quinta-feira, 24 de julho de 2014

Tereza

Mulher de Zé Piolho, líder do Quilombo do Quariterê, no atual Mato Grosso, perto da fronteira com a Bolívia, Tereza de Benguela ficou sem o marido. Recebeu como herança a causa da liberdade.
Por vinte anos Tereza esteve à frente da resistência contra a escravidão dos negros e dos índios, até que a força bruta capitaneada por Luiz Pinto de Souza Coutinho dizimou o quilombo.
Amanhã, sexta feira, dia 25 de julho, será o Dia Nacional da Mulher Negra, instituído pela Lei nº 12.987/2014.
Por sua história de lutas e ideais de liberdade do seu povo resistindo em duras batalhas contra a escravidão que os brancos quiseram impingir no País para o todo o sempre, Tereza que foi proclamada Rainha dos Quilombolas, isso na segunda metade do século XVII, simboliza hoje a continuidade das lutas das mulheres negras por respeito aos seus direitos.
Quando imaginam que apenas instituindo um órgão estatal com nomenclatura de negro demonstram algum interesse contra o preconceito racial, os políticos do poder parecem nem terem ideia das desigualdades sociais que configuram esse muro da vergonha, aparentemente invisível.
No Maranhão, por exemplo, ainda predomina o olhar mais fingido do Brasil quanto à população negra. Fingimos não saber que somos o Estado do Brasil com maior percentual de habitantes negros. Parecemos ignorar que São Luís está, ao lado de Salvador e Rio de Janeiro, entre as três capitais, com maior contingente de negros.
Não cuidamos de politicas públicas eficazes para a inserção dessas maiorias nos direitos e vantagens da República e da Democracia, ainda hoje apenas deferidos à minoria branca.
Mulher negra arranja fácil posto de trabalho, mas aonde? Nas casas dos brancos. Ou são cozinheiras ou são faxineiras ou são passadeiras, raramente são babás. Umas ganham salário, muitas no interior miserável do Estado aceitam em troca um prato de comida, podendo conforme o caso levar outro prato de comida para os famintos que os esperam em casa.
Ruth de Souza, na metade do ultimo século, foi a primeira atriz negra no cinema nacional. Sempre representava personagens mais próximos da senzala. O trio Vinicius – Tom Jobim – Niemayer fez o “Orfeu da Conceição”.
O Orpheu do filme foi o ator negro Bruno Mello e a Eurídice  uma negra linda - Marpessa Dawn, recrutada em Paris pelo diretor Marcel Camus por conta de que se tratava de uma coprodução franco-brasileira. As outras mulheres do elenco eram negras brasileiras como Dayse Paiva, Lea Garcia, Pérola Negra e Francisca de Queiroz.
Aquela versão do “Orpheu” causou profunda impressão em Stanley Ann Dunham, uma professora branca do Havaí onde era proibido casamento inter-racial. O enredo atualizado por Vinicius localizando-o numa comunidade negra carioca pesou na decisão da moça de casar-se com um bolsista do Quênia, um certo senhor Barack Obama, que não era outro senão o pai do atual Presidente dos Estados Unidos. Quem conta isso é o próprio Obama no seu primeiro livro de Memórias – “A origem dos meus sonhos”.  
Quando resolveu levar para o cinema a história de Chica de Silva, uma negra linda e fogosa que fez do seu facho uma fonte de poder, Cacá Diegues, o genial diretor do cinema novo, (genial não foi só o Glauber), chamou Zezé Mota, que arrasou no papel.
Anos e anos depois Zezé contou que a maioria dos homens que a assediavam não o faziam pela pessoa que sempre foi, digna, ética, profissional, digo eu. Mas pela fantasia de que poderiam se enroscar na Chica da Silva, que ela personificou.
Há pesquisas sobre essas fantasias dos homens pelas mulheres negras. O preconceito, porém, lhes tolhia e ainda  tolhe a muitos a se assumirem como parceiros de verdade das mulheres negras com as quais não param de sonhar.
Tivemos um Ministro da Marinha, ainda que por poucos dias, nomeado por Jango em meio aquele forrobodó engendrado por Lincoln Gordon, o embaixador americano que levou os dois Kennedys e mais Lindon Johnson na conversa de que o Brasil estava em vésperas de se tornar a nova e grande cuba do continente.
Naquele cai não cai do Governo Jango, mas já caindo, o Presidente nomeou um novo Ministro da Marinha. A mídia encantada pelos golpistas procurou o almirante querendo que confirmasse se era casado com uma mulher negra. “Minha esposa é negra, sim. É negra, mas é honesta”.
Mulher negra só aparecia em novela como no cinema de antigamente encarnando personagens domésticos. Hoje já tem mulher negra na previsão do tempo.
E assim elas vão abrindo caminhos a golpes de talento e de muita luta. Como a Tereza da data nacional de amanhã que perdeu o marido e depois, ela própria, a vida lutando num quilombo pela dignidade e direitos dos homens e das mulheres negras.
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