quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

No limiar do ano velho

O gordinho da Coreia do Norte, por exemplo, daria um bom Papai Noel? Claro que não. Comuna de verdade lá quer saber desse negócio de Papai Noel, compras e mais compras, presentes, votos de boas festas, em especial nesta época do ano, quando o capitalismo disfarçado de bom velhinho mostra a sua cara e pior - não há por aqui um Cazuza a lhe instar a que diga qual é o seu negócio, o nome do seu sócio e tal.

Há um consenso de que a China, outrora dragona do comunismo sob a batuta de Mao, só passou a ver mesmo "a força da grana, aquela que ergue e destrói coisas belas" (Caetano), depois que se assumiu como capitalismo de estado. Daí os espaços conquanto ainda parcos para uns pálidos e tímidos bons velhinhos em seus trajes vermelhos e sacos de presentes.

As desavenças entre o gordinho malvado da Coreia do Norte e o fogoió maluco da Casa Branca já convenceram a China de que as coisas podem se desarrumar a qualquer hora entre o mar do Japão e uma base americana que fica numa ilha ali por perto. Daí que, prevendo a debandada de milhares de norte-coreanos, começou a construir campos e mais campos de refugiados.

É possível que num cenário desse ninguém ouse ser voluntário para vestindo o macacão vermelho, cor que, aliás, tem algo a ver, desfilar carregando um saco cheio e acenando às crianças que não precisam de ninguém que lhes deem  lições de esperanças.

Quando eu era criança, em Caxias, vi um Papai Noel pela primeira vez. Não tinha a barrigona que para alguns ainda hoje no Maranhão é sinal de poder politico e de prosperidade financeira. Também não tinha bundão flácido, outro atributo.

Da carroceria de uma camionete o Papai Noel magrelo dava bombons ou picolés à criançada. Um alto-falante sobre a boleia anunciava que ele era de carne e osso. Ensimesmado, sem interesse algum nos bombons e picolés, fitava-o imaginando como deveria ser o Papai Noel sem carne e osso. Então, o Papai Noel feito de gente só poderia ser aquele.

Aos poucos, fui diferenciando o Papai Noel gordão e bundudo do Papai Noel de carne e osso, o Papai Noel igual a gente. Anos depois descobri que aquele Papai Noel era o Elmar, o locutor do Gigante do Ar, o serviço de Alto-falante da Babilônia, o que viria a ser um shopping para a época, do José Delamar.

Ontem, quarta feira, em Itatiba, cidade do interior paulista um pouco maior que Barra do Corda ou Caxias, um Papai Noel muito conhecido da população foi atacado por crianças a rebolos e pedradas quando o saco de bolos e bombons se esvaziou.

Todo ano, nessa época do ano, seu Luizão, o dono de uma funerária, veste-se como o bom velhinho, instala-se num trenó e com a ajuda três amigos desfila pelos bairros distribuindo agrados à criançada.

Ontem como se fosse um dia de tenebrosos tempos, seu Luizão escapou ao ver-se acuado por aqueles pelotões armados com paus e pedras, tudo criança entre 9 a 12 anos de idade. Oh tempos, afastem de nós esses graneleiros de maus exemplos! Oh meu Deus, quanta violência se esparramando por este mundo!

“Vinde a mim as criancinhas”? Okey, vinde a mim.

Seu Luizão nunca foi politico, não é politico, não quer ser politico. Anunciou que “sem ressentimentos” voltará às ruas dos subúrbios desfilando no seu trenó com o seu saco de bombons e outros doces para a criançada.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Haroldo Olímpio, um fazedor da Ilha, antevia o futuro sem medo

Há 17 anos, pouco antes das festas de fim de ano, o engenheiro Mauro Fecuri, criador da Universidade CEUMA, reune em São Luis do Maranhão os seus amigos, desde os que como ele formavam o time de basquetebol nos tempos de faculdade em Fortaleza - Ceará aos que com o tempo ele foi agregando ao elenco do seu afeto.

Na ultima semana, sabado, dia 09.11., Mauro homenageou Haroldo Tavares, Secretário de Viação e Obras Públicas do Governo José Sarney (1966-70) e Prefeito de São Luis no Governo Pedro Neiva de Santana (71-75). 


Haroldo Olímpio Lisboa Tavares entre os seus companheiros de equipe 


Naquele tempo, os Governadores do Estado e os Prefeitos da Capital tinham em suas linhas de frentes jovens técnicos de todas as áreas indispensáveis ao serviço público. 
Haroldo Tavares foi um dos que se destacaram por suas qualidades de liderança, espirito público e iniciativas arrojadas.



No campus da Universidade CEUMA foi inaugurada a Praça Prefeito Haroldo Tavares. 

Presentes, além dos familiares do homenageado, os seus antigos colegas de equipe e o Governador e depois Senador e Presidente da República José Sarney.

O engenheiro e professor Luiz Raimundo Carneiro de Azevedo, parceiro nas ideias e na execução dos sonhos que ele e Haroldo sabiam sonhar acordados, foi o único orador da solenidade.

Seu discurso diz tudo sobre quem foi a pessoa do homenageado.

"Amigas, Amigos:

Li numa placa na Universidade de Catânia na Itália, esse dístico atribuído a EPICURO, filosofo grego e o copiei:

“As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o tempo presente e encaram o futuro sem medo. ”

Estamos hoje a celebrar a Gratidão e o Reconhecimento, duas das maiores virtudes dos homens de boa vontade. Dois maranhenses por adoção com seu coração voltado para essa nossa terra. Um era baiano de nascimento, outro acreano, ambos engenheiros, os dois educadores e empreendedores, um deles fundador da nossa Escola de Engenharia do Maranhão, que completa 50 anos, o outro da Universidade CEUMA.

Aqueles de quem hoje falo foram ambos prefeitos de São Luís. Um construiu as duas pontes ligando o nosso centro histórico à área de expansão praiana e cuidou do seu urbanismo com a SURCAP. O outro as ligou em avenida, ensejou a saída da linha ferroviária do centro de São Luís e deu prosseguimento aos bons projetos urbanísticos e paisagísticos do homenageado, incluindo as “Maurotonas”, ações de fiscalização de obras e convívio com as comunidades.

Meu compadre Haroldo era uma inteligência absolutamente fascinante; Haroldo Olímpio Lisboa Tavares, foi o melhor prefeito de São Luís nesses últimos 45 anos, sem deméritos para os que o sucederam. É hoje  homenageado e tem seus feitos reconhecidos, por iniciativa de Mauro de Alencar Fecury neste ensolarado dia 9 de dezembro, na data em que acontecem os 27 Jogos Amigos, aqui na universidade CEUMA.

Celebramos a gratidão. O engenheiro Mauro Fecury nos idos de 1973 volta à São Luís depois de bem-sucedida passagem em Fortaleza e Brasília, a convite de Haroldo Tavares (então prefeito) para gerenciar e fazer acontecer um dos seus sonhos: aquele de ver São Luís crescer e pontificar com o turismo nacional e internacional, atividade geradora de emprego e renda.

E lá vem de volta o engenheiro Mauro Fecury, trazendo sua competência técnica para fazer implantar o Hotel Quatro Rodas da Abril e reiniciar a sua saga de todos reconhecida como igualmente profícua.

Repito. Hoje é dia de gratidão, reconhecimento e de alegria com o tempo presente.
Haroldo Tavares, o que ousou sonhar, vive com o reconhecimento de sua portentosa obra por aqueles que lhes são gratos, que compartilharam dos seus sonhos, de sua inteligência e privaram de sua amizade enriquecedora.

