segunda-feira, 27 de abril de 2020

A pandemia reduz a probabilidade de afastamento de Bolsonaro

O impeachment competirá na agenda pública com a crise sanitária, avalia o Professor Marcos André Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, para a Folha de São Paulo.

A probabilidade de deflagração de impeachment é alta na presença de quatro fatores: escândalos, manifestações de rua, crises econômicas e presidentes com base parlamentar minoritária. Esses elementos estão presentes, mas a pandemia e a demissão de Moro afetam o resultado final de maneira não-trivial. Senão vejamos.

Foram escândalos que deflagraram a demissão de Moro, um dos esteios da coalizão que levou Bolsonaro à vitória. Aqui não há surpresas: havia incompatibilidade dinâmica entre sua permanência e as ligações perigosas da família presidencial.

Há, de fato, protestos, mas as condições para a ação coletiva massiva são mínimas dadas as medidas de distanciamento social, malgrado a repercussão robusta dos panelaços.

Além disso, o presidente conta com apoio forte de cerca de 1/5 da população e detém alguma capacidade de mobilização. O apoio difuso atingia pouco mais de metade da população, mas deverá se reduzir de forma vertiginosa dado a fratura da coalizão. Ainda assim, o núcleo duro poderá prover algum escudo protetor.

A crise econômica poderá atingir proporções bíblicas. Mas a sequência importa: a crise sanitária será concentrada nos próximos meses, a econômica incidirá com violência depois, se estendendo por alguns anos. A estratégia de transferir a culpa para governadores e a bazuca fiscal do governo terão efeitos mitigadores sobretudo nos setores de baixa renda beneficiários de transferências. As fortes perdas de apoio nos estratos médios e empresariado devido à fratura da coalizão correspondem a algum ganho naqueles setores.

Finalmente, no Congresso o presidente não conta com uma base parlamentar de apoio, mas os custos de coordenação com o Congresso funcionando de forma virtual são muito elevados. Ademais, mobilização na rua e no Congresso não são substitutos, mas complementos: se as ruas estão desertas, o Congresso responderá às redes e aos panelaços?

O impeachment não é uma revolução, mas a destituição de um presidente cujo desenlace é a assunção do vice. Haverá apoio congressual para deflagrá-lo apenas quando uma supermaioria parlamentar preferir a alternativa representada pelo vice- presidente ao status quo.

Para setores da esquerda, o inimigo não é mais Bolsonaro, e sim Moro, que se agigantou politicamente. Antes lhes interessava deixá-lo sangrar, mas agora Bolsonaro é carta fora do baralho. O impeachment poderá interessar a esses setores para atacar Moro.

O impeachment competirá, no entanto, na agenda pública com a crise sanitária. A janela para o impeachment criada pela demissão de Moro ocorre às vésperas do pico do flagelo, o que a enfraquece. Ou a inviabiliza.

Marcus André Melo é Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA). Este artigo foi publicado originalmente pela Folha de São Paulo, edição de 27.04.20


Nenhum comentário: