quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Bolsonaro ganha da Globo dentro da Globo

O deputado Jair Bolsonaro (PSL) fez barba, cabelo e bigode. Um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes adiou a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a abertura de mais um processo contra ele, dessa vez por crime de racismo.

No Jornal Nacional, que entrevista os principais candidatos a presidente da República, Bolsonaro venceu o confronto com os apresentadores William Bonnere Renata Vasconcelos. Foi o maior comício eletrônico de sua vida. Saiu maior do que entrou.

Mais tarde, no Jornal das 10 da GloboNews, comportou-se como quem não tinha mais o que perder. Os jornalistas à sua frente pareciam jogar para cumprir tabela. Um caiu na pegadinha de Bolsonaro de querer saber o que estava escrito em sua mão.

No bunker da Globo, Bolsonaro bateu na Globo, para delírio dos seus seguidores e de uma parte grande do PT. Bateu também no PT, o que Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (REDE) não fazem por tributários do PT, e Geraldo Alckmin (PSDB) por que… Sei lá!

Até aqui, Bolsonaro é o candidato que melhor sabe falar o que deseja ouvir expressiva fatia do eleitorado. E o faz com a profundidade de um pires. Vila Madalena e Leblon podem não admirá-lo (duvido!), mas o Jardim Ângela e a Baixada o escutam.

Em 1989, depois de 21 anos de ditadura e do governo desastroso de Sarney, os eleitores buscavam um salvador que fosse contra tudo aquilo que ali estava. O segundo turno foi disputado pelos candidatos que melhor encarnaram esse papel — Collor e Lula.

O triunfo da corrupção sobre a esperança, a herança maldita deixada por Dilma e a ponte para o futuro que virou uma pinguela recriaram as condições para uma nova procura do salvador. Sob o codinome de Mito, Bolsonaro se oferece em sacrifício. (Ricardo Noblat, Blog do Noblat, em Veja.com)

Esse filme já passou. No fim, o bandido morre. Mas a que custo!

(Ricardo Noblat no Blog do Noblat, em Veja.com)

A Águia Bicéfala

Por Edson Vidigal 

Símbolo da identidade nacional, a águia russa tem duas cabeças. A águia americana e a águia alemã têm dois olhos cada e uma só cabeça. 

Na mitologia grega, é associada a Júpiter, o maioral do Olimpo. E lá, águia única, conhecida apenas como Fênix, incinerada num grande incêndio, mostrou-se capaz de ressuscitar das próprias cinzas.

Isso de águia de duas cabeças foi coisa saída da cabeça dos romanos. Não podendo grelarem um olho no padre e o outro na missa, quero dizer, segurar ao mesmo tempo o seu império sobre os povos do ocidente e do oriente, inventaram então a águia bicéfala.

Os povos colonizados nunca tinham visto aquilo e, claro, morriam de medo. Se uma águia com apenas dois olhos, como a grega do Olimpo, tinha tanto carisma, um olhar perspicaz com que encarava o sol de frente, irradiando força, inteligência, temeridade e poder, pensem então aí, seus bestas, numa águia com quatro olhos e duas cabeças.

A águia de César, esculturada em ouro ao topo de um grande cetro, - e ele não se largava dela nem para dormir nos acampamentos durante as guerras – tinham, sim, duas cabeças, uma com olhar sobre Roma, a oeste, e a outra com o olhar grudado em Bizâncio, a leste.

A águia bicéfala, símbolo da identidade nacional da Rússia, e data de mais de um milênio, referenda num carimbo do Banco Central a cédula de 1.000 (mil) rublos. Do mesmo tamanho em largura e altura da nossa cédula de real.

Aquieto o olhar me admirando do que estou vendo. Na extremidade, em cima, a figura de um urso polar em marcha, carregando no ombro uma arma de época mais remota, talvez aquela machadinha de cabo longo dos filmes de guerras antigas.

Entre esses dois símbolos nacionais da Rússia, no centro à direita, São Basílio e no verso da cédula, a famosa Catedral do propriamente dito. 
Impressiona-me a mensagem da cédula de 1.000 (mil) rublos. A fé religiosa que o poder do Estado soviético intentou, por décadas, arrancar do espirito das pessoas, desponta ali rediviva em forte aliança entre o Kremlin e a Igreja Cristã Ortodoxa.

Retiro da carteira do passaporte uma cédula de 100 (cem) reais. Se parecem, nas cores. No mais, afora o valor monetário, eis que a unidade do real brasileiro vale muito, mas muito mais que um rublo russo, o meu olhar não se admira com o que é mostrado na cédula brasileira à guisa de símbolo nacional.

O que é mostrado em nossa cédula de 100 (cem) reais em nada reflete simbolismo algum da nossa verdadeira identidade nacional, ainda bem. 

Ora, ó meu, é impossível se orgulhar com a cara de uma mulher que, além de feiosa tem os olhos cegados, um par de lábios trancados, inúteis, exalando um sentimento entre a melancolia e o nojo, nada a ver com a alma dos brasileiros. 

No verso da cédula de 100 (cem) reais, um peixe nadando com a identificação – garoupa. E uma bobagem de autógrafos do Ministro da Fazenda e do Presidente do Banco Central como que a darem credibilidade ao dinheiro. 

A credibilidade do rublo russo é legitimada pela águia de duas cabeças num carimbo do Banco Central da República. E na figura do urso polar guerreiro com sua machadinha de cabo longo.

“Os canhões, a quem podem assustar agora? / esses aí, tão ternos / seriam capazes de destruir?” (...) “Escutai, pois! Se as estrelas se acendem / é porque alguém precisa delas. / É porque, em verdade, é indispensável / que sobre todos os tetos, cada noite, / uma única estrela, pelo menos, se alumie”. (Vladimir Maiakóvski, poeta russo).

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.


terça-feira, 28 de agosto de 2018

Lupi é réu no DF por uso de avião pago com dinheiro de ONG

Ação foi proposta após VEJA revelar, em 2011, que entidade mantinha contrato com Ministério do Trabalho, então chefiado pelo pedetista; o caso não foi julgado.

Diferentemente do que o candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, defendeu em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, na noite de segunda-feira, 27, o presidente nacional do seu partido, Carlos Lupi, é, sim, réu na Justiça. Ele responde a uma ação civil no Distrito Federal em razão de um caso revelado por VEJA em 2011: o uso de avião pago com dinheiro de uma ONG que tinha contratos com o Ministério do Trabalho – pasta que, à época, ele comandava no governo de Dilma Rousseff (PT). O processo, porém, ainda não foi julgado.

A ação foi apresentada em 2012 e aceita pela juíza Ivani Silva da Luz três anos depois, em 2015. O julgamento político, no entanto, foi mais rápido: a Comissão de Ética Pública da Presidência aprovou, em dezembro de 2011, uma recomendação a Dilma para que demitisse seu então ministro, considerando ainda outros fatos, como Lupi ter dito que “só saía abatido a bala”. Para evitar o constrangimento, ele pediu demissão.

VEJA mostrou que Carlos Lupi, então ministro, havia viajado em 2009 ao Maranhão na companhia de assessores, do governador do estado à época, Jackson Lago (PDT), e do empresário Adair Meira. A conta do avião particular foi paga por Meira, responsável por duas ONGs, a Fundação Pró-Cerrado e a Renapsi, que tinham contratos com valores acima de 10 milhões de reais justamente com a pasta do Trabalho comandada por Lupi.

