereador em Campina Grande. Um opositor o acusou de não ser filho da cidade. Na tribuna, Cabral esgoelou:

- Nasci em Cabaceiras, é verdade, mas vim abrir os olhos em Campina Grande.

Um vereador lá dos fundos fez o aparte:

- Vossa Excelência não é um homem, é um gato. Pois saiba Vossa Excelência que gato abre os olhos oito dias depois de nascer.

Nuvens pesadas

Nem bem o governo Bolsonaro completa um mês, os horizontes ficam turvos sob nuvens pesadas. O affaire envolvendo o filho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro, tende a se esticar por bom tempo. O entorno do mandatário-mor já unificou a linguagem: não se trata de um caso de governo, mas uma questão do senador eleito, que significa: ele, que é foco, resolva o imbróglio. Por mais esforço que se faça para escudar o presidente e preservar sua boa imagem, danos começam a surgir. Os Bolsonaros constituem uma unidade. Os filhos são colados ao pai, formando uma barreira de "guardas" que o cercam em tempo integral. Respingos atingem a todos.

Investigação

Flávio já mostrou sua resposta: depósitos e volumes de dinheiro se devem às operações com imóveis (venda e compra). Um comprador admite ter pago em espécie a ele, o vendedor de um imóvel. Nessa direção, agirão os órgãos de investigação e controle. Sim, porque o processo não será sustado com as tentativas do agora senador em liquidar o assunto. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras constata. Não há o que refutar na planilha de movimentação. A solicitação que Flávio fez ao STF demonstra medo. Quer se valer do foro privilegiado que, tempos atrás, combatia. O ministro Marco Aurélio sinaliza o não acolhimento ao pedido, ancorado na tese: foro só vale para eventos praticados no mandato.

A repercussão no Congresso

O affaire entrará na agenda congressual. Não apenas por insistência e na esteira do tiroteio a ser desferido pelas oposições, mas pela pressão da sociedade. O caso chega aos segmentos do centro, o grande irradiador de pensamento, batendo inclusive nas margens, a par da sensação de "coisa errada". Na Câmara, as oposições encontrarão nas operações do senador motivo para abrir um tiroteio sobre o governo. No Senado, pode haver aqui e ali uma expressão enérgica, mas o novo senador tende a receber a solidariedade da maioria sob a teia de futuras recompensas.

Primeira instância

Fica claro que o Judiciário e o MP, a partir de suas estruturas no Rio de Janeiro, levarão adiante as investigações. E se for comprovada a suspeita de que a operação embutiu a prática do que se chama de "rachadinha", ou seja, a apropriação por parte do parlamentar de parte dos salários da equipe que trabalhou com ele na Assembleia Legislativa? Se foi isso o que ocorreu, a hipótese do impeachment do senador até pode entrar na agenda. O grupo militar que assessora o presidente parece compartilhar do ditado: vão-se os anéis e ficam os dedos. Se as investigações mostrarem a licitude dos atos de Flávio, ele cumprirá seu mandato sob a marca da inocência.

Os filhos? Distante

Se os filhos do presidente agem como leões de chácara em torno do pai, devem se conscientizar que a campanha eleitoral ficou para trás; o presidente governa para todos os brasileiros; devem compreender o papel da imprensa; não podem alimentar uma guerra de acusações contra aqueles que consideram adversários. Conselho útil: afastem-se da figura presidencial; façam bom desempenho nos mandatos; defendam valores e ideário na tribuna parlamentar.

Imagem danificada

Seja qual for o desfecho do redemoinho que sacode o perfil de Flávio Bolsonaro, a imagem do bolsonarismo – pai, filhos e ideário – ganhará rachaduras. Não serão danos capazes de inviabilizar a governabilidade, mas o estrago corroerá a força do governo, deixando-o mais aberto às demandas das bases de apoio nas casas congressuais. Lembre-se que Bolsonaro precisa aprovar o quanto antes a reforma da Previdência e, a seguir, a reforma tributária.

Cultura antiga

Os primeiros dias de governo deixam ver que a velha prática da política não foi de todo abandonada. Se o presidente faz questão de dizer que critérios técnicos balizaram a escolha de ministros, algumas nomeações mostram elos com o passado patrimonialista. A promoção do filho do general Mourão abriu intensa polêmica. A nomeação de amigos que ajudaram na campanha também exibe o selo da velha cultura.

Os militares no governo

Não se deve temer a presença do apreciável conjunto de militares na administração Federal. Os militares nomeados ou a serem nomeados já passam de 45 no governo. Estão espalhados por 21 áreas: da assessoria da presidência da Caixa Econômica ao gabinete do Ministério da Educação; da diretoria-Geral da hidrelétrica Itaipu à presidência do conselho de administração da Petrobras. O Exército, de onde vieram o presidente e o vice, Hamilton Mourão (PRTB), tem maioria entre os membros do governo: 18 generais e 11 coronéis da reserva até semana passada, número que tende a crescer.

A lição democrática

Ao contrário da insinuação das oposições, os quadros militares não cobrirão o governo com o manto da "militarização". Não haverá condição para se reinstalar os tempos de chumbo. A realidade é outra. Os militares que dirigiram o país de 1964 a meados da década de 80 foram sendo substituídos por perfis mais comprometidos com as normas do Estado Democrático de Direito. E estes trabalharam na caserna e cumpriram tarefas que a CF lhes atribuiu, sem acenos externos à rebeldia ou contrariedade aos governos eleitos e formados após a redemocratização. Muitos chegaram a expressar, de público, seus compromissos democráticos. Alguns radicais até chegaram a se posicionar contra investidas ideológicas das esquerdas, a partir do PT, mas não a ponto de ensaiar golpes.

Poder moderador

Se a farda chega, hoje, a comandos de importantes áreas da administração Federal, esse fato se deve à plenitude de nossa vida democrática. O presidente de índole militar foi eleito em pleito democrático, abrindo o governo para acolher quadros das Forças Armadas, generais, almirantes e outras patentes, figuras conhecidas por missões que desenvolveram e afeitos à disciplina, à hierarquia, ao cumprimento das tarefas sob sua responsabilidade. Sob essa cobertura, os militares agirão como administradores eficientes. E, sob o prisma da governabilidade, tendem a ser um "poder moderador" e não uma fortaleza para garantir o exercício governamental com o uso de canhões.

Inserção natural

Em tempos de escândalos, corrupção escorrendo nos vãos e desvãos da República, alguns valores encarnados pela caserna parecem desejados pela sociedade: zelo, disciplina, ordem, resultados, hierarquia, respeito.

As oposições

Os movimentos sociais e grupos de intelectuais, particularmente os alinhados com o lulismo, vão continuar a atirar bombas em Bolsonaro, que revidará com a espada do comandante-em-chefe do país. Alvo do tiroteio: ideologia de gêneros, armamento, demarcação de terras indígenas, direitos humanos, entre outros temas. No Congresso, partidos e lideranças entrarão na arena de lutas quando o governo se mostrar por inteiro. Ao PT interessa que o presidente entre na guerra expressiva que ele inventou: Nós e Eles. O apartheid social sempre foi o oxigênio petista.

Na área externa

A remarcação dos eixos nas nossas relações exteriores é um grande risco, a partir da reação negativa de países árabes e da esfera asiática, como a China, que, segundo Bolsonaro, "quer comprar o Brasil". Essa nova ordem certamente implicará novas decisões junto aos organismos internacionais que abrigam interesses das Nações, como ONU, UNESCO, OMC, OEA, MERCOSUL, entre outras.