Mercê de suas ideias, seus sonhos e realizações, vemos hoje implantada a Universidade Estadual, iniciada com a implantação vitoriosa das escolas superiores de administração pública, engenharia, agronomia e veterinária. Depois com a FESM (Federação das escolas Superiores do Maranhão) e lá um pouco mais à frente com a UEMA.

O Anel Viário o mais racional acesso ao sonhado Porto do Itaqui via BARRAGEM do Bacanga, a transferência de população com a criação da Vila do Anjo da Guarda, a PRODATA com a aquisição do primeiro computador IBM 1130,  a pavimentação asfáltica da BR-135 e da BR-316 ligando São Luís à Teresina, a construção da MA 074 Santa Luzia-Açailândia (hoje BR-222),a  definição do projeto de urbanismo da cidade de São Luís com o concurso do escritório do urbanista Witt Olaf Prochnik,e de arquitetos outros como Sergio Bernardes , Mauricio Roberto  Leônidas Cumplido, obras estruturantes cujo reconhecimento que hoje enfatizamos , consagraram o homenageado Haroldo Tavares.

É longa a trajetória de Haroldo como homem público: O Parque do Bom Menino, o nosso Central Park espaço para manifestações artísticas, culturais e esportivas, Recuperação e restauração do Teatro Arthur Azevedo, do Palácio dos Leões, estes com a prestigiosa participação especial e voluntaria, das senhoras Eney Tavares Neiva de Santana eVera Martins Tavares, ambas de notável sensibilidade artística e cultural, e a implantação do Museu Histórico e Artístico do Maranhão em morada senhorial na Rua do Sol.

Haroldo foi o idealizador e concretizador do projeto Mirante mostrando ,ao Brasil as belezas e a importância cultural de São Luís e Alcântara, por intermédio dos jornalistas do Pasquim- então o celeiro da inteligência jornalística nacional- em pleno Regime Militar. Era a boa estratégia, o alicerce, no rumo do reconhecimento pela UNESCO da condição de patrimônio cultural e arquitetônico da humanidade da cidade de São Luis, mais à frente outorgado.

Eu, engenheiro aqui chegado em 1967 tive a honra de trabalhar e aprender muito do que sei, com o meu amigo Haroldo Tavares. Percebíamos ao participar dessas obras e de outras iniciativas de igual importância no Governo José Sarney que estávamos encarando o futuro sem medo, como nos ensinou o filosofo Epícuro. E erámos pessoas felizes.

Continuo hoje aprendendo, sob a regência do meu colega de Maristas e da Escola de Engenharia no Ceara, meu amigo Mauro e alegro-me com o tempo presente de gratidão, apanágio das pessoas felizes consigo mesmas e que hoje aqui na Universidade CEUMA se reúnem para homenagear Haroldo e demonstrar que a gratidão nos diferencia.

Os grandes vultos como o engenheiro e professor Haroldo Tavares serão sempre lembrados. As novas gerações dos estudantes universitários frequentadores desse local de convívio que é uma espécie de Ágora da CEUMA Renascença, ao perguntar quem foi Haroldo Tavares saberão ter sido ele um Engenheiro, Maranhense, por adoção, e um sonhador –realizador do que há de melhor no Maranhão. EVOEH HAROLDO, que esse teu exilio momentâneo nos seja leve.

Bendita a Gratidão que promoveu esse reconhecimento. Saudades de Haroldo. Como dizia Miguel Nunes, “nada que uma boa taça de vinho não resolva”. Bom dia a todos! "

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Policia Federal pode, sim, fechar acordos de delação


Fernando Segóvia, novo Diretor Geral do Departamento de Policia Federal.

O que muda na sua gestão?

Na troca de diretorias, coloquei pelo menos dois delegados da geração de 2001, ou seja, que ingressaram naquele ano. Agora estamos tentando colocar mais mulheres nos cargos de diretoria. Mas percebi que não houve preparação delas ao longo dos anos. São mulheres supercapacitadas, mas que não tiveram acesso aos cargos de gestão. Temos a proposta do empoderamento feminino na Polícia Federal. A última informação que eu tive é que o número de delegadas representa 20% do efetivo atual.

Todas as diretorias e superintendências serão trocadas?

Não. Estamos avaliando uma a uma. Existe uma questão fundamental, que é a proposta de trabalho. A afinidade com o programa que vamos implementar no Brasil, nas mudanças, é muito importante. Principalmente de filosofia de trabalho. E é lógico que vem a questão da confiabilidade. É um cargo de absoluta confiança. Dependendo do que ocorrer na superintendência regional, pode representar até a queda do diretor-geral. Então, tem que estar alinhado com a filosofia nova, com a perspectiva que a gente vai dar. A cerimônia de transmissão do cargo será na segunda-feira pela manhã. Então, segunda à tarde e terça-feira serão de reuniões com os superintendentes regionais.

O que muda em relação à filosofia anterior?

Na verdade, são diretrizes que vamos tentar implementar dentro da PF. A polícia está um pouco desfocada. E qual seria essa falta de foco? Essa miopia dentro da segurança pública como um todo. A gente está olhando muito para baixo. Quando se fala em combate ao tráfico de armas, estamos lá em baixo, olhando para o fuzil com o traficante do Rio de Janeiro. O ministro da Justiça pediu que a gente implementasse o combate ao crime transnacional, que é o grande problema no Brasil. As últimas políticas eram voltadas para problemas mais caseiros, sem uma visão mais ampla de segurança pública.

Como assim?

Se hoje você perguntar sobre segurança pública para 100 brasileiros, todos vão dizer que é um problema. É uma área no país que está de mal a pior. Então, se a gente não criar parcerias com as polícias militares, polícias civis, fizer escritórios de força-tarefa, como vamos implementar agora no Rio de Janeiro, ficará difícil. Será criada uma força-tarefa federal, para, aí sim, criar um ambiente para enfrentar o problema em cada um dos estados. Uma ótica federal em que a gente teria uma parceria com o Ministério Público nos crimes federais e com o MP estadual nos crimes estaduais.

O ministro da Justiça falou de corrupção na polícia do Rio de Janeiro. Concorda com as afirmações dele?

Olha, eu acho que existem problemas na segurança pública no país inteiro. A questão de corrupção dentro da polícia é fato. É algo que está sendo combatido pelas corregedorias. As corregedorias funcionam. Algumas mais fortes, outras mais enfraquecidas. Dentro da Polícia Federal, é um pilar. Ao longo desses últimos 20 anos, isso tem dado todo um diferencial no nosso trabalho. Quando você não tem corregedoria forte, a corrupção e a quebra de hierarquia começam a se instalar.

A corregedoria é a única direção que tem mandato efetivo. O corregedor será trocado?

Não. Conversei com o atual corregedor. O que está no cargo atualmente é excelente. Ele concordou em permanecer no cargo.

A estrutura da Lava-Jato será alterada?

A estrutura da operação vai se manter. Algumas pessoas podem ser substituídas por questão de confiabilidade e questão de alinhamento com o pensamento que vamos implementar nessas operações. Nós precisamos hoje ampliar as investigações de combate à corrupção. Mas isso será feito em conjunto com o Ministério Público Federal. A reunião que tive com a doutora Raquel Dodge, que durou mais de três horas, foi justamente para a gente alinhar alguns pensamentos iniciais. Na verdade, era uma visita da cortesia, um café, um aperto de mão, que acabou se tornando uma reunião de trabalho por conta dos temas palpitantes.

Na era Janot, a Polícia Federal manteve uma relação conflituosa com o MP nas investigações que tramitavam no STF?