No primeiro momento, o ministro negou que sequer conhecesse Meira, em esclarecimento ao Congresso. Depois, quando fotos e um vídeo mostraram ele saindo da aeronave do empresário em uma cidade maranhense, foi obrigado a admitir a relação, mas ele se limitou a dizer que havia viajado “de carona” e que não sabia de quem era o avião. Então assessor do ministro, Ezequiel de Souza Nascimento confirmou a VEJA que foi Meira quem pagou a conta da viagem.

As pendências judiciais do presidente do PDT foram suficientes para constranger Ciro Gomes diante dos entrevistadores William Bonner e Renata Vasconcellos, quando ele reiteradamente negou que Lupi fosse réu na Justiça — o presidenciável chegou a dizer que tem “confiança cega” no aliado. Na entrevista, de 27 minutos, ele tratou de outros temas, como a sua relação com o ex-presidente Lula (PT) e o seu projeto para a renegociação de dívidas dos brasileiros hoje cadastrados na lista negativa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). (Do Maquiavel, em Veja.com)

Já Era Vermelha

Por Edson Vidigal

História e lenda convivem, mas reparando bem não se confundem. Quando os comunas destronaram Nicolau II, o último Czar, em 1917, a Praça Vermelha já existia e assim conhecida desde os tempos de Ivan III.

Tudo o que se vê por lá ainda hoje já existia. Exceto, o Mausoléu de Lênin e as sepulturas de alguns hierarcas como Stálin e de uns poucos heróis como Gagárin ou de intelectuais como Gorky.

Kremlin quer dizer Fortaleza. Moscou, a capital da Rússia desde 1147, era ainda uma cidade muito vulnerável. O Kremlin então foi construído, incendiado, refeito, robustecido, com essa finalidade.

As muralhas da Fortaleza, residência da família real, medem 2.500 metros de comprimento e altura entre 05 a 19 metros. Só o canhão do Czar, construído em 1586 por ordem de Teodoro 1º, pesa 40 toneladas. Tem 890 milímetros de calibre. Cada bala tem peso correspondente a 800 quilos.

A Praça se chamaria Vermelha por estar localizada no coração da cidade. Outra versão dá conta de que em russo arcaico a palavra “krasnaya”, que serviu para denominar algo bonito, se traduzia também como vermelho. Assim, tudo que fosse vermelho seria bonito.

A maledicência, talvez, tenha criado a versão de que o vermelho da praça tenha tido a ver mesmo com sangue, nada a ver com o coração da cidade, mas com um massacre de milhares de pessoas reprimidas num protesto, em 1698.

E houve também quem dissesse que era ali na Praça Vermelha que Ivan III, antecessor do Terrível, mandava executar os condenados à morte.

Faz lembrar o logradouro ludovicense, o qual tem a denominação oficial de Praça da Alegria, mas que antes se chamava Praça da Misericórdia e depois se soube que no antanho mais antanho era conhecido como Largo da Forca Velha.

Oportuno consignar que tanto em relação a Moscou quanto a tais versões em São Luís do Maranhão, há controvérsias.

Mas então de onde saiu o vermelho ainda hoje imperante em todas as construções nesse território de 23 mil metros quadrados que até hoje é a praça? Deixa prá lá.

Importante saber que isso tudo que está em Moscou, à exceção do Mausoléu de Lênin e da Necrópole em derredor da muralha do Kremlin, já existia quando os comunas tomaram o poder na Rússia, em 1917.

O tempo curto e muita coisa ainda para olhar não me desviaram a curiosidade. Foi como se diante da muralha enorme eu estivesse revendo em câmera lenta um velho filme colorido e chapiscado que em todo outubro de todo ano mostrava em televisões do mundo inteiro a velha guarda soviética – Kruschev, Brejeniev, Chernenko e quejandos, não necessariamente nessa ordem, assistindo desfiles militares quase intermináveis, na verdade demonstrações de forças emolduradas por tanques de guerras e ogivas nucleares como se avisasse a nós outros do lado de cá – estão vendo? Não se metam conosco.

Há o sol, pai de toda cor. E há o tempo – para sempre o senhor da razão. Nada é para sempre.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Toffoli, o que vem por aí

Se depender do presidente eleito do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Dias Toffoli, o Judiciário vai deixar de ser um obstáculo. A duas semanas de assumir o comando da Justiça do país, ele planeja usar da força do cargo para contribuir para a harmonia entre os Poderes e para se colocar como uma liderança da magistratura.


Ministro Dias Toffoli tem planos ambiciosos para seus dois anos à frente do Supremo.

“A ideia é destravar”, diz. Os planos são muitos. Por exemplo, levantar quais são as grandes obras de infraestrutura que estão paradas por decisão judicial. Ou discutir com lideranças políticas formas para dar efetividade à Justiça — uma das principais ideias é um projeto para estabelecer que condenados pelo júri sejam presos imediatamente e não possam recorrer em liberdade.

Com o Supremo, Toffoli afirma que não pretende ser um presidente, mas um coordenador. Na prática, isso significa ouvir os outros ministros sobre suas prioridades antes de fazer a pauta, em vez de esperar que eles peçam por determinado processo. E estabelecer quais processos serão julgados com mais antecedência e previsibilidade.

Para este ano, ele avisa que não pretende colocar em pauta nada "polarizante". Portanto, ficarão pelo menos para 2019 casos como os embargos de declaração que pedem a modulação da proibição da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, ou os que pedem a definição do alcance e do cumprimento da declaração de constitucionalidade do Funrural para produtores rurais com empregados.

Ou ainda o mérito das ações que pedem a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, exceto em casos de flagrante ou de medida cautelar. As já célebres ADCs sobre a execução antecipada da pena.

Internamente, o ministro dividiu sua assessoria de imprensa. O jornalista Adão Paulo Martins de Oliveira, ex-secretário de comunicação da Advocacia-Geral da União, trabalhará para a presidência e atenderá demandas relacionadas ao ministro Toffoli. A Secretaria de Comunicação ficará responsável pelo tribunal e pela instituição. Esse cargo deve ficar com o jornalista Marcio Aith, amigo de longa data do ministro.

A atual chefe de gabinete, Daiane Nogueira de Lira, vai para a Secretaria-Geral do Supremo cuidar da atividade-fim do tribunal. Isso envolve a pauta do Plenário, organizar a repercussão geral, as atas de julgamento, entre outras atividades. A chefia de gabinete, que cuidará da assessoria parlamentar, representação internacional e agenda do ministro, ficará com Sérgio Braune, hoje assessor. Eduardo Toledo continua na diretoria-geral do tribunal.

No CNJ, outra divisão interna importante: a secretaria-geral será dividida em duas. Uma para cuidar da atividade-fim do conselho, como os convênios, contratos, tecnologia etc., que ficará a cargo do desembargador Carlos von Adamek, do Tribunal de Justiça de São Paulo. A outra será dedicada à execução de projetos. Será comandada pelo juiz Richard Pae Kim, também de São Paulo.

Conheça alguns dos planos do ministro para sua gestão:

Infraestrutura
Toffoli pretende criar uma comissão no CNJ para identificar todas as grandes obras que estão paradas por decisão judicial. “O combate à corrupção é importante, mas as obras precisam ser concluídas”, afirma. “Quem perde com os atrasos e abandonos é o povo, que fica sem a ponte, sem a rodovia, sem a ferrovia.”

Ex-advogado-geral da União, o ministro conhece bem a realidade de obras que ficam paradas por causa de discussões burocráticas, ou de discussões sobre a licitude do contrato. Esses debates costumam ser interrompidos por liminares cujo principal efeito é engavetar os processos e embargar as obras.

