quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ministro Toffoli vence a morosidade no Supremo

   
                                                 
Em oito anos de Supremo Tribunal Federal, o Ministro Dias Toffoli reduziu o acervo de seu gabinete em 77,4% e hoje é o ministro com menos processos pendentes sob sua responsabilidade. Segundo as estatísticas do gabinete divulgadas nesta terça-feira (21/11), estão no acervo do ministro 2,5 mil processos, dos quais mil estão conclusos esperando decisão dele.

A burocracia interna do tribunal é o que mais contribui para a lentidão do trâmite processual, pelo menos em relação ao ministro Toffoli. Ele tem 1,3 mil processos em acervo, dos quais 1,2 mil estão tramitando pelos setores internos do Supremo. Ou seja, da metade que não depende só do gabinete, 92% dependem na verdade de etapas internas do tribunal, como sair de secretarias, envio de ofícios, reclassificação etc.

O levantamento dos trabalhos do gabinete nos últimos oito anos também revela que a política do ministro de dar prioridade aos casos antigos vem dando resultados. Segundo o relatório, 20% dos processos foram autuados no Supremo há mais de três anos, mas em mais da metade deles já foi proferida a decisão final e faltam só etapas burocráticas para que sejam baixados.

Toffoli tomou posse no Supremo em outubro de 2009, no lugar do ministro Menezes Direito. Ele assumiu um gabinete com 11 mil processos pendentes de análise, o maior acervo da composição da época. Oito anos depois, contabiliza ter proferido 67,7 mil decisões e baixado mais de 50 mil processos.

“Esses dados bem retratam a hercúlea e constante empreitada de reduzir o número de processos, cujo efeito é permitir que mais tempo seja reservado à análise dos feitos remanescentes e que se encontre a melhor resposta jurisdicional para eles”, afirma, na apresentação do trabalho."

Carlos Moura/SCO/STF e Consultor Jurídico.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O direito e suas deficiências, segundo Eugênio Aragão


Para o  Advogado, Professor de Direito na UnB e ex-Ministro da Justiça, a Reforma
do ensino jurídico no Brasil é imprescindível à melhoria do judiciário.
(Foto: Luis Macedo/ Câmara dos Deputados).

O então ministro da Justiça quando o Governo da presidenta Dilma Roussef sofreu o impeachment nomeia aquele processo como um golpe e o define como uma ruptura da ordem constitucional e como uma trapaça perpetrada contra o Brasil.

Em sua entrevista ao Nossa Ciência, Eugênio José Guilherme de Aragão, que recentemente aposentou-se como procurador da República, afirmou que a justiça brasileira é elitista e falou também das relações “amalgamadas” com o Ministério Público.

Aragão, que é professor adjunto na Faculdade de Direito, na Universidade de Brasília, analisou a formação acadêmica jurídica brasileira, classificando-a como distante da realidade.

Nossa Ciência: O senhor tem dito que o processo, pelo qual o Brasil passou, quebrou a liturgia do cargo da Justiça. Quando essa liturgia se quebra, há conserto? O que pode ser feito para se voltar a ter confiança na justiça?

Eugênio Aragão: A liturgia do cargo é uma garantia para os atores da Justiça de uma certa intangibilidade. Essa liturgia irradia ao ator da Justiça uma credibilidade, uma certa majestade que automaticamente afasta as partes do conflito da pretensão de querer incluir esse ator dentro do seu conflito. O problema é que um juiz lida anualmente com milhares de processos e sempre em cada um desses processos vai haver um frustrado. O magistrado tem a tendência de acumular com o passar do tempo, cada vez mais desafetos, que são aqueles que foram frustrados nas suas pretensões em juízo e se o magistrado não tiver essa aura de majestade, de respeitabilidade que a liturgia do cargo transmite, ele se equiparará às partes em conflito, ele descerá do seu pódio. Então é natural que ele se expõe a ser alvo de violência, porque se ele se comporta feito um moleque, feito um litigante raivoso, ele vai ser tratado como tal e vai acabar levando um tiro na testa, ele arrisca sua integridade física.

NC: Como deve ser a atuação do juiz?

EA: A liturgia é algo profundamente democrático, porque é um respeito às instituições do Estado de Direito. O magistrado não deve dar opiniões polêmicas, nunca deve falar de público sobre suas causas porque ele acirra os conflitos, não deve expor as partes, deve cultivar um baixo perfil, a discrição, a tranquilidade, a serenidade. Só assim ele será levado a sério como um juiz imparcial. Infelizmente, no Brasil, o judiciário brasileiro tem uma coisa muito curiosa. Ao mesmo tempo em que ele é, como poder, provido de enormes poderes, muito mais do que qualquer um, comparado com outros países, ele é um poder altamente hierarquizado e os juízes são extremamente medrosos – se tem um bicho medroso é o tal do juiz, tem medo de desagradar os superiores. Para baixo ele pisa, para cima ele faz salamaleque.

NC: A que se deve esse medo, se é uma carreira absolutamente respeitável?

EA: É porque todo juiz, em última análise, almeja subir, e subir depende dos seus pares na instância superior, então ele tem que agradar a esses pares, eles, os juízes, acabam sendo permanentemente subalternos. Ao mesmo tempo aqueles que estão no topo da carreira, para chegarem lá, fizeram tanto salamaleque ao longo de sua vida que acabam tendo a sua coluna vertebral extremamente elástica. Em que eles se miram para lhes dar segurança? Na mídia. É a mídia que hoje faz a imagem do juiz, do magistrado, principalmente em sua cúpula e isso destrói completamente essa ideia do magistrado imparcial. Isso faz com que o magistrado se afaste de sua liturgia para deturpar, deformar essa liturgia em puro autoritarismo, em prepotência, arrogância.

NC: De que forma o Judiciário se torna um poder com enormes poderes?

EA: Ele se mira na imprensa e em relação aos demais (poderes) é extremamente arrogante e prepotente. Desfazer isso vai ser difícil porque as corporações estão muito enraizadas dentro do nosso estado, mexer com elas é quase uma guerra civil, arrancar essas corporações dos seus esteios exige desprendimento de muita energia e não sei se até hoje chegou o governo que tem essa energia toda. A Justiça acaba se estabelecendo como poder maior dentro da República porque tem em suas mãos os deputados e senadores e o Executivo e isso faz com que essa Justiça cresça muito além dos limites que lhe foi imposto pela Constituinte.

NC: Na Constituinte foi dado um poder à Justiça, achando-se que ela ia defender o lado que nunca é defendido. Mas na prática…

EA: A justiça no Brasil sempre foi elitista, mas durante o período da Ditadura Militar foi reduzida a um poder burocrático, homologatório. Estava sob a chibata dos generais. Os magistrados que não se submetessem à ordem posta, eram submetidos ao AI-5, podiam ser cassados e mandados para casa. Havia uma enorme politização do uso da Justiça, os militares faziam uso político da Justiça e em 1977, o presidente Geisel fechou o Parlamento, editou o tal do Pacote de Abril e fez uma ampla reforma no poder judiciário, cortando as suas asas. Quando veio a Constituinte de 1988, a Justiça se apresentou como vítima da Ditadura. Eles queriam voltar a ser empoderados e de, certa forma, a Justiça foi vista, naquele momento, como um contrapeso a um (poder) Executivo poderoso demais, que tinha na Ditadura e assim houve uma tendência de se colocar a Justiça no centro das coisas, mas colocar a seu lado um novo órgão, esse novo Ministério Público (MP), que seria como um interlocutor entre o Estado e a Sociedade, dentro dos parâmetros da Lei da Ação Civil Pública. Se esperava desse MP que ele tivesse a capacidade de se fazer como contraponto a uma Justiça que fosse empoderada e que se pudesse tornar arrogante, mas o que aconteceu foi precisamente o contrário. O Ministério Público, ao longo dos anos, foi se amalgamando com a Justiça, quase que criando uma cumplicidade com a Justiça. O MP conseguiu ser reconhecido como equivalente ao judiciário; os procuradores e os promotores conseguiram ter os mesmos direitos dos juízes e com isso foram acolhidos pelo Judiciário. Houve como que uma conquista do Ministério Público pelo judiciário e com isso, em vez de ser o contrapeso ao judiciário, o MP acabou fortalecendo esses aspectos da prepotência, do excesso de poder, que era tudo o que a Constituinte temia. O Ministério Público hoje está no topo da cadeia alimentar do serviço público, junto com o Judiciário e é uma instituição extremamente cara, assim como o Judiciário é extremamente caro.

NC: Quando esse processo tomou forma com essa clareza que o senhor define?

EA: Isso aconteceu principalmente depois do processo do impeachment de Collor de Melo. A Procuradoria (Geral da República) usou Pedro Collor e praticamente foi um dos vetores mais poderosos para a derrocada do Governo Collor e isso deu ao Ministério Público uma nova dimensão, uma dimensão de um poder que pode, eventualmente, calar um outro poder, foi colocado num nível de igualdade com os demais poderes. Isso faz com que o MP vá abandonando o seu papel de intermediário entre a sociedade civil e o estado, para assumir o papel hegemônico no estado, de querer tomar para si o poder porque isso fortalece a corporação como um todo e esse fortalecimento tem como consequência a sua valorização e também os seus ganhos maiores. O Ministério Público hoje está no topo da cadeia alimentar do serviço público, junto com o Judiciário e é uma instituição extremamente cara, assim como o Judiciário é extremamente caro. Pode ser pouco em relação ao Orçamento Geral do Estado, mas é muito em relação ao PIB, se comparado com outros países.

NC: Caro é uma coisa que não vale o que se paga por ela?

EA: Sim, porque há exageros, há desperdícios, há uma tendência do MP e da Justiça ficarem só olhando para seu próprio umbigo; seus atores vivem numa redoma de bem-estar social que faz com que eles esqueçam o que está lá fora. Em qualquer cidadezinha, por exemplo, do interior de Goiás, as casas podem ser de pau-a-pique, o vilarejo pode ser pobre, mas o Fórum é de vidro fumê e sua fachada é de granito e tem ar condicionado central lá dentro. Isso é a imagem do judiciário. Pode não ter dinheiro para o hospital, para o posto de saúde, mas o Judiciário está com toda a sua pompa e majestade.

NC: As escalas também são suntuosas, não?

NC: Tanta gente trabalhando numa única direção não se melhora a qualidade do produto final?

