quarta-feira, 13 de junho de 2018

Um Mundial de alto risco... até para Putin

Durante as próximas quatro semanas, a Rússia de Putin vai estar sob os olhares do Mundo.

Numa fase de tensão nas relações entre Moscovo e o Ocidente, a Rússia joga neste Campeonato do Mundo a sua imagem internacional.

As grandes competições desportivas tiveram desde sempre, dos Jogos da Grécia clássica aos Jogos Olímpicos da era moderna ou aos Mundiais ou Europeus de futebol, uma enorme carga simbólica e uma vincada dimensão política.

Há 38 anos, em plena Guerra Fria, o Ocidente reagiu à intervenção soviética no Afeganistão boicotando os Jogos Olímpicos de 1980 em Moscovo - e roubando assim grande parte do brilho a uma ocasião desportiva e política em que a URSS tanto apostara.

Poucas vezes a realização de uma prova desportiva internacional terá, ainda assim, assumido um peso político tão marcado como este Mundial da Rússia. Numa fase de forte crispação nas relações entre a Rússia e o Ocidente estará muito mais em jogo do que a disputa do título mundial de futebol nas próximas quatro semanas na Rússia. Um Mundial bem-sucedido constituirá um momento de afirmação da Rússia no plano internacional.

Eventuais perturbações no decorrer da competição ou incidentes graves poderão estragar a festa e agravar ainda o clima de tensão nas relações entre a Rússia e o Ocidente.

A Rússia jogou recentemente a sua imagem no Mundo noutra grande competição internacional. Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi, deixaram, nesta perspetiva, um balanço mitigado. A preparação dos Jogos ficou marcada por polémicas envolvendo os elevados custos e acusações de corrupção, e o êxito dos atletas russos seria depois manchado pelas acusações de doping. No plano político, os Jogos de Sochi seriam ensombrados pelas críticas internacionais ao regime de Putin e depois pelas incidências da crise na Ucrânia. A chanceler alemã Angela Merkel, o presidente francês François Hollande e outros líderes europeus recusaram-se a marcar presença em Sochi em reação às alegadas perseguições aos homossexuais na Rússia.

Este Mundial 2018 representa assim um formidável desafio para a Rússia em matéria de organização, de segurança e de grande ocasião mediática. Em termos de organização e segurança a Rússia já passou o primeiro teste coma Taça das Confederações do ano passado, mas desta feita o teste tem outras dimensões, quer no plano desportivo quer, sobretudo, em matéria política.

Ameaças de boicote

A tensão política que envolve este Mundial 2018 esteve logo marcada no momento em que, em Dezembro de 2010, foi anunciada a vitória da candidatura russa à organização da prova. As relações entre a Rússia e o Ocidente atravessaram desde então dias atribulados - da crise ucraniana e da anexação russa da Crimeia, em março de 2014, ao apoio russo a Bashar al-Assad, na Síria, ou, mais recentemente, ao caso Skripal -, e a cada crise a ameaça de boicote aflorou nos discursos políticos no Ocidente.

Já em setembro de 2014, em plena crise da Crimeia, a Al Jazeera referia que o vice-primeiro ministro britânico Nick Clegg falava da hipótese do boicote ao Mundial da Rússia como uma "poderosa sanção política e simbólica". E o El País adiantava que a Comissão Europeia chegou a considerar a hipótese de um boicote do Mundial 2018 no quadro das sanções à Rússia pela crise na Ucrânia

Os apelos ao boicote do Mundial russo não tiveram eco significativo
Mais recentemente o caso Skripal, o misterioso episódio do envenenamento de um ex-espião russo no sul de Inglaterra, envenenou as já difíceis relações entre Londres e Moscovo. O Governo de Theresa May denunciou "mão" do Kremlin no caso, a imprensa britânica anunciou que nenhum membro da família real ou do Executivo britânico honraria com a sua presença o Mundial da Rússia. Dias depois a Islândia anunciava que os responsáveis políticos de Reiquejavique não marcariam presença no Mundial.

De acordo com o Daily Mail responsáveis britânicos discutiram mesmo com os aliados europeus a hipótese de um boicote coordenado ao Mundial e terá sido evocada a hipótese de a própria seleção inglesa se recusar a marcar presença na Rússia. Os apelos ao boicote não tiveram porém eco significativo, mas testemunharam uma vez mais a carga política que rodeia desde há muito este Mundial.

O peso das tensões entre a Rússia e o Ocidente confere a alguns momentos deste torneio da Rússia uma carga simbólica muito especial. Será em particular o caso de Kaliningrado, um enclave russo no Báltico, encravado entre os territórios da Polónia e a Lituânia, ambos membros da NATO e da União Europeia. Uma faixa de território fortemente militarizada, sede da esquadra russa do Báltico, e que tem sido, em particular desde a crise da Ucrânia de 2013-2014, palco de uma alta tensão militar entre a Rússia e a NATO. Ao mesmo tempo, Moscovo tem procurado afirmar a modernidade e o desenvolvimento do enclave, transformando Kaliningrado numa zona económica livre que lhe mereceu o epíteto de "Hong Kong da Rússia". Os quatro encontros do Mundial aprazados para o novíssimo estádio Arena Baltika, construído expressamente para a ocasião, decorrerão a poucos quilómetros da fronteira polaca - e do forte dispositivo militar da NATO.

Os fantasmas de Marselha

Outro dos grandes desafios que se coloca às autoridades russas é o da segurança dos adeptos. A questão coloca-se de forma muito particular em relação aos apoiantes da seleção inglesa. Estão ainda presente na memória os violentos confrontos de há dois anos, no Europeu de França, entre adeptos russos e ingleses antes e depois do encontro entre as duas seleções em Marselha. A venda de bilhetes para este Mundial da Rússia em Inglaterra foi significativamente mais baixa do que em anteriores edições.

A Rússia foi obrigada a um esforço particular na prevenção de incidentes entre claques dentro e fora dos estádios. A má fama deixada pelos hooligans russos em Marselha agravou-se ainda nos últimos meses com a repetição de incidentes graves como as manifestações de racismo visando jogadores franceses de origem africana durante um encontro amigável com a Rússia em São Petersburgo. Os adeptos russos já referenciados pelas autoridades, entre eles muitos dos que participaram nos incidentes de Marselha, têm sido obrigados a apresentar-se regularmente à polícia e advertidos contra quaisquer incidentes violentos e alguns obrigados mesmo a assumir compromissos por escrito.

Os hooligans russos estão entre os mais violentos da Europa
A fama dos hooligans ingleses nada lhes fica a dever. Ainda num recente amigável Holanda-Inglaterra registaram-se incidentes graves provocados pelos seguidores das cores inglesas. As polícias russa e britânica trocaram informações ao longo dos últimos tempos e estudaram ações coordenadas para prevenir a repetição do cenário de Marselha.

As relações tensas entre Londres e Moscovo - e que se refletem por exemplo numa clara diminuição do turismo britânico na Rússia - pesam também na situação dado o frequente envolvimento de expressões nacionalistas na violência das claques.

Sob os olhares do Mundo

Durante as próximas quatro semanas a Rússia de Putin vai estar sob os olhares do Mundo e os holofotes de uma imprensa internacional que os russos tendem a ver como hostil ao país. A juntar às crises internacionais, o regime de Putin tem sido acusado no Ocidente de deriva autocrática, de desrespeito pelas normas democráticas e pelos direitos humanos, de homofobia, ou de perseguição à comunidade LGTB. Praticamente no início do seu quarto mandato à frente dos destinos do Kremlin, é o próprio regime Putin que estará em jogo neste Mundial.

Palco onde estarão concentradas as atenções de todo o Mundo, não deixa de representar uma ocasião particularmente tentadora para as mais diversas manifestações de ordem política e social ou mesmo para incidentes mais graves.

Desacatos mais sérios entre adeptos, manifestações que levem a uma intervenção policial mais musculada bastariam para manchar gravemente a grande ocasião e transformar o Mundial da Rússia num fracasso humilhante para Moscovo e para gerar uma potencial crise política e diplomática. As autoridades russas tomaram igualmente medidas particulares para prevenir a eventual ameaça de um atentado terrorista em plena competição. Situações de grande tensão como a do leste da Ucrânia ou da Síria não deixam igualmente de pesar como uma ameaça potencial ao bom andamento deste Mundial.

(Publicado originalmente no Diário de Notícias, de Lisboa, Portugal, edição de 13.06.18).

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com JK.

JK?

Anos de chumbo grosso. Tempos magros, época de fechadura braba. Falar em Juscelino Kubitschek (JK) era, no mínimo, pecado mortal. Mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao CONTRAN solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, "como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy". O CONTRAN não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa:

- Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon.

(Historinha de Zé Abelha)

Estado de expectativa

Passada a turbulência da greve dos caminhoneiros, o país passa a viver um estado de expectativa. Existe alguma pedrinha do dominó a ser empurrada? Que setores poderão gerar desarmonia social, mobilização das ruas, confusão? Sabemos que alguns "exércitos" estão de prontidão. Não me refiro à prontidão das Forças Armadas, mas à articulação que setores radicais podem estabelecer para influenciar o clima do "quanto pior, melhor". Oportunistas, aventureiros, doidivanas, mercenários estão de olho nos horizontes.

Urubus

Como urubus disputando a carniça, vândalos querem tirar proveito para disputar o melhor pedaço político. Pedem ordem, mas pregam a bagunça, querem o império da lei, mas defendem intervenção militar. Faixas com esse apelo são usadas em movimentos de 10, 20 ou 100 pessoas. Mas o povão mesmo está afastado dessa artificial movimentação. A cúpula militar, por meio de seus chefes, entre eles o comandante do Exército, general Villas Bôas, já repeliu as insinuações.

Prandi

"Há uns malucos querendo a ditadura. Eles não sabem o que querem. Nunca viram, não têm ideia do que foi a intervenção militar no país, porque não têm formação. Não sabem isso e também não sabem mais nada". Sociólogo Reginaldo Prandi, um dos desenvolvedores das pesquisas de opinião no Brasil.

Classes médias

Vejamos. As classes médias, A, B e C, tendem a decidir sob critérios racionais. O poderoso grupamento de profissionais liberais, que forma opinião, está atento, observando o cenário, avaliando quadros e começando a se posicionar. O estrato médio mais baixo, o de classe C, tende a desenvolver um posicionamento mais duro, menos flexível e mais condizente com a ordem pública. Nele estão incluídos núcleos bolsonaristas. A esse contingente, juntam-se pequenos e médios proprietários de terras, comerciantes e alguns cantões mais conservadores. Mas as classes médias A e B tendem a formar um pensamento mais comedido, menos espalhafatoso e mais compromissado com valores democráticos.