A estreia em Davos

Bolsonaro fez sua estreia nesta terça no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Foram apenas seis minutos e não disse nada de novo. Mas suas palavras soam como música para aquele público: repetiu que tem condições políticas de implementar as reformas, diminuir a carga tributária, melhorar o ambiente de negócios para os empreendedores, abrir a economia ao mundo, preservar o meio ambiente, melhorar a educação, etc. E, ao final, o recado de sua política externa: "Não queremos uma América bolivariana. A esquerda não prevalecerá na América".

Nota sete

Uma chama de esperança: o aumento do Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF). Se chegar à casa 7 numa escala de 10, é possível abrirmos um ciclo de harmonia. Principalmente se for feita a equação BO+BA+CO+CA (Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando governo). No mais, Bolsonaro precisa se guiar pela régua do bom senso. Sem cometer deslizes programáticos e atirar petardos quase diários contra grupos que o atacaram na campanha.

João Doria

O gorvernador de São Paulo está governando com olhos atentos à realidade: demandas prementes no combate à violência, privatização de penitenciárias, programa de privatização, entre outros aspectos. E mais: ele mesmo presta contas dos resultados obtidos a cada semana. Transparência. João é determinado. Sabe para onde caminhar. Está em Davos, na Suíça, onde fará duas palestras a convite do prof. Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial. João levou um vídeo muito bem produzido mostrando a investidores os potenciais do Estado. Os investimentos virão. A continuar no ritmo até agora demonstrado, o governador verá abertas as portas do futuro.

O discurso

Costumo bater nesta tecla. Muita gente se engana com a eficácia do discurso político. Pois bem, o discurso político é uma composição entre a semântica e a estética. O que muitos não sabem é que a eficácia do discurso depende apenas 7% do conteúdo da expressão e 93% da comunicação não verbal. Rechear o discurso com imagens populares é uma boa pista. Lula é exímio nesse drible. Esse é o resultado de pesquisas que se fazem sobre o tema desde 1960. Mais: das comunicações não verbais, 55% provêm de expressões faciais e 38% derivam de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos, postura, etc. Ou seja, do que se diz, apenas pequena parcela é levada em consideração. Já o que não se diz, mas se vê tem muito maior importância. Portanto, senhoras e senhores que abrirão em fevereiro uma nova Legislatura, atentem para este fato. Bolsonaro tem bem acesa na cabeça das pessoas a estética que veste sua identidade: o gesto de atirar.

Gaudêncio Torquato, consultor em marketing político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Bolsonaro: a infância do Presidente entre quilombolas, guerrilheiros e a rica família de Rubens Paiva

Casa onde morou Bolsonaro em Eldorado Paulista, em frente ao Rio Ribeira.

Em Eldorado Paulista, há uma pequena praça onde os sinos da igreja tocam de meia em meia hora. Ali, debaixo de árvores de copas largas, moradores conversam preguiçosamente, protegendo-se do sol.

As lojas e restaurantes dos arredores ficam vazios nas tardes quentes, quando a cidade parece inabitada. Só meninos arriscam-se na rua, rumo ao rio Ribeira.

Nada nessa cena fala de Jair Bolsonaro. Mas ele está por toda parte.Para encontrar vestígios do presidente em Eldorado, no interior de São Paulo, onde ele morou dos 11 aos 18 anos, é necessário olhar para além do espaço.

É preciso recorrer à história.(clicando na coluna Os Outros, em BBC Brasil, à direita, você terá a reportagem completa de Ingrid Fagundez, enviada especial da BBC News Brasil a Eldorado - SP).






segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com o atoleiro nessa época de chuvas.

"O carro se atolou-se"

Walfredo Paulino de Siqueira foi um típico coronel da política pernambucana. Escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Era uma figura folclórica, como conta Ivanildo Sampaio, do Jornal do Commercio, de Pernambuco, e meu contemporâneo na faculdade. Um dia, dois eleitores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de expressar-se era falar que "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou". Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica:

– Escutem aqui. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, acontecendo de ficarem presos os quatro pneus, os da frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é "o carro se atolou-se"...

Caixas-pretas

A denúncia não poderia ser mais taxativa: "A Caixa Econômica Federal foi vítima de saques, fraudes e assaltos de recursos públicos. Como vai ficar óbvio à frente, quando essas caixas-pretas começarem a ser examinadas". A expressão é do ministro da Economia, Paulo Guedes. Nos próximos dias, falcatruas e operações suspeitas virão à tona. No BNDES, espera-se que Joaquim Levy faça o mesmo, abrindo as comportas da instituição. Hora e vez de contar a verdade. A transparência ditará os rumos do novo governo. É o que ele promete. Veremos.

Violência no Ceará

O Ceará, um dos Estados mais charmosos do Nordeste, afamado por adotar uma política de promoção turística mais arrojada que a de outros Estados, começa a descer o despenhadeiro do medo. A violência sai da capital para o interior. E o impacto sobre o fluxo turístico é de monta. O ministro Sérgio Moro despachou a Força Nacional para a região. Mas o ímpeto das gangues organizadas é tão forte que os ataques aos patrimônios público e privado continuam. A ordem para as depredações sai das próprias prisões onde estão trancafiados os chefes. Só agora transferidos para prisões Federais que contam com maior controle.

Paliativo

Pelo andar da carruagem, vê-se que essas rápidas temporadas de policiais da Força Nacional em Estados da Federação, comuns de uns anos para cá, funcionam como um paliativo. Geram um refluxo (imediato) na onda de violência, com diminuição do número de ataques, porém mais parecem esparadrapo cobrindo a ferida. O plano correto passa pela operação de inteligência, com integração das polícias estaduais – civil e militar - , recursos para atualizar e expandir a frota de veículos e equipamentos de combate aos distúrbios, maior controle nas fronteiras do Brasil com os países vizinhos e uma estratégia de prevenção mais eficaz e permanente.

17 mil km de fronteiras

O Brasil tem quase 17 mil quilômetros de fronteiras, mais precisamente 16.866 quilômetros. Não mais que 700 quilômetros são alcançados pelo Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), equivalente a 4% do total. Daí o buraco que se abre para o aumento da entrada de armas e drogas sob comando de traficantes, que abastecem os "exércitos" das facções.

Os primeiros dias

A primeira semana do novo governo mostrou certo descompasso na linguagem da equipe. O presidente Bolsonaro, que garantiu o aumento do IOF, acabou sendo desmentido por dois assessores. Coisa de desentrosamento inicial, não tão grave como parte da imprensa procurou expor em tom catastrófico. O fato é que a equipe econômica ainda tateia na escuridão, procurando arrumar a casa e formar os pacotes iniciais. Mas a confiança na recuperação da economia não arrefeceu. Os sinais são alentadores. Os setores produtivos ainda não festejam, mas estão em compasso de boas expectativas.

Unificar a comunicação

Um dos gargalos da nova administração está na política de comunicação. O presidente critica a comunicação via "intermediários", produzindo ele mesmo as mensagens para as redes sociais. Também nesse ponto identifica-se com Donald Trump, um usuário constante da rede eletrônica. Ocorre que a comunicação governamental é mais que transmissão de notícias, fatos significativos da seara administrativa. Requer, em alguns momentos, explicações, demonstrações, maiores detalhes, esclarecimentos a eventuais dúvidas que surgem. O presidente não pode se envolver com tais tarefas. A identidade do governo carece também de unidade, homogeneidade, evitando as dissonâncias que se formam com dispersão comunicativa – fontes variadas, abordagens específicas e conflitantes.

As maiores dissonâncias

O acervo de dissonâncias costuma ser formado pelas áreas que lidam com maior complexidade temática: economia, impostos, orçamentos, etc. Abriga, ainda, fontes que geram polêmica, principalmente aquelas que se postam no centro do debate ideológico. O governo será questionado todo tempo sobre coisas como o alinhamento automático com os Estados Unidos, a posição brasileira frente aos temas que unem as Nações – clima, meio ambiente, imigração, direitos humanos. Os quadros que se inserem na planilha ideológica, a partir do chanceler Ernesto Araújo, serão muito demandados e questionados. E a imagem do país, sob essa complexa teia, pode vir a ganhar manchas.

Previdência tende a passar

A reforma da Previdência vai sair do papel e obter o apoio da maioria parlamentar. Há poucas dúvidas sobre isso. O presidente Jair Bolsonaro agrega imensa força nesse início de jornada. E sua equipe técnica, chefiada pelo ministro Paulo Guedes, se esforçará para aparar arestas que podem inviabilizar a reforma. O próprio secretário da Previdência, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), usará todo o jogo de cintura que demonstrou ter, por ocasião da reforma trabalhista, e a grande capacidade de convencimento, para aprovar o pacote previdenciário.

Regra de transição

A diminuição da idade da aposentadoria – 62/63 para homens, 57 para mulheres – e a regra de transição são os pontos que causam maiores conflitos. "Se a idade mínima for menor que 65 anos, não pode haver regra de transição em reforma da Previdência", alerta o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do alto do conhecimento que detém da alma parlamentar.

Justiça trabalhista

A peroração do presidente Bolsonaro contra a Justiça trabalhista – na verdade pregando sua extinção – recebeu rápida resposta das entidades representantes de juízes e do Ministério Público. O governante vocalizou uma ideia que há tempos viceja em núcleos do pensamento nacional. Mas a Justiça trabalhista registra recordes de atuação. Comporta exageros e desvios, a partir de quadros que parecem agir sob a tutela do petismo. Mas abriga juízes de alto calibre, que exprimem sabedoria e bom senso. O presidente cometeu o deslize de dizer que a Justiça trabalhista só existe no Brasil. Uma inverdade. Aqui, a Justiça do Trabalho é prevista no artigo 92 da Constituição da República e há mais de 70 anos cumpre sua função constitucional de assegurar a efetividade dos direitos dos trabalhadores.

Em outros países

A Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público), que congrega mais de 40 mil juízes e membros do Ministério Público, destacou em sua nota de resposta ao presidente da República: "Não é real a recorrente afirmação de que a Justiça do Trabalho existe somente no Brasil. A Justiça do Trabalho existe, com autonomia estrutural e corpos judiciais próprios, em países como Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França. Na absoluta maioria dos países há jurisdição trabalhista, ora com autonomia orgânica, ora com autonomia procedimental, ora com ambas".

Pátria amada Brasil

O slogan do governo Bolsonaro foi escolhido: Pátria Amada Brasil. Omite a vírgula antes da palavra "Brasil", como ensina a gramática e como se lê no hino nacional. Antes de arrematar o slogan, ouve-se esta mensagem: "Em 2018, não fomos às urnas apenas para escolher um novo presidente. Fomos às urnas para escolher um novo Brasil, sem corrupção, sem impunidade, sem doutrinação nas escolas e sem a erotização de nossas crianças. Fomos às urnas para resgatar o Brasil. Pátria Amada Brasil – Governo Federal". Um excesso de palavras e promessas.

O anterior

O slogan tem parentesco com o do governo Temer, que coloca em destaque a esfera celeste da bandeira do Brasil com a frase Ordem e Progresso e ao fundo, em branco, a palavra Brasil, finalizando com a expressão Governo Federal. O mote, o mesmo da bandeira do Brasil, foi inspirado na teoria positivista do francês Auguste Comte, para quem o avanço da humanidade dependia exclusivamente do progresso e avanços científicos.

A ideia de recuperar

É interessante que o slogan de ambos apela para a ideia de resgatar o país da desordem e da desorganização da vida política, econômica e social. Mas o slogan de Bolsonaro exibe forte corte ideológico, ao puxar a vertente do ensino nas escolas (sem doutrinação) e até com a aguda observação sobre "a erotização de nossas crianças". Geralmente, os slogans se restringem a compromissos genéricos. Mas o slogan do governo Bolsonaro desce aos detalhes. Nele, está escancarada a identidade do Governo.

Barão de Itararé

Fecho a coluna com pérolas do barão de Itararé:

- A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados.

- Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará chato como o pai.

- O advogado, segundo Brougham, é um cavalheiro que põe os nossos bens a salvo dos nossos inimigos e os guarda para si.

- Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você.

- Mulher moderna calça as botas e bota as calças.

- A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.

- Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.

Torquato Gaudêncio, cientista político e consultor em marketing, é Professor Titular na Universidade de São Paulo.


terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Privatizando, o Governo quer se livrar do peso das empresas estatais


O Ministro de Infraestrutura, Tarcísio Freitas, afirmou nesta terça-feira, em entrevista à rádio CBN, que o governo federal pode privatizar ou liquidar cerca de cem empresas estatais, como forma de levantar recursos e reduzir gastos. 

Segundo o Ministro, o número pode ser alcançado se forem consideradas as subsidiárias de empresas estatais do BNDES, Banco do Brasil, Caixa e Eletrobrás. Por exemplo.

O Ministro também afirmou que seu ministério está estudando 5.600 quilômetros em novas concessões de rodovias, além de 4.000 quilômetros de concessões atuais que são alvo de planos de futura relicitação.

— Temos que pegar todos os trechos que têm possibilidade de exploração comercial e passar para a iniciativa privada via concessão e via parceria público-privada (PPP). Isso vai fazer com que a gente, só na área da concessão, disponibilize para a iniciativa privada quase 9.000 quilômetros de rodovias — disse o ministro à rádio.

(A CBN/ Central Brasileira de Notícias integra o Sistema Globo de Comunicação.)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Sem medo de ter medo

Por Edson Vidigal

Bristol, no sudeste da Inglaterra, é uma cidade histórica, atraente e não é de hoje, sobretudo por sua Universidade.

Na área da medicina, por exemplo, há um complexo de hospitais atuantes em pesquisas e serviços em todas as especializações.

Uns poucos brasileiros que concluíram residência no Hospital das Clinicas, em São Paulo, foram para a Universidade de Bristol como bolsistas por dois anos.

Um dos jovens médicos, chamado Euler, comprou um carro.

Ainda se iniciando no hábito de dirigir pelo lado direito, sim, o volante dos ingleses não fica no lado esquerdo como no Brasil e demais do mundo, um dia vendo à frente a faixa de pedestres pisou forte no freio quase alcançando-a.

Como se saísse do nada, um policial altão, forte, farda elegante, o aborda. Fale a verdade, foi logo avisando. O senhor não sabe que tem que guardar alguma distancia da faixa de pedestres?

O nosso brasileiro, médico ortopedista, que se especializava em traumatologia, sabia muito bem do perigo que rondou aquela freada.