EA: Não. O que acontece é que se reage à pressão de quantidade. Hoje o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem perto de 370 mil processos por ano e o STF (Supremo Tribunal Federal) tem algo entre 120 e 150 mil processos por ano. Em nenhuma corte suprema do mundo há esta carga de processos. Em vez de pensar o sistema como um todo, faz-se o puxadinho, coloca-se 50 funcionários para trabalhar com um ministro, para dar conta dessa carga processual, só que os votos acabam sendo de baixíssima qualidade, são relativamente curtos, superficiais, cheios de frases feitas, de preconceitos. Por exemplo, num sistema como o alemão, em que existe uma matriz de casos, é muito difícil um juiz de Hamburgo decidir substancialmente diferente de um juiz de Munique, porque os operadores aprendem suas matrizes de casos desde a época da faculdade, sabe como resolver um caso, à luz da jurisprudência dominante. Na Alemanha, a parte, dificilmente, vai para o recurso, para a apelação porque ela sabe que não adianta, as instâncias vão decidir de forma igual. Se ele perdeu, ele perdeu e se ele for indo às outras instâncias para cima, além de correr o risco de pegar uma multa porque o seu processo não vai ser admitido, é meramente protelatório, ele não vai mudar o seu destino, então isso faz com o que realmente chega lá em cima é de outra qualidade. Um juiz da maior corte alemã (Tribuna Constitucional Federal) tem por ano 200 processos. Assim, ele pode se dedicar a redigir 100, 200 páginas, profundas porque essa é a mais alta corte do país e olhe que são 200 e tantos juízes nessa corte.

NC: Há outas diferenças marcantes entre aquela corte e a nossa?

NC: Aqui não é assim?

EA: Não. Aqui no Brasil, nossa formação jurídica é do Século XVIII, Século XIX, aquela formação jurídica enciclopédica, em que o sujeito aprende tudo um pouquinho: Sociologia, Ciência Política, Economia. E esse menino, na hora que sai da faculdade, se vê como um luminar. Ele não sabe de nada de matriz de caso. Na hora em que ele vai para um cargo de juiz, depois de recém-formado, se acha um sábio e não tem matriz de caso para segurá-lo, então ele decide o caso conforme a sua cabeça. Só que o juiz do lado também decide conforme a sua cabeça e aí dá contradições entre aquilo que decidiu o juiz de uma vara e o que decidiu o de outra vara. Aquele que ficou com a pior decisão vai ficar insatisfeito e vai recorrer para a segunda instância. Na segunda instância tem uma turma que diz ‘A’ e outra turma que diz ‘Não A’ e aí sempre vai um insatisfeito que vai querer ir para a terceira instância, da terceira instância, para a quarta instância. Então, uma grande parte acaba chegando lá no final. Isso faz com que os tribunais superiores estejam extremamente sobrecarregados porque eles são, afinal de contas, instâncias para unificar o entendimento, já que os juízes não são capazes de seguir o entendimento unificado.
Esse é um problema da formação jurídica brasileira: há uma grande separação entre o trabalho jurídico diário e a academia pensante no Brasil.

NC: Uma reforma nos cursos de Direito poderia mudar essa história?

EA: Eu entendo que uma reforma do nosso sistema jurídico depende, antes de mais nada, de uma reforma do ensino jurídico. Uma reforma do ensino jurídico que tenha como prioridade a formação de operadores do Direito e não de pensadores luminares, não de acadêmicos, pessoas capazes de transmitir para as partes segurança jurídica, que isso não existe hoje no Brasil. Aquilo que diz a velha sabedoria popular, ‘de cabeça de juiz e de bumbum de neném, ninguém sabe o que vem’, pior é que sabe o que vem, mas não sabe quando vem. Esse é o problema. Juiz no Brasil é um elemento da insegurança e não da segurança, a gente nunca sabe o que um juiz é capaz de fazer.

NC: Essa reforma do ensino de Direito está no horizonte?

EA: Eu não ouvi falar a respeito disso. As reformas que nós temos tido tem aumentado muito em conteúdos, a ponto de permitir até que faculdades acabem especializando seus alunos, porque o conteúdo acaba se acumulando de tal forma, que a especialização pelos menos é uma forma de se racionalizar esses conteúdos, mas não mais do que isso. As pessoas dos cursos jurídicos que se dedicam à formulação dos currículos, sentados na CAPES, na maioria das vezes são professores universitários de dedicação exclusiva com uma visão da academia como lugar de se discutir as grandes ideias e não tem a visão prática de transformar os seus alunos em eficientes operadores do Direito. Esse é um problema da formação jurídica brasileira: há uma grande separação entre o trabalho jurídico diário e a academia pensante no Brasil. Só que essa academia pensante em outros países, por exemplo, na Alemanha onde os professores, na maioria das vezes, são dedicação exclusiva, são chamados permanentemente pela administração pública para serem auxiliares do estado com seu conhecimento jurídico e isso lhes dá uma permanente presença nas grandes discussões do Direito posto.

NC: O que aconteceu em 2016 no Brasil foi um processo regular de impeachment ou uma traição política ou um golpe parlamentar ou uma eleição indireta ou foi tudo isso?

EA: Regular não foi, esse já excluo de antemão, não é regular você usar um instituto previsto na Constituição, deturpando-o pra aplicá-lo para afastar uma presidente da República que não praticou um crime de responsabilidade. Aquilo que qualificaram como crime de responsabilidade foi tirado do bolso do colete pelo Tribunal de Contas União, condenando uma prática que ele sempre tinha consagrado; foi oportunista, foi raivosa, foi hostil, foi confrontativa. Golpe tem vários significados; o golpe pode ser uma ruptura e o golpe pode ser também uma trapaça. Me parece que o que aconteceu em 16 foi os dois, foi uma trapaça e foi também uma ruptura da ordem constitucional. Sem o centro, a Esquerda não governa, não governa. A Esquerda não tem, no Brasil, a densidade político-demográfica para governar sozinha.

NC: Quais foram as condições para que ocorresse?

EA: Se a gente olha o processo como um todo, a gente tem que ver que este resultado só foi possível porque houve uma desidratação do centro político no Brasil. O centro político era que desde 1988, melhor, desde 85 era o que garantia a estabilidade dos governos Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Collor, quando perdeu o apoio desse centro, foi derrubado. Ocorre que o centro brasileiro há algum tempo, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, por vários fatores, vem sendo empurrado para a Direita. Houve uma fragmentação desse centro e, por isso, mais facilmente cooptado pelas forças da reação. Então foi um processo político em que esse centro garantidor da estabilidade foi simplesmente desaparecendo, ele foi desidratado e o Brasil passou para uma enorme polarização. Sem o centro, a Esquerda não governa, não governa. A Esquerda não tem, no Brasil, a densidade político-demográfica para governar sozinha.

NC: Daí o perdão de Lula…

EA: Perdão, o Lula usou isso como retórica. O perdão é uma forma para o povão entender melhor a recomposição de forças. Lula sabe que só tem chance de voltar se houver uma recomposição desse centro. Como esse centro passou para a direita e, bem ou mal, teve presente no golpe, é difícil você recompor essa força sem buscar apoio de pessoas que tiveram envolvidas no golpe, mas que talvez se arrependam do que fizeram ou que pelo menos aquelas que não aceitam o resultado do golpe. Essas pessoas tem que ser trazidas de volta. Esse é um processo absolutamente necessário, já que se a gente não tem capacidade de mobilizar a opinião pública para realmente fazer uma mudança de peso com votos de Esquerda ou eventualmente mobilizá-la para uma ruptura dessa ordem burguesa, então nós temos que trabalhar para melhorar o ambiente político para a gente poder fazer os nossos pequenos avanços. A alternativa para isso seria a Revolução, mas se nós não temos capacidade nem para mobilizar pessoas para um ato de paralização nacional, como é que a gente vai fazer isso? A gente só tem condição de ir negociando com essas forças do centro que, por várias circunstâncias, foram empurradas para a Direita. Essa classe média se mobilizou a partir de 2013 porque foi pilhada pela mídia.

NC: A classe média foi de verde e amarelo para as ruas protestando contra a corrupção dos governos do PT. E agora tem uma corrupção amplamente mostrada e a classe média parece não estar muito preocupada com isso. O que houve?

EA: No fundo, o que a gente nota disso é que esse discurso de combate à corrupção é um discurso vazio, porque não é um discurso estruturante. Ele é um discurso para mobilização de opinião pública, com objetivos nitidamente corporativos. Essa classe média se mobilizou a partir de 2013 porque foi pilhada pela mídia, apesar da classe média ter o melhor grau de instrução – vamos falar claramente – a instrução política no Brasil está abaixo da crítica, as pessoas são muito desinstruídas politicamente e isso faz com que elas sejam muito sujeitas aos chamados formadores de opinião e esse bombardeio sistemático da mídia, que começou com o mensalão, praticamente no terceiro ano do governo Lula, 2005 e isso sendo batido todo santo dia, essa massa não teve visão crítica suficiente para entender que estava sendo manipulada.

NC: Que elementos podem caracterizar que essa massa estava lá meio sem saber porque?

NC: Porque?

EA: O MP e a justiça, principalmente de 1º grau estão contaminados por uma clientela que passou nos concursos públicos, que é uma clientela muito exigente quanto a prestígio e vantagens. Houve uma modificação da composição dessas classes a partir do Collor, o aumento do prestígio e os aumentos dos ganhos fizeram com que aquelas pessoas que naturalmente estariam predestinadas para a diplomacia ou para os grandes escritórios de advocacia passassem a ver o MP e a Justiça como alternativa para ganhar dinheiro, porque os salários são muito altos. Para se ter uma ideia, um escritório 5 estrelas paga para um menino recém-formado, na melhor das hipóteses, de 6 a 8 mil reais. Enquanto um menino no MP, com três anos de formado, passa a ganhar quase 30 mil reais. Isso passou a atrair essa classe média alta, que tem uma visão reacionária, antipovo, uma visão de uma redoma de bem-estar fechadinha em que ela não interage com o resto, acha que povão é estorvo. Essa modificação se refletiu muito na atuação do Ministério Público, de uma atuação que era a favor dos direitos humanos, das populações indígenas, meio ambiente, passou a ser uma atuação essencialmente punitivista. É muito mais fácil você punir alguém, arrumar um culpado para um problema do que resolver o problema. E a corrupção é um problema a ser resolvido e não de se buscar pessoas apenas para serem punidas por ela. O PT se omitiu em relação ao Supremo (…). Não havia por parte do Governo Lula, nem do Governo Dilma uma visão clara sobre (…) o que se esperava de um ministro.

NC: Como o senhor avalia a atuação do STF que depois de Eduardo Cunha garantir o seguimento do processo de impeachment, recebeu a denúncia contra ele e o afastou da presidência da Câmara sob o argumento de que ele não poderia estar na linha sucessória, mas o mesmo raciocínio não foi aplicado com Renan Calheiros…

EA: E nem com Aécio.

NC: Isso é o que se pode chamar de contradição?

EA: Não. Em primeiro lugar, eu não acho que houve um plano de deixar Cunha para ele terminar seu serviço e só tirá-lo depois. Isso são as contradições internas do sistema. Que no STF existe uma predominância de um pensamento conservador, isso não tem dúvida nenhuma, que a predominância desse pensamento conservador é muito influenciável pelo senso comum formado pela grande mídia, isso eu não tenho dúvida. A dificuldade de Teori (Zavascky) foi precisamente de conseguir construir um consenso ao longo de meses para afastar Cunha, ele tentou. Ele, na verdade, foi vítima de uma cilada do (Rodrigo) Janot.

NC: Como foi essa cilada? O senhor disse que o Supremo tem um viés conservador. Entende-se que o PT errou na mão?

EA: Com certeza. Não é que errou na mão, o PT se omitiu em relação ao Supremo, vamos dizer claramente isso. Toda vez que surgia uma vaga no Supremo Tribunal Federal, começava a gincana dos apadrinhados, pessoas começavam a correr para chegar perto das cercanias do Palácio do Planalto, para isso usavam seus apoios e esses apoios iam tentando criar uma tendência no poder decisório favorável ao seu candidato. Não havia por parte do Governo Lula, nem do Governo Dilma uma visão clara sobre um perfil, um estudo de como esse perfil devesse ser, o que se esperava de um ministro, não houve nenhuma sistematização dessa escolha, simplesmente se deixou isso ao sabor dessas corridas desenfreadas dos oportunistas. Quem acabava chegando ao final da corrida não era o mais bem preparado, não era o melhor perfil, mas sim era muitas vezes o mais inescrupuloso. É mais ou menos como numa seleção natural, na natureza vence o que tem mais resistência, o que é mais forte, e é esse o que vencia. E o que era mais forte e tinha mais resistência não significa necessariamente o que tem o melhor caráter, não significa que seja a melhor pessoa, politicamente mais engajada, que seja mais clara nas suas posições. Foi uma mixórdia. Colocou-se de tudo o que é tipo de gente lá dentro, sem visão clara de poder.

NC: Diferente de governos anteriores…

EA: Muito diferente do governo Fernando Henrique Cardoso, que só teve três vagas, o PT teve 13 vagas. O Fernando Henrique Cardoso teve três vagas e soube perfeitamente pinçar com segurança quem ele queria ali. Colocou Nelson Jobim, que era de uma fidelidade canina a Fernando Henrique Cardoso, colocou a Ellen Grace, que enquanto presidenta do Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi sistematicamente suspendendo liminares contra a União, portanto apoiando o governo e colocou Gilmar Mendes, que dispensa qualquer tipo de comentário. Colocou ali três pitbul.

NC: Pitbuls?

EA: São pessoas incapazes de ver uma posição de governo e defender uma posição de governo e isso não tem nada de errado com o judiciário. Você pega qualquer judiciário do mundo, as composições são feitas não para beneficiar de forma antirrepublicana um governo, mas para alinhar a visão de mundo, a cosmovisão do Tribunal àquela de quem está no governo da vez. Quando o eleitor vota num governo ou vota num determinado candidato, num partido, ele está comprando um pacote, que vai moldar o parlamento e vai moldar o judiciário, ele está querendo um estado que tenha uma determinada cara. É isso que ele faz quando vota no presidente da República. Nosso judiciário se tornou uma força fascista.

NC: E aqui nós viramos uma colcha de retalhos?

EA: Nós viramos um sujeito sem características claras, descaracterizado. Isso (foi o) que aconteceu com o Brasil. De certa forma é um pouco frustrante, foi um erro grande. Mas isso eu atribuo a uma profunda falta de conhecimento da cultura e do modo de ser do judiciário por essa Esquerda brasileira que era do PT. Se pegar os estudos do Instituto da Cidadania anteriores a 2003 e se vê muito lá discutido questão de segurança pública, vê-se muito discutida a questão agrária, discute-se muito educação, saúde, mas não se tem paper discutindo o judiciário. Lula quando assume em 2003, uma de suas primeiras declarações que deixou o então presidente do STF, Maurício Correia, fora de si, foi que o judiciário é uma grande caixa preta que tem que ser aberta. Mas no fundo ele estava sendo absolutamente sincero. O judiciário para o PT era uma grande caixa preta porque ele não conhecia aquilo, foi conhecendo pelo seu pior lado, o lado da arrogância, da prepotência, o lado ideológico, ativista, o lado do judiciário que é midiático. Esse judiciário que se converte numa força, desculpe a expressão, mas numa força fascista no sentido de que engambela a opinião pública para seus projetos de poder, utiliza-se das frustrações e das raivas da opinião pública para mobilizá-la, isso é fascista. Nosso judiciário se tornou uma força fascista.

Mônica Costa, no site NossaCiência.com.br

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Muito Além do Jardim

O Ministério da Justiça sabe quais foram os Estados que gastaram indevidamente o dinheiro que lhes foi enviado, no fim do ano passado, para a construção e reforma de presídios e compra de equipamentos.
É óbvio que aquisição de equipamentos não quer dizer necessariamente apenas compra de viaturas, que no Ceará, por exemplo, de tão enfeitadas e até intimidativas ganharam o apelido de “bichonas”.
O Governo Federal até que tem buscado conferir se o dinheiro foi aplicado mesmo em construções e reformas de presídios e em equipamentos e não sabe ainda o que nós também, pagadores de impostos, temos o direito de saber.
Uma bolada de 1 bilhão e 200 milhões de reais foi repartida entre os Estados e o Distrito Federal. Portanto, a cada um exatos 44 milhões e 700 mil reais. Dinheiro do Fundo Penitenciário Federal.
Nas aferições do Ministro da Justiça, houve em alguns Estados aplicação diferente do que havia sido previsto. Outros não tinham nem projeto.
Esses repasses, é bom lembrar, foram ao final do ano passado. E o que aconteceu neste ano na área? Mais de 130 homicídios em chacinas em presídios. Só naquela greve da Policia Militar no Espirito Santo foram 165 assassinatos.
O responsável pelo Mapa da Violência, que se edita desde 1998, o sociólogo Júlio Jacobo, entende ser necessária uma mudança de mentalidade:
- A nossa polícia trabalha muito com o flagrante mais imediato. (...) Temos uma política de encarceramento que entupi nossas cadeias de pequenos meliantes, enquanto grandes organizações criminosas operam por aí. Não temos uma estrutura que pesquise, que faça inteligência.
De 250 mil presos na virada do século, ano 2000, temos hoje no País mais de 600 mil encarcerados, a maioria aguardando sentenças ou decisões terminativas.
Parece haver um distanciamento entre gestão e vontade política, que precisam estar juntas. Sempre juntas.
Nada do que se planeja, por maiores que sejam as boas intenções, sairá do papel, segundo Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança, se não se enfrentar o que ele chama de colapso estrutural.
Colapso estrutural tem a ver com lentidão do judiciário (e aí já é outro grande problema nesta República de juízes nem sempre bem qualificados, espécies de divindades de tão inalcançáveis, rodeados de assessores sempre prontos a decidirem por eles); mais a hesitação do Ministério Público para desencalhar com maturidade e justeza os processos sob seu encargo.
Junte-se a isso a rivalidade entre as policias Civil e Militar, sempre às turras, ora disputando espaços, ora fazendo coisas parecidas. E mais o sistema prisional.
Questões como a do Ministério Público são de natureza política. O restante é estrutural.
Conheci o coronel José Vicente da Silva, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, num debate no qual participamos na Folha de São Paulo juntamente com o Professor Denis Lerer Rosenfield, da UFRS, e o então Ministro da Justiça do Governo FHC, José Gregori.
Pelos seus cálculos do coronel José Vicente, o custo da violência no Brasil é de 700 milhões de reais por dia, o que, segundo ele, pode ser reduzido à metade.
Fala coronel:
- Minha sugestão é arrumar dinheiro novo para investir na segurança, é acelerar o projeto de legalização do jogo, e a estimativa anual seria mais ou menos de 2 bilhões por mês de impostos. Poderia pegar de 30% a 50% desse valor, ao menos nos cinco primeiros anos, para aplicar na segurança, na construção de presídios, pagar hora extra para policiais trabalharem, e exigindo contrapartidas- treinamento, ninguém pode ter folga superior a 40 horas e assim vai...
Rápido no gatilho, o Presidente do Senado, Eunicio Oliveira, já admitiu incluir na pauta para votação o projeto da legalização dos jogos conhecidos como de azar que dormita por lá há alguns anos. ´
Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

-oOo-09.11.17.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Federal sob nova direção

O Delegado Federal Fernando Segóvia foi escolhido pelo Presidente Michel Temer para ser o novo Diretor Geral do Departamento de Polícia Federal.

Segóvia foi Superintendente no Maranhão quando mostrou excelente desempenho e capacidade de articulação nas ações policiais em que precisou contar com o apoio das forças estaduais.

Ele tem amplo apoio entre os seus colegas por sua conhecida posição favorável a que as investigações de delitos da competência da Justiça Federal sejam feitas pela PF, essa, sim, definida na Constituição da República como a Policia Judiciária da União Federal.


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Noite de mascarados

Não eram como aquelas máscaras charmosas parecendo de louça de tão caprichado acabamento que nem aquelas máscaras dos carnavais de Veneza, a cidade aguada que ainda se mantém como se flutuasse sob suas histórias e lendas na geografia da Itália.

Máscara na origem, quero dizer no teatro grego, e também no teatro romano, servia para encobrir o rosto do ator que no enredo da peça em cartaz daria vida à personagem.

Com o tempo, o que se restringia ao teatro, no caso a máscara, ultrapassou as fronteiras dos palcos, ganhou os salões das festas, acobertou anonimatos nas alegrias das ruas e por que não, também, nos assaltos à mão armada.

A máscara dos assaltantes, é claro, dispensa sofisticação ou originalidade, sendo exemplo clássico a dos Irmãos Metralhas que, aliás, parecem trigêmeos, caras e focinhos iguais.

Na Ilha de São Luís houve um tempo em que as alegrias encabuladas ou extravasadas, dependentes de disfarces, sem outra saída, recorriam à máscara.

Eram muitos, nos carnavais, os bailes de mascarados nos subúrbios distantes. Anonimatos em segurança era por ali mesmo. Acontece que tem gente que se esconde atrás da máscara e como se diz sobre os bichanos acabam ficando com o rabo de fora. Ou seja, o que lhes delata é o rabo.

Gordo, magro, baixinho, altão, afinando ou engrossando a voz, por mais confiante que se mostre, o disfarce não convence.

Pelas tantas, os salões cheios, suor escorrendo e encharcando fofões, eis que num tom de voz afeminado um mascarado se dirige ao outro – eu te conheço, carnaval! 

(Carnaval era o vocativo com o qual eles ou elas se tratavam entre si. No linguajar deles, equivalente, digamos assim, a vossa excelência, quem sabe?)

Como na marchinha do Chico, seja você quem for, seja o que Deus quiser, rolavam lances inimagináveis para a moral vigente de então.

Foi quando um Prefeito, o primeiro saído de um parto de urna, vontade do povo, voto direto, achando que iria agradar às famílias em suas sacralidades às descobertas, editou portaria proibindo máscaras nos bailes das periferias.

E não deu outra, - o povão reagiu revoltado. Primeiras páginas todo dia, repórteres de rádio nas portas dos bailes entrevistando mascarados. Naquele tempo, como diriam os evangelhos, ainda não havia TV-delivery.

Lembrei-me dos bailes de mascarados na Ilha do Amor enquanto assistia ontem pela televisão o desfile das personas ao microfone no plenário da Câmara dos Deputados declarando voto, sim ou não, ao arquivamento ou seguimento das acusações para tirar dos cargos o atual Presidente da República e dois dos seus mais achegados Ministros, confirmando ou não denúncias do então Procurador Geral da República, aquele que se celebrizou com aquela frase mais adequada hoje a beligerâncias selvagens de bem antes da entrada em cena de Diogo Alvares Correa, o Caramuru, – enquanto houver taboca, vai haver flecha!