As margens

As margens sociais procuram acalento, segurança, um pouquinho mais de grana no bolso, e muitos ainda procuram refúgio no cobertor do Estado. São propensos a aceitar e a admirar perfis populistas, demagogos ou representantes da política de cabresto, que abriga benesses e bolsas. Constituem massas amorfas que votam na esteira do fisiologismo em pleno vigor em espaços menos desenvolvidos do país. Como tal, são passíveis dos balões de ensaio e de inputs que saem dos polos de informação e opinião encaixados no meio da pirâmide. Portanto, o voto mais volúvel habita com intensidade a base social.

A agitação e a eleição

Uma das indagações recorrentes é: qual a influência da agitação de rua no processo eleitoral? Outra: quem está interessado na desorganização social? É claro que ruas sedentas de demandas terão peso no processo eleitoral. Principalmente em matérias que afetem diretamente o bolso do consumidor. Digamos que daqui a 60 dias, quando termina o prazo do desconto de R$ 0,46 no litro do diesel, organizações tentem voltar ao tema e cobrem do governo a continuidade do movimento. Políticos identificados com demandas mais claras e fortes poderão se beneficiar. Uma eleição sob tumulto melhora ou piora a situação de alguns protagonistas.

Mas há um perigo

Se as ondas sociais forem conduzidas sob a bitola eleitoreira, as massas poderão flagrar interesses espúrios, misturados a interesses legítimos de categorias, e dar o troco, que tende a ocorrer em forma de bumerangue: castigo, desprezo e o NV - não voto - em determinados candidatos. Os partidos de esquerda, a partir do PT, podem querer se aproveitar do tumulto social para melhorar sua performance. A operação corre o risco de ser um fracasso. Mesmo que tenha como meta tirar Lula da prisão.

Brancos, nulos e abstenção

A indignação social, com a consequente repulsa aos políticos, poderá aumentar, no pleito deste ano, o número de votos brancos, nulos e abstenções. Da média histórica entre 30% a 32%, podemos saltar para 40%. Vejam o que acaba de acontecer em Tocantins: abstenções, brancos e nulos somaram mais de 49% na eleição do último domingo para governo do Estado, maior que a soma dos dois candidatos que vão ao 2º turno. Aliás, em pelo menos 11 cidades do Tocantins, as abstenções, votos nulos e brancos superaram a quantidade de votos válidos.

Kátia e Lula I

A senadora Kátia Abreu (PDT-Tocantins) tornou-se mais conhecida fora de seu Estado como presidente da Confederação Nacional da Agricultura (2008-2011) e, mais tarde, como ministra da área no segundo mandato de sua amiga Dilma Rousseff (PT). Embora então no PMDB, votou contra o impeachment de Dilma e tornou-se feroz adversária do presidente Michel Temer. Acabou expulsa do partido no ano passado e passou para o PDT de Ciro Gomes.

Kátia e Lula II

Neste último domingo, concorreu ao cargo de governadora de Tocantins com o apoio do PT e do ex-presidente Lula, que fez uma carta lida em vídeo pela senadora Gleisi Hoffmann. O vídeo foi um bumerangue. Afundou Kátia Abreu. A eleição para substituir o governador cassado, Marcelo Miranda, vai para o segundo turno, a será disputado por Mauro Carlesse (PHS), governador interino, e o senador Vicentinho Alves (PR). Se vale como aperitivo para as eleições de outubro, a demonstração de força de Lula e do PT foi um tremendo fracasso.

Greve de caminhoneiros

O governador Márcio França, de São Paulo, teve um bom desempenho na negociação com os caminhoneiros. Enquanto o governo Federal tateava na solução, não contando com a presença de parcela ponderável das lideranças, o governo de São Paulo tomou a iniciativa de fechar o acordo. Mas a empreitada foi bem-sucedida graças à forte articulação empreendida por Marcos da Costa, presidente da OAB/SP, que funcionou como um elo entre os governos estadual, Federal e lideranças. Marcos foi imprescindível e, graças ao seu esforço, ocorreu o desbloqueio da rodovia Regis Bittencourt. Onde a resistência era maior.

França, habilidade

Já o governador Marcio França, às voltas com a questão do desconhecimento de seu nome, ganhou ampla cobertura da mídia, podendo sua disposição e sua liderança na condução do processo e conciliação vir a ter grande efeito na eleição de outubro. O governador, que assumiu o lugar de Geraldo Alckmin, é candidato à reeleição pelo PSB.

Articulação social

Na eleição deste ano, na esteira da organicidade social, o fator articulação será um dos mais importantes do marketing eleitoral. Nunca a sociedade brasileira esteve tão organizada. Uma miríade de entidades - sindicatos, federações, núcleos, associações, grupamentos, setores, áreas e categoriais profissionais - leva adiante a tarefa de mover a sociedade. Logo, a articulação com entidades e líderes se torna fundamental para o bom desempenho dos atores políticos. Mas os velhos marqueteiros não entendem disso. Acham que comunicação é apenas propaganda eleitoral. Muitos ainda não abandonaram a Idade da Pedra.

Os limites do marketing

Os administradores públicos se esforçam para criar uma identidade. Criam símbolos, sejam marcas, logotipos, slogans, etc. para serem reconhecidos pelo eleitor. A cruz de Cristo é, seguramente, um dos mais fortes símbolos da Humanidade. O sistema cognitivo das pessoas o associa imediatamente a Jesus. Essa tradição de uso de sinais é milenar. O marketing político faz uso deles para deixar o candidato mais próximo ao eleitor. Já o marketing governamental também neles se apoia para identificar o gestor - presidente, governador, prefeito e outros protagonistas. Ora, separar os limites entre marketing governamental e marketing eleitoral é uma tarefa quase impossível. Os limites são tênues. Candidatos se esforçam para ser reconhecidos por sua obra, que é geralmente associada a um sinal. É a estética estabelecendo ligação com a semântica.

A multa de Dória

Feita a análise conceitual acima, vamos ao caso. A juíza Cynthia Tomé, da 6ª vara da Fazenda Pública de São Paulo, impõe multa de R$ 200 mil, abrindo nova ação de improbidade contra o ex-prefeito João Doria (PSDB). Argumenta que ele faz promoção pessoal com o uso da expressão "Acelera SP". Tem sentido isso? Jânio usava o cabelo desgrenhado e olhos esbugalhados como marca. Juscelino Kubitschek usava o famoso JK como marca. Hoje, sua identidade seria proibida.

Insensatez?

Muitos usam ainda o V da Vitória, símbolo usado por Winston Churchill por ocasião da vitória das forças aliadas contra as forças nazistas de Hitler. Coisa natural. Tentar, agora, despregar o sinal do "Acelera SP" da imagem de João Doria é arrematado viés jurídico. Ele está terminantemente proibido de usá-lo. Imaginemos o ex-prefeito flagrado ao brincar com uma criança e usar o gesto. Mais 200 paus de multa. Ou mais. Meu Deus, quanta insensatez.

Fecho a coluna com o presidente Dutra.

Escola para quê?

O presidente Dutra tinha um auxiliar capixaba, oficial do Exército, gago. Quando Dutra dava uma ordem, ele ficava mais gago ainda. Resolveu dar um jeito de curar a gagueira. Soube que o Méier tinha uma escola para gagos, tocou para lá. O endereço que levou não coincidia. Procurou no bairro todo, nada. Foi ao português da esquina, desses de bigode e tamanco, cara de quem desceu na praça Mauá:

- O sesesenhor popopodia me inininformar se aaaqui temtemtem uma escola para gagagago?

- Mas o senhor já fala gago tão bem, para que quer escola?

(Do acervo do imperdível Sebastião Nery).

Gaudêncio Torquato, Jornalista, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Cientista Político e Consultor de Marketing Político.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Entre Bobby Kennedy e Dona Ivone Lara

Por Edson Vidigal

Dona Ivone Lara, todos se lembram, foi a autora da melodia e dos versos que amplificados por incontáveis vozes de interpretes de muito respeito despertaram em forma de sonho um sentimento chamado saudade outorgando-lhe uma sublime missão – sonho meu, sonho meu, vai buscar quem mora longe sonho meu!



A poetisa desta obra prima era negra que ralou muito nas noites paulistanas cantando em boates, churrascarias, enfim onde a chamassem. Com tenacidade e integridade alcançou décadas depois o sucesso, melhor dizendo, o reconhecimento nacional.



Não há mortalidade para quem constrói com idealismo e boa fé um consistente legado. Dona Ivone Lara fez história e, por isso, a homenagem que, por causa de idiotas reações racistas, não aconteceu.



Isso porque Fabiana Cozza, a atriz escolhida pela família de Dona Ivone Lara para personificar a sambista e compositora num musical de antecipado sucesso, não é uma negra negrinha, uma negra retinta, é filha de pai negro e de mãe branca. A certidão de nascimento qualifica-a como parda.

Os muros escolhidos pelos racistas na desqualificação da atriz na porta de entrada do estrelato foram os das chamadas redes sociais. Fabiana Cozza não se amofinou. Em sua carta de renúncia ao papel da grande dama do samba – D. Ivone Lara, um sorriso negro - que iria representar nos teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo, escreveu:

- O racismo se agiganta quando transferimos a guerra para dentro do nosso terreiro. (...) Renuncio porque vi a guerra sendo transferida mais uma vez para dentro do nosso ilê (casa) e senti que a gente poderia ilustrar mais uma vez as páginas dos jornais quando eles transferem a responsabilidade pro lombo dos que tanto chibataram. E seguem o castigo. E racismo vira coisa de nós, pretos. E eles comemoram nossos farrapos na Casa Grande. E bebem, bebem e trepam conosco. As mulatas.
Vitória da intolerância sempre a dar gás ao que não presta. O patrulhamento de parte dos negros contra uma mulher nascida e criada nos quilombos favelados não é coisa só do Brasil.

Nos Estados Unidos da América do Norte, por exemplo, aconteceu que Raquel Dolezal, uma ativista incansável da causa negra, depois de alcançar o topo numa das maiores organizações do movimento, passou a sofrer perseguições e patrulhamentos de grupos mais radicais porque numa entrevista se identificou como transracional. Sua origem é caucasiana.

Não obstante o apoio que recebeu de celebridades afro-americanas, como Whoopi Goldberg, dentre tantas, continuou sofrendo perseguição. Há documentário na Netflix contando a história de Raquel Dolezal.

No caso brasileiro, Fabiana Cozza, a atriz, não só foi indicada ao papel no musical pelos familiares de D. Ivone Lara como era amiga da homenageada, frequentadora de sua casa, onde cantavam em alegres e inspirados duetos.

Até ontem, quarta feira, dia 06 de junho, passaram-se 50 anos de uma das maiores tragédias no cenário politico dos Estados Unidos com gravíssimas repercussões nas lutas contra o racismo e a intolerância no mundo civilizado. 


Após um breve de discurso no salão de um hotel em São Francisco, na Califórnia, agradecendo pela vitória eleitoral que lhe garantiria a indicação democrata à Presidência da República, Bobby Kennedy, àquela altura um dos lideres contra o racismo ao lado do Doutor King, não escondendo cansaço físico, foi aconselhado a voltar ao seu quarto encurtando distancia e poupando tempo pelo atalho da cozinha.