Sim, totalmente conflituosa. Esse conflito cria problemas para as investigações. Essa parceria tem que ser afinada a tal ponto que os dois, que são os pilares dessa investigação preliminar, trabalhem em conjunto. Despindo-se da vaidade, de alguns problemas até interpessoais e pensando no público. No momento em que você para, afasta essa questão da vaidade e realmente entra na atuação profissional, o trabalho flui.

O Janot é vaidoso?

Não sei. Só sei que ele aparecia muito na mídia e dava a impressão de que queria realmente aparecer. Agora se ele é vaidoso ou não…

Mas não era importante que a liderança do MP mostrasse ao país o que estava ocorrendo?

Era importante, sim, se houvesse investigações concluídas. Eu acredito que houve uma certa pressa ao se encerrar algumas investigações. E a gente conclui isso de uma maneira bem simples. Só de observar, mesmo não estando dentro da investigação. Para quem tem 20 anos de polícia, como eu que dou aula dentro da Academia Nacional de Polícia. Alguns fatos chamam bastante atenção.

Que fatos são esses?

Por exemplo, no dia do anúncio, em que a Rede Globo expõe ao país as vísceras da investigação, que era numa quarta-feira, você vê que o Wesley e o Joesley saem do Brasil na segunda-feira, dois dias antes, aplicando dinheiro, fazendo negociatas do mercado…Para quem foi realmente arrumada essa data dessa operação? A quem interessava tanto você colocar uma data tão exata para que tudo isso fosse engendrado dessa tal maneira?

Precisava continuar?

Lógico. Eu acredito que uma investigação, especialmente essa, da maneira como estava sendo conduzida… Era uma única mala. A primeira das malas, sem rastreador. Se fosse uma investigação da Polícia Federal, sem interferência nenhuma, eu garanto que não seria uma investigação de um mês, com uma única mala.

Mas a impressão que passa é de que quem vazou foi o próprio Joesley…

Mas este tipo de vazamento pode anular uma delação. Existem hoje ministros do STF que dizem que se houver, pode ser anulado. As pessoas perguntam se a PF está blindada. E está, pois é  arantido o sigilo do inquérito. Se mantiver o sigilo das investigações, a PF continuará blindada e era isso que deveria ter acontecido.

Qual foi o motivo desse açodamento que o senhor aponta?

Exatamente o que ocorreu, não tenho informações. Mas com toda estranheza do mundo, uma operação foi realizada de forma rápida, precipitadamente. Em uma rapidez que seria incomum para uma investigação dessa natureza, com esse tipo de sensibilidade, do qual o senhor Joesley sabia as datas. Ele sabia porque investiu (no mercado de valores). Você vê que existe uma precipitação, um jogo todo está ali por trás, que está havendo alguma coisa que não era natural.

Até que ponto isso não era natural? Essas declarações são gravíssimas…

Não é uma declaração. São os fatos que aconteceram. Estou falando de fatos que aconteceram que têm que ser investigados. O Brasil tem que ser passado a limpo, ele todo. Não é uma questão de uma pessoa ou outra. Não é porque o doutor Janot fez ações em prol do país, que estavam certas, eram um momento político delicado e que precisavam ser feitas. Mas eu acredito que ele tem que esclarecer esses fatos também. O acusador tem que ser transparente, mais do que todos.

O procurador Marcelo Miller saiu do Ministério Público e foi trabalhar em um acordo de delação premiada da JBS. O senhor acha que isso contaminou o trabalho do procurador-geral?

Olha, as ações da procuradoria também precisam ser verificadas. Há investigações sendo feitas agora e tudo isso vai aparecer futuramente. Neste exato momento, prefiro aguardar as investigações porque não gosto de fazer especulações.

O presidente Michel Temer especulou que o procurador-geral Janot teria recebido dinheiro. Quando o senhor foi convidado, houve um pedido para que isso seja investigado?

Eu acredito que o presidente queira soluções para todos os casos. O brasileiro quer que todos esses fatos sejam esclarecidos. O presidente não me perguntou sobre esse assunto. Falamos de outros fatos, sobre segurança pública, sobre uma polícia forte e republicana. O principal papel da Polícia Federal é não ter nenhum tipo de atuação política.

Qualquer desvirtuamento de uma investigação, para qualquer lado que seja, é perigoso para a democracia e perigoso para o país. Esse foi o teor da conversa com o presidente Michel Temer. Ele disse que nós precisamos reestruturar a Polícia Federal e colocá-la nos trilhos da constitucionalidade e da legalidade, sempre com foco na busca da verdade real. E é isso que vamos fazer, doa em quem doer.

Na última gestão, não era assim?

Foi um pedido que ele fez acreditando que essa é a Polícia Federal de que o Brasil precisa. Nós não trabalhamos com fatos e ilações. Todos os fatos que vierem e suscitarem investigações para qualquer tipo de desvio serão apurados.

Se chegar a notícia de influências políticas, nós vamos apurar. Nós temos muito trabalho a ser feito. Nós temos tráfico de armas no país, temos tráfico de drogas, temos ameaças terroristas no mundo inteiro. Nós temos que nos preparar para coisas maiores. A corrupção é um problema gigantesco que temos que enfrentar. Mas não vamos correr atrás de suposições, de teorias de conspiração.

A Polícia Federal tem estrutura para todas essas ações atualmente? Precisa de mais gente?

Quanto mais gente tiver, melhor. Desde quando eu era superintendente, caminhamos com objetivos claros e dentro da capacidade de trabalho. É impossível combater todos os crimes com 11 mil homens. Temos que cuidar de diversas áreas, fora as atividades administrativas, como passaporte e segurança privada.

Na Lava-Jato, os delegados e agentes reclamavam que estavam sem condições de pagar diárias para viagens das investigações. Isso vai ser resolvido?

Na verdade, a PF não tem esse problema. Na reunião de transição, foi passado que o orçamento para este ano está resolvido e para o ano que vem, já foi recomposto.

Então isso é alguma pressão de grupos dentro da PF?

Acredito que seja alguém querendo desestabilizar de alguma maneira a relação entre a Polícia Federal e o governo federal. A nossa transparência com o Ministério da Justiça e com a Presidência da República será a maior possível. Eu até cheguei a fazer uma declaração de que precisamos de concurso público. Temos um déficit dentro da corporação e seria necessário contratar mais para melhorar nossa capacidade. Tem pessoal nosso que está na fronteira há mais de cinco anos, algo que é muito desgastante.

E esse pedido será atendido?

Ele disse que pensaria. É um bom sinal, pois abrimos um canal de diálogo.

No Rio de Janeiro, vemos o ex-governador Sérgio Cabral preso e agora a operação da PF contra membros da Assembleia Legislativa. Muita gente acredita que as afirmações do ministro da Justiça, Torquato Jardim, são reais. Realmente o poder no Rio está contaminado pelo crime organizado?

Nosso trabalho dentro dessa investigação é sério. Temos profissionais de alto gabarito realizando esse trabalho no Rio de Janeiro. Se vemos que estão sendo investigados membros do Tribunal de Contas, com prisões, tendo aval da Justiça, realmente existem indícios de crimes neste momento.

O deputado Picciani chegou a desafiar o ministro da Justiça e acabou preso. Foi uma resposta?

Não trabalhamos com essas briguinhas. Trabalhamos com fatos. Temos que trabalhar construindo provas. Não adianta chegar com suposições na Justiça.

O caso do reitor da Universidade de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, que foi preso sem ter sido indiciado e acabou se matando, foi um erro da PF?

Infelizmente foi um caso trágico. Foi muito mais do que uma lição para membros da polícia e do Poder Judiciário.