De acordo com levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil tem hoje 2,7 mil obras paradas. Desse total, 517 são de infraestrutura, normalmente interrompidas no início — segundo o estudo, a maioria das obras para antes de chegar a 25% da execução. E a área que mais sofre é a de saneamento básico, com 447 obras interrompidas. O levantamento não detalha se elas foram interrompidas por decisão judicial ou não.

“Às vezes a obra está 80% concluída, mas para porque começa uma discussão sobre a licitude do contrato. A discussão tem de ser feita, mas a obra tem que terminar”, afirma o ministro. “A Justiça existe para resolver o problema.”

Retomar a colegialidade
Toffoli quer resolver o problema das cautelares monocráticas em ações de controle concentrado. Uma de suas primeiras medidas para 2019 será pautar todas as ações de controle que já foram objeto de liminar monocrática, mas ainda não ratificadas pelo Plenário. Uma vez zerado o estoque, a ideia do ministro é sempre levar as ações do tipo que tiverem pedido de cautelar ao colegiado.

É uma crítica contra a qual o tribunal tem poucos argumentos. O artigo 10 da Lei das ADIs estabelece que medidas cautelares em ações de controle concentrado só podem ser tomadas “por decisão da maioria absoluta dos membros do tribunal”. Ainda assim, tramita na Câmara um projeto de lei que quer proibir expressamente ministros do Supremo de suspender ou cassar leis por meio de decisões monocráticas.

Reação natural, dizem observadores, ao comportamento expansivo de alguns ministros. Só no primeiro semestre deste ano, o pesquisador José Carvalho identificou a imposição de cautelares monocráticas em oito ações diretas de inconstitucionalidade. Tornou-se prática frequente, escreveu, em artigo publicado na ConJur.

Repercussão geral

Toffoli pretende encampar a ideia do ministro Luís Roberto Barroso para os recursos com repercussão geral reconhecida. Basicamente, Barroso defende que o Supremo estabeleça um número fixo de repercussões gerais para reconhecer ao final de cada semestre. E assim que reconhecer a repercussão, escolher uma data de julgamento.

Os que não forem selecionados, defende Barroso, transitam em julgado, mas não produzem efeitos extensivos. Dessa forma, o Supremo consegue “se livrar” daquele recurso, mas não impedir que a tese venha a ser discutida em outro momento.

É que não há muito como fugir da constatação de que o Supremo reconheceu mais repercussões gerais do que tem condições de julgar. Entre 2007 e janeiro deste ano, havia reconhecido a repercussão de 661 casos, mas só julgou 359 deles. Segundo as contas do ministro Barroso, a corte hoje consegue julgar 35 recursos com repercussão geral por ano — se só julgasse isso, seriam necessários oito anos para dar conta do acervo que já está lá, sem receber nenhum processo novo, calculou o ministro em seu artigo Como Salvar o Sistema da Repercussão Geral, publicado em março em parceria com o juiz Frederico Montedonio.

Harmonia entre os Poderes

O artigo 2º da Constituição diz que os Poderes da União são “independentes e harmônicos entre si”. Mas Legislativo e Executivo passam por uma crise de legitimidade que dá ao Judiciário tamanho maior do que o planejado pelos constituintes, criando atritos institucionais.

A estratégia de Toffoli para enfrentar esse quadro é fazer reuniões mensais e públicas com o presidente da República e os presidentes da Câmara e do Senado, os quatro juntos. A intenção é discutir projetos e ideias e passar para a sociedade a ideia de harmonia, previsibilidade e respeito mútuo. “Isso é simbólico, significa investir em segurança jurídica, dizer que não conversamos só quando aparece um problema, mas para discutir o país também”, diz.

Uma dessas ideias é remodelar o teto do funcionalismo público e fazer com que o tribunal deixe de ser a referência salarial. As remunerações dos servidores são, por regra constitucional, porcentagens dos salários dos ministros. “É um sistema que pesa sobre os ombros do tribunal e da instituição”, diz Toffoli. A proposta é que se construa uma nova forma de limitar o salário dos servidores sem que o salário dos integrantes do Supremo sirva de referência e sem vinculações automáticas.

Outro projeto é acabar com penduricalhos como auxílio-moradia, auxílio-creche etc. e incorporar tudo isso ao salário. Até porque o parágrafo 4º do artigo 39 da Constituição estabelece que o salário do funcionalismo público deve ser pago em parcela única. E o Supremo já decidiu, no Recurso Extraordinário 609.381, que o teto do funcionalismo tem aplicação imediata e obrigatória. O recurso tinha repercussão geral reconhecia e foi relatado pelo ministro Teori Zavascki.

Cultura da magistratura

Toffoli espera receber o quanto antes estudo encomendado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) à PUC-Rio sobre o perfil da magistratura brasileira. Segundo ele, é importante investir na formação cultural dos juízes, e não apenas jurídica. Nem só da leitura de códigos esquematizados pode viver um magistrado, afirma o ministro.

Ele pretende criar um canal de troca de informações e ideias entre o CNJ e as escolas de magistratura para contribuir com a formação dos juízes, que têm ingressado na carreira cada vez mais jovens e menos vividos. A falta de uma formação mais ampla do ponto de vista humano e social foi identificada como uma causa de insegurança jurídica pelo ministro e por seus interlocutores — entre eles, o ministro Humberto Martins, próximo corregedor nacional, e o ministro João Otávio de Noronha, atual corregedor e presidente eleito do Superior Tribunal de Justiça.

Para o ministro Toffoli, a única forma de estancar o problema do desrespeito sistemático às decisões do Supremo pelas instâncias locais é investir na formação. “O juiz não pode imaginar que está resolvendo a briga dos vizinhos. O Judiciário define questões sociais e suas decisões influenciam na sociedade”, diz. “O juiz precisa entender que suas decisões têm consequência.”

Justiça penal

O ministro tem se preocupado com a influência que a falta de efetividade do sistema de justiça tem sobre a segurança pública. Durante a discussão de um Habeas Corpus em que o ex-presidente Lula argumentava a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena, Toffoli foi claro no diagnóstico: o problema não é o sistema recursal, mas o primeiro grau. Segundo ele, só 8% dos júris são instalados depois que se conclui que houve crime contra a vida.

Uma das ideias é justamente estabelecer que o réu pode ser preso já depois da decisão do júri, com base no princípio da soberania do tribunal do júri. Seria voltar ao sistema anterior à Lei Fleury, uma alteração de 1973 no Código de Processo Penal que autorizou a réus primários com residência fixa a recorrer de condenações por homicídio em liberdade.

Toffoli também pretende usar o CNJ para estudar formas de dar proteção a vítimas de violência, especialmente crianças, e de violência doméstica. Segundo ele, há experiências de sucesso já transformadas em modelo pela Comissão de Direitos Humanos da União Europeia e que podem ser traduzidas para o Brasil. O que falta aqui, segundo o ministro, são políticas que olhem para as vítimas, e não só para punir quem comete crimes.

Tripé

“O juiz tem que ter transparência, eficiência e responsabilidade”, defende Toffoli. Para transformar o tripé em realidade, ele pretende usar o CNJ para comandar o investimento do Judiciário em tecnologia e se acostumar ao uso de inteligência artificial para ajudar na gestão.

Por “transparência”, Toffoli entende que a sociedade precisa ter acesso irrestrito a todos os processos judiciais em trâmite — exceto os sigilosos — sem grandes dificuldades. Até para mostrar eficiência e possibilitar a responsabilização, caso fique claro que o juiz ou tribunal não está resolvendo os problemas que lhe são postos a tempo.

Uma frente importante nesse passo são as execuções fiscais. Elas respondem por quase 40% de todo o acervo de processos do país e são de responsabilidade do Estado. Programas de computador podem agilizar tarefas burocráticas como levantamento de bens, rastreamento do endereço, conta bancária e outras tarefas que atrapalham o andamento processual.