E passando por lá entre aplausos do pessoal da cozinha, Bobby foi baleado na cabeça por um rapaz de 22 anos de idade, Shihan Bishara Shihan, imigrante palestino, empregado da cozinha, o qual julgou que assim vingaria o seu povo contra o apoio dos Estados Unidos na guerra dos 6 Dias vencida por Israel.  tempo pelo atalho da cozinha.



Bobby Kennedy tinha 43 anos de idade quando foi abatido a tiros quando ao sua jornada pelos direitos civis, contra o racismo, a intolerância, enfim, pelos ideais de igualdade e liberdade, se auspiciava em mais uma etapa vitoriosa.




A propósito de Bobby Kennedy, o grande advogado e professor de direito constitucional-tributário Ives Gandra Martins registra:


"Conheci Kennedy em 1964, no hotel em que fazia campanha para o Senado. Eu era advogado no Brasil de Charles Guggenheim, que dirigia sua campanha publicitária. Hospedei-me no hotel que Bob alugara para a campanha, a convite de meu cliente. Foi uma grande perda.
Belo (o seu) artigo."

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Urna eletrônica sem voto impresso

Por 8 a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (6) suspender a implantação do voto impresso nas próximas eleições, atendendo a um pedido de medida cautelar feito pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O uso do voto impresso para as eleições deste ano foi aprovado pelo Congresso Nacional em 2015, na minirreforma eleitoral.

Posicionaram-se contra a implantação do voto impresso os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Para eles, a medida representava um risco ao sigilo do voto e à confiabilidade do processo eleitoral.

O relator da ação, ministro Gilmar Mendes, decidiu submeter o pedido de medida cautelar para barrar o voto impresso diretamente ao plenário da Corte. Na sessão, o relator defendeu a implantação gradual da medida, de acordo com a disponibilidade de recurso e as possibilidades do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apenas o ministro Dias Toffoli concordou com Gilmar.

“Eu não entendo como ilegítima a proposta de o Congresso adotar o voto impresso, mas considero que esse processo há de se fazer de maneira segura”, disse Gilmar. Em seu voto, Gilmar destacou a experiência no Distrito Federal e em Sergipe com o voto impresso nas eleições de 2002.

“O experimento que se fez à época sobre a impressão do voto resultou, na verdade, num grande tumulto, porque todos nós sabemos que pelo menos os modelos atuais das impressoras suscitam uma série de problemas”, comentou.

Um relatório da Corte Eleitoral sobre aquela eleição concluiu que a experiência “demonstrou vários inconvenientes” e “nada agregou em termos de segurança ou transparência”,

SIGILO. A divergência no julgamento desta quarta-feira foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que acreditou que os dispositivos da lei 13.165 de 2015 questionados pela PGR violam o sigilo e a liberdade do voto. Para Moraes, o voto impresso tem alta potencialidade de identificação do eleitor.

“Não é questão de economicidade ou celeridade na votação, se vai atrasar ou não, é uma questão de cunho eminentemente constitucional”, observou Moraes.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, o custo-benefício do voto impresso é “totalmente desfavorável”. “A impressão do voto é cara e pouco acrescenta à segurança. Acho que há um retrocesso em se voltar o voto impresso. É fazer uma aposta analógica num mundo que se tornou digital”, ponderou Barroso.

Para Cármen, a confiança no sistema eleitoral é um dos pontos altos do próprio sistema político brasileiro. “O Brasil não está acostumado a ser matriz, nem de práticas, menos ainda de administração. Nos acostumamos muito a copiar. Mas no caso da Justiça Eleitoral somos matriz e exportador de modelo”, disse a presidente do STF.

“A democracia tem na sua própria característica uma dinâmica de propiciar o progresso das instituições, e não o retrocesso. Não há elementos que demonstrem haver alguma fissura ou sustentação nas desconfianças apresentadas (em relação à urna)”, ressaltou a ministra.

O ministro Luiz Fux, que preside o TSE, se declarou suspeito e não votou. Fux prometeu revogar uma licitação aberta para a aquisição de impressoras.

A medida cautelar para suspender a implantação do voto impresso vale até o STF julgar o mérito da ação. Não há previsão de quando isso vai ocorrer. (Rafael Moraes Moura, Teo Cury e Amanda Pupo)

(Fonte: O Estado de S. Paulo).

terça-feira, 5 de junho de 2018

Onde os fracos e oprimidos não têm vez

Nunca antes o Brasil teve tantos homicídios. Foram 62.517 mortes em 2016, último ano com dados disponíveis. O número equivale a um estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, lotado de vítimas da violência ao longo de apenas um ano.

Os dados são do Ministério da Saúde e foram divulgados nesta terça-feira no Atlas da Violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Proporcionalmente, são 30,3 homicídios para cada 100 mil pessoas, também a maior taxa já registrada no Brasil. Para comparação, é 30 vezes a taxa da Europa.

Veja abaixo 9 dados para entender a violência no Brasil.



1) Número recorde

As 62.517 vítimas de homicídio no Brasil, em 2016, representam um recorde. É 5% mais do que no ano anterior e 14% mais do que o registrado dez anos antes. Ao longo da década de 2006 a 2016, o aumento do número de mortes foi praticamente contínuo, saindo do patamar de 49,7 mil mortes até chegar aos números mais recentes.

A taxa de homicídios de 30,3 por 100 mil habitantes, também recorde, coloca o Brasil entre os países mais violentos do mundo. A taxa mundial é menor que 10 entre 100 mil habitantes. A taxa média do continente americano, o mais violento do mundo, é metade da taxa brasileira.

Os números do Brasil podem ser ainda maiores. Alguns estudos já demonstraram que grande parte das mortes registradas como "causa indeterminada" no Brasil, especialmente as provocadas por arma de fogo, seriam na verdade homicídios.

Se o cálculo de vítimas incluísse as mortes indeterminadas por arma de fogo, por exemplo, o número de vítimas chegaria a 63.569.

2) 1 de cada 10 mortes no país foi homicídio

De acordo com o Atlas da Violência, 9,7% de todos os óbitos do Brasil em 2016 foram homicídios. Isso significa que, de cada 10 mortes, uma foi assassinato.

Entre os jovens, essa proporção é ainda mais expressiva. Assassinatos foram as causas de metade das mortes na faixa etária de 15 a 19 anos em 2016 no Brasil.

3) Norte é a região mais violenta do Brasil

Esqueça Rio de Janeiro e São Paulo. Há mais de uma década, o Sudeste não está entre as regiões mais violentas do país. A região Norte fica no topo do ranking.

Até 2006, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte tinham taxas de homicídio parecidas, em torno de 25 por 100 mil habitantes. A partir daí, os números começaram a se distanciar. Enquanto a violência no Sudeste começou a cair, se aproximando dos níveis do Sul do país, passou a aumentar continuamente nas outras três regiões.

Uma das razões por trás dessa migração da violência do Sudeste para o Norte-Nordeste é a mudança das dinâmicas do crime organizado. O Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, passaram a disputar territórios em outras regiões do país. Ao longo desse processo, diversas facções criminosas surgiram ou se fortaleceram no Norte-Nordeste, como a Família do Norte (FDN).

De 2011 a 2015, o Nordeste foi a região mais violenta do país. Mas, em 2016, o Norte assumiu a liderança, com um aumento de mais de 10% de um ano para outro.

Veja na tabela abaixo as taxas de homicídio para cada região do país:

Homicídios Taxa de homicídio por 100 mil habitantes

BRASIL 62.517 30,3
Norte 7.902 44,5
Nordeste 24.863 43,7
Sudeste 16.815 19,5
Sul 7.288 24,8
Centro-Oeste 5.647 36,1

4) São Paulo tem queda contínua nos números.

A taxa de homicídios de São Paulo tem apresentado queda desde 2006. Naquele ano, o número era de 20,4 por 100 mil habitantes. Esse foi o ano dos maiores ataques do PCC, que paralisaram a capital e parte do Estado. Como reação, dezenas de pessoas foram mortas pela polícia nos meses posteriores.

No ano seguinte, subitamente, a taxa caiu em 24%, para cerca de 15 por 100 mil. Em 2016, chegou ao menor patamar já registrado, de 10,9 por 100 mil.

"São Paulo continua numa trajetória consistente de diminuição das taxas de homicídios, iniciada em 2000, cujas razões ainda hoje não são inteiramente compreendidas pela academia", afirma o Atlas da Violência 2018.

Entre os fatores para a queda da violência em São Paulo, o estudo cita políticas de controle de armas de fogo, melhorias no sistema de informações criminais e na organização policial, envelhecimento da população, além de um aspecto controvertido: a hipótese da "pax (paz) monopolista do PCC, quando o tribunal da facção criminosa passou a controlar o uso da violência letal, o que teria diminuído homicídios em algumas comunidades".

O governo de São Paulo sempre repeliu a hipótese de que o fortalecimento e o monopólio do PCC no Estado poderiam estar por trás da redução da violência.

Variação das taxas de homicídio por Estado, entre 2006 e 2016. Quanto mais escura a região, maior o aumento. Fonte: Atlas da Violência 2018

5) Acre é o Estado onde a violência mais aumenta
Na outra ponta, está o Acre, na Amazônia, o Estado brasileiro onde os homicídios mais aumentaram de 2015 para 2016. O crescimento foi de 65%, contra 5% de acréscimo no Brasil como um todo.

O principal motivo por trás do aumento da violência no Acre é uma guerra de facções criminosas pelo controle do tráfico de drogas na região. O Estado faz fronteira com a Bolívia e o Peru, importantes produtores de cocaína. Por volta de 2013, uma nova facção surgiu no Acre, o Bonde dos 13, aliado do PCC e rival do CV.

A violência no Acre tem requintes de crueldade. Uma forma de morte frequente são as decapitações de rivais, muitas vezes filmadas e distribuídas por WhatsApp. Leia mais sobre a situação do Acre nessa reportagem da BBC Brasil.

6) Risco para homens jovens é maior

A maior parte das pessoas assassinadas no Brasil é jovem. Das 62 mil vítimas de homicídio, 33,6 mil tinham entre 15 e 29 anos - na grande maioria, homens.

Enquanto a taxa de homicídio na população em geral é de 30,3 por 100 mil, entre os jovens é de 65,5 por 100 mil. Em outras palavras, entre os jovens, o risco de morrer assassinado é mais do que o dobro da média da população.

Já entre os homens jovens, a situação é pior ainda: 123 homicídios a cada grupo de 100 mil. É quatro vezes a média do Brasil.

Além disso, entre os jovens, o risco de homicídio está crescendo mais que o do conjunto da população. Houve um aumento de 7,4% entre 2015 e 2016, contra 5% no país em geral. Novamente, o Acre teve a maior piora - aumento de 85% no assassinato de jovens de um ano para o outro.

Protesto contra homicídio de jovens negros no Brasil; entre negros, o risco de morrer assassinado é muito maior que entre brancos.