Quando a tarde no planalto cansada da seca parecia bêbada pelos cantos de tanto esperar pela noite com suas invariáveis, nunca se viu tanta raiva mal ensaiada. Tanto de um lado quanto do outro.
Muita indignação. Como se aqueles atores ou atrizes encenassem uma peça de autoria anônima, quiçá coletiva, mas com direitos autorais reservados a cada um deles, traduzíveis em votos eleitorais. Ledo engano. Diga de lá, Ledo Ivo, meu grande poeta!

Como os antigos carnavalescos da Ilha do Amor, guardei o meu segredo, mas liberando o meu riso, fiz de conta que nem conhecia bem de perto muitos deles. Muitos mesmo, apesar das máscaras. Todas iguais.

Edson Vidigal, Advogado, foi Deputado Federal pelo Maranhão. E Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Kalil no circuito

O quadro clínico do Presidente Michel Temer, internado no Hospital do Exército, em Brasília, é de obstrução urológica. Pouco depois das 8 horas da manhã, ele sentiu-se mal e agora está sendo preparado para um cateterismo - exame que vasculha as veias para saber se há alguma obstrução.

O avião presidencial já está pronto para decolar em caso de eventual necessidade de aprofundamento dos exames em São Paulo. O doutor Roberto Kalil Filho, cardiologista do Presidente Temer, já entrou no circuito e está monitorando as sondagens.

Há ainda a possibilidade de uma hiperplasia prostática, que geralmente acontece a homens maiores de 60 anos. Em alguns casos, a próstata inchada comprime a bexiga causando dores e sangramento na urina. Quase sempre uma advertência de que um câncer pode estar a caminho.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Cada caso é um caso

Ainda sobram resmungos de revolta incontida, no mínimo, de decepção alastrante, ante o desfecho do que a ignorância ou a má fé carimbou como crise institucional uma divergência quanto ao que podem, e devem fazer, no quesito das imunidades parlamentares o Supremo Tribunal Federal e o Senado da República, valendo o mesmo, por extensão, para a Câmara dos Deputados.

Tudo girou em torno do que diz e do que não diz a Constituição do Brasil, que muita gente em destaque e com poder de influência sobre a opinião pública parece nunca ter lido e se leu não entendeu e se entendeu logo depois esqueceu.

Por isso essas conclusões enviesadas de que o Supremo Tribunal Federal perdeu poder ao remeter para o Senado a decisão se mantinha ou não suspenso de suas funções e sob medidas alternativas um Senador da República. No Estado Democrático de Direito não existe isso.

A crise institucional que não houve, é bom lembrar, foi mais uma daquelas derrapadas típicas da afoiteza inconcebível em quem, ainda que aprovado em concurso ou em sabatina, não alcançou a maturidade e a prudência indispensáveis ao oficio de realização da Justiça.

A Constituição da República resume esses pré-requisitos indispensáveis aos que se propõem, de um lado, a denunciar e do outro, a processar e julgar, a essas duas expressões singelas - notável saber jurídico e reputação ilibada. Não é tão fácil.

Os agentes do Ministério Público atuam sob garantias constitucionais idênticas às dos Magistrados – não podem ser removidos, não podem ser demitidos e não podem ter seus salários reduzidos.
Não são privilégios deles. São garantias da sociedade para que todos tenham direito ao devido processo legal, à ampla defesa, ao exercício do contraditório. Para que qualquer acusado tenha assegurados esses direitos, inclusive o de não ser processado por juízo ou tribunal de exceção, os agentes do Ministério Público e os juízes de todos os tribunais gozam de todas as proteções legais.

Como todo poder emana do Povo que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente na forma estabelecida pela Constituição, o mandato popular para que seja efetivamente exercido, sem ameaças ou medos, confere ao eleito, desde a diplomação, a imunidade parlamentar pela qual são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Nos termos da Constituição, os crimes comuns dos congressistas não acobertados pela imunidade, são processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, mas os Deputados ou Senadores somente poderão presos em casos de flagrante delito de crime inafiançável, mas ainda assim, os autos do flagrante terão que ser enviados à Câmara ou ao Senado, praso de 24 horas para que pelo voto da maioria se resolva sobre a prisão.

Oportuno registrar que inafiançáveis são, além de matar alguém, os chamados crimes barra pesada, tipo tráfico de drogas, de armas ou de pessoas, racismo, terrorismo, estupro – evidente que nenhuma dessas ilicitudes pegaria bem a um representante do povo.

A jurisdição do Supremo se efetiva depois do recebimento formal da denúncia do Ministério Público indispensável à instauração da ação penal. Ainda assim, poderá o parlamentar processado seguir com o mandato até o final, desde que a Câmara ou o Senado resolva, por maioria de votos, sustar o processo e ao mesmo tempo o prazo de prescrição.

Isso significa dizer que, em respeito à soberania popular, o congressista poder continuar livremente no mandato, mas com data certa para a reabertura do processo, ou seja, no dia seguinte ao término da legislatura.

Isso é o que está escrito na Constituição do Brasil. Ah e os Ministros do Supremo? Havendo denuncia por crime de responsabilidade, são processados e julgados pelo Senado. Como foi a Dilma, então Presidente. O Procurador Geral da República não só é processado pelo Senado como o Senado pode tirá-lo do cargo, ex-ofício, em plena duração do mandato.

Então, melhor levar para casa e começar a ler, além da sua bíblia, a Constituição do nosso País. Cada caso tem sua peculiaridade. Mas nada acima nem abaixo da Constituição.

Edson Vidigal, Advogado, foi Professor de Direito na Universidade de Brasília e Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Porandubas do Torquato

Uma historinha da terra do ministro Carlos Ayres Britto, Sergipe.

Mamãe, pode morrer tranquila

Fernando Leite, filho do senador Júlio Leite, presidia a Assembleia de Sergipe quando Seixas Dória era governador. Seixas teve de ir ao Rio enquanto o vice-governador Celso Carvalho estava no Rio Grande do Norte assistindo ao enterro da sogra. Assumiu o governo o presidente da Assembleia por dois dias. Fernando Leite mandou telegramas a todas as embaixadas comunicando ao mundo sua governança. Orgulhoso, como bom filho, telegrafou à mãe, internada e gravemente enferma em hospital do Rio:

- Mamãe, pode morrer tranquila. Seu filho é governador. Beijos, Fernando.

Mais um atrito

Mais um atrito entre o presidente da Câmara Rodrigo Maia e o governo foi administrado. Rodrigo defendeu a "harmonia" entre os Poderes e afirmou que agirá com imparcialidade no processo de tramitação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer na Casa. Garante que o episódio sobre a divulgação dos vídeos da delação do operador Lúcio Funaro está superado. "Não há nada por trás da minha imparcialidade que seja pra ajudar ou atrapalhar o presidente Michel Temer". O fato é que há poderosas forças fazendo pressão para inflar o balão de tensões. Entre essas forças, um poderoso grupo de mídia.

Voto aberto no Senado

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidiu nesta terça-feira, 17, que o Senado deve fazer votação aberta para decidir sobre o afastamento de Aécio Neves. Foi o que se cumpriu. O voto aberto tirou votos favoráveis ao tucano mineiro. Jader, Anastasia, Jucá e Renan fizeram discursos importantes. O resultado era imprevisível ante a manifestação prévia de 30 senadores, que se manifestaram contra Aécio, o qual ganhou com 44 votos a favor e 26 contra. Derrubada a decisão da 1ª Turma do STF.

Vetores de força para 2018

Mesmo nebuloso, o tempo em que desenvolverá o pleito de 2018 já permite inferir sobre alguns eixos que calibrarão as campanhas eleitorais. Tentemos explicitá-los:

- proposições substantivas - o discurso será substantivo, recheado de propostas densas, factíveis, com foco na aplicação imediata;

- inovação, vigor, assepsia - esses três conceitos andarão juntos. O eleitor tende a querer ver um perfil sem máculas, sem passado sujo, asséptico. Isso não quer dizer que empresários, fora da política, ou profissionais liberais, apenas pelo fato de se apresentarem como novidade, terão sucesso. Precisam mostrar experiência;

- representatividade - os perfis deverão ter uma clara representação das parcelas/setores/segmentos que formam a sociedade. A tendência à distritalização ou à categorização profissional estará em destaque. Perfis hão de preencher os nichos sociais ou regionais;

- a verdade, centralidade - o discurso político sempre fica no contorno, com os perfis tentando prometer coisas, dourar a pílula com imagens espetaculares, ou seja, engabelando a audiência por meio de recursos estéticos. Desta feita, o eleitor vai dispensar a lábia;

- força no indivíduo - o pleito praticamente nivelará os partidos, com exceção para aqueles entes encravados nas pontas do arco ideológico. As siglas do meio tendem a se misturar na geleia partidária. Por isso, o pleito de 2018 acentuará o peso do individualismo.

Maior participação

Na esteira das grandes mudanças que se operam na vida institucional, sob o signo das investigações de escândalos, a sociedade vai aproveitar o momento para sair da tradicional linha de conforto. Significa que vai se empenhar para analisar perfis, analisar propostas, revisar pontos de vista. Perderá mais tempo na observação da política. Acompanhará mais de perto o desenrolar do pleito.

Execração de perfis e siglas

Veremos uma campanha de execração de figuras carimbadas da velha política. O esculacho partirá principalmente das classes médias e, dentre estas, dos profissionais liberais - médicos, engenheiros, professores, empresários, economistas, etc. Esses polos de crítica e influência terão importância capital na organização de nomes e seleção de quadros que saírem candidatos por partidos.

Grandes comunicadores

Voltar-se-á a prestigiar os bons mocinhos que aparecem nos picos de programas de grande audiência, como Luciano Huck, com quem identificam-se milhares de jovens de áreas centrais e periféricas. Os comunicadores, face a um pleito mais franciscano (de poucos recursos financeiros) voltarão a ser prestigiados e a ser chamados para integrar a lista de candidatos.

Os mais ricos

As campanhas eleitorais de 2018 privilegiarão as identidades pessoais, beneficiando candidatos com maiores recursos, aqueles que têm melhores condições de bancar a liturgia do espetáculo político. O pleito, mais franciscano, será uma corrida de obstáculo. Muita sola de sapato será gasta.

Marketing de valores

O marketing eleitoral de 2018 terá como foco forças e valores dos protagonistas, a partir da questão da honestidade. Compromissos, propósitos, propostas para a micropolítica (educação, saúde, mobilidade urbana, segurança, creches, moradia) liderarão as planilhas programáticas.

Pausa...para um riso.

Filosofia de Vitorino

Vitorino Freire, ex-manda chuva que filosofava sobre o Maranhão:

- Quando o pasto pega fogo, preá cai no brejo.

- O risco que corre o pau, corre o machado.

- Não quero que ajudem meu roçado. Só quero que os bois do vizinho não entrem nele.

