segunda-feira, 17 de junho de 2019

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha mineira sobre o burro.

Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada:

- Esta estrada vai até onde?

- Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras.

- Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição?

- Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando.

- E quando não tem burro?

- Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo.

O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia.

Vazamentos

A prática de vazamentos chegou nos roçados do hoje ministro Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol. A operação Lava Jato é objeto de mais um episódio com cheiro de escândalo: as conversas entre o então juiz Moro e o procurador, com o primeiro orientando a conduta do segundo, coisa proibida tanto pelas normas do Judiciário quanto pelo código do Ministério Público. De onde teriam partido os vazamentos? Alas em querela das corporações envolvidas na operação do Direito?

CPP

O Código do Processo Penal, em seu artigo 254, diz que o juiz deve declarar-se suspeito ou pode ser recusado pelos envolvidos no processo "se tiver aconselhado qualquer das partes" - defesa ou acusação. Mais adiante, o artigo 564 do CPP aponta os casos em que ocorrerá a nulidade, entre eles "por incompetência, suspeição ou suborno do juiz". Os especialistas pontuam: "Juiz não pode investigar, não pode orientar os órgãos de acusação em suas iniciativas de apuração e não pode discutir estratégia de investigação com o MP".

Anormalidade

A observação de juristas é a de que o vazamento não demonstra inocência de Lula, objeto da conversa, mas sinaliza anormalidade na conduta dos dois protagonistas da Lava Jato, o juiz e o procurador. Luiz Inácio volta ao centro da cena, desta vez sob a sombra de suspeição do acusador e do julgador. O PT retoma o discurso da vítima perseguida, da parcialidade e injustiça no julgamento. O caso reabre a discussão da condenação de Lula nas três instâncias. É possível que o STF receba denúncia e paute o tema.

The Intercept

O vazamento bateu no site "The Intercept", fundado pelo jornalista norte-americano Glenn Greenwald, também conhecido por ter ajudado o ex-analista de sistemas Edward Snowden a revelar informações secretas da Agência de Segurança Nacional dos EUA. O exército bolsonariano vai explorar a união entre Glenn e o deputado do PSOL, David Miranda, que assumiu com a renúncia de Jean Wyllys. Não vai colar. Não é com discriminação que Moro e Dallagnol serão protegidos.

Agenda do Executivo

O affaire abre mais polêmica sobre a Lava Jato, com a esfera política atacando a operação. O fato é que nesse momento em que se debate a reforma da Previdência o anúncio da "combinação" entre Moro e Dallagnol gera forte impacto e atrapalha a agenda do Executivo.

Nada de mais

O ministro Moro não enxerga ilicitude na conversa. Para ele, não há nada de mais, não há "nenhuma orientação naquelas mensagens". Mas o conteúdo se confirma. A frente política vai querer ir fundo na tentativa de descobrir erro ou falta de ética na conduta dos dois interlocutores. Com a suspeição sobre suas costas, o ministro da Justiça Moro perde prestígio junto ao corpo parlamentar. Seu pacote anticrime tende a não avançar. Moro desce do pedestal onde se encontra. No ar, o apelo para sua saída do governo.

Alternativas de Moro

O desenrolar das apurações ditará a trajetória do ministro Moro, abrindo uma das alternativas: a) comprovação de atitudes antiéticas e consequente saída do Ministério; b) comprovação de comportamento antiético, mas permanência no Ministério sob "confiança irrestrita do presidente Bolsonaro"; c) comprovação de que não houve ilícito e arquivamento do caso e d) anulação das decisões do juiz pelo STF, caso a Corte acolha a denúncia e paute o tema. Seja qual for o desfecho, a imagem de Sérgio Moro estará arranhada. A chance de ser nomeado mais adiante para ocupar o lugar de Celso de Mello no STF perde força. Mas a tendência de que poderá habitar o planeta político em 2020 é viável. Não se deve esquecer que o ex-juiz já entrou no sistema cognitivo nacional. Bater nele significa torná-lo vítima sob a hipótese de ganhar mais relevo.

E Bolsonaro, hein?

Há quem aposte na ideia de que, no íntimo, o presidente Bolsonaro vibra de satisfação. Mancha sobre a imagem do até então "ícone da moral" o afastaria do páreo presidencial de 2020, deixando Bolsonaro mais à vontade. Há muito chão pela frente. Moro pode se recuperar e ganhar seu vetor de força. Se não for nomeado para o Supremo, pode, sim, vir a ser potencial candidato contra o próprio Bolsonaro.

Rixa nas redes

Nas redes sociais, veremos o exército de admiradores de Sérgio Moro fazendo contundente defesa de sua atuação, enquanto o exército de opositores, sob o comando do PT, trombeteará sua parcialidade e comportamento vexatório na primeira instância de Curitiba.

Alternativas do procurador

Quanto ao procurador, as alternativas que se apresentam são: a) apuração de sua conduta pelo Ministério Público Federal; b) afastamento do procurador da operação Lava Jato, caso seja punido. No caso de absolvição, tanto o juiz quanto o procurador se respaldarão no argumento de que as interlocuções mantidas - mesmo verdadeiras - não apontam para combinações. Ademais, frases teriam sido apartadas de seu contexto.

OAB pede afastamento

O Conselho Federal da OAB pede que Moro e Dallagnol se afastem de seus atuais cargos.

A Exaltação de Lula

O maior ganho de todo o imbróglio será de Lula, cuja condição de vítima de injustiças e perseguição por parte de Moro e dos procuradores de Curitiba será propagada pelas trombetas do PT. Com a vitimização de Lula tomando os espaços da expressão petista, não se descarta a mobilização da galera das ruas. O comandante petista veria reforçada a pressão por sua liberdade. Se não for condenado em segunda instância no caso do sítio de Atibaia até setembro deste ano, ganha o direito de prisão em regime semi-aberto ou domiciliar. O PT se motiva a recomeçar a algazarra das ruas.