7) Número de vítimas negras aumentou, enquanto o de brancas, caiu
Entre os negros, o risco de morrer assassinado é muito maior que entre os brancos. E essa diferença, em vez de diminuir, está aumentando.

Vamos lembrar que a taxa de homicídios no Brasil foi de 30,3 por 100 mil pessoas em 2016. Entre os negros, foi maior, de 40,2 por 100 mil. Já entre os não negros, foi menor, de 16 por 100 mil. Isso significa que os números para a população negra equivalem a duas vezes e meia o da população branca.

Em uma década, entre 2006 e 2016, a taxa dos negros cresceu em 23%. Já a dos não negros caiu em cerca de 7%.

"Os negros são também as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil. Para que possamos reduzir a violência no país, é necessário que esses dados sejam levados em consideração e alvo de profunda reflexão", afirma o Atlas da Violência 2018.

8) Sete de cada 10 homicídios são provocados por arma de fogo

As armas são a principal forma de assassinato. De cada 10 vítimas, sete foram mortas por arma de fogo, em 2016.

"A maior difusão de armas de fogo jogou mais lenha na fogueira da violência. O crescimento dos homicídios no país desde os anos 1980 foi basicamente devido às mortes com o uso das armas de fogo, ao passo que as mortes por outros meios permaneceram constantes desde o início dos anos 1990", afirma o Atlas da Violência.

Em 2003, entrou em vigor no Brasil o Estatuto do Desarmamento, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Se não fosse essa lei, os homicídios teriam crescido 12% a mais, segundo o estudo.

"O enfoque no controle responsável e na retirada de armas de fogo de circulação nas cidades deve, portanto, ser objetivo prioritário das políticas de segurança pública", completa a publicação.

Denúncias podem chegar por diversos canais – mas raramente são as próprias crianças que denunciam

9) 51% das vítimas de estupro são crianças
Os dados sobre estupro no Brasil não são precisos. É um crime com uma elevada subnotificação, ou seja, muitos casos não são registrados oficialmente e não entram nas estatísticas.

Existem duas fontes principais de dados de estupro no Brasil: os registrados nas polícias, quando é apresentada queixa, e os notificados pelo sistema de saúde, quando a vítima vai buscar atendimento médico. Enquanto a polícia registrou 49,5 mil estupros em 2016, a saúde contabilizou 22,9 mil.

Apesar de notificar menos que a polícia, a saúde tem dados muito mais completos. É possível saber, por exemplo, a idade da vítima, o grau de relação com o abusador e se foi um estupro coletivo ou não.

Um dos dados mais chocantes é que mais de metade das vítimas de estupro são crianças até 13 anos (51%). Foram abusadas, na sua maior parte, por amigos ou conhecidos (30%) e pai ou padrasto (24%). Apenas 9% são abusadores desconhecidos. Leia mais sobre o estupro de crianças nessa reportagem da BBC Brasil.

Adolescentes de 14 a 17 anos são 17% das vítimas. Nessa faixa etária, os desconhecidos passam a ser os principais abusadores (32%), seguidos de amigos e conhecidos (26%).

Entre as mulheres maiores de idade, que são 32% das vítimas de estupro, metade dos agressores são desconhecidos.

Os dados também revelam que duas de cada 13 vítimas sofreu estupro coletivo (por mais de um abusador). Além disso, muitas mulheres são vítimas de estupro mais de uma vez na vida. De cada 10 vítimas atendidas pela rede de saúde em 2016, quatro já tinham sido estupradas em outra ocasião.

(Fonte: BBC Brasil).

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Anarquia geral, o alvo agora é a Petrobrás

Para evitar o alastramento de uma greve de petroleiros que poderia atingir proporções nacionais, a exemplo do que ocorreu com a paralisação dos caminhoneiros, a Petrobras criou uma força-tarefa que envolveu desde os celulares de funcionários em todo o país até o Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília - passando pela presença de forças policiais na sede da empresa, no Rio de Janeiro.

Por volta das 6h da manhã da quarta-feira, 30, vídeos gravados por gerentes executivos de diferentes áreas começaram a ser divulgados em grupos de funcionários da empresa no WhatsApp - aplicativo também usado pelos grevistas como ferramenta de articulação, a exemplo do que ocorreu com os motoristas de caminhões.

Segundo relatos de empregados da companhia, os filmes teriam sido encaminhados por chefes a funcionários de confiança, que por sua vez distribuíram as imagens para grupos mais amplos, que incluem simpatizantes da greve.

À BBC Brasil, a Petrobras confirmou o uso do aplicativo de mensagens, mas afirmou que o recurso atende a uma demanda dos próprios funcionários.

Paralelamente ao mutirão interno, a empresa recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pediu a proibição da greve, cuja duração inicial seria de 72 horas.

A ministra Maria de Assis Calsing, do TST, não só atendeu ao pedido como impôs multa diária de R$ 500 mil aos sindicatos, em caso de desobediência - o valor foi aumentado para R$ 2 milhões na quarta-feira.

"Trata-se, a toda evidência, de greve de caráter político", argumentou o Tribunal ao proibir a paralisação "diante do caráter aparentemente abusivo da greve e dos graves danos que dela podem advir".

Para os adeptos da greve, no entanto, a medida foi vista como inconstitucional, já que qualquer decisão, vinda dos funcionários ou da diretoria da estatal, tem efeitos políticos.

Fontes dentro da empresa também fotografaram carros de polícia na entrada de escritórios no Rio de Janeiro, onde fica a sede da petroleira - questionada pela reportagem, a Petrobras se recusou a confirmar ou negar envolvimento institucional com a presença policial.

Brasil precisa dobrar investimento por 25 anos para ter infraestrutura de transporte com 'mínimo de qualidade'.

Depois de conseguir adesão de funcionários de 25 plataformas petroleiras e paralisar três, segundo a FUP (Federação Única dos Petroleiros), a greve arrefeceu após pouco mais de 24h.

A ofensiva simultânea conseguiu a paralisação a apenas 5% das unidades da empresa, segundo dados divulgados nesta quinta-feira pela Petrobras. A própria FUP orientou o retorno ao trabalho após o aumento da multa imposta pelo TST, mas sindicalistas ainda não haviam decidido se acatavam ou não a decisão até o início da tarde.

Entre as principais bandeiras dos grevistas estão a demissão do atual presidente da Petrobras, Pedro Parente; a redução dos preços dos combustíveis, incluindo gasolina, gás natural e diesel; e o fim das vendas de ativos da empresa (que prevê arrecadação de 21 bilhões de dólares, ou quase R$ 80 milhões, até o fim do ano).

Demanda ou constrangimento?

A crescente polarização vista nas ruas quando o assunto é a Petrobras é ainda mais intensa dentro dos corredores, plataformas e grupos de WhatsApp de funcionários da petroleira.

Paralisação de caminhoneiros é um misto de greve e locaute, diz sociólogo do trabalho
Desde a posse de Pedro Parente, nomeado por Michel Temer em 2016, um racha sobre privatizações e a política de preços dos combustíveis divide servidores.

A BBC Brasil teve acesso aos vídeos enviados por executivos aos funcionários pelo aplicativo de mensagens, e posteriormente publicados na intranet da companhia.

Crise revela dependência de transporte rodoviário que é 'mais barato e dá voto'
Apresentados por executivos de áreas como Recursos Humanos, Finanças, Controladoria e Programação e Controle Operacional, eles citavam "impactos da greve dos caminhoneiros sobre a população", criticavam "investimentos que não trouxeram o retorno esperado, além de perdas com a nossa politica de preços no passado", em referência ao governo de Dilma Rousseff, e "informações desencontradas" sobre a política de preços da empresa e os custos de produção da gasolina e do diesel.

Procurada pela reportagem, a Petrobras reconheceu os envios e afirmou, em nota, que "a empresa está utilizando todos os seus canais de comunicação interna para a disseminação das informações e alguns dos materiais produzidos também foram enviados para celulares corporativos, trazendo mais agilidade e dinamismo à comunicação".

Ainda segundo a empresa, "o envio por celular atende à demanda dos próprios empregados, tanto de áreas operacionais quanto daqueles que trabalham nos escritórios".

"Celular e o WhatsApp da maioria dos empregados é particular. Se a empresa oficialmente pede que os outros gerentes enviem mensagens para os telefones particulares dos empregados com essa propaganda institucional, acho que há um erro de invasão de privacidade neste momento", disse à BBC Brasil o servidor Herbert Teixeira, diretor da Associação de Engenheiros da Petrobras (AEPET), que não tem vínculo sindical, mas dá apoio à greve.

Lideranças dos sindicatos foram além. "As mensagens visam com certeza a um constrangimento. Usaram a condição deles de chefes para propagar uma ideia única, sem respeitar o conjunto de ideias que existe na empresa", disse Natalia Russo, diretora do Sindipetro.

A diretoria da empresa nega constrangimentos.

"Considerando os temas que estão sendo amplamente discutidos pela sociedade e que tiveram sua exposição potencializada em função da greve dos caminhoneiros, a Petrobras está realizando também esclarecimentos específicos para seu público interno. Exemplos desses temas são a política de preços da Petrobras, comparativo de preços em outros países e carga processada nas refinarias, entre outros", afirmou a companhia.

Guerra de versões

Como vem ocorrendo nas redes sociais desde o início da greve dos petroleiros, a política de preços da Petrobras é um dos principais focos de tensão entre os servidores.

"A gente não pode vender o filé mignon abaixo do custo do boi", diz um dos gerentes executivos da empresa nos vídeos enviados pelo WhatsApp.

Até 2015, no governo Dilma, os preços da gasolina e do diesel eram controlados por decisões do governo, independentemente do valor do petróleo no exterior.

Desde o início do governo Temer, em 2016, os reajustes nos preços dos combustíveis nas refinarias passaram a ser determinados pela Petrobras de acordo com variações do dólar e do petróleo no mercado internacional.

A partir de julho de 2017, a empresa passou a realizar ajustes nos preços "a qualquer momento, inclusive diariamente", como afirmou na época. Em dezembro, pela primeira vez desde o início da nova política, o litro de gasolina ultrapassava a barreira dos R$ 4 nos postos.

Para os diretores da empresa, o controle nos preços reduziria a competitividade da Petrobras em leilões e aprofundaria a dívida da empresa.

"Em 2015 por exemplo, nossa taxa de juros chegou a 15%, com uma concentração em torno de R$ 40 bilhões de dívida vencendo em 2 anos", diz uma das gerentes nos vídeos enviados por WhatsApp. "(Isso) criou uma grande incerteza no mercado em relação à nossa capacidade de pagamento."

A ala descontente discorda da estratégia.

Segundo a associação dos engenheiros, a alta nos preços do combustível com a nova política abre espaço para os concorrentes, encolhendo a atuação da Petrobras no país - consequentemente, reduzindo seus lucros que poderiam aplacar a dívida.