- O Sarney não conhece o tamanho do meu roçado. De um lado da cerca eu grito e ele não ouve do outro lado.

- Política no Maranhão é um Bumba meu boi que não sai sem mim.

São Paulo, o emblema do país

São Paulo será o fator emblemático do país. Como o Estado com a maior população e a maior densidade eleitoral, São Paulo é, por excelência, o laboratório das experiências nacionais. Por isso mesmo, tende a disseminar pelo território os ideários e os tipos de discurso que ganharão ênfase em 2018. São Paulo abriga uma exemplar coleção da gente brasileira.

A teoria do 1/3

Este consultor continua a pôr fé em sua resumida equação para a disputa presidencial de 2018: 1/3 para a direita, 1/3 para a esquerda e 1/3 para o centro. Sobram 10%, que deverão correr pelo arco ideológico, sendo mais provável a fixação da maior parte nos espaços do centro, que deverá atrair parcelas à direita e à esquerda.

Poderes desbalanceados

A constatação de que a representação política se apequena a olhos vistos é mais surpreendente quando se atenta para a equação tripartite do barão de Montesquieu. Resgatemos sua argumentação. O Poder Legislativo é formado por representantes do povo soberano; por conseguinte, a lei constitui um produto direto da democracia representativa. E os juízes? Nada mais são, segundo o autor de O Espírito das Leis, "senão a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar-lhe a força nem o vigor". Resulta como paradigma liberal do Estado de Direito a submissão do Judiciário à lei e, nesse caso, sob o abrigo do Parlamento, já que este Poder exprime a vontade geral.

A interpenetração

Ao longo do tempo, as funções típicas dos Poderes foram se distinguindo de funções atípicas, passando a dominar, cada um, escopos delimitados nos campos Legislativo, Administrativo e Judiciário. Nem por isso a invasão do espaço de um Poder por outro deixa de ocorrer. Quando há espaços não preenchidos por falta de legislação, a invasão ocorre. A justificativa é que a intromissão se faz por necessidade de se preservar a vida institucional. E é nesse ponto que o Poder Legislativo amortece sua força. Acanhado, parecendo submisso, permite que outros Poderes avancem sobre seu território.

Direitos sociais

Como pano de fundo do definhamento, registra-se uma inversão na cronologia da cidadania: os direitos sociais chegaram para os brasileiros antes que os direitos políticos. E isso contribuiu para a formação de um Executivo forte. Desde Getúlio Vargas, na década de 30, o povo sente-se mais atraído por um Estado de longos braços protetores - sob um regime presidencialista e centralizador - do que por uma representação sem força, de baixo conceito e pouca confiabilidade. Hoje, apenas 3% dos brasileiros acham que os parlamentares merecem confiança.

Igualdade social

Cada homem, no fundo de seu coração, tem direito de julgar-se inteiramente igual aos outros homens. Depois de reconhecer este direito, em seu tratado sobre a igualdade, Voltaire retrata o cozinheiro do cardeal filosofando sobre as diferenças entre as classes do gênero humano: "sou um homem como o cardeal; nasci chorando como ele, e ele morrerá como eu. Temos as mesmas funções animais. Se os turcos conquistarem Roma e se eu vier a ser cardeal e o cardeal vier a ser cozinheiro, eu o tomarei a meu serviço".

Leitura na campanha política

Nosso partido cumpre o que promete.

Só os tolos podem crer que.

não lutaremos contra a corrupção.

Porque, se há algo certo para nós, é que

a honestidade e a transparência são fundamentais

para alcançar nossos ideais

Mostraremos que é grande estupidez crer que

as máfias continuarão no governo, como sempre.

Asseguramos sem dúvida que

a justiça social será o alvo de nossa ação.

Apesar disso, há idiotas que imaginam que

se possa governar com as manchas da velha política.

Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que

se termine com os marajás e as negociatas.

Não permitiremos de nenhum modo que

nossas crianças morram de fome.

Cumpriremos nossos propósitos mesmo que

os recursos econômicos do país se esgotem.

Exerceremos o poder até que

Compreendam que

Somos a nova política.
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Lançamento

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

Cada exemplar da obra custa apenas R$ 60,00.

Adquira o seu, clique aqui.http://livrariamigalhas.com.br/porandubas-politicas-gaudencio-torquato.html

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Neiva Moreira

Focando as desigualdades, não obstante os avanços das ultimas décadas nos campos da ciência e da tecnologia, não há muita diferença entre os últimos cem anos de quando nasceu Neiva Moreira em Nova Iorque, cidade ribeirinha às margens maranhenses do rio Parnaíba.

O que ainda acontece hoje com milhões de crianças de origem popular e humilde neste meio norte do Brasil não é muito diferente do mundo de pobreza social e atraso politico de quando, há um século, Neiva Moreira nasceu.

Ontem, os coronéis do latifúndio e donos das urnas eleitorais, por conseguinte, do poder político incontrastável. Delegado de policia, Promotor e Juiz agiam ou não, conforme as conveniências locais dos donos do poder.

Hoje, eles seguem ativistas do coronelismo eletrônico dominando os meios de comunicação pelos quais elogiam ou injuriam, caluniam ou difamam os que ousem não lhes atender. Por estas paragens de incontáveis grotões a soberania popular não tem vez.

Neiva, ainda jovem, percebeu isso. Logo entregou as energias da sua vida à luta intermitente contra a opressão e a injustiça social.

Nesse tempo que durou um século, a intolerância politica sacudiu o mundo com duas grandes guerras esparramando caos, fomes, frustrações e milhões de mortes nas cidades e campos de batalhas.

Alfabetizado pela mãe, D. Mariinha, editora de um periódico manuscrito em folhas duplas de papel almaço, cujas noticias e opiniões compartilhava com a vizinhança, Neiva, o magricelo garoto, não tinha ainda nem dez anos de idade quando cruzou a fronteira entre Barão do Grajaú, lado maranhense do rio Parnaíba e Floriano, o lado piauiense, grande centro comercial, traço de união entre os dois Estados.

Ali, em Floriano, Neiva se iniciou na luta pela vida trabalhando como vendedor de petiscos, ajudando em serviços nas travessias dos rios, até chegar a Teresina e ao Liceu Piauiense, onde estudou até a quarta série, saindo de lá para a longa jornada de entrega às causas populares que soube percorrer como jornalista e politico.

Na revista O Cruzeiro, aonde chegou sob os auspícios de Castelinho, o Carlos Castelo Branco, seu colega de escola em Teresina e àquelas alturas titular da coluna “Em Confiança”, que ocupava duas páginas com notas sobre politica, Neiva não tardou a formar com Samuel Wainer a dupla de repórteres exclusivos que Chateaubriand mantinha a seu serviço para missões especiais.

Nessa condição teria ido a São Luís quando irrompeu o movimento popular conhecido como a Greve de 51. O que poderia ter sido apenas um impasse politico de curta duração foi mais que uma dúvida quanto a mamunhas de leis, parou num crescendo de desconfianças desenfreadas a denunciarem para o Brasil o que era o Maranhão – não mais que uma grande taba sob omissões e caprichos morubixabas.

O vencedor das eleições para Governador, Saturnino Belo, oposicionista, morrera antes de ser proclamado e a oligarquia então dominante, comandada pelo Senador Victorino Freire, decretara que seria empossado o segundo colocado, o ex-prefeito de Caxias, Eugênio Barros.

Foi quando a Capital ficou conhecida como Ilha Rebelde, front de uma resistência popular que durou meses marcados pela violência com incêndios, depredações, passeatas, comícios e mortes. A Justiça Eleitoral depois de tudo mandou empossar o segundo colocado. E não o Vice do vencedor do pleito. E nem ordenou novas eleições. Tudo como previsto.

Na primeira eleição que se sucedeu, Neiva é eleito Deputado Estadual com expressiva votação. Na eleição seguinte, primeiro suplente de Deputado Federal e depois titular em legislaturas sucessivas.
Com o seu Jornal do Povo – contra a opressão e a injustiça social – os partidos contrários ao estado de coisas se juntaram numa legenda única, “Oposições Coligadas”. E ali os focos da resistência foram se transmudando em forças.

No plano nacional, Neiva então sob a legenda do PSP – Partido Social Progressista não só esteve nas colunas de frente das causas nacionalistas, chegando a Secretário Geral da Frente Parlamentar Nacionalista, como ainda, somando forças com o Presidente Juscelino, liderou movimentos pela construção de Brasília para, ao final, ter se revelado o grande executivo responsável pela mudança do Congresso e, por obvio, dos parlamentares e suas famílias para a Nova Capital.

O golpe militar incluiu Neiva na sua primeira lista de cassações. Da prisão ao exilio. No exilio, a jornada de um idealista pelo mundo. Testemunhou todos os golpes da direita armada, patrocinada pelos Estados Unidos, na América Latina. Reportou da África as guerras dos povos colonizados desde a primeira e segunda guerras por suas independências. Daí os seus Cadernos do Terceiro Mundo, indispensáveis fontes de estudos nas academias.

A Academia Maranhense de Letras, agora presidida por um dos discípulos de José Guimaraes Neiva Moreira, o também e então jovem Deputado cassado Benedito Buzar e o Instituto Jackson Lago, fundador com Neiva e Brizola do Partido Democrático Trabalhista, o PDT, reservaram a ultima semana para as merecidas homenagens ao nosso grande maranhense.

Nascido no mesmo mês em que eclodiu na Rússia a revolução comunista, Neiva Moreira morreu no dia 10 de maio de 2012, aos 94 anos de idade, e está sepultado aqui na Ilha de São Luís, por onde começou a semear suas sublimes rebeldias pelo País e mundo afora.

Neiva morreu depois que a covardia politica assenhoreada na justiça eleitoral, sem que nem porque, tirou o mandato do Jackson, eleito Governador por maioria absoluta de votos, mandando entregar o cargo ao segundo colocado. Morreu sem tempo de ver o comunismo, do qual nunca foi adepto, triunfar pela via das urnas no Maranhão.

O autor deste artigo - Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal. Na juventude, foi repórter do Jornal do Povo, de Neiva Moreira, e Vereador cassado pelo Partido Social Progressista. Cassado e preso em abril de 1964.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Porandubas do Torquato


Sinceridade e sagacidade

Zé Cavalcanti, ex-deputado paraibano, conta em seu livro A Política e os Políticos, que um coronel do sertão, ao passar o comando de seus domínios para o filho, aconselhou:

- Meu rapaz, se queres ser bem sucedido na política, cultiva estas duas verdades: a sinceridade e a sagacidade.

- O que é sinceridade, meu pai?

- É manter a palavra empenhada, custe o que custar.

- E o que é sagacidade?

- É nunca empenhar a palavra, custe o que custar.

O relatório de Bonifácio - I

O deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) apresentou ontem o relatório em que recomenda à Câmara barrar a tramitação da denúncia criminal contra o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral). Bonifácio fez fortes críticas ao Ministério Público, ao dizer que ele "comanda a Polícia Federal, mancomunado com o Judiciário, causando um desequilíbrio entre os Poderes e se tornando um novo poder".