Outro passo é consolidar o PJe como ferramenta de processo eletrônico e investir em interoperabilidade com os sistemas usados por outros tribunais. Com isso, acredita o ministro, os juízes deixarão de perder tempo com relatórios e informes de cumprimento de metas, porque a fiscalização será automática, em tempo real — e sempre acessível aos jurisdicionados.

(De Pedro Canário, do Consultor Jurídico com Nelson Junior, da Secretaria de Comunicação do STF.)

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Fachin toma posse hoje no TSE

O Ministro Edson Fachin será efetivado hoje, às 9 horas, no TSE.
Chega e já encontra o fuzuê sobre a inegável inelegibilidade de Lula à Presidência da República.

O PT tanto sabe que Lula não pode ser candidato que armou a chamada chapa tríplex – Lula, Hadad e Manoela – para na esteira do noticiário dar mais visibilidade à dobradinha cujas fotos estarão na urna eletrônica no dia 7 de outubro.

O ex-Prefeito Hadad será o candidato no lugar de Lula e Manoela Dávila, Deputada Estadual no Rio Grande do Sul pelo PC do B, será a candidata a Vice no lugar de Hadad.

A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, que já estava com tudo pronto para dar entrada tão logo o PT pedisse o registro de Lula, foi rápida.

- Condenado em segunda instancia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro é inelegível nos termos da lei da ficha limpa.

Na distribuição do pedido do PT o sorteado foi o Ministro Barroso, da bancada do STF no TSE, a mesma à qual se junta a partir de hoje o Ministro Fachin.

Caçando confusão para ver se ganha tempo, o PT não quer Barroso na relatoria e alega que Admar Gonzaga, que representa os juristas na Corte, já estava prevento.

Sugere-se a leitura do artigo do Procurador Geraldo Brindeiro, “Eleições presidenciais e inelegibilidades”, nesta mesma edição do blog (coluna ao lado).

Logo que verá que isso tudo é um teatrinho porque no caso de Lula não cabe nem impugnar. É inelegibilidade absoluta. Jurisprudência predominante. Pedido impossível, incabível. Não há nem o que impugnar.

Abril demite, fecha revistas e pede recuperação judicial

Atarantado em meio a uma dívida em torno de 1 bilhão e 600 milhões de reais, o Grupo Abril, que edita VEJA e EXAME, dentre outras revistas de grande prestigio no Brasil, pediu recuperação judicial.

Assim espera obter proteção legal junto a bancos e fornecedores garantindo ao mesmo tempo sua continuidade operacional.


Algumas revistas dentre elas “Cosmopolitan”, “Casa Cláudia” “Arquitetura e Construções”, “Minha Casa” e “Boa Forma” estão saindo de circulação. 800 funcionários estão sendo demitidos.


A Editora já mudou de sede passando a ocupar um prédio menor e de aluguel barato. O processo de reestruturação se arrasta há quase um ano. Há uma intervenção branca na gestão dos negócios da empresa.


Um executivo da Alvarez&Marsal, especializada em reestruturação de empresas, Marcos Haaland, dá as coordenadas na Abril há três semanas.


Giancarlo Civita, neto do “seu” Victor, fundador do grupo, que havia assumido a Presidência em março último, deixou o cargo, após a troca de lideranças em quatro meses.


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Já Era Vermelha

Por Edson Vidigal

História e lenda convivem, mas reparando bem não se confundem. Quando os comunas destronaram Nicolau II, o último Czar, em 1917, a Praça Vermelha já existia e assim conhecida desde os tempos de Ivan III.

Tudo o que se vê por lá ainda hoje já existia. Exceto, o Mausoléu de Lênin e as sepulturas de alguns hierarcas como Stálin e de uns poucos heróis como Gagárin ou de intelectuais como Gorky.

Kremlin quer dizer Fortaleza. Moscou, a capital da Rússia desde 1147, era ainda uma cidade muito vulnerável. O Kremlin então foi construído, incendiado, refeito, robustecido, com essa finalidade.

As muralhas da Fortaleza, residência da família real, medem 2.500 metros de comprimento e altura entre 05 a 19 metros. Só o canhão do Czar, construído em 1586 por ordem de Teodoro 1º, pesa 40 toneladas. Tem 890 milímetros de calibre. Cada bala tem peso correspondente a 800 quilos.

A Praça se chamaria Vermelha por estar localizada no coração da cidade. Outra versão dá conta de que em russo arcaico a palavra “krasnaya”, que serviu para denominar algo bonito, se traduzia também como vermelho. Assim, tudo que fosse vermelho seria bonito.

A maledicência, talvez, tenha criado a versão de que o vermelho da praça tenha tido a ver mesmo com sangue, nada a ver com o coração da cidade, mas com um massacre de milhares de pessoas reprimidas num protesto, em 1698.

E houve também quem dissesse que era ali na Praça Vermelha que Ivan III, antecessor do Terrível, mandava executar os condenados à morte.

Faz lembrar o logradouro ludovicense, o qual tem a denominação oficial de Praça da Alegria, mas que antes se chamava Praça da Misericórdia e depois se soube que no antanho mais antanho era conhecido como Largo da Forca Velha.

Oportuno consignar que tanto em relação a Moscou quanto a tais versões em São Luís do Maranhão, há controvérsias.

Mas então de onde saiu o vermelho ainda hoje imperante em todas as construções nesse território de 23 mil metros quadrados que até hoje é a praça? Deixa prá lá.

Importante saber que isso tudo que está em Moscou, à exceção do Mausoléu de Lênin e da Necrópole em derredor da muralha do Kremlin, já existia quando os comunas tomaram o poder na Rússia, em 1917.

O tempo curto e muita coisa ainda para olhar não me desviaram a curiosidade. Foi como se diante da muralha enorme eu estivesse revendo em câmera lenta um velho filme colorido e chapiscado que em todo outubro de todo ano mostrava em televisões do mundo inteiro a velha guarda soviética – Kruschev, Brejeniev, Chernenko e quejandos, não necessariamente nessa ordem, assistindo desfiles militares quase intermináveis, na verdade demonstrações de forças emolduradas por tanques de guerras e ogivas nucleares como se avisasse a nós outros do lado de cá – estão vendo? Não se metam conosco.

Há o sol, pai de toda cor. E há o tempo – para sempre o senhor da razão. Nada é para sempre.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.


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Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com o magistral Padre Vieira.

Um truque

O Padre Antônio Vieira, o célebre pregador, escritor, político e diplomata jesuíta, subindo certa vez ao púlpito, iniciou estranhamente o seu sermão exclamando:

- Maldito seja o Pai!... Maldito seja o Filho!... Maldito seja o Espírito Santo!...

E quando a assistência, horrorizada, pensava que o grande orador houvesse enlouquecido, ele tranquilamente prosseguiu:

- Essas, meus irmãos, são as palavras e as frases que se ouvem com mais frequência nas profundezas do inferno.

Houve um suspiro de alívio no templo, mas com esse recurso teve Vieira despertada e presa a atenção dos fiéis como poucas vezes, por outra via, houvera conseguido.

Bolsonariando

A onda Bolsonaro continua forte. Agora, não são apenas eleitores das margens que expressam voto no capitão. Até empresários de calibre estão anunciando que nele votarão. Pelo andar da carruagem, a bolsonarização do país é fruto do estado de violência e da bagunça que toma conta do país. A crônica da morte violenta se expande pelo território, a denotar o avanço da criminalidade. No Rio de Janeiro, a guerra das gangues assume proporções fantásticas. O próprio Jair Bolsonaro aparece em vídeos que mostram membros de grupos criminais agindo nas ruas. E ele no papel de xerife.