Não se intimidou, aliás, nem teve porque se intimidar. O tom do policial foi ameno. Gentil. Educado.

O doutor Euler então explicou que havia chegado do Brasil há pouco tempo com bolsa de estudos da Bristol University. Sabia do risco e da falta em que incorrera. Que passaria a manter maior distância das faixas de pedestres.

O policial gentilmente agradeceu dando-se por satisfeito com as explicações do médico motorista. Não lhe pedira documento algum. Apenas a verdade na palavra. Despediu-se com votos de boas-vindas e de feliz estada na Inglaterra.

Algum tempo depois, outro brasileiro, este chamado Caetano, cantou em versos na canção London, London, a sua surpreendente admiração com a gentileza do policial num domingo em que ele, apenas um exilado compositor brasileiro, seguia vagando, dando umas voltas à pé, sem direção.

Ele, o poeta, está solitário em Londres e Londres é amável assim. Cruza as ruas sem medo, todo mundo deixa o caminho livre. Não conhece ninguém ali para lhe dizer olá. Enquanto seus olhos procuram discos voadores no céu, e as pessoas passam apressadas com tanta paz, um grupo aborda um policial e ele, o policial, parece até muito satisfeito em poder atendê-las.

A Inglaterra então já projetava exemplos de segurança pública com cidadania. Algo que a politicalha patrona da inveja e das gestões medíocres, e sabe-se hoje, pra lá de corruptas, não deixaram que isso acontecesse no Rio de Janeiro. Nem no Maranhão.

Sim, muito, muito depois das ondas tsunamis de medo que foram se apossando e ainda se apossam das mentes pouco sadias no mundo, houve aquela melecada do policial na estação do metrô num subúrbio de Londres, que encagaçado de medo, achando que o jovem barbudo de mochila no ombro fosse um terrorista das arábias, abateu-o covardemente com um tiro de pistola.

E era um brasileiro chamado Jean Charles, cuja história já foi contada até no cinema.

Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

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sábado, 5 de janeiro de 2019

Porandubas Políticas

Por Torquato Gaudêncio

Uma leitura sobre a abertura de portas da era bolsonariana.

A era bolsonariana

A era Bolsonariana tem início sob uma teia de interrogações, a partir da observação de alguns comentaristas: o presidente não desceu do palanque eleitoral. Ora, como poderia ter descido se seu eleitorado põe fé no ideário que tanto propagou ao correr da campanha eleitoral? Não é possível uma distância enorme entre o candidato e o presidente eleito. Afinal, trata-se de confirmar uma identidade construída ao longo de anos de jornada política. É evidente que a realidade impõe freios ao tom contundente do discurso eleitoral, principalmente em frentes como a da articulação com o Congresso. Como se verá mais adiante, não será possível administrar sem ouvir as preces das bases parlamentares no Senado e Câmara.

Os riscos

Com seu discurso no Parlatório, o presidente confirmou sua marca e estilo, particularmente em relação ao combate ao vermelho petista e à simbologia que representa - socialismo/comunismo, Venezuela, Cuba, Nicarágua, etc. É o que seu eleitorado espera no primeiro momento. E é também o que o lulopetismo espera. Afinal de contas, o PT (e seus satélites) pretende agir sob a linha divisória que ele mesmo desenhou ao longo de três décadas: "Nós e Eles". Desvios na rota bolsonariana – insucesso na economia, estado crescente de violência, desemprego massacrante – seriam o passaporte para a ressurreição do petismo.

Governar para todos

Uma questão fica no ar: não há ainda um pensamento homogêneo na equipe governamental? A promessa de Bolsonaro de que "nossa bandeira jamais será vermelha" começou a ser contornada com discurso ameno do novo chefe da Casa Civil, Ônix Lorenzoni. Ele fez convite ao PT e ao PSOL para integrarem um "pacto político", sob a linha argumentativa de que o momento aconselha que partidos deixem de lado a batalha eleitoral para pensarem no país. O pacto seria um ato de elegância política, um abraço suprapartidário que está a exigir esforço coletivo. Uma trégua, portanto, faria bem a todos. Lorenzoni deve ter acertado essa abordagem com o presidente. De qualquer maneira, emerge a impressão de que os discursos do chefe do Governo e de seu subordinado não fazem parte da mesma trilha sonora.

Economia puxando o trem

A economia é a locomotiva que puxa os carros do trem. Sob essa simbologia, o ministro Paulo Guedes será a estrela ascendente do governo. Diz-se que quer anunciar medidas a rodo, algo como um pacote a cada dois dias, a começar por sete medidas baixadas pelo ex-presidente Michel Temer, que seriam revisadas. A Câmara de Comércio Exterior deve começar a abrir a economia com a redução de tributação para bens de capital, informática e telecomunicações. Assim, o animus animandi de setores produtivos ficaria aquecido, garantindo investimentos e resgatando a confiança. Sob um ritmo que tende a ser continuamente acelerado, a locomotiva puxaria a economia e, sob esse arranque, o discurso ideológico tende, até, a ser esmaecido. Com os eixos da engrenagem econômica encaixados, o pulmão nacional respiraria oxigênio novo.

O tom social

Comenta-se, ainda, que o presidente não se referiu à meta de reduzir as desigualdades. Ou teria deixado de dar ênfase ao cobertor social. Como se sabe, este manto cobriu toda a era do lulopetismo. Bolsonaro preferiu não entrar na semântica de proteção das margens; de um lado, para evitar comparações com a linguagem do petismo, de outro, para economizar palavras numa frente que tem servido ao palavrório populista, hoje desgastado. A impressão é a de que o novo governo quer mostrar ações, evitando a verborragia das promessas. Se foi esta a ideia, temos de convir que o presidente agiu corretamente. O dicionário político está locupletado de adjetivos sobre a desigualdade de classes, combate à pobreza, etc. Se o novo governo enfrentar para valer as carências sociais - saúde, educação, segurança – certamente estará respondendo com fatos aos anseios das bases da pirâmide. Bolsonaro se referiu a essas demandas.

A base do equilíbrio

Continua forte o tom, com certa dose crítica, à presença de muitos militares no governo. Mais uma vez, analistas parecem esquecer a fonte de onde Jair Bolsonaro tira a água para beber: o poço militar. Foi na vida militar que o capitão construiu sua identidade. Ao entrar na política, já estava moldado ao ideário militar, com seus valores, linguagem e modos de agir. É previsível que um militar, guindado à presidência, tenha a seu lado perfis e quadros de confiança. Inclusive, militares que viveram e compartilharam, juntos, da vida da caserna. Desse modo, explica-se a base militar que se posta ao lado do presidente, que traz princípios que poderão ser úteis ao país: o dever de cumprir a missão, a objetividade, o respeito, a hierarquia, a ordem. Em suma, os assessores militares conferem certa segurança ao novo governo, um aviso do tipo: o presidente está bem resguardado.

Isolacionismo

Aos aspectos que podem ser considerados positivos, apresentam-se ângulos com possibilidades de trazer ameaça à imagem do país. Entre eles, o alinhamento automático aos Estados Unidos, o que já se traduz na manifestação de transferência da Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém; a ruptura do Brasil com o concerto das Nações comprometidas com a questão do clima e preservação ambiental; certo viés ultraconservador no desenho das relações internacionais do país, que pode nos cobrir com uma veste de viés "fundamentalista". Tal percepção pode não se confirmar, até porque o Brasil, no momento certo, poderá tomar decisões que se ajustem ao figurino internacional.

