quinta-feira, 9 de maio de 2019

Uma história que não dá para esquecer

Por Antonio Carlos Lima

Desde aquela remota manhã de março em que, pela primeira vez, visitei a redação deste jornal, como candidato a foca, já se passaram 43 anos.

Recém-chegado do interior, aprovado no Vestibular para o curso de Comunicação Social da UFMA, trazia em mãos um bilhete da jornalista Lúcia Rito, da revista Veja, para o também jornalista Edson Vidigal. Ao lado dela, Vidigal participara, anos antes, de um curso de Jornalismo promovido pela revista para a descoberta de novos talentos em todo o País, e se tornara correspondente da publicação no Maranhão.

Lúcia Rito conhecera-me no ano anterior, em Barra do Corda, onde eu, adolescente ainda, vivia com meus pais, estudante do 2o. Grau no Colégio Diocesano e co-editor de um jornalzinho mimeografado, “O Pássaro”.

Acompanhei-a em visita a uma aldeia de índios guajajara, ajudei-a a fazer contato com dirigentes locais da Funai e, antes de retornar ao Rio de Janeiro, ela disse-me, em tom de aconselhamento, que o meu caminho natural era fazer a faculdade de Comunicação Social e exercer o jornalismo profissional, sem demora. “Quando chegar a São Luís, entregue esse bilhete ao Vidigal”, ela me disse.

Foi o que fiz naquela manhã de março de 1976, já matriculado na UFMA. No dia seguinte, estava trabalhando como repórter, numa redação chefiada pelo jornalista e poeta Bandeira Tribuzi, espécie de divindade no meio intelectual ludovicense, principalmente o estudantil, por sua oposição ao regime militar, com seus poemas libertários e sua vasta cultura. Tribuzi acolheu-me com o mesmo entusiasmo de seu colega da Veja.

Foi um alumbramento. Sair da redação de um jornalzinho impresso num mimeófrago elétrico instalado no corredor da casa de meus pais, em Barra do Corda, num exercício semanal mais lúdico do que jornalístico, para a redação do maior jornal do Maranhão, era, sem dúvida, um grande passo.

Após aquele primeiro contato, tive muitas outras experiências no Jornalismo, mas, diversas vezes, retornei ao O Estado do Maranhão. Em períodos alternados, fui aqui repórter, editor, chefe de reportagem e, finalmente, diretor de Redação, cargo que assumi em 1983 (foto) a convite do amigo Fernando Sarney, que confiara a direção geral ao arquiteto e escritor Pedro Costa, filho do poeta Odylo Costa, filho. Pedro era casado com Paloma Amado, filha do escritor Jorge Amado, e mudara-se havia pouco para São Luís.

De 1983 a 1990, deu-se, naquela redação, a minha mais rica experiência profissional e humana. Fico imaginando hoje como era fazer um jornal diário sem o auxílio de computadores e sem a Internet.

Os símbolos do avanço tecnológico eram dois aparelhos de telex, que vomitavam o dia inteiro centenas de metros de papel impressos com notícias distribuídas pelas agências Estado, Globo e Associated Press (AP), e dois equipamentos de radiophoto e telephoto, da UPI (United Press International) e da AP, que demoravam uma eternidade para imprimir as imagens.

Não havia telefone celular, óbvio. A televisão e o rádio sempre surpreendiam os jornais na guerra pela notícia. As páginas do jornal eram montadas artesanalmente.
Os textos saíam das barulhentas máquinas de escrever para as mãos dos revisores, iam para a diagramação e, em seguida, para os aparelhos de composição fotográfica. Só depois de montada numa “boneca”, a página seguia para o processo químico que a transformava em fotolito e chapa metálica. Dali, em duplas, ia para a impressão, já em off-set.

Compensávamos nossas limitações tecnológicas com a ousadia na formação de nossas equipes. Recrutávamos na universidade e nos meios acadêmicos e intelectuais os melhores quadros, e formamos uma excepcional equipe de repórteres, redadores, fotógrafos e colaboradores.

Nosso principal revisor, durante muito tempo, foi o escritor Viégas Netto. O chefe de reportagem era o talentoso Othelino Filho (pai do atual deputado Othelino Neto). O editor de política, Ribamar Corrêa. A bibliotecária Rosa Ferreira Lima, depois diretora da Biblioteca Pública, era a chefe do nosso arquivo. Pergentino Holanda era já o maior colunista do Maranhão.

Quando criei o Caderno Alternativo, convidei um time de primeira ordem para revesar-se na crônica diária: Nonnato Masson, Ubiratan Teixeira, José Chagas, Jomar Moraes, Benedito Buzar, Ivan Sarney, Bernardo Coelho de Almeida, Joaquim Itapary. A agenda cultural era o foco principal do caderno.

Antes de completar o segundo ano no cargo, o dono do jornal, o então senador José Sarney, rompera com o governo militar e formara, com Tancredo Neves, a Aliança Democrática. Tancredo foi eleito presidente, e Sarney, vice. Tancredo morreu, Sarney assumiu a Presidência da República.

Presidente, Sarney exigia que este jornal, por ele chamado carinhosamente de “New York Times do Maranhão”, estivesse diariamente à sua disposição no Palácio da Alvorada. Eventualmente, enviava artigos e bilhetes ao diretor de redação. Sempre para elogiar, sugerir ou incentivar: “Ouse!”, aconselhava, quando mandava exemplares de jornais dos diversos lugares do mundo que visitava.

Como diretor de redação do jornal, testemunhei momentos marcantes da Nova República.

Assisti à quadragésim assembleia da Organização das Nacões Unidas, durante a qual Sarney citou um poema de Bandeira Tribuzi, meu primeiro chefe no jornal. Enviado pelo jornal, cobri o 30o aniversário da tomada do Quartel Moncada pelos revolucionários de Fidel Castro, em Cuba. Meu relato sobre a viagem, aqui publicado, recebeu o Prêmio Fenaj de Jornalismo. (Na foto, recebo o prêmio das mãos de Carlos Castello Branco, um dos maiores colunistas políticos do Brasil de todos os tempos).

Hoje, quando O Estado do Maranhão completa 60 anos de existência, revigorado pelas novas tecnologias, que o tornam disponível para o leitor a qualquer hora e em qualquer lugar do planeta, produzido por uma equipe jovem, ágil e competente, sob a liderança de Cloves Cabalau, orgulho-me de ter sido, há pelo menos 43 anos, testemunha privilegiada, e, em momentos significativos, protagonista dessa história.

A jornalista Lúcia Rito, que hoje é apenas uma doce e grata lembrança, estava certa quando, naquele distante 1975, afirmou que o meu caminho natural era o Jornalismo. E  também quando entregou-me o bilhete que me abriu as portas deste jornal, que, para alegria de leitores e anunciantes, torna-se agora sessentão.

Essa é uma história que não dá para esquecer.

(Artigo publicado n’O Estado do Maranhão, em edição comemorativa dos seus 60 anos de fundação. 01.05.2019).

Inteiramente fiel. Guardo tudo na memória. Com uma nitidez absoluta. Parabéns! O jornal me deletou, mas a verdade da história o delata. É muito bom constatar que o mundo local maranhense ainda habita pessoas do bem como você.

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