Fatores do voto

O voto do grupo que ainda não sabe em quem votar e os indecisos fazem a maioria do eleitorado de 147 milhões de eleitores. Esses contingentes vão decidir mais tarde. Mas serão influenciados por um conjunto de fatores, a saber: a) o estado da economia (equação BO+BA+CO+CA - Bolso, Barriga, Coração, Cabeça; b) o discurso da ordem contra a violência e a bagunça; c) as demandas mais prementes (saúde, emprego, educação, etc.); d) a esperança encarnada pelo perfil; e) o recall do passado (lembrança do candidato); f) a taxa de indignação contra os políticos; g) a proximidade do candidato; h) o tempo de exposição do candidato na mídia eleitoral e i) a maneira de apresentação/modo de falar (discurso estético).

Quatro blocos

Os 13 candidatos podem ser agrupados em quatro (4) blocos: 1) centro e centro direita - Alckmin, Álvaro Dias, Meirelles, Amoedo e Eymael; 2) centro e centro esquerda - Ciro, Marina e Goulart Filho; 3) Direita - Bolsonaro e Cabo Daciolo; e 4) Esquerda - Boulos, Lula (Haddad) e Vera Lúcia. No arco ideológico, esses blocos ganham as seguintes percentagens: direita, 30%; esquerda, 30%; centros (esquerda e direita), 40%.

Votos regionais

Se fatiarmos o Brasil nas cinco regiões, poderemos ver essa divisão: a) Sudeste tem 43,38% dos votos ou 63.902.486; Nordeste agrega 26,62% dos votos, significando 39.222.155; Sul possui 14,52% dos votos, com 21.396.027; Norte tem 7,83% dos votos, com 11.533.833; Centro-Oeste agrupa 7,29% dos votos, com 10.747.115 dos votos; e exterior, 0,35% dos votantes, com 500.728 eleitores.

Tipologia

Tentando decifrar a natureza desses votantes, podemos, regra geral, estabelecer algumas distinções, a saber: a) o voto do Sudeste é mais racional, independente, mas as margens sociais também tendem a dar um voto populista/messiânico; b) o voto das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste é mais conservador, ainda contendo alta taxa de votos de cabresto, a par do tradicional voto em salvadores da Pátria, portanto, de fundo emotivo; c) Já o voto do Sul tem um cunho mais regional/nacionalista, a par do voto racional.

Profissionais liberais

Estamos vivenciando o I Ciclo da Campanha, com o início da presença de candidatos nas ruas. Esta será uma típica campanha de articulação com a sociedade organizada, eis que as massas estão dispersas e ainda sem rumo a tomar. Daí emerge a força do contingente de profissionais liberais e das entidades a que são associados. Esse grupo é, por excelência, o que melhor toca a tuba de ressonância. Seu som chega aos redutos mais longínquos. As classes médias fazem repercutir seu discurso para cima e para baixo da pirâmide social. Formam a pedra que bate no meio do lago, fazendo com que as marolas cheguem até às margens.

Os militantes

A militância organizada ou profissional, como as do PT, CUT e MST, terá nessa campanha importância vital. O bumbo que tocará tem o dom de energizar ambientes e plateias. Teremos os bumbos da esquerda e da direita. Os candidatos do centro contarão com tambores mais fracos, que não têm o poder de mobilização quanto alas dos extremos do arco ideológico.

Minas Gerais

O Estado de Minas Gerais é uma grande representação do Brasil. Abarca o segundo maior eleitorado brasileiro, mais de 16 milhões de eleitores. Ali, PT e PSDB entrarão em forte confronto. O que acontecer no largo espaço das Minas Gerais tende a acontecer no país. Fernando Pimentel, do PT, ganhará do senador Antônio Anastasia, do PSDB? O que se sabe é que Dilma Rousseff está liderando a corrida para o Senado. Anastasia parece ter condições de levar a melhor na esteira de denúncias que sujam a imagem do governador Pimentel. Aécio, também de imagem suja, será candidato a deputado.

A estratégia do PT

Ao arrastar a candidatura de Lula até quando der (prazo fatal será 17 de setembro), o PT enfrenta riscos. Poderá não haver tempo suficiente para a visibilidade nacional do vice de Lula, Fernando Haddad, que, isolado, tem hoje 2%. Quando indicado por Lula, sobe para 12%. E se essa indicação não for tão percebida pelo eleitor? Jaques Wagner, candidato do PT ao Senado pela Bahia, tem razão. O PT cometerá a barbaridade de apostar no candidato Lula, quando todos os sinais mostram que ele será jogado na inelegibilidade da lei de Ficha Limpa.

Renovação

10% dos deputados Federais vão ter seus nomes substituídos por familiares: filhos, pais, primos, sobrinhos, etc. A tão proclamada renovação não aparecerá na próxima legislatura. Os mais conhecidos e os mais providos financeiramente serão os beneficiados na onda de uma campanha mais curta - 45 dias de rua e 35 dias de mídia eleitoral.

Governabilidade

Haverá governabilidade caso um perfil de índole muito radical chegue ao poder central? Sim. Porque quem ganha a presidência da República logo se afastará da extremidade para pular na condição de viabilidade governativa garantida pela real politik. Ou seja, fará alianças com Deus e o Diabo. O passado bombástico irá para o baú. Se não fizer isso, qualquer que seja o eleito, ao escorregar em casca de banana, poderá ser impichado.

Militares na política

A campanha eleitoral deste ano reunirá o maior número de candidatos militares dos tempos de redemocratização: 90. Chama a atenção a quantidade de convocados para compor chapas majoritárias aos governos estaduais. Em São Paulo, duas tenentes coronéis comporão como vices as chapas do governador Márcio França (PSB) e do presidente licenciado da FIESP, Paulo Skaf (MDB). No Paraná, a governadora Cida Borghetti (PP) terá como vice um coronel aposentado da PM.

O significado

Qual a razão? O ambiente de deterioração que acolhe a esfera política. A lama da corrupção tem escorrido sobre os vãos e desvãos da República, afogando protagonistas da política, da burocracia estatal e do mundo dos negócios privados. O mensalão e o petrolão (Lava Jato) compõem as duas grandes operações que, ao correr de meses, ganharam espaços midiáticos, plasmando a imagem destroçada de representantes, governantes, executivos e empresários. Pôr ordem na bagunça que virou o Brasil de ponta-cabeça, eis o apelo embutido no chamamento aos militares. Assumem conotação de profissionais sérios, de vida pacata na caserna e corajosa no cotidiano nas ruas, combatendo máfias criminosas, ainda mais quando a violência se expande nas cidades e nas áreas rurais.

É o que explica Bolsonaro

Deputado alvejado de críticas ao longo de 30 anos de mandato, conhecido por frases fortes, algumas de caráter machista, homofóbico e xenófobo, Bolsonaro não frequentava o ranking de representantes respeitados. Foi catapultado ao andar de cima do protagonismo eleitoral na esteira do clamor social por limpeza na política. De repente, o acervo discursivo do capitão, considerado folclórico e de baixo nível, passou a ganhar aplausos de todos os lados.

A malandragem

O general Mourão, vice de Bolsonaro, atribuiu aos negros a pitada de "malandragem" na cultura brasileira. General, malandro teria sido o colonizador Pero Vaz de Caminha. Veja o finalzinho da Carta de Pero Vaz a El Rei de Portugal.

"E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé Jorge de Osório, meu genro - o que dela receberei em muita mercê." E conclui Caminha: "Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha".