"A estatal perdeu mercado e a ociosidade de suas refinarias chegou a um quarto da capacidade instalada. O diesel importado dos EUA, que em 2015 respondia por 41% do total, em 2017 superou 80% do total importado pelo Brasil. Ganharam os produtores norte-americanos, os traders multinacionais, os importadores e distribuidores de capital privado no Brasil. Perderam os consumidores brasileiros, a Petrobras, a União e os estados federados com os impactos recessivos e na arrecadação", diz a AEPET.

Judicialização da greve

A decisão pela aplicação de multa pelo TST foi recebida com surpresa pelos sindicalistas.

Na opinião da empresa, a "decisão liminar do Tribunal Superior do Trabalho reconhece a abusividade do movimento grevista".

"Sobre a paralisação dos petroleiros, a Petrobras informa que todas as suas unidades estão operando. A greve já foi encerrada em mais de 95% de suas unidades. Onde ainda é necessário, equipes de contingência atuam e a situação caminha para a normalidade e para o encerramento do movimento. Não há impacto na produção nem risco de desabastecimento", diz a estatal em nota.

Já a porta-voz do Sindipetro classifica a decisão do TST como inconstitucional.

"São os trabalhadores que autonomamente devem definir os interesses que buscam defender. A política interfere no nosso dia a dia de trabalho", disse Natalia Russo à BBC Brasil

"A decisão do (Michel) Temer e (Pedro) Parente de vender refinarias, dutos, terminais, FAFENs (fábricas de fertilizantes) e campos de petróleo é política. O aumento dos preços dos combustíveis também foi uma medida política (....) Não podemos protestar através de uma greve mesmo que isso esteja interferindo diretamente na nossa segurança no emprego e nos nosso direitos?", prossegue. "O que é abusivo é a privatização e o aumento dos preços dos combustíveis em mais de 50%", diz Russo.
(Fonte: BBC Brasil).

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Porandubas Políticas

Por Torquato Gaudêncio

Abro a coluna com uma pequena oração:
"Quiçá o Brasil entre urgente na normalidade com o final de greves e paz social".
E por lembrar o advérbio quiçá (quem sabe, talvez), brindo os leitores com uma mineira historinha.
Quiçá e cuíca
Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, desconfiado, redarguiu com inteira convicção:
- Não caio mais nessa não. Isto é quiçá!
(Historinha enviada por J. Geraldo)
Panorama crítico
A situação está prá lá de crítica. É a primeira observação deste analista político. Ao longo de minha vida jornalística, poucas vezes presenciei tanto estrangulamento na vida produtiva do país. Esta greve dos caminhoneiros excede todas as expectativas. E sinaliza interesses outros que não as efetivas e legítimas demandas das categorias. Há grupos interessados em manter a bagunça; oportunistas de plantão; militantes a serviço de partidos. (O governo teria identificado três movimentos políticos - "Intervenção militar já", "Fora Temer" e "Lula livre" - infiltrados na paralisação dos caminhoneiros.). Eles não levantam bandeiras porque seriam escorchados. E saudosistas das ditaduras, que brandem discursos intervencionistas.
Governo tardou
Vamos à análise do movimento paredista. Como escrevi, ontem, na Folha de S.Paulo, o governo enfrenta um dilema, que Carlos Matus, o famoso cientista social chileno e ex-ministro de Allende, resume com essa frase: "não é possível combinar sacrifícios econômicos e recessão transitória com crescimento econômico, aumento do emprego e Justiça social". A greve dos caminhoneiros coloca o governo diante do desafio: equilibrar os três cinturões que balizam uma administração pública: o econômico, o social e o político.
Concessões
Ademais, o governo montou um pacote de concessões, fez um primeiro acordo sem todos os representantes das categorias envolvidas na greve, fez um segundo acordo, complementando o primeiro, mas sem as garantias de que os caminhoneiros iriam desbloquear as estradas e acabar com a greve. Foi o que não aconteceu. Mobilizou as Forças Armadas, mas, pelo que se sabe, apenas alguns cabos e sargentos tomaram a direção dos caminhões. Afinal, para onde ir, que lugares deveriam receber as cargas etc. Pareceu um grande improviso. A comunicação do governo, mais uma vez, foi um desastre. O presidente está fazendo das tripas coração para ele mesmo ser o principal porta-voz governamental.
Primeiro, a economia
O equilíbrio entre os cinturões é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações governamentais. Os campos se imbricam de forma que o sucesso alcançado por um afeta o outro. Tomemos a economia: se produzir resultados de forma a resgatar a confiança dos setores produtivos, a frente política tende a olhar de maneira simpática para a gestão, com a consequente aprovação de projetos do Executivo. Foi o que se viu nos primeiros tempos da gestão Temer. A linha adotada inicialmente pelo governo foi bem-sucedida, mas no que se refere à política de preços dos combustíveis, elogiada nos primeiros momentos e que propiciou loas ao presidente da Petrobras, Pedro Parente, hoje é alvo das críticas.
Dolarizar a gasolina
Dolarizar o preço da gasolina, aumentá-lo ou diminuí-lo de acordo com a oscilação do preço do barril de petróleo no mercado internacional, criou por aqui uma gangorra, com remarcações quase diárias na bomba. O impacto no bolso de caminhoneiros foi jogado no colo de um governo que, ao contrário da administração Dilma, não represou preços. E isso tirou a Petrobras do buraco. Mas a fatura chegou com uma gigantesca greve que paralisou setores vitais. As concessões feitas pelo governo ao setor do diesel motivam outras áreas a fazer exigências. O horizonte sinaliza nuvens pesadas.
Horizontes sombrios
Veja-se essa greve dos petroleiros marcada para hoje e com duração de 72 horas. Junta a fome com a vontade de comer. Ou seja, será mais um movimento a paralisar o país. Como atender às demandas de petroleiros, entre as quais o congelamento de preços dos combustíveis, a demissão do presidente da Petrobras, Pedro Parente, a suspensão de importação de diesel e gasolina? Os cofres do Tesouro não suportarão estender benefícios a torto e a direito, política que quebraria a coluna vertebral que segura a economia. O afrouxamento do cinturão econômico ameaça desfazer a identidade reformista do governo.
O cinturão social
Já a área social ressente-se do seu pequeno PNBF (Produto Nacional Bruto da Felicidade), a partir do desemprego em massa e parcos resultados que a economia joga em seu bolso. Se a locomotiva econômica dá sinais nesse momento das dificuldades para puxar os vagões do trem - ainda mais com os efeitos deletérios da greve dos caminhoneiros - a ruptura social é o desenho à vista. O fato é que a administração não tem tido a capacidade de "fazer com que as coisas aconteçam" dentro de parâmetros de normalidade. A rigidez nas contas públicas começa a perder força, derrubada pela pororoca que aumenta as carências e corrói as esperanças do povo. O temor é que o descarrilamento do trem econômico puxe dissabores por todos os lados. A sociedade, em peso, abrirá sua expressão de indignação.
Impacto no governo
As elogiadas iniciativas governamentais - teto de gastos, reforma trabalhista, reforma educacional, terceirização, recuperação da Petrobrás e do Banco do Brasil, resgate da credibilidade do país - serão empurradas para longe pelos destroços que a greve provoca no seio social. E se outros movimentos emergirem com pautas reivindicatórias e de difícil atendimento? De onde o governo vai tirar recursos para ajustar, ao mesmo tempo, os cinturões econômico e social? O efeito "pedrinhas do dominó" abrirá imensa cratera no meio da sociedade.
O cinturão político
O terceiro cinturão é o político, que também se apresenta frouxo e esgarçado. Em ano eleitoral, os representantes adotam uma postura de resguardo, voltando-se (e até votando) contra um governo impopular. Não se pode contar com o cinturão político para ajudar o governo a aprovar medidas fundamentais ao crescimento. Partidos, grupos, operadores de estruturas disputam espaços de poder em torno de uma Torre de Babel. Ninguém se entende. Não é improvável vermos o pleito de outubro com multidões nas ruas. O momento exige bom senso.
A quem interessa a baderna?
Aos extremos: da esquerda e da direita. Esse ensaio nas avenidas de São Paulo e em algumas estradas pedindo "intervenção militar" sinaliza na direção do perfil identificado com "militarismo", força, ordem na bagunça: o capitão Jair Bolsonaro. Do lado extremo do arco ideológico, a extrema esquerda quer revanche ao que considera "um golpe", Michel Temer na presidência. O "quanto melhor, pior" pode funcionar como meio de pressão para tirar "o santo Luiz Inácio" da cadeia. Há, portanto, uma orquestração com essa melodia. Inclusive com a expressão de alguns militares de alta patente que, já de pijama, usam as redes sociais para falar de política. Já Bolsonaro percebeu que a intervenção militar acabará batendo na testa dele: as classes médias não entrariam nessa engabelação. E já começa a recuar.
Crise sistêmica
O fato é que o movimento paredista dos caminhoneiros bateu em muitos setores da vida cotidiana: supermercados sem produtos essenciais; hospitais e postos de saúde sem remédios; mobilidade urbana prejudicada; sistema educacional sem aulas; usinas siderúrgicas paradas e sem produção de aço; um bilhão de aves mortas nos próximos cinco dias se o desabastecimento continuar; 20 milhões de suínos mortos; impossibilidade de transportar essa massa; risco de contaminação de áreas e rebanhos; cirurgias impedidas e adiadas, etc. Imaginem a soma de toda essa destruição. Bilhões e bilhões. O país atrasa um bom tempo em seu percurso civilizatório.
Mais impostos
O temor de agravamento do clima social é imenso. A solução que o governo apresenta para ressarcir a conta das concessões é o aumento de impostos, a reoneração das folhas de pagamento (o ministro Eduardo Guardia desmentiu um dia depois de ter anunciado o aumento em entrevista coletiva). Ora, os trabalhadores e as empresas não aguentam mais - uma fração mínima que seja - aumento de tributos e impostos. A carga tributária chegou ao pico. A revolta dos setores organizados da sociedade - as grandes entidades - se somará ao clamor de todos. E os efeitos se voltarão como um bumerangue contra o governo. A turma do gogó, que pede renúncia ou afastamento do presidente, vai escancarar a goela.
Ibope em SP
1º cenário
Pesquisa Ibope feita em São Paulo com 1.008 eleitores e divulgada neste 29 de maio revelou, no 1º cenário: 1) Lula, 23%: 2) Jair Bolsonaro; 19%: 3) Geraldo Alckmin, 13%; 4) Marina Silva, 9%: 5) Ciro Gomes, 3%; 6) Álvaro Dias, 2%; 7) Fernando Collor de Mello, Henrique Meirelles, João Goulart Filho e Rodrigo Maia, 1%. Os outros não pontuaram. Brancos e nulo, 21%. Não sabe/não respondeu, 5%.
2º cenário
1) Jair Bolsonaro, 19%; 2) Geraldo Alckmin, 15%; 3) Marina Silva, 11%; 4) Ciro Gomes, 7%; 5) Álvaro Dias, 3%; 6) Fernando Haddad, 3%. Com 1% estão Henrique Meirelles, Fernando Collor de Mello, João Goulart Filho, Rodrigo Maia, Aldo Rebelo, Guilherme Boulos, João Amoêdo, Levy Fidelix, Manoela D'Ávila, Paulo Rabelo de Castro e Flávio Rocha. Brancos e nulos, 27%; Não sabe/não respondeu, 4%.
3º cenário
1) Jair Bolsonaro, 20%; 2) Geraldo Alckmin, 15%; 3) Marina Silva, 12%; 4) Ciro Gomes,7 ; 5) Álvaro Dias, 3%; 6) Henrique Meirelles, 2%. Com 1%: Aldo Rebelo, Fernando Collor de Melo, Flávio Rocha, Guilherme Boulos, João Goulart Filho, Rodrigo Maia, João Amoêdo, Levy Fideliz e Manuela D'Ávila. Os demais não pontuaram, incluindo o candidato do PT nesse cenário, Jaques Wagner. Brancos e nulos, 27%. Não sabe/não respondeu, 4%.
Torquato Gaudêncio, Jornalista e consultor de marketing político, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Só dá artista

Por Edson Vidigal

Nem se contam os que desde antanho tem escrito sobre as artes mais diversas.

