quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Cada caso é um caso

Ainda sobram resmungos de revolta incontida, no mínimo, de decepção alastrante, ante o desfecho do que a ignorância ou a má fé carimbou como crise institucional uma divergência quanto ao que podem, e devem fazer, no quesito das imunidades parlamentares o Supremo Tribunal Federal e o Senado da República, valendo o mesmo, por extensão, para a Câmara dos Deputados.

Tudo girou em torno do que diz e do que não diz a Constituição do Brasil, que muita gente em destaque e com poder de influência sobre a opinião pública parece nunca ter lido e se leu não entendeu e se entendeu logo depois esqueceu.

Por isso essas conclusões enviesadas de que o Supremo Tribunal Federal perdeu poder ao remeter para o Senado a decisão se mantinha ou não suspenso de suas funções e sob medidas alternativas um Senador da República. No Estado Democrático de Direito não existe isso.

A crise institucional que não houve, é bom lembrar, foi mais uma daquelas derrapadas típicas da afoiteza inconcebível em quem, ainda que aprovado em concurso ou em sabatina, não alcançou a maturidade e a prudência indispensáveis ao oficio de realização da Justiça.

A Constituição da República resume esses pré-requisitos indispensáveis aos que se propõem, de um lado, a denunciar e do outro, a processar e julgar, a essas duas expressões singelas - notável saber jurídico e reputação ilibada. Não é tão fácil.

Os agentes do Ministério Público atuam sob garantias constitucionais idênticas às dos Magistrados – não podem ser removidos, não podem ser demitidos e não podem ter seus salários reduzidos.
Não são privilégios deles. São garantias da sociedade para que todos tenham direito ao devido processo legal, à ampla defesa, ao exercício do contraditório. Para que qualquer acusado tenha assegurados esses direitos, inclusive o de não ser processado por juízo ou tribunal de exceção, os agentes do Ministério Público e os juízes de todos os tribunais gozam de todas as proteções legais.

Como todo poder emana do Povo que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente na forma estabelecida pela Constituição, o mandato popular para que seja efetivamente exercido, sem ameaças ou medos, confere ao eleito, desde a diplomação, a imunidade parlamentar pela qual são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Nos termos da Constituição, os crimes comuns dos congressistas não acobertados pela imunidade, são processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, mas os Deputados ou Senadores somente poderão presos em casos de flagrante delito de crime inafiançável, mas ainda assim, os autos do flagrante terão que ser enviados à Câmara ou ao Senado, praso de 24 horas para que pelo voto da maioria se resolva sobre a prisão.

Oportuno registrar que inafiançáveis são, além de matar alguém, os chamados crimes barra pesada, tipo tráfico de drogas, de armas ou de pessoas, racismo, terrorismo, estupro – evidente que nenhuma dessas ilicitudes pegaria bem a um representante do povo.

A jurisdição do Supremo se efetiva depois do recebimento formal da denúncia do Ministério Público indispensável à instauração da ação penal. Ainda assim, poderá o parlamentar processado seguir com o mandato até o final, desde que a Câmara ou o Senado resolva, por maioria de votos, sustar o processo e ao mesmo tempo o prazo de prescrição.

Isso significa dizer que, em respeito à soberania popular, o congressista poder continuar livremente no mandato, mas com data certa para a reabertura do processo, ou seja, no dia seguinte ao término da legislatura.

Isso é o que está escrito na Constituição do Brasil. Ah e os Ministros do Supremo? Havendo denuncia por crime de responsabilidade, são processados e julgados pelo Senado. Como foi a Dilma, então Presidente. O Procurador Geral da República não só é processado pelo Senado como o Senado pode tirá-lo do cargo, ex-ofício, em plena duração do mandato.

Então, melhor levar para casa e começar a ler, além da sua bíblia, a Constituição do nosso País. Cada caso tem sua peculiaridade. Mas nada acima nem abaixo da Constituição.

Edson Vidigal, Advogado, foi Professor de Direito na Universidade de Brasília e Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

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