Um pedido aqui, um oba-oba acolá e tome bajulação.

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Cientista Político, é Consultor de Marketing e Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). - www.gtmarketing.com.br




quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Em Moscou, o touro de Wall Street

Por Edson Vidigal

O espaço parece exíguo, porém suficiente a sua finalidade – tentar a que proves das iguarias tradicionais russas. Duas moçoilas em trajes típicos orientam as escolhas.

À entrada, um tremendo susto.

Discretamente num canto de pouca iluminação, um urso pardo, maior que eu, arreganhando os dentes, o olhar fixo, unhas afiadas, os braços esticados como se quisesse me agarrar. Só um susto. O bicho está embalsamado.

A uns 04 quilómetros dali, na Praça Vermelha, está o mausoléu de Lênin, também embalsamado. Urso e Lênin ainda resistem na Rússia enquanto símbolos.

Na mesma Praça Vermelha há também o tumulo de John Reed, o jovem gringo que encantadíssimo com a vitória dos bolcheviques na guerra civil de 1917 escreveu um excelente livro-reportagem os “10 dias que abalaram o mundo”.

Manipulado e massacrado pela burocracia do novo Estado, Reed com a saúde enfraquecida, deprimido sob as incessantes humilhações e desencantos, contraiu tifo na Finlândia para onde foi mandado em missão do partido. Não resistiu até que morreu.

A máquina de propaganda do regime achou melhor reter o corpo do camarada Reed e sepultá-lo na Praça Vermelha próximo ao local onde seria o mausoléu de Lênin. Há um filme – “Reed” de Warren Beatty, disponível a indispensáveis reflexões.

Continuo achando graça quando vejo no crachá a grafia do meu nome em russo. O alfabeto é uma sequencia de letras, algumas conhecidas, ainda assim inservíveis, sem fonética alguma, a quem ouse juntá-las numa palavra ao menos.

É indispensável falar inglês. Não é que isso seja a chave suficiente a abrir todas as portas. Nas áreas de comércio há sempre alguém que pode entender. Nas lanchonetes e restaurantes são raros os garçons que manjam um pouco o inglês. Um broche na lapela com a bandeira do Reino Unido é a senha que identifica o rapaz ou a moça que ouve em inglês.

Não me deixa sozinho, Eurídice. Onde se fala inglês, é ela quem cuida de mim. Se acontece de ela não estar por perto e eu precisando me comunicar ou ser comunicado, não me intimido. “Spanish? Usted hablas? Español?” Ora, siô. Espanhol é comigo mesmo. Mas na Rússia ninguém, ou quase ninguém, fala espanhol.

Uma vez em Zacatecas, México, um cara me perguntou se eu era mexicano, perguntei por que, e ele disse porque eu falava espanhol muito bem. Estás ouvindo aí, Euridice? E ela, me derrubando o serviço, falou - ele está é te gozando.

Num presídio feminino de Cuba, depois de um show das presidiárias rumbeiras, agradeci discursando em espanhol. Estava lá Dom Dias, que não me deixa mentir.

O percurso que leva à Praça Vermelha se faz por extensa avenida de calçadas largas e as travessias para a outra margem, como em Brasília, são subterrâneas. Violinos e sanfonas nos soam peculiares. Jovens fazem seus sons em contornos de melodias românticas.

Aqueles prédios de arquitetura parecendo anteriores a 1917 respeitam o seu tempo, muitos deles só na fachada. Você entra e o que há lá dentro? Shopping.

Capitalismo de Estado é a definição mágica com a qual se imagina agora explicar a adoção de práticas outrora carimbadas como imperialistas ou burguesas pelos adeptos ou dirigentes de estados totalitários.

A questão não passou despercebida a Lênin para quem o capitalismo de Estado seria incomparavelmente superior ao sistema econômico de então, não mais, portanto, que um passo adiante na trilha socialista.

Na saída de um desses shoppings dei de cara com um outdoor enorme mostrando quase em tamanho real, imagina, o Charging Bull, aquele touro enfurecido de 3,5 toneladas de bronze, 4 metros de altura por 5 metros de comprimento - símbolo do capitalismo em Wall Street, Manhattan, Nova Iorque.

Acho que comecei a entender.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato


Abro a coluna com uma historinha de Pernambuco.
Cala a boca, rapaz
O caso deu-se em São Bento do Una/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos:
- Este está morto.
Examinava outro:
- Este também está morto.
O cabo eleitoral se empolgava:
- Já está até frio.
De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou:
- Mais um morto.
O morto gritou:
- Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado.
O cabo eleitoral botou a mão na cabeça dele:
- Cala a boca, rapaz. Quer saber mais do que o dr. Lívio?
Luz no fim do túnel?
Será que há alguma luz no fim do túnel eleitoral? A essa altura, a pouco mais de dois meses das eleições, o único fato novo de certo impacto é o apoio do chamado Centrão ao candidato Geraldo Alckmin. Que terá quase cinco minutos no tempo da programação eleitoral. Essa parceria poderá alavancar a performance eleitoral de Alckmin? A lógica responde com um sim. Sob a ressalva: a resposta abriga também um não.
Explicando a luzinha
A resposta com sim se ancora em três hipóteses: a) o eleitorado indefinido - que está na faixa dos 45% - começará a descer do muro e, composto por fortes contingentes de classes médias, poderá provocar a "onda racional", mais voltada para a escolha de um candidato do meio do arco ideológico; b) a performance de Lula não ocorrerá porque acabará sendo vetado pelas Cortes (STJ ou TSE); c) a performance de Bolsonaro murchará ante seu evidente despreparo.
1ª hipótese
As classes médias conservam o poder de fazer circular seu ideário para cima e para baixo da pirâmide social. Podem ser comparadas à pedra jogada no meio do lago; ondas se formam, correndo até as margens. As classes médias abrigam os grupos com tuba de ressonância mais forte. As classes menos desenvolvidas politicamente tendem a escolher perfis populistas. Lula e Bolsonaro vestem esse figurino. Se a performance de Bolsonaro começar a murchar, é previsível que parcela considerável das massas abandone seu território. Sob forte peso da opinião formada no meio da pirâmide.
2ª hipótese
A estratégia do PT, de sustentar o nome de Lula até a data final da decisão do TSE - 17 de setembro -, prejudicará a formação de parcerias, mas pode vir a alavancar o substituto de Lula. Este nome, ao que tudo indica, será o de Fernando Haddad. Jaques Wagner, mais político, prefere contar com a quase certeza de vitória para o Senado, na Bahia. Haddad, sob o clima emotivo expandido pela militância petista, terá condições de subir a um patamar entre 15% e 20%. Nesse caso, não está fora do jogo eleitoral, podendo disputar o segundo turno. Lula, com suas cartas e recados, será o grande eleitor do PT.
3ª hipótese
A performance de Bolsonaro será vista por eleitores de todos os quadrantes. Ver-se-á uma figura comum, sem brilho, expressando um discurso duro contra a bandidagem, defendendo o porte de armas, fazendo loas ao liberalismo e fugindo de perguntas provocadoras. Foi o que se viu, segunda-feira, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Não se viu brilho ou tirada inteligente. Apareceu uma figura cheia de cacoetes linguísticos, uma expressão pobre, justificando os tempos de chumbo vividos pelo país. Para todas as perguntas de caráter programático, vinham respostas emolduradas pelo "achismo". Mais pareceu conversa de botequim entre opostos tomando uns birinaites.
Tempo eleitoral
O tempo de um candidato na programação eleitoral conta muito. Mas não é sempre que dá certo. Na campanha de 1989, Ulisses Guimarães tinha o maior tempo eleitoral. Ficou para trás. Já o maior tempo de rádio e televisão de toda a história dos pleitos no país, em todos os níveis, foi usado por Quércia, em São Paulo. Candidato ao Senado, em 2002, abusou do espaço dos candidatos a governador, deputado Federal e deputado estadual. Em termos de GRP (Gross Rating Point), que dimensiona o tamanho das inserções publicitárias e a equivalência em termos de audiência, a campanha quercista bateria as campanhas anuais de campeões brasileiros de propaganda.
Voto racional
O eleitor, porém, não "comprou" a mercadoria quercista, na demonstração inequívoca de que mídia não elege candidato e de que, mesmo com muita cosmética, candidato de perfil corroído não coopta consciência. Vitória do voto racional. Ficou atrás de Aloizio Mercadante e Romeu Tuma. E na campanha de 1994, com enorme tempo de TV, candidato à presidente, Quércia ficou em 4º lugar, atrás de FHC, Lula e Enéas, cujo tempo apenas permitia gritar seu nome.
O voto em Enéas
O voto em Enéas foi de protesto. A onda "Enéas" teve tanto um componente emotivo quanto racional, indicando a contrariedade de eleitores dispersos que, de repente, acharam um motivo para se rebelar contra a situação. A barba e a careca de Enéas, como logotipos, e o linguajar disparado reforçaram a visibilidade de um ícone de indignação social. Mais do que "cacareco", um rinoceronte que ganhou 100 mil votos dos paulistanos para se eleger vereador, em 1959, ou o Macaco Tião, que ganhou 400 mil votos para prefeito, no Rio de Janeiro, em 1988, Enéas, como médico e professor de medicina, sabia o que queria. Abriu espaços para uma ideologia de certo sabor "nacionalista-ufanista-messiânica". Pode até ter sido um engodo e motivo para corrigir as distorções existentes no conceito de coeficiente eleitoral, mas seu voto saiu de estratos diferenciados.
Redes sociais
Bolsonaro é o mais acompanhado pelas redes sociais. Ganha de goleada de Lula, Alckmin, Ciro e outros. Seus exércitos usam o arsenal das redes sociais para incutir o adesismo. Ora, essa militância é incapaz de agregar um voto a mais. Deverá terçar armas com guerrilheiros de outros competidores dentro de uma batalha de canibalização recíproca. Todos saem feridos. E nenhum guerreiro pulará para o campo do outro. Já os seguidores de outros candidatos assistirão a batalha nas arquibancadas. Os tiros dos radicais acabarão adensando os bolsões centrais. A conferir.
Ciro na ladeira
A onda cirista mostra certo arrefecimento. Confirma-se aquilo que já sabe: Ciro é um peixe que morre pela boca. A índole guerrilheira do ex-governador do Ceará é polêmica. Assusta. Depois de uma onda crescente, enxerga-se uma onda declinante. Não se sabe se essa descida de ladeira vai continuar. Ciro pode ser beneficiado pelo afastamento de Lula. Portanto, não se trata de carta fora do baralho. Trata-se de um perfil preparado. Domina bem a planilha de problemas brasileiros. Mas o homem não se contém.
Mineirinhas
Frases de Augusto Zenun, de Campestre, sul de Minas - político, industrial, filósofo e, antes de tudo, udenista ortodoxo da linha bilaqueana (Bilac Pinto, o Bilacão, seu dileto amigo). Sempre infernou a vida de seus adversários, com as suas atitudes destemidas e sua natural mineirice.
"Quando estamos no governo, todo adversário que quer se encaixar, diz ser técnico".
"O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro".
"Há um fato na política que a torna bastante interessante: o choque dos falsos políticos com os políticos falsos".
"Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado".
"Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois do calorão vem uma ducha fria". (Pinçadas de A Mineirice, de José Flávio Abelha)
Marina isolada
Já a candidata Marina Silva parece lutar para ficar na clausura. Uma freira. Sua Rede Sustentabilidade apoia, por exemplo, o senador Romário para o governo do Rio. Mas sem o apoio dela. Faz questão de dizer que seu partido apoia Romário, não ela. É a mais ética dos candidatos. Mas a ojeriza que tem pela real politik acabará fazendo naufragar sua postulação à presidência. Marina é a nossa colhedora de rosas brancas que enfeitam o jardim dos inocentes. Essa é a imagem que passa. Esquece ela que a política tem muito a ver com o inferno.
Meirelles, peso muito pesado
Henrique Meirelles é um quadro técnico. Assim é e será visto. Como tal, encaixa-se no figurino de ministro da Fazenda de qualquer governo. Transformá-lo em candidato à presidência da República é uma tarefa hercúlea. Meirelles tem fala arrastada, um jeitão de avô de todos os candidatos, um conselheiro que paira acima dos guerreiros das tribos políticas. No ambiente polarizado de nossa política, parece uma figura deslocada, que procura um rumo, um norte, um jeito de ser aceito pela comunidade eleitoral. Será difícil.
E os vices?
Eis o gargalo do momento: achar vices à altura. O vice não pode ser qualquer um. Precisa ter perfil denso: honesto, fora dos trambiques da Lava Jato, experiente, respeitado, pessoa que agregue valor à campanha. Ante as visitas que o Senhor Imponderável dos Anjos faz ao Brasil, o vice deve ser um perfil capaz de substituir o presidente em qualquer circunstância. Essa novela terá final em mais alguns dias.
Janaína?
Janaina Paschoal é, por enquanto, a mais forte candidata a vice na chapa de Jair Bolsonaro.
As circunstâncias
Pois é, o ambiente da campanha será temperado pelas circunstâncias. O clima de beligerância poderá ser quente, assombrando parcela dos eleitores. Inflação sob controle poderá preservar o bolso, mas se a coisa degringolar, a raiva induzirá a decisão de voto. A expressão de uns e outros será ouvida com mais atenção. As movimentações das militâncias podem animar candidatos e partidos, mas propiciarão despertar outros núcleos não tão engajados. Acidentes de percurso têm o poder de mudar o vértice eleitoral.
O tirano
Maquiavel conta no "Livro III dos Discursos", sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio, a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para tornar-se um tirano. Essa reação ilustra a tensão entre moral e política. Mostra que os antigos romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social.
Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor em Marketing Político, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Sem pressa de voltar

Por Edson Vidigal

Confortável ate mais que os aviões dessas empresas que nos exploram sob a cumplicidade descarada das autoridades da regulação aérea no Brasil, o ônibus desliza no asfalto enquanto o meu olhar sem certeza de ultima vez deixa escorrer pela janela a mansidão das águas do rio Moscou.  

O amanhecer atira spot na paralisia das arvores às margens da estrada num cenário de quase ninguém e o calor em nada estrangeiro se assemelha ao comum da nossa Ilha do Amor, pouco abaixo, talvez um pouco acima dos nossos 30 graus centígrados.

Faltam poucas horas para que os quatro dias e noites passados em Moscou se transmudem em fotografias e vídeos que a memória, filtrando-os aos poucos até a inutilidade final, apagará.

Parece haver disciplina em tudo. Da velocidade respeitando o limite da ordem ditada pelas placas em cada margem da estrada – 60 e não menos, nem mais que isso, à hora marcada para o desembarque final no aeroporto.

O olhar não se assusta com a enormidade da fachada, a grandiloquência arquitetônica como que programada a plantar em meio ao ufa de quem chega, uma primeira impressão boa.

Nisso, quero dizer na propaganda politica, os comunas foram craques. Digo foram, assim no passado, porque na Rússia dos últimos anos não se fala mais em comunismo. Nem Wladimir Putin, catapultado por Iéltsin entre o que havia de mais discreto na elite da KGB, o temível serviço secreto da então União Soviética, quis candidatar-se à continuidade no Kremlin pelo PC preferindo inscrever-se como candidato independente.

Na gangorra do poder com Medvedev, seu conterrâneo de São Petersburgo, Putin cumpre o mandato como Presidente enquanto Medvedev governa como Primeiro Ministro. E vice versa.

Politicamente, Medvedev estaria para Putin, mutatis mutandis, um pouco como Alexandre Costa, mesmo sem o poder estadual, sempre esteve no plano nacional para José Sarney. As mortes do poeta e economista Bandeira Tribuzi e de Alexandre Costa, grande na guerra e maior na paz, teriam infiltrado cupim na estrela politica do nosso bi imortal Presidente, o qual sem aqueles dois nunca mais teria sido o mesmo.

Na chegada à noite a Moscou quase não deu para avaliar o aeroporto como agora à luz do sol pouco antes do meio dia. Na chegada, o cansaço físico da longa viagem pode ter embaçado o interesse maior pelos detalhes, espaços e coisas.

A fachada enorme em horizonte de sinuosidades faz lembrar a quem conhece Brasília um pouco a paixão de Niemayer pelas curvas sensuais no concreto.

Àquela altura, o mais que eu queria era chegar logo ao hotel. Despejar o cansaço numa restauradora taça no restaurante sorvendo um bom vinho roso de La Rioja, espanhol.

Na manhã seguinte, pude saber quantos éramos, porque e como, afinal, chegáramos ali. Nos países onde atua o cartão de crédito empresarial com o qual o meu escritório de advocacia opera no Brasil houve sorteios entre clientes e assim foram formados grupos para assistirem, com direito a acompanhante e tudo 0800, aos jogos da Copa do Mundo na Rússia. Nada a ver com a CBF. Nem com a FIFA.

Para a finalíssima que acabou sendo disputada entre Croácia e França coube ao Brasil um grupo de 10 sorteados. O Brasil fora. Por quem torcer? Como diria o Major Tom, do poema de Bowie - a terra é azul e não há nada que eu possa fazer. A França na Rússia estava inteiramente azul. Viva la France!

E eu que não compro bilhete de rifa ou de loteria, que não entro em sorteio nem mesmo naqueles do cupom nos shoppings para ganhar carro zero no dia das mães, enfim, eu que não arrisco nada renunciando a todo jogo para não gastar a minha sorte, eu que nem sabia desse sorteio porque, afora ser apenas um dentre milhões de clientes de um cartão de crédito no mundo, não preenchi cupom, não fiz nada mesmo, nunca nem soube que haveria esse sorteio, custei muito a acreditar.

Vivemos aqui no Brasil numa sociedade em que a maioria não preza reservas de capital, lutando para equilibrar-se sob um  consumo sempre tentado ao além, amarrada no endividamento crescente, juros bancários, créditos consignados e quejandos.

Não são poucas as iscas com o que o consumo  tenta, sob os mais diversos conquanto manjados estratagemas lhe fisgar.

De repente te ligam querendo confirmação de dados porque tu foste sorteado para isso ou para aquilo e tal. Costumo repassar o contato para a minha mulher. A Eurídice é incrível no fino trato. Em circunstancias que tais, até que me esforço.

Quando a voz de moça me falou que eu havia sido sorteado e que procurasse o Banco do Brasil, recorri a um dos meus bordões, ouça moça, eu só cuido da produção, a minha mulher é quem cuida da gestão.

Não deu outra. Ligaram para a Eurídice, que de cara acreditou. Chegou em casa toda animada. Isso não pode ser verdade, é trote, fake-news, alguma picaretagem, disse eu. É sério, disse ela. Como ser verdade, se eu não assinei nada, não preenchi cupom nenhum e tal?

Aqueles momentos desfilavam lentamente na minha memória enquanto o ônibus em sua velocidade disciplinada parecendo até devorar lentamente os silêncios lá de fora, lentamente também parecia me inocular na memoria alguns sintomas de saudade.

No caminho da volta ninguém se perde. Falou José Américo, o Homem de Areia.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

sábado, 7 de julho de 2018

Ilusões, iludíveis, ilusionistas

Por Edson Vidigal

Lembrar a estas alturas devagar com o andor que o santo é de barro já não faz sentido porque se vê não de agora, mas de há muito, que a fragilidade do santo enfraquece também os que carregam o andor desfalcando a crença dos fies nessa procissão.  
A democracia não sobrevive sem eleição, mas eleição não serve de nada se os resultados não traduzem legitimidade aos proclamados eleitos. Aí está a raiz nua do desgaste intenso. 
O Estado como invenção da sociedade para gerir o bem comum restou dominado pelo mecanismo que em função dos seus visíveis e invisíveis interesses se espraia controlando por seus asseclas as grandes decisões só aparentemente ditadas em função do bem comum.
Já na contagem regressiva para o dia das eleições, mais se vê o desinteresse, a apatia, o baixo grau de informação entre a maior parte dos eleitores. 
Entre os pretendentes à Presidência, um desfile de almas macambúzias. Propostas mirabolantes para um País quebrado, uma sociedade descrente nos políticos, nos governos, no Estado. A verdade sobre o real das coisas quem a conhece se omite a dizê-la achando que pode perder votos.
Como diria Bernard Shaw, quem acha que sabe diz que faz; quem não sabe nada, até leciona. 
Ora, como conduzir um presidencialismo com 26 partidos políticos no Congresso? Muita dentada para pouca rapadura, diria nosso impagável Lister. E essa é a melhor forma de gerir? Já perguntou Pedro Parente.
Antes de tudo, a democracia. Mas sem informação livre, sem debate consciente, sem motivação politica, sem espirito público, desprendimento cívico, respeito à opinião do outro e tolerância à condição do outro, impossível achar a trilha pela qual se possa alcançar a democracia.
Cinquenta milhões de brasileiros não tem cobertura local de rádio, TV ou jornais. Desses, 25% quando muito veem imagens de redes nacionais ou regionais. De política mesmo, entendem pouco. Ou nada.
As eleições deste ano, novamente, serão decididas pelos analfabetos políticos. Segundo o TSE, num total de 147 milhões, 302 mil e 344 eleitores, (52, 503% mulheres e 47,454% homens), 6 milhões, 574 mil, 110 (4,463%) se declararam analfabetos. 
Apenas 13 milhões,147 mil, 191 (8,925%) disseram que leem e escrevem. 10 milhões, 030 mil, 145 (6,809) completaram o fundamental. 24 milhões , 864 mil, 060 (16,880%) não completaram o segundo grau. 13 milhões, 576 mil, 120 (9,216%) tem curso superior completo. 7 milhões, 313 mil, 627 não completaram o curso superior.
Diante desse cenário, tendo como fundo sonoro o coronelismo eletrônico ainda dominante na maior parte do País, é fácil entender por onde começa a ilegitimidade da representação politica que faz do Congresso Nacional e demais Casas ditas legislativas indisfarçáveis feiras onde o que há de mais valioso para as esperanças populares nas eleições é posto em leilão valendo moedas de troca, as mais diversas.
Há sussurros entre brasileiros bem intencionados num movimento para que nenhum dos que já estão lá seja reeleito. Ingenuidade cívica. 1 bilhão e 700 milhões foram tirados da saúde, da educação, da segurança públicas, das estradas para distribuição entre os partidos. 
Terão mais dinheiro os candidatos à reeleição, assim decidiram os donos dos partidos, donos do mundo da política no Brasil. Isso, um dia que espero não demore muito, há de ter fim. Há de ter fim.
Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.