O relatório de Bonifácio - II

O relator afirmou que o Ministério Público exerce uma atuação policialesca com o apoio "do noticiário jornalístico que fortalece essas atuações espetacularizadas pelos meios de comunicação". Para ele, Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal têm tido um poder exacerbado, eivado de abusos, em detrimento do Legislativo e do Executivo. A votação da CCJ deve ficar para a semana que vem, podendo ir a plenário na semana do dia 25. E assim o governo espera mais uma vitória, até mais fácil do que na primeira denúncia.

Homenagem a Mariz

Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que brilha na galeria dos advogados criminalistas do país, recebeu bela homenagem da classe, anteontem, em evento de desagravo organizado pela seccional paulista da Ordem e que teve como orador principal o jurista Técio Lins e Silva, representante do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros, a mais antiga entidade da Advocacia. Ali se ouviu um conjunto de perorações sobre a vida de Mariz, com destaque para sua bravura desde os tempos duros do arbítrio, e um painel sobre a importância da Advocacia. Alguns significados merecem destaque.

Tempos nebulosos

Fez-se na sessão de desagravo ampla radiografia desses nossos tormentosos tempos. Tempos de desrespeito aos advogados, a partir da invasão de seus escritórios; tempos de mídia servindo como arauto de uma cultura punitiva, como bem salientou o homenageado Mariz; tempos em que a mídia, de maneira irresponsável e espetaculosa, noticia "fatos que chegam às redações" sem conferir o teor de verdade; tempos em que os advogados são confundidos com a clientela; tempos em que a letra da lei é jogada no lixo, puxando "interpretações" que emergem ao sabor de fluxos e ondas com impacto na mídia; tempos de judicialização da política.

Advocacia nos anos de chumbo

Técio Lins e Silva lembrou os tempos da ditadura, quando a advocacia teve papel fundamental na defesa dos direitos humanos. Mostrou como em nossos estranhos tempos, o arbítrio dá sinais de volta, com o ardor punitivo, na esteira de certo "conluio" entre mídia, juízes e procuradores. A indignação é geral na classe com as invasões de escritórios, o acesso ao sagrado sigilo que resguarda a interlocução do advogado e clientes; as manchetes bombásticas que, a título de informação, acabam mais adiante desmentidas ou corrigidas em parte. O desleixo e a imprudência povoam a divulgação de "fatos".

Mariz e a cultura punitiva

Mariz, com a verve sempre muito bem certeira, mostrou o abandono da apuração de "fatos" pela mídia. A sociedade tem o direito de ser informada. E a imprensa exerce o dever de transmitir as informações que apura, sem acréscimos, elipses ou versões estapafúrdias, de forma a aparelhar o cidadão com a moldura informativa que o ajudará a formar opinião abalizada sobre os acontecimentos. A expressão do grande criminalista foi um chamamento à razão. Os juízes, por sua vez, não podem fazer letras mortas das leis. Ou produzir julgamentos sob a inspiração de manchetes espetaculosas, que servem para irradiar uma "cultura punitiva" no país. Se assim age, a mídia se transforma em arauto dessa cultura, quando deveria apurar fundamentos verdadeiros.

Tempos de ontem e de hoje

A impressão é a de que, nos tempos de ontem, mesmo os mais duros, havia mais respeito pelo exercício da advocacia. Hoje, advogados não são apenas considerados "longa manus" da ilicitude que se espraia no país, como são acusados de ganhos exorbitantes, de servirem apenas aos ricos, esquecendo os acusadores que a advocacia pro bono coloca exércitos de advogados na ajuda às causas de pessoas sem posse. Observação ao pé do ouvido: entre os porta-vozes dos "extraordinários ganhos dos advogados", estão âncoras de TV, cujos salários, pela grandeza, assombram crentes e descrentes.

A responsabilidade da mídia

Este consultor passou três décadas dentro de salas de aula, a partir de 1968, ministrando disciplinas de jornalismo (informativo, interpretativo, opinativo, empresarial, etc.) em algumas escolas de comunicação, entre as quais a ECA-USP e a Cásper Líbero. O eixo da responsabilidade social da imprensa ganhava sempre destaque nos cursos de graduação e pós-graduação. Pois bem, urge constatar que, naquela época, a apuração de fatos se regia por acurado rigor. Hoje, a pressa nas redações - ante a rapidez das redes eletrônicas - acaba amortecendo a apuração completa de informações. A crise da democracia representativa acabou puxando a política para o fundo do poço. E o jornalismo acabou correndo atrás.

Mídia detesta felicidade

Mariz fez um contraponto interessante, ao mostrar que a mídia prefere notícias escandalosas, negativas, bombásticas a fatos positivos. E arrematou, cáustico: a mídia não gosta da felicidade, só de coisas ruins. Observação: o principal telejornal do país virou uma imensa galeria de fatos policiais/policialescos. Sob o signo da condenação ou da morte.

Espetáculo

Na verdade, a informação nesses nossos plúmbeos tempos acaba sendo envelopada com os adereços do Estado-Espetáculo. E os profissionais do espetáculo, da política e, mais recentemente, da mídia compartilham frequentemente as mesmas atitudes e os mesmos vezos. Como diz Roger-Gérard Schwartzenberg: "como se o show business de desdobrasse em um pol'business", e nosso acréscimo, vemos também a mídia'business. Os cidadãos acabam saindo de sua condição de leitores para a condição de espectadores.

Degradação

A política vem se transformando em talk-show. Juízes e políticos se acostumaram a exibir suas performances nas TVs de suas casas de trabalho. Os discursos se atropelam. A democracia se afasta de seus valores centrais. O tom das mensagens busca uma abordagem "euforizante", ou seja, capaz de produzir euforia, catarse, espetáculo. Gérard é duro com os artistas do espetáculo, estejam eles na política, na mídia ou no Judiciário. Diz: "Calígula, o imperador, fez cônsul o seu cavalo. Mas a história recente tem também seus casos de desequilíbrio mental".

Narcisismo

Sobra, ainda, aos protagonistas do Estado moderno a propensão para o desejo de se transformarem em Narcisos. O mito diz que o belo Narciso desdenhou o amor da ninfa Eco. Que morreu de desespero e seus lamentos ainda hoje soam nas florestas. Os deuses puniram Narciso. Condenaram-no a se apaixonar pela própria imagem. Por isso, tomou-se de amores pela imagem, contemplando-a nas águas transparentes de sua fonte. Ficou obcecado pela paixão do reflexo. Definhando até morrer. A mídia não seria, para muitos, o espelho de Narciso? Que parece, parece.

Descrença

O velho Rousseau era um descrente da representação política. Para ele, uma abstração. O filósofo, defensor do ideal da soberania popular, dizia que "toda lei que o povo não tenha ratificado diretamente é nula, não é uma lei". E arrematava: "o povo pensa ser livre, mas está enganado, pois só o é durante a eleição dos membros do Parlamento, assim que são eleitos, ele é escravo".

Como explicar o fundo?

A reforma política produziu uma reversão de expectativas. Ganhou poucos adereços, entre os quais o fim das coligações proporcionais e a cláusula de barreira. As coligações vão durar um pouco mais, até 2020. Mas um estatuto vai gerar muitas críticas: o fundo de campanhas. Como justificar um fundo de quase R$ 2 bilhões para financiar o pleito de 2018? Será difícil explicar ao eleitor. Que vê escândalos por todos os lados. E dinheirama jogada fora com projetos que não lhe farão bem.

História

Nicolas Eymerich, um frade, produziu "O Manual dos Inquisidores em 1376". O Manual mostra os dez truques do inquisidor para neutralizar os truques dos hereges, na verdade um conjunto de manipulações, pressões, ameaças, promessas, benevolências, enfim, um completo arsenal de violência psíquica contra os réus. (A escolha desse roteiro tem o propósito de mostrar como alguns políticos usam artifícios semelhantes em seu discurso cotidiano.).

1. O primeiro consiste em responder de maneira ambígua.

2. O segundo truque consiste em responder acrescentando uma condição.

3. O terceiro truque consiste em inverter a pergunta.

4. O quarto truque consiste em se fingir de surpreso.

5. O quinto truque consiste em mudar as palavras da pergunta.

6. O sexto truque consiste numa clara deturpação das palavras.

7. O sétimo truque consiste numa autojustificação.

8. O oitavo truque consiste em fingir uma súbita debilidade física.

9. O nono truque consiste em simular idiotice ou demência.

10. O décimo truque consiste em se dar ares de santidade.

Nossos mestres

Uma vez, perguntei a Roberto Campos, ministro do Planejamento do presidente Castelo Branco, se sua estratégia não era a de pulverizar as verbas que, na época, em 1965, o governo tinha para aplicar na região Nordeste. O conceito de pulverização era a distribuição das verbas, de maneira franciscana, um pouquinho a cada Estado, uma migalha, o que poderia não gerar os resultados desejados. Contestador, dialético, Bob Fields (como era conhecido), pegou o foca (eu mesmo) de surpresa: "O que o senhor entende por pulverização?". Fiquei calado. Jânio Quadros era perito na arte de se fazer de surpreso. Perguntado por Leon Eliachar se o oval da Esso é mesmo oval ou aval, Jânio se toma de surpresa e arremete: "Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. O Brasil é tão mencionado nesse seu questionário quanto a Esso". Foi uma tremenda gozação. E diante da pergunta: "Qual será seu slogan, 50 anos em 5 ou 5 anos em 60?". Jânio não hesita: "50 anos em 5, mais o pagamento dos atrasados". O truque de mudar as palavras das perguntas é muito comum no meio político. Ao político, é perguntado algo assim: "O senhor vai dizer tudo que sabe aos procuradores?". E ele responde: "Quem diz a verdade tem tudo a seu favor. Quem não deve não teme". O truque de deturpar as palavras é usual. Exemplo: "O senhor acredita que o relatório do BNDES não vai condená-lo?". Resposta: "O relatório pode ser uma peça de condenação ou de inocência. Se não comprova nada sobre minha pessoa, sou inocente. Quem me condena não é o Banco. É a imprensa".

Fecho a coluna com tiradas mineiras.

Mineirice

Frases de Augusto Zenun, de Campestre, sul de Minas - político, industrial, filósofo e, antes de tudo, udenista ortodoxo da linha bilaqueana (Bilac Pinto, o Bilacão, seu dileto amigo). Sempre infernou a vida de seus adversários, com as suas atitudes destemidas e sua natural mineirice.

"Quando estamos no governo, todo adversário que quer se encaixar, diz ser técnico".

"O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro".

"Há um fato na política que a torna bastante interessante: o choque dos falsos políticos com os políticos falsos".

"Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado".

"Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois do calorão vem uma ducha fria". (De A Mineirice, de José Flávio Abelha).

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor em Marketing Político, é Professor na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Ninguém quer briga

O antigo ditado popular, segundo o qual "só brigam dois quando os dois querem", vem agora a calhar na dissolução à vista do impasse gerado entre o Senado da República e o entendimento de três dos onze Ministros do Supremo Tribunal os quais compondo a Primeira Turma formaram maioria contra os dois outros Magistrados, que rechaçaram a possibilidade de prisão de parlamentar federal no exercício do mandato ou de medida alternativa quando não há flagrante de crime inafiançável.

