quinta-feira, 8 de março de 2018

Sinuca de bico



Por Edson Vidigal

Precedentes jurisprudenciais são encontráveis em porções apreciáveis conforme o foco que se queira dar à questão do momento.
Não penso que isso seja bom porque, no mínimo, não ajuda a segurança jurídica, essencial à estabilidade democrática.
Precedentes jurisprudenciais não devem ser evocados como se apanhados num cisqueiro e atirados às agendas das discussões só para tumultuar os encadeamentos.
Direito, afinal, para realizar a Justiça não prescinde de generosas doses de lógica aliada a inquestionável bom senso.
Precedentes, meros precedentes, não se confundem com sumulas vinculantes, eis que estas sim é que produzem, por obvio, efeitos obrigatórios. Nesse ponto, o Ministro Pertence, tem toda razão.
No campo do habeas corpus, por exemplo, nossas principais Cortes, tanto a Suprema quanto a Superior, estão a exarar nos últimos tempos, e mais ainda nestes estranhos tempos, os mais conflitantes entendimentos.
Não são poucas as vezes em que nos assustam com decisões conflitantes em situações semelhantes, umas indeferindo, outras concedendo, muitas nem conhecendo.
O medo do apocalipse se transmuda em alívio ao constatarmos que o remédio heroico do habeas corpus não sucumbirá contaminado pelas intolerâncias e ineficácias de precedentes que afoitamento vão se desintegrando do ordenamento jurídico podendo adoecer por anemia e fraqueza a Constituição, quiçá a República!
Tudo bem, nada mal. Como diria Winston Churchill, “não há mal nenhum em mudar de opinião. Contanto que seja para melhor”. Felizmente, há uma maioria pensando assim no STF e no STJ. Teimando como Churchill.
O ânimo da mudança para melhor não vem só do grande estadista e Nobel de Literatura inglês.
Da França já aconselhava o grande Vitor Hugo – “mude suas opiniões, mantenha seus princípios. Troque suas folhas, mantenha suas raízes.
Também Marco Aurélio, o exemplar Imperador e filosofo romano – “mudar de opinião e seguir quem te corrige é também o comportamento do homem livre.
E encerrando o desfile, um dos principais da literatura e do jornalismo português, Alexandre Herculano – “Eu não me envergonho de corrigir os meus erros e de mudar de opinião, porque não me envergonho de raciocinar e aprender”.
O Direito é uma ciência andante pari passo com a Realidade Social. Nem sempre a norma saída da fornalha do legislador toca na Realidade Social.
Daí a necessidade de um ser, encontrável in natura unicamente entre os racionais na natureza humana, passível, por conseguinte, de muitos erros e grandes acertos, na função quase divina de realizar a Justiça, declarando a cada um o que é seu segundo uma igualdade.
Numa sociedade democrática, a busca para a realização da Justiça focando a lanterna de lentes fortes do Direito sobre o fato típico da complexa Realidade Social não é tarefa que se entregue aos que, por mais hermeneutas que se mostrem, carecem de coragem, a coragem para conceder ou negar, e em especial, a coragem para mudar. Para melhor, é claro.
Não são poucos os entendimentos do passado, que pareceram pétreos, que o próprio STF recolheu depois à memória dos arquivos, não se deixando seguir pela bussola dos precedentes enferrujados.
A Constituição da República já não é mais adolescente. Vai para 30 anos, como diria Sartre, a idade da razão.
O princípio segundo o qual é assegurado a todo acusado o direito de ser presumido inocente, estado de inocência esse que só se extingue com o trânsito em julgado da decisão condenatória, é uma garantia mesmo ou jujuba para tingir de esperanças petições de defensores públicos e de advogados?
Sei, não. Mas o que se diz por aí sobre o “habeas corpus” negado pelo STJ ao ex-Presidente Lula acabou empurrando para uma sinuca de bico a maioria ínfima da Corte Suprema em cujos precedentes o STJ se escorou com brilho, respeitável brilho, dos 5 Ministros da 5ª. Turma.
Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal. E Professor de Direito na Universidade de Brasília.
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