terça-feira, 17 de novembro de 2020

Eleições Brasil 2020

Bolsonaro respira por aparelhos e sobrevive politicamente refém do acordo com o Centrão

 Quase 150 milhões de eleitores estavam aptos a votar no domingo e eram grandes as incertezas desde o início, em especial por causa da pandemia. Mas a abstenção – uma das grandes preocupações – não atingiu 25% (em 2018 foi de 20,3%). Vencidas as legítimas angústias, foi atendido o chamamento republicano à renovação da representação política em nossas cidades, nos próximos quatro anos.

A covid-19, que matou mais de 165 mil brasileiros, mantém entubado um finalista das eleições em Goiânia. O presidente da República não administrou essa crise com a seriedade exigida, oscilando entre negacionismo dos fatos e sonegação de informações. Isso obrigou a sociedade a pedir proteção ao STF, exigindo dos veículos de mídia a formação de inacreditável consórcio para ser garantido o acesso à informação. A reação a isso foi implacável nas urnas.

Os eleitores paulistanos chancelaram, em contraponto, o empenho do prefeito na gestão da crise da pandemia e da própria cidade, mesmo lutando contra câncer agressivo. Mas ele terá de enfrentar, nesta travessia rumo ao segundo turno, críticas por promessas não cumpridas (afinal, ele é o prefeito), a seu contestado vice e à sua ligação com Doria, com alta rejeição na capital.

Ao mesmo tempo, evidenciando o desbotamento do lulismo e o enfraquecimento do petismo, com a pior votação da história, a esquerda foi representada em São Paulo por um jovem líder oriundo do movimento dos sem-teto. O PSOL se fortaleceu como partido relevante de esquerda hoje no Brasil.

O declínio do lulismo era mais previsível que o do bolsonarismo. Precoce, já que o presidente conquistou o poder há um ano e dez meses, gozando de aparentes índices de aprovação. Bolsonaro respira por aparelhos e sobrevive politicamente refém do acordo celebrado com o Centrão, o qual jurou solenemente em campanha que jamais procuraria. Pode ser, de fato, que sua aprovação se ampare apenas na distribuição do auxílio emergencial, que logo cessará, e que João Santana, no Roda Viva, tenha acertado na premonição quando afirmou que não será reeleito presidente.

Sem rumos na economia, sem compromisso com a agenda anticorrupção, o presidente transmite a nítida percepção de estar perdido. Nossos “líderes” hoje são os presidentes da Câmara e do Senado, investigados, que querem sua reeleição, vedada pela Constituição. Maia não pauta o fim do foro privilegiado e a prisão após a condenação em segunda instância, nem trata como prioridade a reforma político-partidária e as novas medidas contra a corrupção. No entanto, considera natural retroceder em matéria de punição da lavagem de dinheiro e o enfraquecimento da lei de improbidade administrativa, diminuindo e suavizando penas de corruptos.

A votação decadente do filho Carlos para vereador no Rio, que despencou de 106 mil para 70 mil votos de 2016 para cá, apesar da expectativa de crescimento, fala por si. Perdeu a condição de mais votado. Lembremos que há quatro anos Carlos era filho de deputado e hoje é filho do presidente da República.

Candidata a vereadora apoiada pelo presidente em Curitiba teve parcos 936 votos e a famosa Wal do Açaí, de Angra, que mereceu entusiasmado vídeo de apoio, recebeu 238. O sintomático apagamento da publicação no Facebook do presidente onde os apoiava nestas eleições é sinal inequívoco da contundente derrota política.

Nota-se também que o candidato apoiado pelo governador do Pará, Helder Barbalho, investigado por corrupção, foi barrado: seu primo Priante. E a presença de número recorde de negros, de duas pessoas trans, uma pessoa travesti e de mandatos coletivos são excelentes novidades na Câmara de São Paulo e na de Belo Horizonte, onde uma pessoa travesti foi a mais votada.

Pela terceira vez em São Paulo, Russomanno dispara em primeiro e derrete no final. Parece que ele começa embalado pela popularidade televisiva de programas de gosto duvidoso, onde se apresenta como espécie de xerife de consumidor. Nesta campanha chegou a afirmar que moradores de rua estavam mais protegidos da covid-19 por não tomarem banho. Quase foi considerado ficha-suja há alguns anos, escapando no STF, apesar de condenado em 2019 a devolver valores de salários de funcionária da Câmara que servia a sua produtora particular.

Disseminando fake news acerca de prestadores de serviços ao candidato do PSOL, Russomanno foi condenado pela Justiça Eleitoral a retirar vídeos do ar e ainda tentou com insucesso censurar pesquisas, que há mais de 30 anos são divulgadas com a mesma metodologia. Prevaleceu o respeito ao direito à informação. Por muito pouco Arthur “Mamãe Falei” não o deixa em quinto lugar.

O eleitor de São Paulo, como o de Belém, transmitiu recado: não quer fichas-cinzentas nem políticos ligados a eles. As urnas de 2020 nos mostraram sinal amarelo para os pretensos “salvadores da pátria” e disseminadores de fake news, assim como a ascensão do centro.

Em duas semanas o desenho final se consolidará. Esperamos ter debate mais qualificado sobre políticas públicas.

Roberto Livianu, o autor deste artigo, é doutor em Direito pela USP e Procurador de Justiça em São Paulo. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Publicado originalmente por O Estado de São Paulo, edição de 17.11.2020.

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