Como até a política é uma arte - arte do possível, segundo Bismarck, logo tudo o mais que se faça com algum engenho é arte.

Nos antigos filmes de faroeste, o mocinho também chamado de artista, estava sempre em luta contra os fora da lei também chamados de bandidos.

Os dois lados tem grandes artistas, é claro. Mas ninguém quer ser visto como bandido. Todo mundo só quer ser o artista.

Daí dizer-se que na política nacional, incluindo, por obvio, o nosso Maranhão não tem bandido. Só tem artista. Melhor dizendo, nos enredos da politica todo mundo só quer ser o artista.

Da arte do possível à arte da guerra quase não há mais nada que o engenho humano não tenha afirmado como arte.

Chegou ha pouco dos Estados Unidos da América um livro muito esclarecedor – A molécula da Moralidade, de Paulo Zak. Essa molécula contém a substancia responsável por despertar o melhor em cada um de nós.

A molécula da moralidade faz, por exemplo, com que as mulheres, no geral, sejam mais generosas do que os homens.

Já os homens muitos dos quais até inspiram uma boa impressão podem, por deficiência na molécula, se revelarem nada generosos.

Com a molécula da moralidade em baixa, os homens de negócios, em geral, e os políticos, em especial, podem se revelar pessoas perigosas – cínicos, mentirosos, déspotas, insensíveis, mestres na arte de iludir e enganar.

Seriam verdadeiramente os artistas do bem se os seus cérebros não se ressentissem da molécula da moralidade.

Agora pesquisadores da Universidade de Duke, também nos Estados Unidos, anunciam que os lóbulos temporal e parietal (acima das orelhas), são ativados quando um alguém quer enganar outro alguém.

Essa conclusão foi tirada do mapeamento dos cérebros dos jogadores de pôquer na área conhecida como extremo posterior do sulco lateral.

Talvez, por isso, os mais antigos tivessem razão quando inventaram o popular puxão de orelhas.

Essa área das orelhas não é ativada quando jogo é contra um computador, por exemplo. Daí a prova de que blefar ou não muda conforme as relações sociais entre os jogadores oponentes.

A pesquisa revelou ainda que antes do jogo todos os contendores mostram-se afetuosos e cordiais, mas na medida em que a pendenga segue eles vão se hostilizando discretamente, algo assim como dois candidatos de uma mesma coligação disputando um único lugar disponível.

Em duas outras, igualmente famosas Universidades norte-americanas, a de Harvard e a de Utah, descobriu-se que as pessoas, no geral, tendem a ser mais honestas no período da manhã.

Este fenômeno foi classificado pelos cientistas efeito da moralidade matinal.

Isso tudo me leva a imaginar que as coisas por aqui nesta encardida Ilha do Amor ainda não estão num limite tão extremo de desesperança.

É possível que a molécula da moralidade se normalize às tantas da madrugada quando a capacidade de blefar, inclusive no pôquer, já estará um tanto exaurida.

Depois, é botar a cambada do governo e a cambada da oposição para trabalhar intensamente na parte da manhã. Segundo os cientistas, as maiorias das governabilidades tendem a ser mais desonestas no período da tarde.

Edson Vidigal, Advogado, foi presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

Greve chegando ao fim

Depois de sete horas de reunião em Brasília, o governo e parte das associações de caminhoneiros anunciaram um acordo para suspender a paralisação da categoria por 15 dias.

Eliseu Padilha, Eduardo Guardia e outros ministros estão dando entrevista coletiva sobre o assunto neste momento. O ministro da Casa Civil já prometeu reduzir a zero a Cide para o ano de 2018.

O representante de uma associação, contudo, disse que manterá o movimento. A paralisação, que começou na segunda-feira, afeta estradas de 22 estados e do Distrito Federal.

O acordo prevê que o desconto de 10% sobre o preço do diesel será mantido por 30 dias,

Após uma tarde de reunião com os caminhoneiros, o ministro Eduardo Guardia (Fazenda) anunciou há pouco um acordo para encerrar a greve da categoria, iniciada na segunda-feira.

O acordo prevê que o desconto de 10% sobre o preço do diesel será mantido por 30 dias, período maior que o oferecido ontem pelo presidente da Petrobras, Pedro Parente.

Outro item do acordo prevê o prazo de 30 dias para reajuste dos combustíveis. (Fonte: O Antagonista).

Noticias falsas aquecem a crise

                              Consumidores em supermercado. (foto de arquivo - Tânia Rêgo, Agência Brasil).

 Já há áudios falsos de WhatsApp sugerindo 'corrida' às compras por causa da greve dos caminhoneiros. Os quatro dias consecutivos de greve de caminhoneiros não apenas dominaram a pauta do governo em Brasília, mas também provocaram uma corrida aos postos de gasolina e temores de desabastecimento em supermercados.

A crise é terreno fértil, ainda, para boataria e notícias falsas difundidas por redes sociais e aplicativos de mensagens. No WhatsApp, gravações de áudio que circulam em grupos já sugerem às pessoas que "se previnam".

"Olá, pessoal, aqui quem fala é o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros do Brasil. Quero falar para vocês se prevenirem, avisem suas famílias, vão no mercado, comprem comida, abasteçam seus carros, se previnam. Vai trancar tudo. (...) A guerra está começando. Greve já", diz uma gravação que tem circulado pelo aplicativo de mensagens.

Crise revela dependência de transporte rodoviário que é 'mais barato e dá voto'

Grupos pró-intervenção militar tentam influenciar rumo de greve dos caminhoneiros
Trata-se de uma notícia falsa: não existe um "Sindicato dos Caminhoneiros do Brasil" e, embora a greve de fato afete momentaneamente a distribuição de combustível e produtos, não há, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, a menor necessidade de estocar alimentos para o longo prazo, como para semanas ou para mais de um mês.

"É impensável pensar num prazo desses no Brasil", diz Maurício Lima, sócio-diretor da consultoria Ilos, especializada em logística e distribuição. Segundo ele, o fornecimento em grandes cidades como São Paulo tende a se normalizar muito rapidamente depois da greve.

Hoje, a distribuição de alimentos nas cidades funciona com as próprias empresas de varejo tendo seus centros de distribuição regionais, que fazem a entrega para as lojas com frequência diária ou semanal.

"O estoque não fica mais na loja. Então, uma falta de combustível pode gerar uma certa escassez momentânea, mas assim que a greve acabar, o retorno dos produtos às gôndolas também é imediato, porque não depende da indústria. O estoque já está lá", explica Lima.

O fornecimento de perecíveis é um pouco mais afetado e pode gerar alguns prejuízos, mas nada que prejudique a distribuição no longo prazo e justifique a montagem de um estoque em casa.

"As pessoas têm uma capacidade de se contagiar muito fácil e muito grande, gerando uma ansiedade e um medo que não correspondem ao problema real", diz ele.

'Profecia autorrealizável'

"É uma profecia autorrealizável. Se todo mundo quiser fazer uma estoque em casa com medo de falta de produtos, vai provocar uma escassez que normalmente não haveria", afirma Lima.

Se muitas pessoas correm a um supermercado ao mesmo tempo, é maior a chance de um desabastecimento realmente acontecer, assim como a corrida desenfreada a um banco por temor de ele quebrar pode fazer com que o banco de fato quebre, porque não haverá dinheiro suficiente para suprir a demanda "surpresa".

É o que economistas chamam de "a tragédia dos comuns". Nas circunstâncias em que todos compartilhamos dos mesmos recursos, pessoas agindo racionalmente em interesse próprio acabam tendo um comportamento coletivo irracional e que prejudica a todos - esgotando os recursos comuns.

"A ameaça de um furacão nos EUA também leva as pessoas a correrem aos supermercados. Chamamos isso de 'prova social'", diz à BBC Brasil o economista Robson Gonçalves, coordenador do curso de Neurobusiness da FGV-SP.

"Se você passar na rua e vir todo o mundo olhando para o céu, fará o mesmo, com medo de perder algo. Se todo mundo no seu trabalho participar do bolão da loteria, você participará também, com medo de ficar de fora. É um comportamento comum em momentos críticos."

Esse "medo de ficar de fora" também é um dos fenômenos que explicam as bolhas econômicas: muitas pessoas embarcam em uma tendência de compra de ações sem avaliar os riscos, só porque os colegas então comprando, o que acaba gerando uma supervalorização de um ativo que não tem tanto valor e causando a bolha.

Greve de caminhoneiros tem prejudicado o abastecimento de insumos

É o mesmo movimento que explica a queda de 14% nas ações da Petrobras de quarta para quinta-feira, segundo Otto Nogami, do Insper.

"Não haveria razão para um queda tão significativa. À medida que a Petrobras admite que vai reduzir os preços e fica a impressão de que o governo vai interferir na estatal, algumas pessoas são levadas a vender os papéis. Quando várias pessoas começam a seguir essa tendência, há um efeito cascata", diz Nogami.

Prejuízo

Além disso, reações de consumo impulsivas e irracionais podem por vezes beneficiar mais o vendedor do que o comprador.

"Quando você vai comprar uma passagem aérea na internet e lê que 'só há mais duas passagens disponíveis para esse voo', desperta em si um processo de medo e defesa (que a faz comprar)", prossegue Gonçalves.

Esse é outro ponto a se pensar antes de correr a postos e mercados: vendedores com frequência se aproveitam disso para vender mais e mais caro, sabendo que a demanda irracional pagará o que for pedido.

Ao estocar um produto em alta de preços nesse momento de pânico, o consumidor pode pagar mais caro por algo que dali a alguns dias já teria uma distribuição regularizada e um preço normal.

Ações irracionais e seus impactos no comportamento socioeconômico das pessoas são há tempos estudadas pelos economistas e psicólogos.