Ademais, a maioria do colegiado fracionário entendeu, ainda, que além da imposição de recolhimento domiciliar à noite, o parlamentar fosse suspenso do exercício do mandato, outra hipótese não admitida, em nenhum momento, no texto constitucional.

Decisões semelhantes, mas não iguais, já haviam sido tomadas,a primeira no caso do então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o qual depois de afastado do cargo por maioria de votos do plenário da Casa, teve sua prisão decretada pelo plenário do Supremo Tribunal, a pedido do então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot.

Antes, o Senado da República já havia autorizado a prisão do Líder do Governo, Delcídio do Amaral (PT-MS) porque segundo o MPF fora flagrado em obstrução da justiça, segundo gravação de uma conversa dele num quarto de hotel com um filho de um investigado na Operação Lava Jato. Delcídio teve o mandato cassado pelo Senado e agora está em prisão domiciliar depois de ter firmado acordo de colaboração com o Ministério Público.

Outro episódio que levou o Supremo Tribunal Federal ao quase confronto com o Senado da República foi quando um pedido de liminar, também da lavra do então Procurador Geral Janot, foi acolhido e, assim, determinando-se o afastamento do Senador Renan Calheiros (PMDB-AL) do cargo de Presidente do Senado.

Agora, vendo o incomensurável perigo para a estabilidade das instituições republicanas, caso a decisão recente suspendendo o Senador Aécio Neves (PSDB-MG) e, mais, impedindo-o de sair de casa à noite e até de se reunir com os outros políticos, os Presidentes do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE) e do STF, Ministra Carmen Lúcia, ao que tudo indica, já teriam combinado as coisas.

O PSDB, partido de Aécio, ajuizou hoje à tarde dois Mandados de Segurança objetivando derrogar no plenário da Corte a decisão do órgão fracionário, a Primeira Turma. As medidas liminares que podem ou não ser concedidas pela Presidente do Supremo abortariam, de logo, o choque de trens à vista entre os dois Poderes, o que, aliás, quase aconteceu quando o Senado, no caso Renan Calheiros, resolveu não cumprir a ordem liminar pela qual o Presidente da Mesa deveria ser afastado.

domingo, 1 de outubro de 2017

Porandubas do Torquato

O Professor Gaudêncio Torquato começa hoje com uma historinha da politica de Minas Gerais:

Lei da Gravidade? Ah, de âmbito Federal

A Lei da Gravidade, de vez em quando, dá dor de cabeça aos mineiros. E a lei da gravidez, essa, nem se fala. Na Câmara Municipal de Caeté, terra da família Pinheiro, de onde saíram dois governadores, discutia-se o abastecimento de água para a cidade. O engenheiro enviado pelo governador Israel Pinheiro deu as explicações técnicas aos vereadores, buscando justificar a dificuldade da captação: a água lá em baixo e a cidade, lá em cima. Seria necessário um bombeamento que custaria milhões e, sinceramente, achava o problema de difícil solução a curto prazo, conforme desejavam:

- Mas, doutor - pergunta o líder do prefeito - qual é o problema mesmo?

- O problema mesmo - responde o engenheiro - está ligado à Lei da Gravidade.

- Isso não é problema - diz o líder - nós vamos ao doutor Israel e ele, com uma penada só, revoga essa danada de lei que, no mínimo, deve ter sido votada pela oposição, visando perseguir o PSD.

O líder da oposição, em aparte, contesta o líder do prefeito e informa à edilidade, em tom de deboche, que "o governador Israel nada pode fazer, visto ser a Lei da Gravidade de âmbito Federal". E está encerrada a sessão.

(A historinha é de José Flávio Abelha, em seu livro A Mineirice).

Primavera meio nebulosa

A primavera é a mais bela estação do ano. Há uma explosão de cores nos parques, jardins e alamedas. Mas há algo fora de tom: a impressão é de que, por enquanto, esta explosão ainda não chegou. O amarelo e o roxo dos ipês não estão tão intensos como em anos passados. Será que o clima vivido pelo país é motivo para essa primavera meio nebulosa? O fato é que essa 2ª denúncia contra o presidente Michel Temer e dois ministros deixa o ambiente político mais tenso. A perspectiva é a de que, mais uma vez, a Câmara vetará o pedido de investigação contra Temer. Dessa feita, até com uma votação mais expressiva que a primeira. Mas o país perde o passo e confunde o compasso.

Passo e compasso

Explico. Há uma agenda de reformas posta sobre a mesa política. A economia começa a respirar. O oxigênio chega aos poucos nos poros da indústria, do comércio e dos serviços. O varejo dá sinais de vitalidade. O consumo toma fôlego. O agronegócio está bombando. A confiança de investidores cresce. A inflação desce. Os juros, idem. O PIB volta a ter aumento nas projeções de institutos. Mas o passo do país fica mais devagar. A denúncia de Janot é uma espécie de trava no compasso entre avanço e estática, andar e parar. Esse final de setembro transmite tal sensação. Nuvens ainda plúmbeas teimam em obscurecer o azul do horizonte.

Ensaios presidenciais

Enquanto a pauta fica travada para exame da 2ª denúncia contra o presidente, pré-candidatos ensaiam movimentos eleitoreiros. Geraldo Alckmin, o governador paulista, decidiu se movimentar após ver os passos acelerados de seu pupilo João Doria. Alckmin tem na testa o carimbo do poder paulista. Carece de feição mais nacional. Doria está aqui, ali e acolá. É o mais onipresente dos protagonistas. O excesso de andanças pode lhe dar visibilidade, mas causará canseira. Esgotamento. Marina é quase uma reclusa. Bolsonaro conta com militância aguerrida e simpatizantes nas redes.

A maior interrogação

A maior interrogação diz respeito a Lula. Será candidato? Na visão deste consultor, pela régua de 0 a 100, a possibilidade de emplacar uma candidatura é apenas de 20. Ganhou a sétima denúncia e já tem uma condenação em primeira instância. Vai ser muito difícil passar incólume pela segunda instância. O TRF da 4ª região se mostra muito duro. Vejam o que fez com José Dirceu: aumentou a pena de prisão para 30 anos. Sobram Fernando Haddad e Jaques Wagner. O ex-prefeito parece não ter apetite. E o ex-governador da Bahia possui uma identidade inferior ao tamanho de uma candidatura presidencial.

O palrador

O PDT irá de Ciro Gomes. Atrairia a esquerda se Lula não for candidato? Não. Poderia, isso sim, ter votação ampliada no Nordeste. Ciro é um canhão ambulante. Atira sem medir as consequências. Com seu arsenal linguístico, criará desconfiança junto ao eleitorado. Urge reconhecer, porém, que se trata de um perfil preparado. Em debates, consegue boa performance.

Podemos ou não podemos?

Álvaro Dias ensaia ser candidato pelo PODEMOS, esse partido com um nome bronzeado de marketing. Quem imaginou o nome, deve ter pensado no recado: "hei, leitor amigo, com você junto podemos alcançar a vitória". Ora, de tão óbvia, a asserção cairá no descrédito. Por isso, senador Álvaro, é bem provável que seu PODEMOS não vá muito longe. Conforme-se com a rejeição dos milhões que poderão não seguir seus passos.

As grandes mudanças

Hora de lembrar um preceito da ciência política: as grandes mudanças da História são produzidas quando os favorecidos e apaniguados do poder não têm a capacidade para transformá-lo em força, enquanto os que dispõem de pequeno poderio aproveitam essa capacidade ao máximo para convertê-la em força crescente.

Mulheres

As mulheres deverão fazer uma baciada de representantes maior que a de 2014. Estão muito organizadas. E os escândalos têm preservado a condição feminina. A contaminação do vírus da velha política abarca mais o gênero masculino.

Juízes e procuradores

Os juízes e procuradores estão na crista da onda, puxados pela carruagem de Curitiba. Daí a inferência: terão boa oportunidade caso alguns representantes do Judiciário e do Ministério Público decidam ser candidatos em 2018. Serão vistos como alavanca moral no panorama geral da política. Seria interessante ver alguns procuradores vivendo a real politik. Enfrentariam a dura realidade imposta por nossa cultura política.

Rocinha

O Rio de Janeiro vive a síndrome de Sísifo, aquele condenado pelos deuses a levar uma pedra sobre os ombros para depositá-la no cume da montanha. Quando está prestes a conseguir o feito, eis que a pedra cai e rola ao sopé da montanha. Sísifo volta para tentar novamente. Tentativa que durará por toda a eternidade. Quando imaginamos que o Rio está pacificado, o tiroteio volta intenso com facções criminosas se digladiando e matando inocentes com balas perdidas. O Rio de Janeiro continua lindo... e cada vez mais perigoso.

Manipulação

Em 1922, Walter Lippmann, o famoso jornalista norte-americano, fazia o alerta: "Fabricar consentimento, pela velha arte da manipulação da opinião pública, não morreu com a democracia, como se supunha".

26 recibos

A defesa de Lula apresentou 26 recibos de aluguel da cobertura vizinha ao apartamento dele. Dentre esses, dois com datas inexistentes. Assinados por Glaucos da Costamarques, proprietário do imóvel e primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. Glaucos diz que só recebeu a partir de novembro de 2015. Afinal, a assinatura é dele ou não? E se ele confirmar que assinou, mas não recebeu? Onde está a verdade?

Rebelião das costureiras

O Rio Grande do Norte acaba de presenciar um feito histórico: trabalhadores fazendo uma grande mobilização em defesa de uma empresa, a Guararapes, e mostrando-se revoltados contra o Ministério Público do Trabalho, que está multando a empresa em R$ 38 milhões. A razão? O MPT está vetando as facções de costura (microempresas da área têxtil) que produzem peças adquiridas pela Guararapes.

Pró-Sertão

Trata-se de um projeto chamado Pró-Sertão que dá guarida a cinco mil trabalhadores. O MPT criminaliza a Guararapes, exigindo que essa mão de obra seja incorporada ao quadro efetivo da empresa. Ou seja, o MPT despreza a Lei da Terceirização e joga a Reforma Trabalhista no lixo. Os trabalhadores esperam que a Justiça do Trabalho preserve seus empregos. As facções também chegam a vender seus produtos para outras empresas. Mas o MPT diz que há subordinação das costureiras à Guararapes, daí a exigência para sua incorporação ao quadro de funcionários do grupo. Até quando vamos conviver com essa visão retrógrada?

O Brasil de Campos

Roberto Campos, exímio na arte de atirar contra a improvisação, narra: "O Brasil tem a propriedade de, no começo, anedoticamente divertir, depois exasperar e, por fim, desesperançar aqueles que confiam na racionalidade, na procura de causas e efeitos e na sequência do discurso como sujeito-verbo-predicado".

Cabral, fim de linha

Sérgio Cabral Filho parecia predestinado a chegar ao ápice da política. Tinha o talhe adequado para o alto cargo de presidente da República. Governador do charmoso Estado do Rio de Janeiro, jovial, bom trânsito na esfera política, filho de um grande brasileiro, também de nome Sérgio Cabral, renomado nome das artes e da música popular brasileira, Cabral Filho era um perfil dos mais elevados do PMDB. Preso e condenado a 45 anos de prisão - a pena mais pesada da Lava Jato - acaba de ter seus imóveis postos a leilão, somando um total de R$ 44 milhões. Na política, tudo é possível. Até a ressurreição de mortos. No caso de Cabral, a volta à cena seria um verdadeiro milagre.

CPI da JBS

A CPI da JBS está se apresentando como oportunidade para alguns deputados darem resposta a seus acusadores. Não pode ter esse viés sob pena de cair na desmoralização.

Pleito à moda antiga

O pleito de 2018 poderá ocorrer dentro das velhas regras. O que será um desastre. Havia muita expectativa em torno da reforma política. Que poderá se limitar a detalhes, sem grande significação. Os dois instrumentos mais badalados - cláusula de barreira e fim das coligações proporcionais - ameaçam não passar pelo crivo dos deputados. Temos poucos dias pela frente para aprová-los. Mas o interesse parece concentrado no fundão para financiar as campanhas.

Um sonho

Colombo aferrava-se à obsessão de que poderia chegar ao Oriente pelo caminho do Ocidente. O pensamento não lhe dava trégua. Esta foi a diferença entre Colombo e os seus contemporâneos. Estava convencido. Queria partir. Mas seria forçado a esperar muito. Enquanto aguardava, falava do sonho. D. João II, rei de Portugal, interessou-se pelo assunto e submeteu o projeto de Colombo a uma junta de sábios. Estes condenaram a ideia. Quando morreu a esposa, Colombo gastou a maior parte de suas economias com o enterro. E foi para a Espanha.

Esperou, esperou

Fernando e Isabel, empenhados em dispendiosa guerra com os mouros, deram apenas meio ouvido à proposta do genovês. A rainha, entretanto, foi simpática a ele. Concedeu-lhe uma pensão, enquanto a junta de notáveis do Reino estudava o assunto. Depois de dois anos, a pensão foi suspensa. Foi obrigado a se manter sem ajuda durante os oito anos seguintes com a venda de livros e de mapas que confeccionava. Seus cabelos ficaram brancos. Foi atacado pelo artritismo. Mas nunca desesperou. E, um dia, realizou seu sonho.

Fecho a coluna com Tancredo

Conchavo

Premido pelos casuísmos, Tancredo Neves foi obrigado a fundir o seu PP com o MDB de Itamar. Alguns pepistas pularam do barco e protestaram alegando conchavo. Tancredo foi curto e seco: "Conchavo é a identificação de ideias divergentes formando ideias convergentes". Tinha razão. Há curvas que desembocam em retas.

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Cientista Político, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Atua ainda como Consultor em Marketing Político.


quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Aécio condenado

Para o Senador Aécio Neves (PSDB-MG) a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal afastando-o do exercício do mandato de representante do seu Estado no grande conselho da União Federal e mandando, ainda, que não saia de casa à noite, foi uma condenação sem processo.

A assessoria do Senador Aécio Neves divulgou há pouco esta nota:

“O senador Aécio Neves entende a decisão proferida por três dos cinco ministros da 1ª Turma do STF como uma condenação sem que processo judicial tenha sido aberto. Portanto, sem que sequer ele tenha sido declarado réu e, o mais grave, sem que tenha tido acesso ao direito elementar de fazer sua defesa.

As gravações consideradas como prova pelos três ministros foram feitas de forma planejada a forjar uma situação criminosa. Os novos fatos vindos à tona comprovam a manipulação feita pelos delatores e confirmam que um apartamento da família colocado à venda foi oferecido a Joesley Batista para que o senador custeasse gastos de defesa.

Usando dessa oportunidade, o delator ofereceu um empréstimo privado ao senador, sem envolver dinheiro público ou qualquer contrapartida, não incorrendo, assim, em propina ou outra ilicitude.

O senador Aécio Neves aguarda serenamente que seus advogados tomem, dentro dos marcos legais, as providências necessárias a buscar reverter as medidas tomadas sem amparo na Constituição. E confia que terá restabelecido o mandato que lhe foi conferido por mais de 7 milhões de mineiros.”

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Escutando Janaína

Sempre tive, tenho e quererei sempre ter o mesmo respeito intelectual de atualmente pela Professora Janaína Paschoal.

A jovem advogada, estudiosa do Direito Penal, que conheci na varanda da nossa casa, em Brasília, não prenunciava nem de longe a mulher que se transmuda em fera quando percebe violações a valores e princípios republicanos.

Atraídas por afinidades profissionais, Eurídice, minha mulher, mais focada em segurança com cidadania e Janaina, em complemento, nas ferramentas legais mínimas necessárias à formação da cidadania, as duas conversando por horas pareciam inundar a casa de esperanças alcançáveis.

Com orgulho ainda hoje vejo em Janaína uma ilimitada paixão pela legalidade democrática. Foi o que a Nação brasileira, por inteiro, constatou nos intermináveis debates que culminaram no impeachment da primeira mulher a ocupar a Presidência e, o que é deplorável, da forma mais desastrada.

Sem a Janaina, apoiada na iniciativa por dois cobras da ciência do Direito – Hélio Bicudo e Miguel Reali Junior, o impedimento da Presidenta não teria acontecido. Dezenas de outras propostas adentraram à Mesa da Câmara, mas sem a motivação e fundamentação jurídicas indispensáveis.

Àquela altura não tínhamos na visão geral em nitidez de bom senso ideia do desastre econômico e social cujos destroços de difícil remoção ainda nos fazem penar.

Ontem à tarde chegou-me por e-mail um texto da Janaina que ela intitulou de “Primeiras notas sobre a resolução 181/17 do CNMP”, ou seja, do Conselho Nacional do Ministério Público. No subtítulo, uma cobrança – “esqueceram que há Constituição Federal e leis no Brasil?”.

A indigitada Resolução do CNMP nº 181/17 objetivaria regulamentar o chamado PIC (Procedimento Investigatório Criminal), a cargo do Ministério Público.

Mas, segundo Janaina, o Conselho transcendeu ao conferir ao Ministério Público “poderes não contemplados nem pela Constituição Federal, nem pela legislação ordinária. E mais, em certas oportunidades torna completamente prescindível o próprio Poder Judiciário!”

“A fim de espancar dúvidas, reitero nunca ter feito oposição à possibilidade de o Ministério Público investigar, sobretudo, sobretudo quando há indicio de corrupção, ou qualquer fato especial a justificar a intervenção”.

“Afinal, prossegue Janaina, em terra com tanto crime, resta temerário concentrar poderes em um único órgão. Ocorre que essa preocupação (de não criar superpoderes) também se aplica ao Ministério Público “.

“Já de plano destaca-se que o artigo 7º confere ao membro do Ministério Público poder irrestrito para inspeções, vistorias e requisições de documentos, inclusive os sigilosos, independentemente da interferência do Poder Judiciário, o que não parece adequado”.

“O artigo 8º, por sua vez, ao tratar da tomada de depoimentos de testemunhas e investigados, traz uma série de inovações que tornará ainda mais morosas as apurações, dado que se fala, inclusive, em deprecar oitivas para as muitas policias. Ora, as investigações pelo Ministério Público são excepcionais, a Resolução o transforma em polícia paralela com ascendência sobre as demais, inclusive as guardas municipais! Isso não é legalmente possível, nem lógico!

“Mas o pior é o artigo 18, que fala do novel Acordo de Não-Persecução Penal. Reza o dispositivo que, em delitos cometidos sem violência ou grave ameaça, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não-persecução penal, desde que este confesse e cumpra, dentre outros, os requisitos de reparar o dano, prestar serviços à comunidade e pagar prestação pecuniária”.

Janaina confirma que essa criação do Conselho do MP não tem nada a ver com a colaboração, ou delação premiada, da lei 12.850/13. Adverte que essa Resolução institui, na prática, a barganha (“plea bargaining”), que além der não ser admitida no Brasil, já foi rechaçada pelo Congresso Nacional.

Na sequência, ainda sobre o artigo 18 da Resolução 181/17, um dos últimos legados da era Janot no Conselho e na condução do MPF:

“A leitura do artigo 18 mostra que para efetivar o novel acordo (de não perseguição penal) é necessário CONFESSAR (veja bem, confessar), como se já não tivéssemos saído da era da confissão como a rainha das provas. Mais grave – continua – é o fato de o Ministério Público se conferir o poder de aplicar pena sem processo e de acompanhar a própria execução.

“Quando a Lei nº 9.099/95 foi promulgada, houve enorme celeuma em torno da possibilidade de se aplicar pena sem processo. Entretanto, nas hipóteses de suspensão condicional e de transação penal, não há assunção de culpa e há a interveniência do Poder Judiciário. Pela Resolução em análise o Juiz não será sequer informado da aplicação da pena”.

Janaína pergunta:

“Depois de confessar, qual garantia terá o cidadão de que um outro membro do Ministério Público não vai pegar seu depoimento e oferecer denúncia?

“Quem advoga sabe bem que, apesar de o Ministério Público ser uno, muitas são as vezes em que um dos seus membros pede absolvição, o Juiz acata e o outro membro recorre. Nesses casos, eles alegam independência funcional.

“E se paralelamente ao tal PIC (Procedimento Investigatório Criminal), tramita um inquérito policial, pelos mesmos fatos, que vem a ser distribuído daquele diverso daquele que preside o procedimento investigatório? A realização do acordo com um impedirá o oferecimento da denúncia pelo outro, com fulcro no que fora apurado no inquérito? O CNMP vai legislar sobre o conflito de atribuições entre os muitos integrantes do Ministério Público?

“Por mais que queiramos que a impunidade seja combatida neste País, não é com a ilegalidade que esse fim se alcançará. O monstro criado (a tal Resolução nº 181/17 do CNMP) parte da premissa de que o Ministério Público é um Poder mais limpo e acima de todos os demais. Independentemente da discussão referente ao ser ou não poder, os últimos fatos mostram que não está imune às fraquezas humanas. Até para a preservação de seu importante e fundamental papel, vale lembrar que o Ministério Público também precisa observar as leis e, sobretudo, a Constituição Federal. A História nos mostra que concentração de força sempre gera arbítrio e, por conseguinte, injustiça”.

As constatações de Janaína Conceição Paschoal, Advogada e Professora Livre Docente de Direito Penal na Universidade de São Paulo, soam como grave advertência ao CNMP em sinal de alerta ao Supremo Tribunal Federal, único hoje ainda com poder nesta República para enquadrar os agentes públicos renitentes à ordem democrática, que no Executivo, no Legislativo e, em especial no próprio Judiciário, fazendo de conta que não sabem, ou por ignorancia não sabem mesmo, que a Constituição há de ser sempre a inspiração única nas decisões administrativas, legislativas, judiciárias e por que não também do Ministério Público, suas corporações e colegiados?

Que mais Janaínas e Janaínos despontem neste cenário já tão infestado por tantas mediocridades. Para o bem da cidadania no Brasil!