Articulação política

Na esfera interna, mais cedo ou mais tarde, a real politik acabará prevalecendo. O presidente está certo em desejar eliminar mazelas que circundam o presidencialismo de coalizão: feudalismo, grupismo, mandonismo, nepotismo, fisiologismo, frutos da árvore patrimonialista. Maneira de perfurar alguns tumores que afetam o corpo político seria a articulação com as bancadas temáticas. Evitar o toma lá, dá cá que faz parte do cotidiano da política. Em seu início, sob a grande força que o sustenta, o novo governo até pode se valer dessa modalidade de articulação. Mais adiante, porém, a realidade política se imporá. Nesse caso, ele pode perder um ou outro dedo para salvar as mãos: atender a pedidos de partidos para cargos no segundo e terceiro escalões. Deixaria de fora, porém, os quadros do primeiro escalão. O que já seria um avanço.

Imagem simpática

A primeira dama é um show de simpatia. Quebrou o protocolo, discursando antes de seu marido, para fazer um bem recebido discurso em favor dos deficientes auditivos e em defesa dos valores da família. De maneira inédita, apresentou sua mensagem na linguagem de Libras, tendo sua gesticulação sido traduzida. Michelle Bolsonaro abre uma porta de simpatia nos Palácios frios de Brasília.

Corrupção e segurança

A alta visibilidade do novo governo terá em Sérgio Moro, o ministro da Justiça, uma das luzes. Moro deve gerar impacto em duas áreas: combate à corrupção e segurança pública. Vai ser duro contra corruptos. Passará a limpo todos os cantos e recantos da administração pública. Já a segurança pública deverá ser outro pilar da imagem governamental. Prevê-se controle maior das fronteiras e políticas mais duras contra a bandidagem. O governo poderá ter bons resultados no médio prazo.

Gaudêncio Torquato, cientista político e Professor Titular na USP, é consultor de marketing político.

Brasil, mostra tua cara!

A nova logomarca do Governo Federal foi apresentada ao País pelo Presidente Bolsonaro em sua conta no twitter
Não houve agência de publicidade, nem marqueteiro no meio. 

Foi trabalho direto da Secretaria Especial de Comunicação, a SECOM, sem status de Ministério, agora vinculada à Secretaria de Governo, sob a direção do General Carlos Alberto Santa Cruz.
Orgulhosamente, Bolsonaro disse que a parte mais importante nisso tudo é que divulgação, via internet, está sendo feita a custo zero, gerando uma economia aos cofres públicos de alguns milhões de reais, se para isso tivesse que recorrer aos sistemas tradicionais de rádio e TV.
A mensagem da nova logomarca remete à ideia de resgate da coesão social, lembrando as sempre aplaudidas peças da antiga AERP/Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República, então liderada pelo talentoso General Octávio Costa.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Carga tributária ideal é de 20%, diz Paulo Guedes


O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu uma “enxurrada” de medidas nos próximos dias. “Não faltará notícia”, avisou. Segundo ele, nos primeiros 30 dias de governo serão tomadas medidas que não precisam mexer na Constituição, conforme antecipou o Estadão/Broadcast.

Paulo Guedes, novo ministro da Economia: classe política tem de assumir responsabilidades por Orçamento Foto: Gabriela Biló/Estadão.

As reformas estruturantes serão enviadas após o novo Congresso Nacional tomar posse, em 1.º de fevereiro. “Vamos na direção da liberal democracia, vamos abrir a economia, simplificar impostos, privatizar, descentralizar recursos para Estados e municípios.” Confira os principais pontos do discurso.

Reforma tributária

Guedes defendeu a criação de um imposto único, que simplificará o pagamento de tributos. O ministro disse que a carga tributária ideal para o Brasil é de 20%, bem abaixo dos atuais 36%. “Acima de 20% é o quinto dos infernos. Tiradentes morreu por isso.” Segundo o secretário da Receita, Marcos Cintra, há uma série de alternativas para a criação do imposto único – ele disse preferir a tributação sobre as movimentações financeiras, mas ressaltou que é possível também criar um imposto sobre valor agregado (IVA) ou sobre o faturamento das empresas. Antes do envio da proposta de reforma, porém, haverá medidas de simplificação – uma das avaliadas será o projeto de simplificação do PIS/Cofins que o governo Michel Temer deixou pronto. No Imposto de Renda, o secretário defendeu poucas alíquotas e uma alíquota adicional, maior, para altas rendas.

Privatizações

Guedes disse que as privatizações serão o segundo pilar do governo, depois da reforma da Previdência. Ele lembrou que corrupção e venda de favores em empresas públicas estiveram no centro de escândalos nos últimos anos. “Mensalão, petrolão, ocorreram em empresas públicas”, disse o ministro. Na cerimônia de transmissão de cargo, o novo presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, disse também que o banco começará a abrir o capital de suas subsidiárias e que pelo menos duas ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) serão feitas ainda este ano. Na sua gestão, segundo Guimarães, serão ofertadas ao mercado as áreas de seguros, cartões e loterias.

Abertura comercial

Guedes disse que a abertura do comércio será feita “de maneira sincronizada” com reformas estruturais, como a da Previdência e a tributária. “Se abrir a economia sem reforma, tem de falar ‘corre que o chinês vai te pegar’”, brincou o ministro. Segundo ele, o processo de abertura inclui comércio, bens e serviços, novas tecnologias e investimento estrangeiro direto, que deve ser desregulamentado.

Bancos públicos

Guedes mudará a atuação dos bancos públicos e afirmou querer desestatizar o mercado de crédito. No discurso, disse que quer de volta os R$ 200 bilhões que faltam de recursos que foram emprestados pela União ao BNDES. “Queremos despedalar, o BNDES não vai ser o samba do crioulo doido, será mais importante qualitativamente.” O ministro afirmou que há hoje dois mercados de crédito no Brasil, o de crédito livre “com juro lá em cima” e o “dos amigos”, com juro baixo (ele se referia ao crédito direcionado, que engloba justamente os empréstimos concedidos pelo BNDES, rural e imobiliário). “A vida ficará um pouco mais difícil para quem vivia à sombra do governo”, afirmou.

CLT

O ministro afirmou que o governo de Jair Bolsonaro vai “inovar e abandonar a legislação fascista” da CLT, em referência à criação da carteira de trabalho verde e amarela, uma das promessas de campanha. Segundo ele, o objetivo é absorver pessoas que hoje estão no mercado informal de trabalho e “libertar” os trabalhadores do sistema de repartição da Previdência, pelo qual os ativos contribuem e bancam o pagamento de benefícios de aposentados.

Tesourada em cargos

O Ministério da Economia será a pasta com o maior número de cortes em cargos comissionados, 3,1 mil. Segundo o secretário-adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Gleisson Rubin, serão cortados 600 DAS (funções comissionadas para quem não é servidor de carreira) e Função Comissionada do Pode Executivo (FCPEX) e mais 2.500 funções gratificadas de menor valor. As mudanças na estrutura vão exigir um decreto que ainda não está pronto e que tem mais de 158 páginas.

Corte de gastos

Guedes disse que o primeiro diagnóstico de sua equipe é que é necessário controlar a expansão dos gastos públicos, que chamou de “mal maior”. “Não precisa cortar dramaticamente, sangrar, é não deixar crescer no ritmo que crescia”, disse. Ele defendeu o teto de gastos, que limita o crescimento da despesa pública, mas disse que é necessário fazer as reformas para que ele se sustente. “O teto sem parede de sustentação cai. Temos de aprofundar as reformas, que são as paredes.”(Reprodução de O Estado de São Paulo, edição de 03.01.19).

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Vestido de noiva

Por Edson Vidigal

Cidadã americana, Mary Cecilia, com certeza não é este o seu verdadeiro nome, apaixonou-se por Pedro Ernesto, um brasileiro que nunca esteve nos Estados Unidos.
A coisa foi ficando tórrida, mas nada presencialmente, até que ele, Pedro Ernesto, e com certeza não é este o seu verdadeiro nome, sacando que ela, Mary Cecilia, estava disposta a tudo, pediu-a em casamento.

Estamos sabendo sobre uma história até aqui em nada surpreendente, de quando Marshal MacLuhan, há mais de meio século, anteviu a sintetização do planeta terra a uma mera aldeia global. 
Parecia coisa de louco. Como então esse mundo, mundo, vasto mundo e, de um certo ponto de vista, inclusive imundo, haveria de se estreitar em extensões incríveis, a partir de extensões tecnológicas tão fáceis de se explicar.

Em seu livro “Understanding Média”, publicado em 1964, depois traduzido no Brasil como “Os meios de comunicação como extensões do homem”, MacLuhan previu que uma rede mundial de computadores tornaria acessível, em alguns minutos, todo tipo de informação ao mundo inteiro.

Trinta anos depois, surgiria a internet. E com ela, essas novas tecnologias, desmantelamentos gradativos de antigos antros de poderes de manipulações coletivas, essas mídias antigas, latifúndios de verdades únicas sob coronelismos eletrônicos, agora antiquados por força das redes sociais na orbita da nova galáxia de Gutemberg.

Mary Cecilia e Pedro Ernesto no mundo de hoje são apenas um casal de apaixonados que seriam antiquados se não tivessem se conhecido numa conexão dessa nova galáxia.

O certo mesmo é que ela, Mary Cecília, decidida a viver o seu novo começo, casando-se com Pedro Ernesto, consultou a mãe, o pai, as amigas, talvez o professor e o treinador do seu time na escola sobre o mais apropriado modelo de vestido de noiva para o seu casamento no Brasil.

Mary Cecilia quase nem dormiu de tanto sonhar acordada. Ah, o Pedro Ernesto. O príncipe encantado que lhe chegou encantando-a na telinha do smartphone.

Poderia, quem sabe, mas a sua formação e cultura não são dessas coisas, omitir à Receita Federal antes da aterrisagem em Guarulhos, São Paulo, Brasil, o que trazia de mais valioso e importante na sua bagagem – vestido de noiva.

Mary Cecilia foi detida pelo agente do fisco federal, constrangida a abrir as malas e exibir seus vestuários íntimos, calcinhas e também a camisola escolhida para a primeira noite. Multada por trazer o vestido de noiva em cinco mil dólares.

O agente da Receita, a serviço de um Estado que se renova cada vez mais totalitário, não gosta de noivas americanas. Ou, quem sabe, algum trauma a lhe impingir eterno horror a vestidos de noiva.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho de Justiça Federal.

O legado de Michel

Por Gaudêncio Torquato

Michel Temer deixa o comando do governo sob alta taxa de desaprovação. Retrato de um Brasil que costuma surfar na onda de versões fantasiosas. Pois qualquer analista responsável, ao colocar a lupa sobre o país de tempos atrás e o de hoje, enxergará a abissal diferença entre os dois entes: o de ontem, destroçado, sob a maior recessão econômica da história, e o da atualidade, com juros e inflação controlada, resgatando a confiança perdida, fazendo voltar investidores, as contas do Estado sob controle e um conjunto de reformas, dentre as quais a trabalhista, a do Ensino Médio e a PEC limitando gastos públicos.

O que explica a imagem negativa da administração Temer? O drible que parte da mídia patrocinou na versão de um diálogo gravado no Palácio do Jaburu. O bumbo do grupo midiático mais poderoso do país bateu no arremate da interlocução mantida pelo presidente com um empresário. “Tem que manter isso, viu”? A fala anterior do figurante referia-se ao fato de “estar bem” com o então presidente da Câmara. E o que se viu, meses a fio, foi a inferência:  Temer se referia à entrega de dinheiro, coisa que “deveria ser mantida”. Com essa ilação, o Brasil perdeu a chance de caminhar mais célere na rota dos avanços. A reforma da Previdência, por exemplo, teria sido aprovada.

A lama que a Operação Lava Jato jogou no manto da política, com denúncias sobre empresários, executivos e políticos, acabou convergindo para a figura do presidente. Que não se dobrou ao claro objetivo do tiroteio midiático: tirar Michel do assento presidencial.

O fato é que o país, mesmo sob o fardo de 13 milhões de desempregados, caminha lentamente, registrando avanços aqui e ali; aprovando pautas de relevo; alargando o acesso às privatizações; promovendo entendimentos com a União Européia; assumindo compromissos junto ao G-20, grupo das 20 maiores economias mundiais; participando de encontros com parceiros dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); reforçando vínculos comerciais com a União Econômica Euroasiática; debatendo as mudanças climáticas com as Nações envolvidas no Acordo de Paris. Com os vizinhos, o Brasil tem se esforçado para fortalecer parcerias, sob o compromisso de dar força ao Mercosul.

O Brasil a ser comandado pelo presidente Jair Bolsonaro sai das profundezas do buraco onde foi deixado pela administração petista. Não navega em águas tranquilas, eis que grandes carências ainda corroem o corpo nacional. Milhões de brasileiros ainda não têm acesso ao pão sobre a mesa. Os programas sociais, mesmo ampliados, como o Bolsa Família, não conseguem eliminar bolsões de pobreza que habitam o piso da pirâmide social. A violência se espalha pelo território, a denotar a organização de gangues e quadrilhas.

Mas os fundamentos que inspiram a retomada da economia foram lançados. O empresariado retoma o fôlego, reconhecendo que foram lançadas as condições para um empuxo mais forte na frente dos investimentos. A área de trabalho viu-se desafogada com a redução de cerca de 40% nas reclamações judiciais, graças à reforma trabalhista.

Parlamentar desde os idos de 80, presidente da Câmara por três vezes, Michel Temer colocou em prática sua visão parlamentarista, ao abrir intensa articulação com o Congresso Nacional. Pode-se dizer que governou por meio de um semipresidencialismo. Esteve todo tempo promovendo encontros com parlamentares e lideranças partidárias. Assim conseguiu aprovar o programa de reformas que marca sua passagem pelo Planalto.

Constitucionalista, Michel Temer também deixa um legado ao Congresso. Trata-se de sua interpretação sistêmica à questão de trancamento de pauta por Medidas Provisórias. Quando presidia a Câmara em 2009, propôs esta solução ímpar na história constitucional: “Na verdade, o constituinte não quis sobrestar absolutamente todas as deliberações legislativas, mas apenas aquelas que também são previstas para Medida Provisória, ou seja, as demais espécies normativas não estão abrangidas na disposição do art. 62, § 6º, CRFB/88”. A tese deu mais autonomia ao Poder Legislativo na sua função primária, a atividade legislativa.