A delegada (Erika Marena) que estava conduzindo a investigação é experiente e respeitada dentro da PF.

Inclusive ela foi a mais votada na lista tríplice dos delegados para a direção-geral...

Houve uma votação dentro da associação dos delegados, da qual ela foi a mais votada. Mas foi uma votação totalmente atípica, pois não tinha nenhum dos delegados da administração. Foi mais uma eleição sindical.

A delegada Erika Marena errou neste caso do reitor?

Eu acredito que ela está pensando muito se eram necessários todos aqueles passos. Mas, se houver qualquer tipo de questionamento quanto à conduta dela, vamos apurar dentro da corregedoria. Qualquer outra afirmação agora é especulação. Mas qualquer dúvida que seja levantada pela família ou advogado será investigada.

Por que o Brasil chegou a esse cenário de corrupção que temos hoje?

Talvez por justamente não ser de praxe investir na transparência, especialmente dentro do serviço público. Vários mecanismos que vemos em outras democracias poderiam ser aplicados no Brasil. Um exemplo é o financiamento de campanha, que chegou a se discutir, mas agora afundou.

Quando o senhor fala em ampliar as investigações, seria em nível internacional?

Sim. Inclusive tive contato com alguns embaixadores. Vamos fazer reuniões aqui no Brasil e no exterior. Vamos ampliar o trabalho de inteligência. Não adianta prender, desmantelar quadrilha sem trabalho de inteligência.

O senhor disse que o foco está voltado para baixo. O que o senhor pensa em relação à descriminalização das drogas? O Estado perde tempo investigando traficantes menores e acaba não indo na origem do problema?

Estamos fazendo uma operação no Paraná prendendo justamente uma grande quadrilha de entorpecentes. Esse é o foco da PF. Se você me pergunta se eu sou a favor ou não da descriminalização, digo que sou um servidor público, um policial, que tem o dever de cumprir a lei. Se a sociedade disser que é crime, nós vamos combater. Se não for crime, vão continuar fazendo o que quiserem.

O crime organizado é o maior desafio da PF hoje?

Sim. Tanto o combate às organizações criminosas nacionais quanto às internacionais. Drogas que vão para a Europa e para outros continentes passam por aqui. Somos um corredor para escoamento da droga e o segundo maior consumidor de drogas.

O nome do senhor foi uma indicação do ex-presidente José Sarney ou do ministro Eliseu Padilha? Foi uma indicação política?

Eu conversei com várias pessoas para entender de onde partiu a minha indicação. Eu acho que o ex-presidente Sarney até seria um dos meus algozes, que não queria que eu estivesse sentado nesta cadeira na Polícia Federal. Nos quatro anos em que eu estive no Maranhão, não tive nenhum encontro com ele. Vim conhecê-lo aqui em um congresso, em 2013 ou 2014. Quando eu cheguei ao estado, o governador era o Jackson Lago.

Ao chegar no Maranhão, o doutor Luiz Fernando, que me convidou na época, me chamou para conversar e com o Leandro Daiello que era chefe da Coordenação-Geral de Polícia Fazendária, aqui em Brasília. O Daiello foi convidado para assumir São Paulo e eu, a PF no Maranhão. Aquela unidade estava com problemas de estrutura e com profissionais desmotivados. Eu aceitei como um desafio. Missão dada é missão cumprida. Foi a mesma coisa que eu falei agora.

Em São Luís, o senhor morou em uma casa de um amigo de Sarney?

Eu fiquei procurando casa quando cheguei em São Luís, em duas imobiliárias que me apresentaram. Olhei um monte de casas e, no fim, gostei de uma, assinei o contrato, paguei normalmente o boleto bancário.

Foi um aluguel normal?

Eu já forneci até a cópia do contrato, tenho o extrato de todos os pagamentos. Isso é coisa de quem tenta me destruir, meus inimigos internos que não querem a Polícia Federal unida. Fico tranquilo.

São influências políticas?

Com certeza. O enfraquecimento da Polícia Federal ajudaria muita gente.

Como será a relação da PF com o Ministério da Justiça agora?

Maravilhosa.

Mas nem sempre foi assim…

Eu acredito nas palavras do próprio ministro da Justiça, que é professor de direito constitucional da UnB, da qual eu sou egresso, que a Polícia Federal tem uma independência muito grande na questão judicial. É a Polícia Judiciária da União. E faz parte da política de segurança pública na qual o Ministério da Justiça é o grande gestor. Existem campanhas e políticas de segurança que o ministério tem que gerir.

O senhor é a favor da PEC 412, que prevê a autonomia da PF?

Assim que fui nomeado, eu me reuni com diversas associações e sindicatos. Ficou acertado que todas as propostas que forem unanimidade entre essas entidades serão apoiadas pela direção da Polícia Federal.

Mas a PEC é uma bandeira dos delegados que é combatida por agentes e escrivães…

Se você perguntar aos agentes, papiloscopistas e peritos existem pessoas que acham que a autonomia é boa e viável. Talvez eles não gostem desse projeto. Então penso que o que tem que se discutir são as ideias.

Existe uma dificuldade em se unir os integrantes da PF. É possível colocar agentes, escrivães e delegados do mesmo lado?

Eu acredito que houve uma intenção, até pré-ordenada de haver essa cisão interna. Algumas pessoas foram plantadas para fazer essa divisão.

Plantadas no sindicato ou na própria direção?

Não gosto de especular. Mas existem pessoas que acreditavam que, se houvesse esse tipo de cisão, seria uma forma de dividir para governar. E conseguiram, de certa forma. Houve um tempo que conseguiram desunir as carreiras.

Essas pessoas, hoje, tenho sentido dentro da Polícia Federal, que, se não entrarem em um processo correto de realinhamento e união, vão ficar escanteadas.

A PF sempre foi uma instituição respeitada. O combate à corrupção ajudou a estabelecer a confiança da sociedade na instituição. Mudar o foco agora não poderá ser visto como um recuo nos objetivos da polícia?

Eu acredito que não, porque nós não vamos recuar. Essa é a grande diferença. Inclusive, vamos ampliar. Os críticos falam: “Duvido, colocaram ele lá para acabar com a Lava-Jato”. O que você mais vê em mídia social é esse tipo de comentário. Eu falo que não tenho que responder nada a ninguém. Vou responder com ações e as ações é que vão dizer o que a Polícia Federal é e o que vai ser daqui para frente.

Dá, então, para unir a classe?

Mais de 90% do nosso pessoal, inclusive aposentados, estão mandando mensagens dizendo que querem voltar a trabalhar, só de eu acenar essa campanha de união, trabalho em conjunto, equipe, de respeito interno de todos. Essa rixa foi aumentando a tal ponto que, na campanha para a associação dos delegados, em 2013, da qual resolvi participar, percebemos que isso estava indo para um lado de acirramento interno. A conversa que se tinha dentro da Polícia Federal era de que uma hora haveria um desastre, uma troca de tiros entre delegados e agentes.

Como o senhor avalia a decisão do STF de autorizar a prisão a partir de condenação em segunda instância?

Todo mundo fala que eu sou muito político, extremamente envolvido na política, mas eu não sou político. Eu não faço política e não gostaria de me manifestar até porque o STF vai decidir esse assunto. A gente vai cumprir a lei e vai continuar prendendo, executando os mandados conforme as determinações judiciais.

Em relação ao poder de investigação do MP, o senhor acha que, quando o MP atua sozinho, a investigação pode falhar? É importante que exista a participação da Polícia Federal?

Com certeza. A PF é especializada em investigação criminal. É o nosso cerne, nosso âmago, nós nascemos policiais. O cara que faz concurso para promotor, procurador tem outro viés muito mais jurídico do que o nosso. O policial tem que ter aquela veia investigativa, você sente que o policial foi feito para aquilo, é muito maior do que uma veia jurídica. A vocação é a diferença. Quando você vê um policial vocacionado, percebe a dinâmica. É o que a gente brinca lá dentro, tem 30% da polícia que não para. Você fala e o cara não para, está virando noite, ouvindo (escutas).

Mas há os vocacionados em qualquer profissão.

Policiais dizem que o MP prioriza investigações de repercussão e as outras, igualmente importantes, mas sem repercussão, deixam para a polícia investigar...

À época, inclusive, da discussão da PEC 37, da qual eu era representante da PF, no Congresso Nacional, e depois na mesa de negociação do Ministério da Justiça, esse era um dos pontos que a gente levantava. A gente falava:  nós não temos gente suficiente para investigar todos os crimes que acontecem no país, vocês, muito menos. Nem quantidade, nem equipe, mas nós é que temos as equipes de investigação. Querer brincar com o filé mignon e largar o osso para a Polícia Federal não é justo. Eu acho que não é nem por questão de quem quer escolher investigação. Eu acho que é parceria, essa parceria tem que acontecer em todos os estágios, em todas as investigações.

Não ter sido o primeiro nome do ministro da Justiça criou uma saia justa para o senhor?

Sinceramente, não. Foi uma escolha pessoal do presidente. Ele me chamou para conversar, me ouviu, no Palácio do Planalto por mais de duas horas. A gente conversou sobre segurança pública, pois ele foi secretário de segurança pública. Ele queria saber minha visão da PF, o que eu achava que precisava fazer e qual seria o foco da segurança pública. O que eu poderia fazer pela instituição. Depois, o ministro da Justiça me ligou falando para ir ao gabinete dele.

Eu fui e também conversamos por mais de duas horas. No fim, ele falou: o presidente da República lhe convidou para assumir a PF e agora, depois dessa entrevista, o senhor tem o meu aval.

Então, o presidente da República acha que a Polícia Federal fugiu do foco em alguns momentos?

Sim. Ele pediu para voltar a uma visão mais republicana.

E o senhor concorda?

Eu acredito que houve deslizes ao longo do caminho, que a gente vai trabalhar, intensamente. Será um foco central.

Nas investigações conduzidas pela PGR, com o foro do Supremo, houve erros da Polícia Federal?

Isso só apurando caso a caso. Se houver algum tipo de informação, a gente vai apurar, uma a uma. Em algumas investigações, a gente tinha participação, em outras, não.

A Carne Fraca também é exemplo de uma condução midiática?

Eu diria que talvez tenha faltado avaliação dos riscos da operação. A maneira que foi anunciada por parte da comunicação... Houve alguns erros.

É possível que a Polícia Federal atue no combate às “fake news” nas eleições do ano que vem?

Vamos trabalhar. Nós temos muita gente capacitada, vários peritos de informática, uma equipe muito grande que trabalha nessa área. Agora, a gente tem que se preparar. Se é um crime que vai acontecer no país, nós temos que estar à frente. Temos que nos preparar e se antecipar para, quando começar o processo eleitoral, nós termos todas as ferramentas para debelar esse tipo de crime.

O ex-procurador-geral Rodrigo Janot entrou com ação no STF para impedir a PF de fechar delações. A PF tem competência para fazer esses acordos?

Tem. Isso inclusive está na lei. Essa era uma visão do ex-procurador-geral. Nós discordamos disso. Todos nós somos profissionais do direito e estamos nos defendendo no Supremo. Eu já conversei inclusive com a doutora Raquel Dodge que essa questão não deveria ser ajuizada. A PF deveria sentar com o Ministério Público e tratar disso internamente. Todas as instituições que combatem a criminalidade no Brasil devem se unir.

O senhor está otimista em relação a isso?

Sim, estou. Eu sou otimista, senão nem seria policial, não acreditaria no Brasil nem encararia o desafio de combater o crime organizado.

Entrevista a Ana Dubeux, Ana Maria Campos, Leonardo Cavalcanti e Renato Souza. Publicada originalmente pelo Correio Braziliense. 

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ministro Toffoli vence a morosidade no Supremo

   
                                                 
Em oito anos de Supremo Tribunal Federal, o Ministro Dias Toffoli reduziu o acervo de seu gabinete em 77,4% e hoje é o ministro com menos processos pendentes sob sua responsabilidade. Segundo as estatísticas do gabinete divulgadas nesta terça-feira (21/11), estão no acervo do ministro 2,5 mil processos, dos quais mil estão conclusos esperando decisão dele.

A burocracia interna do tribunal é o que mais contribui para a lentidão do trâmite processual, pelo menos em relação ao ministro Toffoli. Ele tem 1,3 mil processos em acervo, dos quais 1,2 mil estão tramitando pelos setores internos do Supremo. Ou seja, da metade que não depende só do gabinete, 92% dependem na verdade de etapas internas do tribunal, como sair de secretarias, envio de ofícios, reclassificação etc.

O levantamento dos trabalhos do gabinete nos últimos oito anos também revela que a política do ministro de dar prioridade aos casos antigos vem dando resultados. Segundo o relatório, 20% dos processos foram autuados no Supremo há mais de três anos, mas em mais da metade deles já foi proferida a decisão final e faltam só etapas burocráticas para que sejam baixados.

Toffoli tomou posse no Supremo em outubro de 2009, no lugar do ministro Menezes Direito. Ele assumiu um gabinete com 11 mil processos pendentes de análise, o maior acervo da composição da época. Oito anos depois, contabiliza ter proferido 67,7 mil decisões e baixado mais de 50 mil processos.

“Esses dados bem retratam a hercúlea e constante empreitada de reduzir o número de processos, cujo efeito é permitir que mais tempo seja reservado à análise dos feitos remanescentes e que se encontre a melhor resposta jurisdicional para eles”, afirma, na apresentação do trabalho."

Carlos Moura/SCO/STF e Consultor Jurídico.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O direito e suas deficiências, segundo Eugênio Aragão


Para o  Advogado, Professor de Direito na UnB e ex-Ministro da Justiça, a Reforma
do ensino jurídico no Brasil é imprescindível à melhoria do judiciário.
(Foto: Luis Macedo/ Câmara dos Deputados).

O então ministro da Justiça quando o Governo da presidenta Dilma Roussef sofreu o impeachment nomeia aquele processo como um golpe e o define como uma ruptura da ordem constitucional e como uma trapaça perpetrada contra o Brasil.

Em sua entrevista ao Nossa Ciência, Eugênio José Guilherme de Aragão, que recentemente aposentou-se como procurador da República, afirmou que a justiça brasileira é elitista e falou também das relações “amalgamadas” com o Ministério Público.

Aragão, que é professor adjunto na Faculdade de Direito, na Universidade de Brasília, analisou a formação acadêmica jurídica brasileira, classificando-a como distante da realidade.

Nossa Ciência: O senhor tem dito que o processo, pelo qual o Brasil passou, quebrou a liturgia do cargo da Justiça. Quando essa liturgia se quebra, há conserto? O que pode ser feito para se voltar a ter confiança na justiça?

