quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Escutando Janaína

Sempre tive, tenho e quererei sempre ter o mesmo respeito intelectual de atualmente pela Professora Janaína Paschoal.

A jovem advogada, estudiosa do Direito Penal, que conheci na varanda da nossa casa, em Brasília, não prenunciava nem de longe a mulher que se transmuda em fera quando percebe violações a valores e princípios republicanos.

Atraídas por afinidades profissionais, Eurídice, minha mulher, mais focada em segurança com cidadania e Janaina, em complemento, nas ferramentas legais mínimas necessárias à formação da cidadania, as duas conversando por horas pareciam inundar a casa de esperanças alcançáveis.

Com orgulho ainda hoje vejo em Janaína uma ilimitada paixão pela legalidade democrática. Foi o que a Nação brasileira, por inteiro, constatou nos intermináveis debates que culminaram no impeachment da primeira mulher a ocupar a Presidência e, o que é deplorável, da forma mais desastrada.

Sem a Janaina, apoiada na iniciativa por dois cobras da ciência do Direito – Hélio Bicudo e Miguel Reali Junior, o impedimento da Presidenta não teria acontecido. Dezenas de outras propostas adentraram à Mesa da Câmara, mas sem a motivação e fundamentação jurídicas indispensáveis.

Àquela altura não tínhamos na visão geral em nitidez de bom senso ideia do desastre econômico e social cujos destroços de difícil remoção ainda nos fazem penar.

Ontem à tarde chegou-me por e-mail um texto da Janaina que ela intitulou de “Primeiras notas sobre a resolução 181/17 do CNMP”, ou seja, do Conselho Nacional do Ministério Público. No subtítulo, uma cobrança – “esqueceram que há Constituição Federal e leis no Brasil?”.

A indigitada Resolução do CNMP nº 181/17 objetivaria regulamentar o chamado PIC (Procedimento Investigatório Criminal), a cargo do Ministério Público.

Mas, segundo Janaina, o Conselho transcendeu ao conferir ao Ministério Público “poderes não contemplados nem pela Constituição Federal, nem pela legislação ordinária. E mais, em certas oportunidades torna completamente prescindível o próprio Poder Judiciário!”

“A fim de espancar dúvidas, reitero nunca ter feito oposição à possibilidade de o Ministério Público investigar, sobretudo, sobretudo quando há indicio de corrupção, ou qualquer fato especial a justificar a intervenção”.

“Afinal, prossegue Janaina, em terra com tanto crime, resta temerário concentrar poderes em um único órgão. Ocorre que essa preocupação (de não criar superpoderes) também se aplica ao Ministério Público “.

“Já de plano destaca-se que o artigo 7º confere ao membro do Ministério Público poder irrestrito para inspeções, vistorias e requisições de documentos, inclusive os sigilosos, independentemente da interferência do Poder Judiciário, o que não parece adequado”.

“O artigo 8º, por sua vez, ao tratar da tomada de depoimentos de testemunhas e investigados, traz uma série de inovações que tornará ainda mais morosas as apurações, dado que se fala, inclusive, em deprecar oitivas para as muitas policias. Ora, as investigações pelo Ministério Público são excepcionais, a Resolução o transforma em polícia paralela com ascendência sobre as demais, inclusive as guardas municipais! Isso não é legalmente possível, nem lógico!

“Mas o pior é o artigo 18, que fala do novel Acordo de Não-Persecução Penal. Reza o dispositivo que, em delitos cometidos sem violência ou grave ameaça, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não-persecução penal, desde que este confesse e cumpra, dentre outros, os requisitos de reparar o dano, prestar serviços à comunidade e pagar prestação pecuniária”.

Janaina confirma que essa criação do Conselho do MP não tem nada a ver com a colaboração, ou delação premiada, da lei 12.850/13. Adverte que essa Resolução institui, na prática, a barganha (“plea bargaining”), que além der não ser admitida no Brasil, já foi rechaçada pelo Congresso Nacional.

Na sequência, ainda sobre o artigo 18 da Resolução 181/17, um dos últimos legados da era Janot no Conselho e na condução do MPF:

“A leitura do artigo 18 mostra que para efetivar o novel acordo (de não perseguição penal) é necessário CONFESSAR (veja bem, confessar), como se já não tivéssemos saído da era da confissão como a rainha das provas. Mais grave – continua – é o fato de o Ministério Público se conferir o poder de aplicar pena sem processo e de acompanhar a própria execução.

“Quando a Lei nº 9.099/95 foi promulgada, houve enorme celeuma em torno da possibilidade de se aplicar pena sem processo. Entretanto, nas hipóteses de suspensão condicional e de transação penal, não há assunção de culpa e há a interveniência do Poder Judiciário. Pela Resolução em análise o Juiz não será sequer informado da aplicação da pena”.

Janaína pergunta:

“Depois de confessar, qual garantia terá o cidadão de que um outro membro do Ministério Público não vai pegar seu depoimento e oferecer denúncia?

“Quem advoga sabe bem que, apesar de o Ministério Público ser uno, muitas são as vezes em que um dos seus membros pede absolvição, o Juiz acata e o outro membro recorre. Nesses casos, eles alegam independência funcional.

“E se paralelamente ao tal PIC (Procedimento Investigatório Criminal), tramita um inquérito policial, pelos mesmos fatos, que vem a ser distribuído daquele diverso daquele que preside o procedimento investigatório? A realização do acordo com um impedirá o oferecimento da denúncia pelo outro, com fulcro no que fora apurado no inquérito? O CNMP vai legislar sobre o conflito de atribuições entre os muitos integrantes do Ministério Público?

“Por mais que queiramos que a impunidade seja combatida neste País, não é com a ilegalidade que esse fim se alcançará. O monstro criado (a tal Resolução nº 181/17 do CNMP) parte da premissa de que o Ministério Público é um Poder mais limpo e acima de todos os demais. Independentemente da discussão referente ao ser ou não poder, os últimos fatos mostram que não está imune às fraquezas humanas. Até para a preservação de seu importante e fundamental papel, vale lembrar que o Ministério Público também precisa observar as leis e, sobretudo, a Constituição Federal. A História nos mostra que concentração de força sempre gera arbítrio e, por conseguinte, injustiça”.

As constatações de Janaína Conceição Paschoal, Advogada e Professora Livre Docente de Direito Penal na Universidade de São Paulo, soam como grave advertência ao CNMP em sinal de alerta ao Supremo Tribunal Federal, único hoje ainda com poder nesta República para enquadrar os agentes públicos renitentes à ordem democrática, que no Executivo, no Legislativo e, em especial no próprio Judiciário, fazendo de conta que não sabem, ou por ignorancia não sabem mesmo, que a Constituição há de ser sempre a inspiração única nas decisões administrativas, legislativas, judiciárias e por que não também do Ministério Público, suas corporações e colegiados?

Que mais Janaínas e Janaínos despontem neste cenário já tão infestado por tantas mediocridades. Para o bem da cidadania no Brasil!

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