quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Anônimos

Há os que só pela necessidade de serem notados até sairiam por aí balançando uma jaca no pescoço.
E há os que não suportando mais tanta exposição pública sonham com o dia em que possam andar imperceptíveis ao ar livre das ruas, ainda que só por algumas horas, mesmo correndo o risco de serem assaltados ou vaiados.
Não seria bem uma síndrome porque tanto aqueles que fazem de tudo para serem notados como se fossem celebridades quanto os que seguram as ânsias que os aprisionam querendo o anonimato – uns e outros padecem de um mesmo mal decorrente de uma mesma causa. A solidão.
Deixando de lado os que não habitam o País das pessoas comuns e algumas delas se acham aiatolás e até imortais, vejamos o que se passa, por exemplo, nos macambúzios palácios de Brasília impregnados de uma solidão enorme, a solidão do poder.
Muitos atravessam aquele tempo de quase nirvana para só depois perceberem que aquelas mesuras todas não eram por sua causa, mas por causa do poder transitório que detinham.
No poder costumam gozar aquela saúde do verso de Fernando Pessoa, a grande saúde não perceber coisa nenhuma.
A nossa atual Presidenta parece viver no extremo limite da tolerância. Moça de boa família criada à luz de princípios cristãos e rígidos valores morais, educada em bons colégios, não consegue lidar no dia a dia com o que ela mesma chama de malfeitos da política na sua administração.
Como se fosse fadada à tortura, ontem nos calabouços da ditadura, hoje nos desvãos da República, a Presidenta sofre muito.
Quem a inveja nessa de ter que aguentar tanta proposta indecente todo dia? Ora, se para um homem com cabeça de homem é inconcebível, imagina o quanto soa afrontoso para uma mulher.
Ninguém parece compreender que o tom agressivo, muitas vezes autoritário, com que, dizem, a Presidenta trata as pessoas, em especial seus auxiliares e os políticos em geral, apenas reflete as dores da sua solidão.
E no seu caso não só por estar no poder como alguém cumprindo de certo modo uma pena de quatro anos numa espécie de regime semiaberto, mas também por não se conformar com as coisas como estão e ela ter a consciência de que para muda-las não basta apenas a força da sua vontade, a solidão é fera.
Pode ser que por isso, quando lhe é possível, dá as suas escapadinhas. Presidente ou Presidenta, afinal, é gente feita de carne e osso. Com cabeça, tronco e membros.
A primeira escapadinha da Presidenta, dentre as que se soube, foi quando em meio a uma solenidade pública daquelas muito chatas ela saiu de fininho e montou na garupa de uma motocicleta pilotada por um burocrata de confiança e partiu em alta velocidade respirando o ar livre do anonimato.
Tivemos um Presidente que ao cheiro de Povo disse preferir o dos seus cavalos. Quando estava próximo do fim do mandato a sua obsessão pelo anonimato foi tamanha que pediu solenemente que o esquecessem. Foi atendido.
A história ainda checa se foi verdade ou apenas folclore politico desses atribuídos ao Nery a escapadinha, que ainda hoje se conta em Brasília, de um então Presidente.
Crente que conseguira, afinal, alguns momentos de anonimato viu todo seu entusiasmo murchar quando a moça que o esperava perguntou manhosa e faceira– como quer o senhor que eu lhe chame, Presidente?
Melhor fez o Fernando Henrique. Passada a quarentena da viuvez, casou com uma intelectual do seu tope sem avisar a ninguém.

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