Eugênio Aragão: A liturgia do cargo é uma garantia para os atores da Justiça de uma certa intangibilidade. Essa liturgia irradia ao ator da Justiça uma credibilidade, uma certa majestade que automaticamente afasta as partes do conflito da pretensão de querer incluir esse ator dentro do seu conflito. O problema é que um juiz lida anualmente com milhares de processos e sempre em cada um desses processos vai haver um frustrado. O magistrado tem a tendência de acumular com o passar do tempo, cada vez mais desafetos, que são aqueles que foram frustrados nas suas pretensões em juízo e se o magistrado não tiver essa aura de majestade, de respeitabilidade que a liturgia do cargo transmite, ele se equiparará às partes em conflito, ele descerá do seu pódio. Então é natural que ele se expõe a ser alvo de violência, porque se ele se comporta feito um moleque, feito um litigante raivoso, ele vai ser tratado como tal e vai acabar levando um tiro na testa, ele arrisca sua integridade física.

NC: Como deve ser a atuação do juiz?

EA: A liturgia é algo profundamente democrático, porque é um respeito às instituições do Estado de Direito. O magistrado não deve dar opiniões polêmicas, nunca deve falar de público sobre suas causas porque ele acirra os conflitos, não deve expor as partes, deve cultivar um baixo perfil, a discrição, a tranquilidade, a serenidade. Só assim ele será levado a sério como um juiz imparcial. Infelizmente, no Brasil, o judiciário brasileiro tem uma coisa muito curiosa. Ao mesmo tempo em que ele é, como poder, provido de enormes poderes, muito mais do que qualquer um, comparado com outros países, ele é um poder altamente hierarquizado e os juízes são extremamente medrosos – se tem um bicho medroso é o tal do juiz, tem medo de desagradar os superiores. Para baixo ele pisa, para cima ele faz salamaleque.

NC: A que se deve esse medo, se é uma carreira absolutamente respeitável?

EA: É porque todo juiz, em última análise, almeja subir, e subir depende dos seus pares na instância superior, então ele tem que agradar a esses pares, eles, os juízes, acabam sendo permanentemente subalternos. Ao mesmo tempo aqueles que estão no topo da carreira, para chegarem lá, fizeram tanto salamaleque ao longo de sua vida que acabam tendo a sua coluna vertebral extremamente elástica. Em que eles se miram para lhes dar segurança? Na mídia. É a mídia que hoje faz a imagem do juiz, do magistrado, principalmente em sua cúpula e isso destrói completamente essa ideia do magistrado imparcial. Isso faz com que o magistrado se afaste de sua liturgia para deturpar, deformar essa liturgia em puro autoritarismo, em prepotência, arrogância.

NC: De que forma o Judiciário se torna um poder com enormes poderes?

EA: Ele se mira na imprensa e em relação aos demais (poderes) é extremamente arrogante e prepotente. Desfazer isso vai ser difícil porque as corporações estão muito enraizadas dentro do nosso estado, mexer com elas é quase uma guerra civil, arrancar essas corporações dos seus esteios exige desprendimento de muita energia e não sei se até hoje chegou o governo que tem essa energia toda. A Justiça acaba se estabelecendo como poder maior dentro da República porque tem em suas mãos os deputados e senadores e o Executivo e isso faz com que essa Justiça cresça muito além dos limites que lhe foi imposto pela Constituinte.

NC: Na Constituinte foi dado um poder à Justiça, achando-se que ela ia defender o lado que nunca é defendido. Mas na prática…

EA: A justiça no Brasil sempre foi elitista, mas durante o período da Ditadura Militar foi reduzida a um poder burocrático, homologatório. Estava sob a chibata dos generais. Os magistrados que não se submetessem à ordem posta, eram submetidos ao AI-5, podiam ser cassados e mandados para casa. Havia uma enorme politização do uso da Justiça, os militares faziam uso político da Justiça e em 1977, o presidente Geisel fechou o Parlamento, editou o tal do Pacote de Abril e fez uma ampla reforma no poder judiciário, cortando as suas asas. Quando veio a Constituinte de 1988, a Justiça se apresentou como vítima da Ditadura. Eles queriam voltar a ser empoderados e de, certa forma, a Justiça foi vista, naquele momento, como um contrapeso a um (poder) Executivo poderoso demais, que tinha na Ditadura e assim houve uma tendência de se colocar a Justiça no centro das coisas, mas colocar a seu lado um novo órgão, esse novo Ministério Público (MP), que seria como um interlocutor entre o Estado e a Sociedade, dentro dos parâmetros da Lei da Ação Civil Pública. Se esperava desse MP que ele tivesse a capacidade de se fazer como contraponto a uma Justiça que fosse empoderada e que se pudesse tornar arrogante, mas o que aconteceu foi precisamente o contrário. O Ministério Público, ao longo dos anos, foi se amalgamando com a Justiça, quase que criando uma cumplicidade com a Justiça. O MP conseguiu ser reconhecido como equivalente ao judiciário; os procuradores e os promotores conseguiram ter os mesmos direitos dos juízes e com isso foram acolhidos pelo Judiciário. Houve como que uma conquista do Ministério Público pelo judiciário e com isso, em vez de ser o contrapeso ao judiciário, o MP acabou fortalecendo esses aspectos da prepotência, do excesso de poder, que era tudo o que a Constituinte temia. O Ministério Público hoje está no topo da cadeia alimentar do serviço público, junto com o Judiciário e é uma instituição extremamente cara, assim como o Judiciário é extremamente caro.

NC: Quando esse processo tomou forma com essa clareza que o senhor define?

EA: Isso aconteceu principalmente depois do processo do impeachment de Collor de Melo. A Procuradoria (Geral da República) usou Pedro Collor e praticamente foi um dos vetores mais poderosos para a derrocada do Governo Collor e isso deu ao Ministério Público uma nova dimensão, uma dimensão de um poder que pode, eventualmente, calar um outro poder, foi colocado num nível de igualdade com os demais poderes. Isso faz com que o MP vá abandonando o seu papel de intermediário entre a sociedade civil e o estado, para assumir o papel hegemônico no estado, de querer tomar para si o poder porque isso fortalece a corporação como um todo e esse fortalecimento tem como consequência a sua valorização e também os seus ganhos maiores. O Ministério Público hoje está no topo da cadeia alimentar do serviço público, junto com o Judiciário e é uma instituição extremamente cara, assim como o Judiciário é extremamente caro. Pode ser pouco em relação ao Orçamento Geral do Estado, mas é muito em relação ao PIB, se comparado com outros países.

NC: Caro é uma coisa que não vale o que se paga por ela?

EA: Sim, porque há exageros, há desperdícios, há uma tendência do MP e da Justiça ficarem só olhando para seu próprio umbigo; seus atores vivem numa redoma de bem-estar social que faz com que eles esqueçam o que está lá fora. Em qualquer cidadezinha, por exemplo, do interior de Goiás, as casas podem ser de pau-a-pique, o vilarejo pode ser pobre, mas o Fórum é de vidro fumê e sua fachada é de granito e tem ar condicionado central lá dentro. Isso é a imagem do judiciário. Pode não ter dinheiro para o hospital, para o posto de saúde, mas o Judiciário está com toda a sua pompa e majestade.

NC: As escalas também são suntuosas, não?

NC: Tanta gente trabalhando numa única direção não se melhora a qualidade do produto final?