Redução no abastecimento da Ceasa do Rio de Janeiro por causa da greve; consumidores podem aproveitar o momento para refletir sobre suas prioridades

O psicólogo israelo-americano Daniel Kahneman, por exemplo, ganhou o prêmio Nobel de Economia de 2002 por seus estudos mostrando que tomamos decisões com base em um processamento limitado das informações disponíveis, por conta de vieses cognitivos, incluindo nosso interesse próprio, confiança excessiva ou experiências prévias, além da incapacidade do cérebro em lidar com múltiplas variáveis ao mesmo tempo.

Como reagir?

Mas, então, como responder de modo mais eficiente a crises como a greve atual?

Pessoas que tenham urgência para viajar ou precisem de um determinado insumo podem não ter como escapar de determinadas filas nos postos ou preços elevados.

Mas, ao público geral, a recomendação de Gonçalves, da FGV-SP, é justamente racionalizar em momentos críticos - e priorizar. Ao enfrentar uma escassez momentânea, pensar em quais produtos essenciais podem acabar em sua casa no curto prazo, mas evitando fazer estoques desnecessários.

"Com falta eventual de determinado produto, buscar um substituto", diz Nogami, do Insper.

"Em um mundo com excesso de opções de consumo, não estamos mais acostumados a priorizar", diz Gonçalves. "Mas podemos aproveitar momentos como este para refletir: o que é realmente prioridade e quais as consequências de nossas escolhas? O foco nessas horas vai ajudar a tornar as decisões mais racionais."

Mauricio Lima afirma que, mesmo que a greve continue, as empresas serão forçadas a buscar uma solução. "Nem que seja pressionando por um acordo entre os grevistas e o governo." (Fonte: BBC Brasil).

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Fran segue presidindo o INSS

O presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Francisco Lopes, o Fran, ainda não foi demitido do cargo, ao contrário de notícia vazada pelo ministro Alberto Beltrame (Desenvolvimento Social), em razão de um contrato de R$8,8 milhões assinado por Lopes com a RSX Informática Ltda, empresa sediada em um depósito de bebidas. O ainda presidente do INSS foi chamado para uma reunião às 15h no Gabinete Civil, com o ministro Eliseu Padilha.

Lopes já rescindiu o contrato e informou que a empresa não foi escolhida em licitalção no âmbito do INSS, e sim por meio de processo de adesão a ata de registro de preços do Ministério da Integração. Essa modalidade, prevista em lei, permite que um órgão público assine contrato com empresa que tenha vencido licitação para contrato semelhante em outro órgão público. A RSX Informática venceu licitação no Ministério da Integração e foi contratada também pela Funasa, com base no mesmo processo. Em 2017, o INSS realizou a "prova de conceito" junto com os técnicos, em data anterior à posse de Lopes no cargo.

Beltrame disse ter consultado Padilha, e o líder do governo, o deputado André Moura (PSC-SE), que resiste à demissão até porque apadrinhou a indicação de Lopes e conhece detalhes da contratação. Moura está convencido da lisura do presidente do INSS.

Em nota ignorada pelo ministro, o INSS informou que já havia cancelado o contrato com a empresa RSX Informática   por determinação de Francisco Lopes, que assumiu a presidência do órgão em novembro do ano passado após a saída do então presidente, Leonardo Gadelha. Até a nomeação, Lopes era assessor da Presidência da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). (Fonte: Diário do Poder).

quinta-feira, 10 de maio de 2018

O Direito de Nascer

Por Edson Vidigal

Já na lua de mel, Dorothy se deu conta do tremendo erro. Leslie não era nada do homem charmoso que a encantara. Do original mesmo, só os olhos azuis. Era beber e partia para cima dela.

Decidida a ir embora, descobriu-se grávida. Nasceu um menino – Leslie Lynch King Jr. Dois meses depois, o pai armado com uma faca de açougueiro tentou matar Dorothy, a criança e a babá.

Omaha, a pequena cidade do Nebraska, United States, onde isso se deu, foi página virada. Dorothy, foi morar com o filho em Grand Rapids, cidadezinha de Michigan, na casa de Adele e Levi Gardner, seus pais.

O garoto cresceu achando que o novo marido de Dorothy - pequeno comerciante de tintas, respeitado como honesto e trabalhador - era o seu pai. Na verdade, em tudo diferente do pai biológico, um filho de banqueiro.

Adotando o nome do padrasto – Gerald, destacou-se como atleta no time da escola, podia declamar longos poemas que a mãe lhe impunha decorar como forma de castigo a atitudes violentas que faziam lembrar Leslie, o beberrão.

Gerald Ford foi Deputado Federal por Michigan durante 25 anos. Spiro Agnew, Vice na chapa de Nixon, renunciou sob acusações de corrupção. Ford foi escolhido pelo Congresso para substitui-lo. Engolfado pelo furacão de Watergate, Nixon renunciou.

O Presidente Gerald Ford estava em seu gabinete no Salão Oval quando Henry Kissinger, Secretário de Estado, adentrou entregando-lhe um documento – “Memorando de Estudo de Segurança
Nacional – Implicações de Crescimento Populacional Mundial para a Segurança e os Interesses Ultramarinos dos Estados Unidos”. No total198 páginas.

A ideia básica - estancar o crescimento populacional dos países pobres nos quais os Estados Unidos tinham interesses económicos, estratégicos e tal. O Brasil estava na lista junto com Bangladesh, Paquistão, Nigéria, Egito, Turquia e quejandos.

Na pág. 17, a recomendação – “Deve-se dar prioridade ao programa geral de assistência às políticas seletivas de desenvolvimento nos setores que ofereçam mais pessoas a querer famílias menores”.

Não são poucos ainda hoje os países que adotam políticas para controle da natalidade. A Constituição de 1988 é a primeira na história do Brasil na abordagem. (Art. 226, § 7º.)

Uma nova questão agora preocupa a ciência. Até há pouco tínhamos o mal costume de culpar a mulher por nunca engravidar. Hoje os estudos se ocupam com a qualidade do sêmen do homem.

Já é tranquilo que essa infertilidade, hoje afetando mais de 48 milhões, tem como causa até aqui os abusos no álcool, o uso do cigarro e substancias químicas de pesticidas, solventes e recipientes de plástico.

Inflexível em suas políticas de controle da natalidade, a China, não obstante, mantém bancos de espermas. Mas o doador não pode ser qualquer um. Maiores de 45 anos, calvos, obesos ou daltônicos nem pensar.

Abro aspas. “Os candidatos devem apoiar a liderança do Partido Comunista”. Os aprovados nesse vestibular da inseminação são recompensados com 800 (oitocentos dólares). Por enquanto já são 23 (vinte e três) bancos de esperma.

Despiciendo lembrar que a China possui 1 (um) bilhão e 380 (trezentos e oitenta) milhões de habitantes ocupando um território de 9 (nove) bilhões e 600 (seiscentos) milhões de kms² (quilômetros quadrados).

Deplorável constatar que as políticas de controle da natalidade tenham obtido mais redução mediante abortos e a distribuição entre a pobreza de contraceptivos experimentais.

Tivesse Dorothy abortado como lhe foi sugerido, a América não teria conhecido um Presidente chamado Gerald Ford, o qual, até onde se sabe, ocupado em curar as feridas do escândalo de Watergate, foi suplantado nas urnas por Jimmy Carter para quem a prioridade eram os direitos humanos, arma sutil que empunhou contra as ditaduras no continente. A começar pela do Brasil.

Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

terça-feira, 8 de maio de 2018

PSB sem Plano B

O ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro aposentado Joaquim Barbosa, não será candidato à Presidência da República nas eleições deste ano. Ele próprio fez a comunicação via Twitter, acrescentando que as razões para a desistência são de natureza estritamente pessoais.

Com a saída de Barbosa do cenário no qual as pesquisas o contemplavam com 10% nas intenções de votos para Presidente da República começaram hoje os galanteios dos pretendentes ao que poder-se-ia chamar de seu espólio eleitoral.

O Partido Socialista Brasileiro, por seu líder na Câmara, Deputado Júlio Delgado, confirmou que diante desse fato novo não há Plano B. O partido volta à estaca zero, mas ainda em tempo de se reinventar como protagonista no jogo da sucessão presidencial.

Por uma "democracia representativa"

Por Fernão Lara Mesquita

É pura ilusão acreditar que mais uma eleição dentro da mesma regra “proporcional” das anteriores – agravada agora pelo “financiamento público” que abafa a voz de quem entra limpo na disputa enquanto dá um megafone ao continuísmo – vá mudar qualquer coisa de significativo na tragédia brasileira. É de uma ingenuidade de dar pena afirmar que “eleger gente honesta” é o quanto basta, como se jogar honestamente se tivesse tornado milagrosamente possível num jogo que começa viciado pela obrigação de todo estreante de compor-se com os donos das capitanias partidárias hereditárias e seus latifúndios no “horário gratuito” e prossegue com os políticos, tornados intocáveis assim que eleitos pelos 30 coproprietários do “fundo partidário” dimensionado e redimensionado “a gosto”, negociando cada voto nos Legislativos.

Também é sonho de uma noite de verão imaginar que a doença brasileira possa ser curada só com ações policiais e judiciais encomendadas ou desencomendadas a critério de agentes públicos refestelados em privilégios e fora do alcance dos eleitores. Quanto do “vaza-não vaza” que atinge exclusivamente o Legislativo e o Executivo responde a uma disposição genuína de fazer justiça? Quanto ao propósito de deter reformas contra privilégios? Quanto às disputas de poder de inspiração ideológica ou patrimonialista?

Nem pouco, nem muito mais do mesmo mudará coisa nenhuma. A primeira providência comezinha para tirarmos o pé desse passado grudento é liberar a portaria da política. Despartidarizar as eleições municipais e condicionar as estaduais para cima a eleições primárias diretas. Nos municípios – todos únicos e radicalmente diferentes entre si – deve concorrer quem quiser, independentemente de partidos. E nas eleições estaduais e federais quem quer que chegue às portas do partido apoiado por uma lista de assinaturas não muito extensa terá obrigatoriamente de ser incluído na disputa pelo direito de candidatar-se que os associados da agremiação decidirão no voto direto. É o quanto basta para varrer de cena os velhos caciques, sem a eliminação dos quais o ambiente político não se higieniza.

No mais, o nome do jogo é “democracia representativa”. A implantação de um sistema que permita saber exatamente quem representa quais eleitores em cada instância de governo é, portanto, o que nos poderá credenciar a entrar nele. Isto se consegue com eleições distritais puras. O eleitorado tem de ser dividido em distritos mais ou menos equivalentes em número de habitantes desenhados sobre o mapa real da localização do seu domicílio, do menor (o bairro ou conjunto de bairros em eleições municipais) para o maior (um conjunto de distritos menores em eleições mais amplas). O tamanho dos distritos é dado pela divisão do número de habitantes pelo número de representantes que se deseja ter na instância em disputa e só pode ser alterado em função do censo populacional. O Brasil de 204 milhões de habitantes, mantido o número de deputados federais de hoje, seria dividido em 513 distritos de aproximadamente 400 mil habitantes. Como cada distrito só pode eleger um representante e cada candidato só pode concorrer por um distrito, além de reduzir drasticamente o custo das campanhas, o sistema permite que cada deputado eleito saiba o nome e o endereço de todos os seus representados.