Michel deixará o Palácio do Planalto pela porta da frente.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação - Twitter@gaudtorquato

sábado, 22 de dezembro de 2018

A lua no deserto

Por Edson Vidigal

Entre a eleição e a posse há um governante, que mesmo em estado de reeleição, executa acordes finais.

A fadiga do primeiro mandato não parece inspirar acenos às esperanças que vistas hoje, de um certo ponto de vista, renegam o verde que o tempo por estas bandas sangrou.

As esperanças de muito antes de anteontem que pousaram nos corações de outrora agora se ensaiam em desertos de verdes como que em busca de uma nova cor, o branco das pombas, talvez, certamente um símbolo de paz.

A esperança é incansável, não desiste, é imortal. É a última que morre, até porque, dizem, quando o nojo chega ao mais insuportável ela é a primeira a dar o fora.

Assim como há cordeiros que não são cordeiros porque por dentro são lobos vorazes, advertem os evangelhos, há também as esperanças não são esperanças porque são as que no voo despencam o verde da ilusão e então picam com violência porque em verdade são marimbondos vorazes.

Entre o resultado da eleição e a data da posse há dois governantes. Há o que vai sair daqui a pouco - ou porque a maioria, uma vez esclarecida, preferiu dar logo um basta nos avanços da sua jornada ou porque não se candidatando a nada preferiu a quietude da hora de ir embora sozinho.

Há o que, eleito pela primeira vez, é rodeado de bajuladores, de oportunistas, de alpinistas e até de esperanças das verdes, também conhecidas como esperanças populares. Onde chegam. Ou por onde passam.

Esse tempo, que é só de espera da data da posse, inebria encantamento como um éter fortíssimo de um enorme frasco quebrado.

É preciso equilíbrio, quero dizer, muito juízo, para não achar que tudo que se refere ao poder é por demais passageiro.

O poder, seja o político, o econômico, ou aquele outro difuso conhecido como o da glória, podem viciar.

Felizmente, como tudo nesta vida feita de antes, durante e depois, o poder, qualquer que seja, tem prazo de validade e um dia acaba. Só os idiotas se iludem e confundem achando que o estado transitório do poder, qualquer que seja, é coisa de posse pessoal.

O poder político é institucional. Resulta da legitimação legal, mas perde densidade até não valer mais nada ao perder a autoridade moral. Os cargos e funções não honram, mas os que os ocupam e os exercem é que tem o dever moral de honrá-los.

O eleito pela primeira vez, que está só na espera da hora da posse, já governa. Governa expectativas. Seu governo prévio tem o acorde de uma canção. Das que não enxotam esperanças. Talvez como na “Canção da Expectativa” do poeta José Chagas.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

As chances da lava-toga

Transparência total. Não só como princípio. Mas como regra absoluta a nortear todas as ações dos agentes do poder público. O poder de cada um em todos os Poderes - Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público - é delegação da sociedade para legitimar as ações de autoridade cumprindo e fazendo cumprir a Constituição e as Leis do País. A pessoa no exercício de qualquer função do poder público perde o respeito da sociedade quando perde a moral. Perde também, por conseguinte, a legitimidade indissociável à validade dos seus atos. Por isso, há sempre em prontidão os que convocam a injúria, a difamação, como armas nunca certeiras, sem os resultados finais pretendidos, quando a verdade desponta, a tempo, abatendo os mísseis da crueldade. Daí que não basta, em especial, no serviço público, fazer as coisas certas, mas fazê-las sempre com a certeza de que todos os olhos do mundo estão a enxergar tudo o que se passa, ainda que o fazer imponha absoluta concentração e total solidão. Nas quase duas décadas em que estive Juiz com imenso poder de autoridade na República ate me ofendia com as insinuações e dossiês anônimos que eu lia ou me chegavam. Conhecendo as pessoas como imaginava que as conhecia, tendo mais o que fazer no meu trabalho, não vendo indícios suficientes nem provas, lançava tudo na lixeira do tempo. Para não atulhar com lixo as gavetas da memória. Hoje, depois que voltei ao outro lado dos cancelos, fronteiras sempre intransponíveis, o olhar de advogado no desfilar das coisas me inquieta como sementes de dúvidas. Dúvidas hoje ainda me são poucas. Surpreendentes, mas poucas. Como no poema de Pessoa, não tenho, nunca tive, irmandade nenhuma com essas coisas. Luz, mais luz! Peticionou Ghoethe. Mais vale acender uma vela que amaldiçoar a escuridão! Proclamou Confúcio. Transparência total, luz absoluta, também sobre os labirintos, e ainda são muitos, do Judiciário no Brasil. É para ler e meditar com calma a matéria do Crusoé desta semana. Abra o link copiando o endereço abaixo: https://crusoe.com.br/edicoes/34/a-chance-da-lava-toga

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Porandubas Políticas

Por Torquato Gaudêncio

Abro a coluna com o verbo da Bahia.

Cosme de Farias foi um grande advogado dos pobres da Bahia. Enveredou também pela política. Vereador e deputado estadual por muito tempo. Vejam a historinha.

Um ladrão entrou na Igreja do Senhor do Bonfim e roubou as esmolas. Cosme de Farias foi para o júri:

– Senhores jurados, não houve crime. Houve foi um milagre. Senhor do Bonfim, que não precisa de dinheiro, é que ficou com pena da miséria dele, com mulher e filhos em casa com fome e lhe deu o dinheiro, dizendo assim:

– Meu filho, este dinheiro não é meu. Eu não preciso de dinheiro. Este dinheiro foi o povo que trouxe. É do povo com fome. Pode levar o dinheiro.

E ele levou. Que crime ele cometeu? Se houve um criminoso, o criminoso é o Senhor do Bonfim, que distribuiu o dinheiro da Igreja. Então vão buscá-lo agora lá e o ponham aqui no banco dos réus. E ainda tem mais. Senhor do Bonfim é Deus, não é? Deus pode tudo. Se ele não quisesse que o acusado levasse o dinheiro, tinha impedido. Se não impediu, é porque deixou. Se deixou, não há crime.

Cosme de Farias ganhou no verbo. O réu foi absolvido.

A quebra de paradigmas I

O ano chega ao final sob inacreditável queda de paradigmas na esfera da política e de processos em seu entorno. O mais evidente foi o rompimento das teias de vetores que sustentam (ou não mais) o marketing político. A visibilidade de candidatos, até então fruto da comunicação eleitoral – tempos de TV e rádio – garantida aos partidos, não foi elemento decisivo na campanha. Quem esperava alta visibilidade e, por conseguinte, melhor condição para convencer o eleitor a lhe dar o voto, quebrou a cara. Quem teve maior tempo de TV, entre os candidatos presidenciais, foi Geraldo Alckmin, que teve votação menor que a do cabo Daciolo.

A quebra de paradigmas II

O Fundo Partidário chegou a R$ 1,7 bilhão. A ideia dos caciques foi a de aumentar os recursos do Fundo como forma de fazer uma repartição que viesse a beneficiar os candidatos mais poderosos e tradicionais dos partidos. Ou seja, as cúpulas partidárias. E isso foi feito. Sem resultados. Pelo menos um grupo dos mais endinheirados acabou na rua da amargura. Perdeu feio. E candidatos que quase não puseram a mão no bolso ganharam assento no Parlamento e nos Executivos estaduais. Ou na cadeira principal do país, caso de Jair Bolsonaro.