EA: Não. O que acontece é que se reage à pressão de quantidade. Hoje o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem perto de 370 mil processos por ano e o STF (Supremo Tribunal Federal) tem algo entre 120 e 150 mil processos por ano. Em nenhuma corte suprema do mundo há esta carga de processos. Em vez de pensar o sistema como um todo, faz-se o puxadinho, coloca-se 50 funcionários para trabalhar com um ministro, para dar conta dessa carga processual, só que os votos acabam sendo de baixíssima qualidade, são relativamente curtos, superficiais, cheios de frases feitas, de preconceitos. Por exemplo, num sistema como o alemão, em que existe uma matriz de casos, é muito difícil um juiz de Hamburgo decidir substancialmente diferente de um juiz de Munique, porque os operadores aprendem suas matrizes de casos desde a época da faculdade, sabe como resolver um caso, à luz da jurisprudência dominante. Na Alemanha, a parte, dificilmente, vai para o recurso, para a apelação porque ela sabe que não adianta, as instâncias vão decidir de forma igual. Se ele perdeu, ele perdeu e se ele for indo às outras instâncias para cima, além de correr o risco de pegar uma multa porque o seu processo não vai ser admitido, é meramente protelatório, ele não vai mudar o seu destino, então isso faz com o que realmente chega lá em cima é de outra qualidade. Um juiz da maior corte alemã (Tribuna Constitucional Federal) tem por ano 200 processos. Assim, ele pode se dedicar a redigir 100, 200 páginas, profundas porque essa é a mais alta corte do país e olhe que são 200 e tantos juízes nessa corte.

NC: Há outas diferenças marcantes entre aquela corte e a nossa?

NC: Aqui não é assim?

EA: Não. Aqui no Brasil, nossa formação jurídica é do Século XVIII, Século XIX, aquela formação jurídica enciclopédica, em que o sujeito aprende tudo um pouquinho: Sociologia, Ciência Política, Economia. E esse menino, na hora que sai da faculdade, se vê como um luminar. Ele não sabe de nada de matriz de caso. Na hora em que ele vai para um cargo de juiz, depois de recém-formado, se acha um sábio e não tem matriz de caso para segurá-lo, então ele decide o caso conforme a sua cabeça. Só que o juiz do lado também decide conforme a sua cabeça e aí dá contradições entre aquilo que decidiu o juiz de uma vara e o que decidiu o de outra vara. Aquele que ficou com a pior decisão vai ficar insatisfeito e vai recorrer para a segunda instância. Na segunda instância tem uma turma que diz ‘A’ e outra turma que diz ‘Não A’ e aí sempre vai um insatisfeito que vai querer ir para a terceira instância, da terceira instância, para a quarta instância. Então, uma grande parte acaba chegando lá no final. Isso faz com que os tribunais superiores estejam extremamente sobrecarregados porque eles são, afinal de contas, instâncias para unificar o entendimento, já que os juízes não são capazes de seguir o entendimento unificado.
Esse é um problema da formação jurídica brasileira: há uma grande separação entre o trabalho jurídico diário e a academia pensante no Brasil.

NC: Uma reforma nos cursos de Direito poderia mudar essa história?

EA: Eu entendo que uma reforma do nosso sistema jurídico depende, antes de mais nada, de uma reforma do ensino jurídico. Uma reforma do ensino jurídico que tenha como prioridade a formação de operadores do Direito e não de pensadores luminares, não de acadêmicos, pessoas capazes de transmitir para as partes segurança jurídica, que isso não existe hoje no Brasil. Aquilo que diz a velha sabedoria popular, ‘de cabeça de juiz e de bumbum de neném, ninguém sabe o que vem’, pior é que sabe o que vem, mas não sabe quando vem. Esse é o problema. Juiz no Brasil é um elemento da insegurança e não da segurança, a gente nunca sabe o que um juiz é capaz de fazer.

NC: Essa reforma do ensino de Direito está no horizonte?

EA: Eu não ouvi falar a respeito disso. As reformas que nós temos tido tem aumentado muito em conteúdos, a ponto de permitir até que faculdades acabem especializando seus alunos, porque o conteúdo acaba se acumulando de tal forma, que a especialização pelos menos é uma forma de se racionalizar esses conteúdos, mas não mais do que isso. As pessoas dos cursos jurídicos que se dedicam à formulação dos currículos, sentados na CAPES, na maioria das vezes são professores universitários de dedicação exclusiva com uma visão da academia como lugar de se discutir as grandes ideias e não tem a visão prática de transformar os seus alunos em eficientes operadores do Direito. Esse é um problema da formação jurídica brasileira: há uma grande separação entre o trabalho jurídico diário e a academia pensante no Brasil. Só que essa academia pensante em outros países, por exemplo, na Alemanha onde os professores, na maioria das vezes, são dedicação exclusiva, são chamados permanentemente pela administração pública para serem auxiliares do estado com seu conhecimento jurídico e isso lhes dá uma permanente presença nas grandes discussões do Direito posto.

NC: O que aconteceu em 2016 no Brasil foi um processo regular de impeachment ou uma traição política ou um golpe parlamentar ou uma eleição indireta ou foi tudo isso?

EA: Regular não foi, esse já excluo de antemão, não é regular você usar um instituto previsto na Constituição, deturpando-o pra aplicá-lo para afastar uma presidente da República que não praticou um crime de responsabilidade. Aquilo que qualificaram como crime de responsabilidade foi tirado do bolso do colete pelo Tribunal de Contas União, condenando uma prática que ele sempre tinha consagrado; foi oportunista, foi raivosa, foi hostil, foi confrontativa. Golpe tem vários significados; o golpe pode ser uma ruptura e o golpe pode ser também uma trapaça. Me parece que o que aconteceu em 16 foi os dois, foi uma trapaça e foi também uma ruptura da ordem constitucional. Sem o centro, a Esquerda não governa, não governa. A Esquerda não tem, no Brasil, a densidade político-demográfica para governar sozinha.

NC: Quais foram as condições para que ocorresse?

EA: Se a gente olha o processo como um todo, a gente tem que ver que este resultado só foi possível porque houve uma desidratação do centro político no Brasil. O centro político era que desde 1988, melhor, desde 85 era o que garantia a estabilidade dos governos Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Collor, quando perdeu o apoio desse centro, foi derrubado. Ocorre que o centro brasileiro há algum tempo, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, por vários fatores, vem sendo empurrado para a Direita. Houve uma fragmentação desse centro e, por isso, mais facilmente cooptado pelas forças da reação. Então foi um processo político em que esse centro garantidor da estabilidade foi simplesmente desaparecendo, ele foi desidratado e o Brasil passou para uma enorme polarização. Sem o centro, a Esquerda não governa, não governa. A Esquerda não tem, no Brasil, a densidade político-demográfica para governar sozinha.

NC: Daí o perdão de Lula…

EA: Perdão, o Lula usou isso como retórica. O perdão é uma forma para o povão entender melhor a recomposição de forças. Lula sabe que só tem chance de voltar se houver uma recomposição desse centro. Como esse centro passou para a direita e, bem ou mal, teve presente no golpe, é difícil você recompor essa força sem buscar apoio de pessoas que tiveram envolvidas no golpe, mas que talvez se arrependam do que fizeram ou que pelo menos aquelas que não aceitam o resultado do golpe. Essas pessoas tem que ser trazidas de volta. Esse é um processo absolutamente necessário, já que se a gente não tem capacidade de mobilizar a opinião pública para realmente fazer uma mudança de peso com votos de Esquerda ou eventualmente mobilizá-la para uma ruptura dessa ordem burguesa, então nós temos que trabalhar para melhorar o ambiente político para a gente poder fazer os nossos pequenos avanços. A alternativa para isso seria a Revolução, mas se nós não temos capacidade nem para mobilizar pessoas para um ato de paralização nacional, como é que a gente vai fazer isso? A gente só tem condição de ir negociando com essas forças do centro que, por várias circunstâncias, foram empurradas para a Direita. Essa classe média se mobilizou a partir de 2013 porque foi pilhada pela mídia.

NC: A classe média foi de verde e amarelo para as ruas protestando contra a corrupção dos governos do PT. E agora tem uma corrupção amplamente mostrada e a classe média parece não estar muito preocupada com isso. O que houve?