Mas eleição distrital não é uma solução em si mesmo. Ela apenas permite viabilizar o controle efetivo do processo político pelos eleitores com garantia de absoluta legitimidade daí por diante. Esclarecido quem representa quem, o passo seguinte é consagrar o direito à retomada dos mandatos traídos ou mal satisfeitos a qualquer momento (recall). Qualquer cidadão pode iniciar uma petição para desafiar o seu representante. Se conseguir uma porcentagem previamente definida de assinaturas, será convocada uma nova eleição apenas no distrito envolvido para reconfirmar ou cassar seu representante e eleger um substituto.

O resto do ferramental inclui o direito ao referendo por iniciativa popular das leis passadas nos Legislativos usando a mesma mecânica de legitimação do recall, o que torna efetivo, de troco, o direito de oferecer leis de iniciativa popular que os brasileiros “já têm” (pra se enganar quem gosta), pois a última palavra sobre toda lei passa a ser daqueles a quem ela será imposta, e não mais de legisladores livres para legislar em causa própria.

Isso de fato entrega o poder a quem a Constituição define como a “única fonte de legitimação do estado”, nós, o povo, também dito o eleitorado. Mas todo esse edifício só se mantém solidamente em pé com o complemento das periódicas “eleições de retenção” de juízes, o Brasil amargamente sabe por quê. As comarcas sob a alçada de cada um devem ter correspondência com os distritos eleitorais e a cada eleição o nome de cada juiz de cada tribunal, até a instância estadual mais alta, aparecerá na cédula dos eleitores sujeitos à sua jurisdição com a pergunta sobre se deve manter ou não seu cargo e suas prerrogativas por mais um período. Os que forem expelidos serão substituídos pelo sistema normal de nomeação de juízes, com o que se cria um controle efetivo do Judiciário operando exclusivamente a porta de saída, sem interferir com a independência de quem permanecer dentro do sistema.

A eleição de outubro vai se desenhando como desolada e negativamente plebiscitária. A escolha restringe-se a votar simbólica e genericamente “contra a política” ou pela continuação dela por falta de melhor e medo do pior. Ninguém oferece plataforma nenhuma que se possa apoiar. E adotar um tom radical, mesmo que seja em torno de nada, é a única coisa que empurra candidatos para cima do brejo geral dos sub-10%. Se alguém abraçar radicalmente uma plataforma de reformas não apenas que faça sentido, mas que possa exibir uma certificação histórica de eficiência letal contra a corrupção e a politicagem, estará, portanto, seriamente arriscado a se tornar um candidato imbatível.

Fernão Lara Mesquita é Jornalista. Escreve em www.vespeiro.com / este artigo foi publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 08.05.18.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Favelas com banco e moeda próprios



A favela de Paraisópolis, a maior de São Paulo (segundo o censo de 2010 do IBGE), vai ter um banco e uma moeda própria administrados por seus moradores. Será a primeira vez que uma comunidade da zona oeste paulistana terá uma iniciativa como essa.

A instituição financeira vai se chamar Banco de Paraisópolis e será gerida pela associação de moradores e comerciantes da área. Já a moeda, apelidada de Nova Paraisópolis, deverá ser impressa e vai circular apenas dentro do bairro.

Segundo a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, há 103 dessas instituições operando no país e elas giraram R$ 40 milhões entre 2016 e o final do ano passado. Elas funcionam às margens dos grandes bancos, de forma independente, oferecendo serviços populares que ajudam a desenvolver as regiões onde estão inseridas.

Uma de suas funções, por exemplo, é possibilitar microcrédito com juros baixos para moradores e pequenos comerciantes - em grandes bancos, normalmente as taxas são maiores.

O Banco de Paraisópolis terá uma agência dentro da favela, além de oferecer contas correntes, cartão de débito e um aplicativo para celular. Mais de 6 mil pessoas já utilizam um cartão de crédito exclusivo para moradores da comunidade.

"Nossa ideia é que as pessoas tenham uma conta, possam fazer saques e pequenos empréstimos", diz Gilson Rodrigues, líder comunitário e presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis.

Para financiar a iniciativa, a associação vai realizar um jantar de doações com empresários e personalidades. O dinheiro arrecadado irá para um fundo, que financiará as ações do banco - jantares como esse já ajudaram a criar uma série de projetos sociais na região.

Quando um morador pedir um empréstimo, por exemplo, o valor sairá desse fundo - depois, quando ele pagar a dívida, o dinheiro retorna ao banco para ficar disponível para outras pessoas.

Já os juros e as taxas de funcionamento serão usados para financiar causas da comunidade, além de 32 projetos sociais que a associação de moradores toca na área, como uma orquestra de jovens, um grupo de balé e um bistrô em uma laje da favela.

"Nosso objetivo não é ganhar dinheiro, não é gerar lucro, mas investir no desenvolvimento da comunidade, no comércio e no consumo local, gerando empregos", diz Gilson. Ele promete que cadastros de inadimplentes, como Serasa e SPC, não serão consultados.

Estima-se que Paraisópolis tenha cerca de 100 mil habitantes e 8 mil estabelecimentos comerciais - a maioria pertence a moradores. Grandes empresas também estão de olho nesse potencial econômico e abriram lojas na área, como Banco do Brasil, Casas Bahia e Bradesco.

Cerca de 21% dos moradores trabalham dentro da própria favela, segundo a associação de moradores. Quem tiver conta no banco local terá descontos no comércio credenciado.

Por outro lado, apesar do comércio aquecido e da fama adquirida com uma novela da TV Globo que usava suas vielas como cenário, Paraisópolis ainda tem uma série de problemas comuns a toda favela do Brasil, como pobreza extrema e falta de saneamento básico.

Obras de urbanização estão paradas há anos, como canalização de um córrego e a construção de moradias sociais. Cerca de 5 mil famílias da comunidade vivem de bolsa-aluguel pagos pela prefeitura.

O novo banco deve priorizar empréstimos que financiem o comércio local, dando cursos para os clientes desenvolverem seus negócios. "Quando a gente incentiva e prepara os comerciantes, a tendência é que o negócio dê certo e ele nos devolva o dinheiro", diz Gilson, que tem 33 anos.

Os bancos comunitários existem há 20 anos no Brasil. O primeiro foi o Banco Palmas, criado em 1998 na favela de Palmeiras, em Fortaleza, e tido como referência na modalidade.

Joaquim de Melo Neto, coordenador da instituição, conta que o banco surgiu quando a associação de moradores local fez um levantamento sobre a pobreza extrema da área. "A pergunta que mudou nossa vida foi: 'por que nós somos pobres?'", diz Neto, que foi morar em Palmeiras como seminarista em 1984, a pedido da Igreja Católica.

"Percebemos que as pessoas gastavam todo seu dinheiro fora da comunidade, comprando produtos que não geravam dinheiro nem emprego para nós. Como éramos ambiciosos, montamos um banco para financiar os comerciantes de dentro da comunidade", conta.

O investimento inicial foi de R$ 2.000, emprestados de uma ONG. "Quebramos o banco no primeiro dia com tantos empréstimos", lembra Neto, rindo. O episódio ficou famoso, e empresários da região doaram dinheiro para financiar o projeto.

Depois, o Palmas lançou sua própria moeda, impressa em papel sulfite, e que circula até hoje apenas no perímetro do bairro - cada nota vale R$ 1. O sucesso gerou problemas: o Banco Central processou os moradores, acusando o projeto de falsificar dinheiro.

"Quando o Banco Central mandou uma carta questionando nosso banco, respondemos que a gente explicava se eles pagassem R$ 100 mil pela consultoria", lembra Neto.

O Banco Palmas ganhou o processo em 2005. O Banco Central reconheceu que instituições financeiras comunitárias podem existir - hoje elas estão sob o guarda-chuva da Secretaria de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) empresta dinheiro para a criação dos fundos, onde fica o dinheiro que financia os bancos comunitários.

O Palmas, por exemplo, tem R$ 3 milhões para realizar empréstimos e administrar o banco. Ele cobra 0,8% de juros por mês, índice que Neto considera alto - para ele, a taxa deveria ser zero.

Segundo a  BBC Brasil, que editou esta reportagem, o Banco Central, não quis se pronunciar sobre as iniciativas.

"Banqueiros" comunitários dizem que as unidades ajudam a desenvolver o comércio e o consumo em áreas com pequena atividade financeira e estatal. O último Censo, de 2010, apontava que 11,4 milhões de brasileiros vivem em favelas.

Para Leonardo Leal, coordenador da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária da Universidade Federal de Alagoas, as iniciativas também incluem pessoas que estão fora do sistema financeiro tradicional. "Hoje, grande parte dos moradores de áreas rurais, ou de pequenas cidades, não têm acesso a serviços como pagamento de boletos e microcrédito", explica.

Leal participou da criação do Olhos D'água, banco tocado por moradores de Igaci, cidade de 25 mil habitantes em Alagoas.

A cidade tem uma moeda local, a Terra, que dá descontos no comércio e só pode ser usada dentro do município. "Como o banco é administrado pelos próprios moradores, existe um sistema de autogestão e controle social que ajuda a diminuir as taxas de inadimplência", explica.

Criado em 2016 com uma linha de crédito do Ministério do Trabalho de R$ 45 mil, o Olhos D'água já financiou 150 projetos de comércio local e de agricultura familiar - os empréstimos chegam a R$ 1.500, no máximo.

Em Maricá, no Estado do Rio Janeiro, o banco Mumbuca também tem ajudado a movimentar a economia local. Sua origem é um pouco diferente dos demais bancos comunitários.

Em 2013, a prefeitura da cidade criou uma bolsa social para moradores de baixa renda, mais ou menos nos moldes do Bolsa Família. O valor de R$ 110 passou a ser pago na moeda Mumbuca, que dá descontos nos 309 estabelecimentos comerciais credenciados.

Hoje, cerca de 16 mil pessoas são clientes, que também é aberto para famílias com renda maior. O Mumbuca financia iniciativas locais com juros zero - ou seja, ele não tem lucros com a atividade.

"O comerciante paga uma taxa para usar nossos serviços, mas ela volta para a comunidade em forma de cursos e oficinas de empreendedorismo", diz Natalia Sciammarella, subcoordenadora de gestão do Mumbuca. "As pessoas sabem que, usando nosso banco, elas movimentam a economia da cidade, gerando emprego".

Em 2006, esse modelo de microcrédito rendeu o Prêmio Nobel de Economia ao banqueiro Muhammad Yunus. O economista, nascido em Bangladesh, criou um banco que emprestava pequenas quantias para milhões de pessoas pobres de seu país.

(Fonte: BBC Brasil).