A quebra de paradigmas III

Praticamente o eleitor deu costas aos costumes da velha política. Não se encantou com os abraços, apertos de mão, pedidos de voto, feitos de maneira tradicional. Muitos perfis nem tiveram tempo de burilar suas imagens. Foram surpreendidos com extraordinária votação, caso dos eleitos governadores Zema, de Minas Gerais, Witzel, do Rio de Janeiro e outros. Os ventos sopraram na direção de figuras que incorporaram as prementes demandas sociais. O eleitor deu um tchau ao déjà vu.

Reconstrução

Nos Estados, forma-se um novo batalhão de protagonistas da política que deverão fincar estacas para garantir suas posições. Os antigos vão acompanhar as operações dos novos com um olho no próximo pleito municipal, em 2020. Será a luta da vanguarda contra a retaguarda.

Lição ficará

As lições dadas pelo eleitor no pleito deste ano permanecerão nas páginas da história. É evidente que os velhos políticos tomaram susto. Muitos vão mudar, outros tentarão voltar ao cenário envergando a velha vestimenta. Mas o eleitor descobriu mesmo a força de sua vontade. A urna será sua arma letal doravante. O país abre um novo ciclo. Os partidos também levaram uma surra, com exceção de pequenas siglas – PSL, Novo – que apareceram bem na fita eleitoral. O PSL fez a segunda maior bancada na Câmara, 52 deputados. Se souber aproveitar seu cacife, será fortalecido. Mas sua direção precisa de oxigênio. O Novo tende a crescer.

Fazendo a reforma

A tão propalada reforma política continuará no rol de promessas. Verdade é que alguns passos já foram dados. Proibição de doação de recursos por parte de empresas, adoção da cláusula de barreira, proibição de coligações proporcionais integram o acervo de algumas decisões já tomadas. Mas há muito mais a fazer. A novidade é que o eleitor está fazendo a reforma, a seu modo. Se os políticos não querem fazê-la por completo, o eleitor continuará mudando aqui e ali, sob a égide de seu poder, o voto.

Estilo

O estilo bolsonaro se revela. Na gestão, força para a descentralização. Na estética, reforço à identidade militar. A continência, maneira de homenagear o interlocutor. Um ministério cheio de militares. Na semântica, frases incompletas, onomatopeias, certos cacoetes o aproximam do homem comum.

Ênfases

Ênfases ficam por conta de expressões em defesa da família e, em matéria de relações externas, alinhamento incondicional com os Estados Unidos; afastamento do Brasil de Nações comprometidas com o ideário dos direitos humanos, compreendendo, entre outras coisas, acolhimento sem restrições a imigrantes que vivem em estado de carências em seus países. Sinalização com a promessa do chanceler escolhido, Ernesto Araújo, de tirar o Brasil do Pacto Global de Migração, assinado por 164 países. Identidade conservadora nos costumes e nas relações internacionais vem sendo burilada com estridência.

A fama e a lama

Tenho lembrado que o patamar da fama fica a um milímetro do patamar da lama. João de Deus sai de um para outro. Ninguém é considerado culpado até o trânsito em julgado – diz nossa Constituição. O médium, que teria feito centenas de curas, padece agora no banco dos acusados. A Justiça tem de apurar as denúncias que se multiplicam contra ele. Já são mais de 400. E os relatos são muito contundentes. E plenos de fatos sequenciados. Seria tudo isso "armação", como ele alega? Contra um sujeito idolatrado? Trata-se de um caso emblemático. Uma personalidade glorificada cai no despenhadeiro da má fama.

Cesare Battisti

O italiano, que recebeu de Lula o passaporte da liberdade, no último dia de seu governo, está foragido depois de receber do presidente Michel a extradição para a Itália. Foi condenado na Itália por crimes perpetrados no passado. A PF está em seu encalço. Será que já escapuliu? Temos quase 17 mil km de fronteiras com dez países na América do Sul.

A faca no sistema S

O futuro ministro da Economia Paulo Guedes afirma ser necessário "meter a faca no Sistema S também. Estão achando que a CUT perde o sindicato, mas aqui fica tudo igual? Como vamos pedir sacrifício para os outros e não contribuir com o nosso"? CNI e FIESP deverão liderar as batalhas para manutenção do sistema. Promete que empresários parceiros sofrerão menos cortes. Reitera necessidade de formar um pacto federativo envolvendo políticos das esferas estaduais e municipais. Garante que "o toma lá dá cá" acabou.

Onde está Skaf?

Paulo Skaf, que mais uma vez perdeu as eleições, está recôndito. Não tem aparecido, como é seu feitio, no cenário político-institucional. Por onde andará? Até que seria um bom nome para disputar o pleito municipal de São Paulo em 2020. Skaf, não desista. Na política, a menor distância entre dois pontos nem sempre é uma reta como na geometria euclidiana. É uma curva. Lembrete: FHC perdeu um pleito para a prefeitura paulistana. Ganhou, mais adiante, as eleições presidenciais.

Dória e seu ministério

O governador eleito de São Paulo, João Dória, compõe um Secretariado de nível ministerial. Do governo Temer, traz 7 ministros. Um feito. Henrique Meirelles é o perfil de maior evidência. João começa a ler, hoje, as páginas do amanhã. É um obstinado. Vai adiante em sua meta.

Afif

Guilherme Afif é um dos mais qualificados homens públicos do país. Empresário, liderou por muito tempo a esfera dos micro e pequenos empresários. Foi presidente da Associação Comercial de São Paulo (duas vezes) e da Federação das Associações Comerciais; foi candidato à presidência da República e ao Senado Federal; foi vice governador de SP e deputado Federal constituinte. Acaba de deixar o comando do Conselho do SEBRAE nacional. Como se vê, Afif é um tocador de muitos instrumentos. Com essa imensa bagagem, dará suporte a Paulo Guedes no "board" que o ministro da Economia está criando. Ambos são velhos amigos, desde a campanha presidencial de Guilherme. Um gol de placa no campo liberal de Bolsonaro.

A ambição pelo poder

Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará, constantemente, os que os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder".

E Hartung, hein?

Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, é considerado um dos melhores quadros do país. Sua performance na administração capixaba é muito elogiada. Teria passaporte para integrar qualquer governo.

E Arthur?

E para onde irá o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio? Fundador do PSDB, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo de Fernando Henrique Cardoso e líder da oposição no Senado ao governo do ex-presidente Lula, o prefeito afirma que o resultado das eleições no primeiro turno pôs sua legenda num papel secundário e que está pouco esperançoso com o futuro do partido. Virgílio avalia abandoná-lo após quase 30 anos e pensa em formar um novo partido.

Promotor

Participando de uma solenidade na cidade de Jardim de Piranhas, no Seridó/CE, o senador Dinarte Mariz é ovacionado por dezenas de pessoas. Uma festa de popularidade. Integrando o evento, um jovem promotor público é apresentado ao "Velho Dida", apelido carinhoso dado ao senador. O cumprimento passa da formalidade.

– Senador, eu soube que o senhor teve pouco estudo. Imagino se tivesse estudado, o que o senhor não seria, hein? – comenda o promotor, sem qualquer má-fé.

Com seu jeito espontâneo e inteligência na produção de frases lapidares, instantaneamente Dinarte emenda:

– Seria promotor em Jardim de Piranhas...

(Carlos Santos – "Só Rindo 2")

Gaudêncio Torquato, cientista político e consultor em marketing político, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.