EA: No fundo, o que a gente nota disso é que esse discurso de combate à corrupção é um discurso vazio, porque não é um discurso estruturante. Ele é um discurso para mobilização de opinião pública, com objetivos nitidamente corporativos. Essa classe média se mobilizou a partir de 2013 porque foi pilhada pela mídia, apesar da classe média ter o melhor grau de instrução – vamos falar claramente – a instrução política no Brasil está abaixo da crítica, as pessoas são muito desinstruídas politicamente e isso faz com que elas sejam muito sujeitas aos chamados formadores de opinião e esse bombardeio sistemático da mídia, que começou com o mensalão, praticamente no terceiro ano do governo Lula, 2005 e isso sendo batido todo santo dia, essa massa não teve visão crítica suficiente para entender que estava sendo manipulada.

NC: Que elementos podem caracterizar que essa massa estava lá meio sem saber porque?

NC: Porque?

EA: O MP e a justiça, principalmente de 1º grau estão contaminados por uma clientela que passou nos concursos públicos, que é uma clientela muito exigente quanto a prestígio e vantagens. Houve uma modificação da composição dessas classes a partir do Collor, o aumento do prestígio e os aumentos dos ganhos fizeram com que aquelas pessoas que naturalmente estariam predestinadas para a diplomacia ou para os grandes escritórios de advocacia passassem a ver o MP e a Justiça como alternativa para ganhar dinheiro, porque os salários são muito altos. Para se ter uma ideia, um escritório 5 estrelas paga para um menino recém-formado, na melhor das hipóteses, de 6 a 8 mil reais. Enquanto um menino no MP, com três anos de formado, passa a ganhar quase 30 mil reais. Isso passou a atrair essa classe média alta, que tem uma visão reacionária, antipovo, uma visão de uma redoma de bem-estar fechadinha em que ela não interage com o resto, acha que povão é estorvo. Essa modificação se refletiu muito na atuação do Ministério Público, de uma atuação que era a favor dos direitos humanos, das populações indígenas, meio ambiente, passou a ser uma atuação essencialmente punitivista. É muito mais fácil você punir alguém, arrumar um culpado para um problema do que resolver o problema. E a corrupção é um problema a ser resolvido e não de se buscar pessoas apenas para serem punidas por ela. O PT se omitiu em relação ao Supremo (…). Não havia por parte do Governo Lula, nem do Governo Dilma uma visão clara sobre (…) o que se esperava de um ministro.

NC: Como o senhor avalia a atuação do STF que depois de Eduardo Cunha garantir o seguimento do processo de impeachment, recebeu a denúncia contra ele e o afastou da presidência da Câmara sob o argumento de que ele não poderia estar na linha sucessória, mas o mesmo raciocínio não foi aplicado com Renan Calheiros…

EA: E nem com Aécio.

NC: Isso é o que se pode chamar de contradição?

EA: Não. Em primeiro lugar, eu não acho que houve um plano de deixar Cunha para ele terminar seu serviço e só tirá-lo depois. Isso são as contradições internas do sistema. Que no STF existe uma predominância de um pensamento conservador, isso não tem dúvida nenhuma, que a predominância desse pensamento conservador é muito influenciável pelo senso comum formado pela grande mídia, isso eu não tenho dúvida. A dificuldade de Teori (Zavascky) foi precisamente de conseguir construir um consenso ao longo de meses para afastar Cunha, ele tentou. Ele, na verdade, foi vítima de uma cilada do (Rodrigo) Janot.

NC: Como foi essa cilada? O senhor disse que o Supremo tem um viés conservador. Entende-se que o PT errou na mão?

EA: Com certeza. Não é que errou na mão, o PT se omitiu em relação ao Supremo, vamos dizer claramente isso. Toda vez que surgia uma vaga no Supremo Tribunal Federal, começava a gincana dos apadrinhados, pessoas começavam a correr para chegar perto das cercanias do Palácio do Planalto, para isso usavam seus apoios e esses apoios iam tentando criar uma tendência no poder decisório favorável ao seu candidato. Não havia por parte do Governo Lula, nem do Governo Dilma uma visão clara sobre um perfil, um estudo de como esse perfil devesse ser, o que se esperava de um ministro, não houve nenhuma sistematização dessa escolha, simplesmente se deixou isso ao sabor dessas corridas desenfreadas dos oportunistas. Quem acabava chegando ao final da corrida não era o mais bem preparado, não era o melhor perfil, mas sim era muitas vezes o mais inescrupuloso. É mais ou menos como numa seleção natural, na natureza vence o que tem mais resistência, o que é mais forte, e é esse o que vencia. E o que era mais forte e tinha mais resistência não significa necessariamente o que tem o melhor caráter, não significa que seja a melhor pessoa, politicamente mais engajada, que seja mais clara nas suas posições. Foi uma mixórdia. Colocou-se de tudo o que é tipo de gente lá dentro, sem visão clara de poder.

NC: Diferente de governos anteriores…

EA: Muito diferente do governo Fernando Henrique Cardoso, que só teve três vagas, o PT teve 13 vagas. O Fernando Henrique Cardoso teve três vagas e soube perfeitamente pinçar com segurança quem ele queria ali. Colocou Nelson Jobim, que era de uma fidelidade canina a Fernando Henrique Cardoso, colocou a Ellen Grace, que enquanto presidenta do Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi sistematicamente suspendendo liminares contra a União, portanto apoiando o governo e colocou Gilmar Mendes, que dispensa qualquer tipo de comentário. Colocou ali três pitbul.

NC: Pitbuls?

EA: São pessoas incapazes de ver uma posição de governo e defender uma posição de governo e isso não tem nada de errado com o judiciário. Você pega qualquer judiciário do mundo, as composições são feitas não para beneficiar de forma antirrepublicana um governo, mas para alinhar a visão de mundo, a cosmovisão do Tribunal àquela de quem está no governo da vez. Quando o eleitor vota num governo ou vota num determinado candidato, num partido, ele está comprando um pacote, que vai moldar o parlamento e vai moldar o judiciário, ele está querendo um estado que tenha uma determinada cara. É isso que ele faz quando vota no presidente da República. Nosso judiciário se tornou uma força fascista.

NC: E aqui nós viramos uma colcha de retalhos?

EA: Nós viramos um sujeito sem características claras, descaracterizado. Isso (foi o) que aconteceu com o Brasil. De certa forma é um pouco frustrante, foi um erro grande. Mas isso eu atribuo a uma profunda falta de conhecimento da cultura e do modo de ser do judiciário por essa Esquerda brasileira que era do PT. Se pegar os estudos do Instituto da Cidadania anteriores a 2003 e se vê muito lá discutido questão de segurança pública, vê-se muito discutida a questão agrária, discute-se muito educação, saúde, mas não se tem paper discutindo o judiciário. Lula quando assume em 2003, uma de suas primeiras declarações que deixou o então presidente do STF, Maurício Correia, fora de si, foi que o judiciário é uma grande caixa preta que tem que ser aberta. Mas no fundo ele estava sendo absolutamente sincero. O judiciário para o PT era uma grande caixa preta porque ele não conhecia aquilo, foi conhecendo pelo seu pior lado, o lado da arrogância, da prepotência, o lado ideológico, ativista, o lado do judiciário que é midiático. Esse judiciário que se converte numa força, desculpe a expressão, mas numa força fascista no sentido de que engambela a opinião pública para seus projetos de poder, utiliza-se das frustrações e das raivas da opinião pública para mobilizá-la, isso é fascista. Nosso judiciário se tornou uma força fascista.

Mônica Costa, no site NossaCiência.com.br