O vazamento nos jornais

O Manchetômetro, site de acompanhamento da grande mídia sobre temas de economia e política, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisou a cobertura dos três maiores jornais brasileiros na segunda e terça-feira sobre o vazamento das conversas na Lava Jato. Conduzido pelos professores Eduardo Barbarela e João Feres Junior, o estudo mostrou que a Folha de S. Paulo foi o que mais abriu espaço para o escândalo, com 33 textos: 9 críticos à Intercept, 14 críticos a Moro e 14 neutros/ambivalentes. O Estado de S. Paulo foi o mais econômico, com onze textos: três de críticas à Intercept, três críticos a Moro e cinco neutros/ambivalentes. O Globo ficou no meio, com 21 matérias: seis criticam a Intercept, dois criticam Moro e 13 são neutros/ambivalentes.

Sem base

O tempo corre. Já estamos quase em meados do sexto mês e o governo ainda não dispõe de uma base sólida de apoio parlamentar. O próprio líder do governo na Câmara, major Victor Hugo, reconhece que o governo poderá desistir dessa base. Teria condições de tocar sua agenda de reformas sem contar com o necessário apoio de uma grande bancada de deputados e senadores? Difícil. Para tanto, o presidente deverá insuflar sua base de simpatizantes, que fará pressão sobre o Congresso. Tarefa desafiadora e perigosa.

Laércio no top

Estrela ascendente no Congresso é o deputado Laércio Oliveira, empresário, presidente da Federação do Comércio de Sergipe, relator do projeto de Terceirização e um dos mais articulados parlamentares. Acaba de ingressar, mais uma vez, no prestigiado ranking da Assessoria Parlamentar (DIAP) como um dos 100 deputados mais influentes no Congresso.

Previdência

Este consultor não tem dúvidas: a reforma da Previdência será aprovada. Pode haver atraso na aprovação, na esteira do vaivém congressual, que escancara a desorganização do sistema de articulação do governo. Ao final, porém, veremos o bom senso prevalecer. O mercado começa a aceitar tal hipótese. O Brasil será inviável sem reforma da Previdência. E mais: veremos também ainda este ano boa fatia da reforma tributária ser aprovada. A conferir.

Dupla de pilotos

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se dão as mãos pelo avanço do país. Fizeram um pacto com o fito de levar adiante o programa reformista, sem ficar aguardando os passos de caranguejo do governo. Agirão como os dois grandes pilotos das reformas.

II parte

Teoria e prática da política

Canibalização

Entende-se por canibalização o esmaecimento de um perfil de baixa visibilidade perante outros, de alta visibilidade. Canibalizar - comer, devorar, superpor, ultrapassar, esmaecer. Esse é um princípio consagrado da comunicação. O mais forte massacra o menor. O sistema cognitivo das massas acaba substituindo nomes e perfis menos visíveis por nomes e perfis mais visíveis.

O discurso político

Costumo bater nesta tecla. Muita gente se engana com a eficácia do discurso político, uma composição entre semântica e estética. O que muitos não sabem é que a eficácia do discurso depende 7% do conteúdo da expressão e 93% da comunicação não verbal. Esse é o resultado de pesquisas que se fazem sobre o tema desde 1960. E vejam só: das comunicações não verbais, 55% provêm de expressões faciais e 38% derivam de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos, postura, etc. Ou seja, do que se diz, apenas pequena parcela é levada em consideração. O que não se diz, mas se vê, tem muito maior importância.

Atenção para a cultura do país

Na campanha presidencial da Argentina de 1999, uma peça produzida por um marqueteiro brasileiro mostrava o candidato governista, Eduardo Duhalde, cabisbaixo, e um locutor dizendo: "Você acha justo o que estão fazendo com ele"? Para a machista sociedade argentina, um candidato que se apresenta como perdedor é o retrato de uma tragédia. A peça provocou a ira implacável da mulher do candidato, Hilda. A cultura argentina não cultiva tanto a emoção quanto a brasileira. O trabalho, considerado desastroso, provocou a queda de Duhalde nas pesquisas. Foram torrados US$ 25 milhões em dois meses.

A cor vermelha (curiosidade)

Fatores visuais empregados, bandeiras e estandartes, são frequentemente de cor vermelha nos movimentos de caráter revolucionário. Isso se explica pela ação fisiológica excitante dessa cor que atua mesmo sobre certos animais, os touros, por exemplo. De Felice cita um caso ocorrido em uma fábrica de produtos fotográficos, onde os operários que trabalhavam constantemente com luz vermelha eram excitados, facilmente irritadiços; mudou-se a luz para verde e a irritação desapareceu. É também possível que "a visão do sangue seja evocada em alguns pela cor vermelha intensa e desperte neles impulsos bestiais que a censura social tinha recalcado e que os predispõem a entregar-se a atos de violência". (Thackhotine em Mistificação das Massas pela Propaganda Política)

A rede de Cícero

O estadista romano Cícero era da nobreza inferior e tinha poucas chances de poder, a não ser que conseguisse abrir espaço entre os aristocratas que controlavam a cidade. Ele fez isso com brilhantismo, identificando todas as pessoas influentes e descobrindo as conexões entre elas. Ele se misturava por toda parte, conhecia todo mundo, e tinha uma rede de conexões tão vasta que um inimigo aqui poderia facilmente ser contrabalançado por um aliado ali.

Gaudêncio Torquato, cientista político e consultor em marketing político, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes na Universidade de São Paulo. 

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Livro Porandubas Políticas
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