sexta-feira, 23 de julho de 2021

Intimidação monstruosa

Veio a público na última quinta-feira, dia 22, a notícia de que o general Walter Braga Netto, ministro da Defesa, chantageou o Poder Legislativo ao enviar ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, um recado golpista. Por intermédio de um interlocutor político, o general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso e auditável. Acompanharam o ato os chefes do Exército, Aeronáutica e Marinha. Na própria quinta-feira, Braga Netto desmentiu a história.

É óbvio que o faria, pois se confirmasse que partira dele tal intimidação monstruosa seria indiscutível motivo de prisão — conforme prevê a Constituição, é crime contra a Nação conspirar com olhos no desmonte da democracia. Também a Constituição prevê eleições periódicas pelo sufrágio universal e voto secreto. Ou seja: o ministro estaria conspirando igualmente contra a realização das eleições presidenciais do ano que vem, caso a Câmara não aprovasse o pleito pelo voto impresso, como quer Jair Bolsonaro — que, de forma aventureira, espalha a mentira de que as urnas eletrônicas são vulneráveis à fraude.

Há outro motivo, ainda óbvio, para Braga Netto negar a chantagem: nenhum golpista confirma o golpe que pretende dar, com dia e hora marcados. Existe uma preocupante coincidência de atitudes autoritárias em tudo isso: no mesmo dia em que Braga Netto ameaçou Lira, o seu chefe, o capitão, declarava: “ou fazemos eleições limpas (leia-se voto impresso) no Brasil ou não temos eleições”. Lira procurou o presidente e contou-se sobre o grave recado do ministro. Mais: disse-lhe que não contasse com a Câmera para a promoção de ruptura institucional. Dentro da estratégia neopopulista, Bolsonaro vai em direção à implantação de um regime autoritário, roendo por dentro as instituições e tentando jogar a população contra os Poderes republicanos. Braga Netto é das antigas: valeu-se de métodos no mínimo anacrônicos para ultrapassar todos os limites na afronta à democracia.

Braga Netto tem nostalgia do mais execrável período da vida brasileira, que foi a ditadura militar

Cabe perguntar ao general, como ele imagina proibir as eleições. Cercando a Câmara e apontando tanques de guerra contra ela? Fazendo o mesmo com o Senado, Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral? Prendendo a ministra Rosa Weber, que à época das eleições presidirá essa Corte? Colocando tropas em marcha pela principais avenidas das cidades brasileiras? Mandando deter populares que se oponham ao golpe? Convenhamos, é muita nostalgia do mais execrável período da vida brasileira, que foi a ditadura militar, no qual a lei morreu sob tortura. Não estamos mais em 1964, muito menos em 1968, ano do AI-5.

A monstruosidade da ameaça de impedir a votação por urnas eletrônicas foi desmentida por Braga Netto com muita timidez e demasiada discrição — e isso é estranho porque, quando se fala inverdades sobre militares, eles costumam fazer um banzé ensurdecedor. Pode ser, também, que com a publicidade da notícia, o genral tenha percebido que o tiro saiu pela culatra: o voto impresso está sepultado definitivamente, porque os parlamentares não vão querer passar ao País a imagem de que o aprovaram por puro medo.

Antonio Carlos Prado, o autor deste artigo, é Editor Executivo da ISTOÉ.

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